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domingo, 27 de novembro de 2022

O intelecto e a intelecção

Escrito por Aristóteles




«A “física” aristotélica não se limita a investigar a natureza em geral e os seus princípios, o universo físico e a sua estrutura, mas também estuda os seres que estão no universo, os inanimados, os animados que carecem de razão, e os seres animados e providos desta (o homem). Aos seres animados o Estagirita dedica uma atenção especial, escrevendo uma grande quantidade de tratados, entre os quais sobressai pela sua profundidade, originalidade e valor especulativo o célebre tratado Da Alma...

Os seres animados distinguem-se dos inanimados porque possuem um princípio que lhes confere a vida, e este princípio é a alma. Mas, que é a alma?

Para responder a esta pergunta, Aristóteles remonta à sua concepção metafísica hilemórfica da realidade. Todas as coisas, em geral, são um composto de matéria e forma, sendo a matéria potência enquanto a forma é enteléquia ou acto. Não há dúvida de que isto se aplica também aos seres vivos. Ora, observa o Estagirita, os corpos vivos têm vida, mas não são a vida e, portanto, são como um substracto material e potencial de que a alma é forma e acto. “Assim, pois, escreve Aristóteles, a alma é necessariamente substância, entendida como forma de um corpo natural que tem vida em potência. Mas a substância (entendida como forma) é acto perfeito. Assim, pois, a alma é acto perfeito de um corpo do género especificado”. E continua: “(...) a alma é acto perfeito primeiro de um corpo natural que tem vida em potência”; “visto que temos de dar uma definição geral válida para toda a alma, tal definição poderia ser o acto perfeito primeiro de um corpo natural orgânico”».

Giovanni Reale («Introdução a Aristóteles»).


«Não dizemos que a alma, onde o intelecto se encontra, supere de tal maneira a matéria corporal que não exista no corpo, mas que o intelecto, a que Aristóteles dá o nome de “potência da alma”, não é o acto de um corpo. Com efeito, a alma não é o acto de um corpo mediante as suas potências, mas é por si mesma o acto do corpo que dá ao corpo o seu ser específico. Mas algumas das suas potências são o acto de certas partes do corpo, aperfeiçoando-as com vista a certas operações: é assim que a potência em que o intelecto consiste não é o acto de nenhum corpo, pois a sua operação não se realiza através de um orgão corporal.»

São Tomás de Aquino («A Unidade do Intelecto Contra os Averroístas»).


«O acto intelectivo é análogo ao acto perceptivo; o primeiro é uma recepção ou assimilação das formas inteligíveis, tal como o acto perceptivo consiste na assimilação da forma sensível, mas difere profundamente da faculdade perceptiva, porque não está misturado com o corpo nem com algo corpóreo.»

Giovanni Reale («Introdução a Aristóteles»).


«Os livros de Aristóteles De Anima, com os tratados que contêm quanto aos aspectos e estados particulares da alma, são, hoje e sempre, a melhor obra, talvez a única com interesse especulativo, que há a esse respeito. O fim essencial de uma filosofia do Espírito, só pode ser o de introduzir de novo, no conhecimento do Espírito, o conceito, e também, por consequência despertar a compreensão daqueles livros aristotélicos».

Hegel («Lições da História da Filosofia»).





«O pensamento lógico consiste, essencialmente, de coerência entre esquemas. Ele é uma vasta estruturação de relações de contigüidade, sucessão, pertinência, oposição, semelhança, diferença, escalaridade hierárquica, etc. etc. Como poderia realizar estas operações diretamente sobre a variedade inesgotável dos dados sensíveis? Se estes não estivessem previamente selecionados, resumidos e simplificados na memória e imaginação, seria preciso a força de um pensamento divino para conter toda a multiplicidade inabarcável do que nos chega pelos sentidos. Mas o pensamento lógico não opera direto sobre o percebido, e sim somente sobre a parte selecionada e simplificada que se deposita e permanece na memória, sob a forma de esquemas ou espécies.

