Frederico Nietzsche |
E a refracção do dogma através da personalidade.
Resumida a moral em sistema de ideias, sempre a diferenciação virá pela interpretação pessoal.
A moral individualista no seu elevado sentido é imensamente sociável.
A sociabilidade biológica para as naturezas pobres, a sociabilidade universal para as naturezas profundas e religiosas. Não é então a moral católica o tipo ideal?, não realiza ela a máxima sociabilidade dos homens, fraternizando-os em Deus? Não.
Cria um dualismo irredutível, dentro da consciência, entre um ideal perfeito e eterno (petrificação de uma concepção humana imperfeita e temporal) e a própria imperfeição da vida, evoluindo e, num certo sentido, negando-se. Opondo ao paganismo sadio, contente adorador da natureza, a liberdade do Espírito, algo novo e fecundo lançou na terra. Mas, definindo a obra do Espírito, deu-a por concluída, e encarcerou-se na Torre sagrada do Dogma.
A lógica matou a moral. A inteligência construiu um mundo, e a vida, fonte pura da moral, tendo de adaptar-se, apoucou-se e, mutilada e exígua, foi-se fenecendo na contemplação de Deus.
Qual o sentido de uma individualidade? Fisicamente: o de um sistema material isolado no espaço e com consciência desse isolamento. O que lhe garante a consciência desse isolamento? O conhecimento do não-eu, isto é, o convívio. Esse isolamento, como compreendê-lo? Se fosse completo, como explicar o indivíduo? O próprio isolamento nós o compreendemos pela noção da sociabilidade: laços ténues, laços íntimos, laços fraternais. A moral individual é a expressão integral e única das relações do indivíduo agente com o mundo. É violenta, falsa e degradante toda a moral que proclama regras universais. Um indivíduo é naturalmente estranho a outro indivíduo, só do indivíduo deve partir o esforço para a fraternização, porque só ele possui e define as suas relações com o seu ser. Ele necessariamente irá modificando a sua moralidade com o seu progresso no conhecimento do ser, pois a moralidade é esse mesmo conhecimento.
Leonardo Coimbra |
As próprias descobertas do mundo científico (não se opõem metafísica e ciência, completam-se) não traduzem relações, formas do Ser?
Há verdades morais que o pensamento do homem descobre, mas a sua garantia está na consciência individual. Eu posso ser levado a perscrutar a profundeza da minha alma, pela voz sugestiva de um revelador, mas essa voz só encarna e vive, quando se ergue apaixonada e fremente da minha consciência iluminada. As relações científicas são também significativas quando me servem para decifrar o enigma do Ser, para procurar o sentido, a realidade da vida. Quando recebo uma fórmula moral, posso sentir-me esclarecido; então ela é bem o meu ser, a minha consciência; posso aceitá-la por inércia, serei então escravo de quem ma ditou.
Uma verdade estranha ou nos possui ou, sendo já na nossa inconsciência, vem-nos alargar o horizonte moral, enriquecer ou embelezar a vida. O individualista, que o é para legitimar a sua clausura egotista, regressa para a matéria.
O moralista, que apregoa a sua moral eterna, é, na verdade, carcereiro de almas, fabricante de consciências.
O uso metódico de uma ética, ginástica de Ling do espírito, levaria ao automatismo moral, que é a negação do homem. Trágica franqueza a de Spencer ao presumir a organização da moral humana em instintos! (in Dispersos, V, Filosofia e Política, Editorial Verbo, 1994, pp. 40-42).
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