Friedrich Hoelderlin |
«O que sempre tem feito do Estado um inferno na terra tem sido precisamente procurar o homem fazer dele o seu paraíso».
F. Hoelderlin
Só quando foi vencido pela influência das fortes correntes democráticas que precederam a revolução de 1848 é que o socialismo se começou a aliar a forças libertadoras. E não tardou muito tempo que este novo «socialismo democrático» se descomprometesse das suspeitas que os seus antecedentes lhe criaram. Ninguém viu com maior clareza do que Tocqueville que a democracia, como sistema essencialmente individualista, estava em conflito irredutível com o socialismo:
«A democracia alarga a esfera da liberdade individual, o socialismo restringe-a. A democracia atribui o máximo valor a cada homem, o socialismo faz de cada homem um simples agente, um número. A democracia e o comunismo nada têm de comum, excepto uma palavra: igualdade. Mas note-se a diferença: enquanto a democracia estabelece a igualdade em liberdade, o socialismo procura a igualdade em repressão e servidão» (7).
Para atenuar estas suspeitas e fazer seu o mais poderoso de todos os motivos políticos, o desejo de liberdade, o socialismo começou, com frequência cada vez maior, a acenar com a promessa de uma «nova liberdade». Quando fosse instituído, o socialismo realizaria o salto do reino da necessidade para o reino da liberdade. Traria a todos a «liberdade económica» sem a qual a liberdade política já conquistada «nada valia». Só o socialismo seria capaz de levar a bom termo a longa luta do homem pela liberdade, de que a liberdade política terá sido apenas um primeiro passo.
É importante atender à subtil modificação que foi dada ao significado da liberdade para que esta argumentação pudesse ter verosimilhança. Para os grandes lutadores da liberdade política, a palavra significa «libertar de toda a coerção», libertar cada homem do poder arbitrário de outros homens, quebrar as cadeias que não deixavam ao indivíduo outra hipótese se não obedecer às ordens do superior a quem estava ligado.
A «nova liberdade», agora prometida, era estar o homem liberto da necessidade, liberto da pressão das circunstâncias que sempre, inevitavelmente, limitam as possibilidades de escolha de todos nós, embora mais a uns do que a outros. Para o homem poder ser verdadeiramente livre, seria preciso quebrar «o despotismo das necessidades físicas» e «alargar os freios do sistema económico».
Neste sentido, a liberdade é apenas um outro nome para designar o «poder» (8) ou a riqueza. As promessas desta nova liberdade são em geral acompanhadas de irresponsáveis promessas de um grande aumento da riqueza na sociedade socialista. Mas não é da conquista absoluta dos tesouros que a natureza guarda que se espera obter essa «liberdade económica». As promessas consistem, efectivamente, em afirmar que com o socialismo desaparecerão as grandes desigualdades de possibilidade de escolha que existem entre as diferentes pessoas. A busca de uma nova liberdade apenas é, deste modo, um novo nome dado à antiquíssima busca de uma igual distribuição da riqueza. Mas, com este novo nome, os socialistas puderam ter, de comum com os liberais, uma palavra essencial, e exploraram esse facto até ao fundo. E se a palavra é empregada em sentido diferente pelos dois grupos, poucas pessoas o sabem distinguir e mais raras ainda são aquelas que se interrogam sobre a real possibilidade de combinar duas espécies tão diversas da liberdade prometida.
Não há qualquer dúvida de que a promessa de maior liberdade veio a ser uma das armas mais eficazes da propaganda socialista, e de que foi autêntica e sincera a convicção que se criou de que o socialismo traria consigo a liberdade. Tal convicção só aumentaria a tragédia quando se provasse que a Estrada da Liberdade assim prometida constituía na realidade a Auto-Estrada da Servidão. Principal e incontestável responsável da atracção exercida em inúmeros liberais pelo socialismo, a promessa da nova liberdade não os deixou ver o irredutível conflito que existe entre os princípios do socialismo e os do liberalismo e tornou possível que os socialistas usurpassem até o próprio nome da velho partido da liberdade. A maior parte da «inteligentzia» aderiu ao socialismo como aparente sucessor da tradição liberal e não podemos, portanto, estranhar que se lhe afigure inconcebível que o socialismo conduza ao contrário da liberdade (ob. cit., pp. 55-59).
Notas:
(7) «Discours prononcé à l'Assemblée Constituante le 12 Septembre 1848 sur la Question du Droit au Travail», Oeuvres Complètes de Tocqueville, vol. IX, 1866, p. 546.
(8) A confusão característica entre liberdade e poder, que várias vezes encontraremos ao longo deste ensaio, é assunto que exige um tratamento demasiado extenso para o podermos fazer aqui. Tão velha como o próprio socialismo, esta confusão está-lhe ligada tão estreitamente que, há quase setenta anos, um erudito francês, ao discutir as suas origens saint-simonistas, foi levado a concluir que tal teoria da liberdade «est à elle seule tout le socialisme» - P. Janet, Saint-Simon et le Socialisme, 1878, p. 26, nota. O defensor mais explícito daquela confusão é, significativamente, o mais importante filósofo do esquerdismo norte-americano, John Dewey; segundo ele «a liberdade é o poder efectivo de fazer coisas específicas» de tal modo que «a procura da liberdade é a procura do poder» (Liberty and Social Control, The Social Frontier, November, 1935, p. 41).
Continua
Nenhum comentário:
Postar um comentário