É assim que se torna possível a conquista suprema do pensamento lógico: o conceito. O conceito abarca numa só operação mental não somente espécies de entes, e espécies de espécies, isto é, gêneros. E de gênero em gênero pode ir subindo, para abarcar as relações mais gerais e universais até conceber as relações meramente possíveis e as gradações de possibilidade que hierarquizam e relacionam as possibilidades entre si.

Mas o conceito é nada mais que um esquema puramente verbal (ainda que inexpresso), que simplifica ainda mais o esquema sensível com que a memória por sua vez resumia toda uma espécie de seres. Isto quer dizer que o pensamento só age desde um certo nível de generalidade para cima. Daí a importância estratégica da imaginação: para os cinco sentidos, só existe o aqui e agora, o caso concreto, o dado imediato; para o pensamento, só existe o conceito, o geral, o esquema de esquemas, cada vez mais rarefeito e universal. Sem a mediação imaginativa, essas duas faculdades cognitivas estariam separadas por um abismo. O homem teria talvez sensações como um coelho; e talvez por dentro até pensasse alguma coisa, como um computador; mas não poderia pensar sobre o que sente de fa[c]to, isto é, raciocinar sobre a experiência vivida; nem poderia, de outro lado, orientar a experiência pelo raciocínio, buscando novos conhecimentos. Seria tão eficiente quanto um computador operado por um coelho, e tão vivo quanto um coelho desenhado na tela de um computador.»

Olavo de Carvalho («Aristóteles em Nova Perspectiva»).


«A imaginação é aquele factor de conhecimento, ou factor gnósico, a que mais devem os estudos humanísticos. Se a razão é, efectivamente, o que distingue e separa a humanidade da animalidade, a imaginação é o factor divinizante. A gnosiologia positivista reduziu o conhecimento a meras interpretações de sinais, tomando por tipo a percepção animal, mas a gnosiologia transcendente prova que a interpretação depende da relação de espírito a espírito.

Erram e enganam todos quantos confundem imaginação criadora com a fantasia delirante. A distinção dos dois fenómenos psíquicos, designados por fantasma e por imagem, era já conhecida pelos filósofos da Antiguidade, mas tornou-se clássica, isto é, elementarmente escolar, desde que Coleridge a expôs e defendeu na Biografia Literária (1817). Combatendo a gnosiologia cartesiana, que postula a separação abissal entre a matéria e o espírito, conseguiu o célebre poeta inglês redescobrir, ou descobrir, a doutrina esotérica de Aristóteles.»

Álvaro Ribeiro («A Razão Animada»).

 

«Uma lógica que fosse a repetição da gramática, como erradamente a supõem alguns em Álvaro Ribeiro dizendo que ele não fez mais do que pensar uma filosofia da linguagem, é logo superada pela proposição de que os tropos é que realizam a relação da língua com o pensamento. Assim explica que entre a língua e o pensamento não há uma relação unívoca mas de convergência e de divergência. Esta afirmação implica que há pensamento sem palavras, como se verifica entre os amantes. Também aqui o pensamento aparece como mediação. O amor entre o homem e a mulher não é só o amor entre dois corpos distintos, mas entre duas imaginações que podem atingir o êxtase.

O pensamento é do domínio angélico. O que é próprio do homem é a razão que movimenta as relações de convergência e de divergência com a língua por meio de silogismos em que o termo médio é um tropo. Pelo tropo, sobretudo pela metáfora, a razão compõe-se com a imaginação. A imaginação é, porém, do domínio da alma, porquanto é ela que faz a relação da sensação com a razão, que é o espírito do homem. Seria interessante verificar neste momento como, pela actividade da mediação, as tríades se encadeiam umas com as outras em escada, o que poderá fazer-nos julgar que haja em Álvaro Ribeiro uma adesão ao emanatismo, gnóstico ou neoplatónico.

O homem foi criado por Deus, mas a criação não cessou com a queda do homem na história, depois do pecado original. (...) O pecado original é um pecado de imaginação ou, se preferirdes por ser mais claro, um pecado de magia. Álvaro Ribeiro insurge-se contra as explicações do pecado original que nele vêem a relação carnal entre o homem e a mulher. Já Adão tinha conhecido Eva quando se deu o pecado de que temos notícia pelo Génesis.

Há uma degeneração na carne que serviu de carro ou de veículo ao amor de Adão por Eva quando ele a conheceu. Os cinco sentidos ou sensos, como prefere dizer Álvaro Ribeiro, puras irradiações do sentido interno, o sensorium communis dos escolásticos, pelo pecado original emergiram na carne e a imaginação passou a confundir-se com a sensação. Com efeito, sem a imaginação não seríamos capazes de reconhecer uma rosa. Sem a imaginação nunca a sensação seria percepção.

Deixemos, porém, este assunto que é o mais difícil e misterioso da obra de Álvaro Ribeiro, mas retenhamos a ideia de que o homem é uma tríade vivente composta de corpo, alma e espírito. A alma é mediadora entre o corpo e o espírito em analogia ou correspondência da imaginação entre a sensação e a razão.»

António Telmo («Teoria da Imaginação em Álvaro Ribeiro», in «Álvaro Ribeiro e a Filosofia Portuguesa», Ciclo de Palestras).


«Se a imaginação e a sensação fossem realmente idênticas, seria a imaginação efectivamente possível em todos os seres vivos - tal parece não ser o caso: não se verifica existir imaginação alguma na formiga, na abelha ou na larva. Mais uma vez, são verdadeiras as sensações enquanto que, pelo contrário, falsa, a maior parte das imaginações. Nem tão pouco poderemos afirmar "eu imagino que isto seja um homem", funcionando os nossos sentidos com precisão acerca desse mesmo objecto, unicamente, então, poderemos dizer que o será quando não conseguirmos apreendê-lo distintamente. E assim, tal como dissemos anteriormente, até as visões podem aparecer ao homem quando tem os olhos fechados.»

Aristóteles («De Anima»).

 

«Uma das coisas mais difíceis para a mente moderna compreender sobre as condições do ambiente na Atlântida é que a própria natureza dos elementos e a forma como estes se combinavam era completamente diferente na altura. Podemos dizer de forma totalmente justificada que a água, nessa fase da evolução terrestre, era muito mais rarefeita do que a água de hoje, e o ar, da mesma forma, era muito mais denso.

Para a percepção sensorial contemporânea, a Atlântida surgira como se estivesse oculta por neblinas densas. No entanto, os atlantes não eram de forma alguma prejudicados por esta situação, porque não obtinham a sua experiência do mundo dos sentidos através de uma percepção sensorial directa. Viviam numa espécie de consciência visual nítida, em que imagens coloridas reflectiam com exactidão as realidades do mundo sensorial.

A distinção mais acentuada entre o homem contemporâneo e o atlante antigo tem a ver com as tremendas alterações, na evolução da consciência humana, que ocorreram desde essa altura.

O homem moderno é mais consciente quando está acordado no mundo dos sentidos, e vive uma total eliminação da autoconsciência durante o sono. Mas os atlantes viviam uma diminuição de consciência durante o dia, enquanto trabalhavam no mundo dos sentidos. À noite, viviam uma grande intensificação da consciência, na qual tinham uma visão consciente directa das hierarquias celestiais no Macrocosmo, com as quais tinham meios de comunicação mágicos.»

Trevor Ravenscroft («A Lança do Destino»).


«Os homens são incapazes de se aperceberem do que fazem, quando estão acordados, precisamente como esquecem o que fazem quando a dormir.»

Heraclito de Éfeso


«Admitindo sem discussão, e em conformidade com a opinião corrente nos meios de cultura greco-latina, que a noção de alma seja anterior e inferior à noção de consciência, para admitir também a hipótese de que nem todos os animais são conscientes, teremos de reconhecer na fala, e mais ainda na razão, a característica da consciência humana. Assim interpretamos, aliás, que na obra de Aristóteles a Psicologia prepare a Retórica e esta por sua vez o Organon. Efectivamente só a palavra nos adverte, e só o discurso nos assegura, de que somos consciências em convívio com outras consciências.

A autognose mais séria, obrigando-nos à intuspecção, logo nos propicia o conhecimento de uma dualidade no íntimo do nosso ser. A palavra consciência (latim conscientia, grego suneidesis) designa muito bem essa dialéctica, esse diálogo interior a que sempre estamos mais ou menos atentos, diálogo que nos momentos dramáticos de interesse moral nos obriga a apreciar o nosso passado e a projectar o nosso futuro. A fala da alma, o logos da psique, que é o verdadeiro e restrito objecto da psicologia, determina o lugar desta ciência no seu respectivo grupo científico, o qual, abrangendo a biotipologia, a fisiognomia e a caracterologia, adquire a designação geral de antropologia.»

Álvaro Ribeiro («A Razão Animada»).


O intelecto e a intelecção


Quanto àquela parte da alma, a qual lhe permite conhecer e pensar, seja ela separável de si mesma ou, ainda, não separável de si mesma segundo a sua extensão respectiva, podendo, aliás, sê-lo segundo a respectiva noção – é uma situação que é necessário examinar: ver qual será o carácter que a pode distinguir assim como precisar o próprio processo de intelecção. Se é a intelecção análoga à sensação, deverá ela constituir, nessa eventualidade, ou uma espécie de paixão sob o efeito da acção daquilo que é inteligível ou, então, ser qualquer outra coisa semelhante.

O princípio da intelecção deve, portanto, ser inalterável, tendo, por outro lado, a capacidade de receber a forma ou algo enquanto forma (por isso, não pode ser idêntico a esta mesma) e, além disso, deverá ele proceder em relação aos objectos inteligíveis do mesmo modo que assim procede a faculdade dos sentidos em relação aos objectos sensíveis.

Por conseguinte, será necessário que assim seja precisamente, em virtude de, em tudo aquilo que pensa, ser “sem mistura alguma” – segundo o diz realmente Anaxágoras – a fim de poder “dominar”, isto é: para poder conhecer. É que, se porventura manifesta ele a sua forma que lhe é própria perante uma que lhe é estranha, apresentará consequentemente em relação a esta última um obstáculo que se interpõe no meio; do mesmo modo, também não evitará ele a natureza propriamente dita para além do ser em potência.

Por conseguinte, aquilo que é denominado “intelecto da alma” (digo “intelecto” quando me refiro àquilo pelo qual a alma pensa discursivamente e pode conceber) não poderá, nos seres, ser outra coisa senão em acto antes de pensar. Eis, pois, a razão por que já não é possível afirmar-se que um princípio se encontra como que “mesclado” com o corpo: apresentaria, neste caso, uma tal qualidade, como, por exemplo, o quente ou o frio, ou, então, seria munido de um orgão, tal como sucede com a faculdade sensitiva – mas, pelo contrário, isso não se verifica. Além disso, existe alguma razão em se afirmar que a alma é o domicílio das formas, conquanto se ressalve não ser toda a alma mas apenas a alma intelectiva e, ainda, não serem as ditas formas em enteléquia mas, antes, em potência.




Que a impassibilidade da faculdade sensitiva e a inalterabilidade da faculdade intelectiva não possam ser da mesma natureza, tal constitui um facto evidente, em relação a isso também assim se considerando os orgãos corporais e o sentido propriamente ditos.

A sensação não é por si só capaz de captar coisa alguma depois de um estímulo muito forte dos sentidos: não somos nós capazes de, por exemplo, nos aperceber de quaisquer sons depois de um som intenso, o mesmo se verificando com os odores ou as cores muito fortes – não nos é possível sentir ou ver. O intelecto, pelo contrário, sempre que pensa um objecto claramente inteligível, não será totalmente incapaz de conhecer os objectos inteligíveis inferiores – torna-se, sobretudo, ainda maior a sua capacidade de o fazer. Com efeito, a faculdade sensitiva não é independente de um orgão sensorial, o intelecto pode, no entanto, sê-lo plenamente. Assim sendo, no momento em que este se torna em cada um dos seus objectos, naquele sentido preciso de disso ter o completo conhecimento, sendo aquele enquanto acto (que é, afinal, aquilo que acontece sempre que transitamos para os actos propriamente ditos), permanecerá ele, então, em potência, todavia, de uma maneira diferente daquela que se verificava antes de ter intuído ou ido ao encontro do objecto, podendo, por isso, dizer-se que lhe é possível pensar em si próprio.

Sabemos nós que uma coisa é a grandeza e outra, a essência formal da grandeza; a mesma observação vale para a água e a essência formal da água e para muitos outros casos, embora não todos, porquanto em certos casos se verifica uma identidade. Sendo assim, segue-se o facto de se julgar acerca da essência formal da carne, ou da própria carne em si, recorrendo-se às diferentes faculdades ou, então, a uma só faculdade de diferentes modos. A carne realmente não existe separada da matéria, implicando, porém, à maneira de um simulacro, uma forma definida numa matéria definida. Mais uma vez, é através da faculdade sensitiva que nos é possível julgar acerca do frio e do quente, assim como acerca de todas aquelas qualidades cuja proporção devida forma a própria carne. Contudo, é por intermédio de um sentido diferente (ou, então, razoavelmente distinto, ou ainda a ele relativo, naquela mesma maneira em que uma linha curva o é em relação a si mesma quando, depois de ter sido endireitada, se torna, ela própria, numa linha recta) que podemos julgar a essência da carne. Além disso, entre os objectos abstractos, a noção de “recta” implica a noção de “chato” – isto é: “plano” – porquanto se encontra sempre combinada com a extensão; sendo, todavia, a sua essência, quer “recta” quer o “facto de ser recta” não tenham obviamente que ser a mesma coisa, algo de diferente – chamemos-lhe, nesse caso, dualidade. Por conseguinte, será devido a uma diferente faculdade, ou, então, à mesma, ela própria, embora de modo diferente, que nos é possível julgar. De uma maneira geral, assim como as coisas são separáveis da matéria, assim também o será tudo aquilo que ao intelecto diz respeito.




Poderá, então, levantar-se a seguinte questão: se o intelecto é simples e inalterável, nada havendo que se lhe assemelhe absolutamente, como afirma, aliás, Anaxágoras, como poderá ele assim pensar, se pensar é uma forma de sofrer uma alteração? É que é efectivamente enquanto elemento de dois termos em simultâneo que ele age, por um lado, e sofre, por outro. Além disso, um segundo problema consiste na circunstância de o próprio intelecto poder possivelmente constituir o próprio objecto do pensamento. Na eventualidade de assim ser, ou o intelecto se encontra presente em todos os outros objectos (caso o intelecto e o objecto de pensamento o sejam em si, não em virtude de qualquer outra coisa, e, ainda, na hipótese de ser aquilo que é pensado sempre idêntico quanto à forma); ou, então, possuirá em si algum elemento comum que o há-de tornar objecto do pensamento, tal como sucede com todas as outras coisas; ou, ainda, temos de nos socorrer, por outro lado da explicação anteriormente referida “sofrendo uma alteração em virtude de um elemento comum”. O intelecto é, por conseguinte, potencialmente idêntico aos objectos do pensamento, nada podendo ser, porém, até àquele momento em que pensa. Aquilo que o intelecto pensa deve nele encontrar-se incluído, tal como as cartas contidas numa tabuinha: nelas coisa alguma pode encontrar-se inscrita enquanto enteléquia; ora, é precisamente isto aquilo que sucede com o intelecto. Além disso, é ele inteligível em si próprio, assim como todos os outros objectos do pensamento. No que diz respeito às coisas desprovidas de matéria, aquilo que pensa e aquilo que é pensado são o mesmo absolutamente, sendo o conhecimento teorético o mesmo que o seu objecto. (Em relação ao facto de não ser sempre possível pensar-se, convirá examinar a razão por que assim acontece). Naquelas coisas providas de matéria, cada um dos objectos do pensamento só poderá estar presente em potência. Assim sendo, enquanto os objectos materiais não podem em si mesmos incluir o próprio intelecto (porquanto é fora da matéria que o intelecto lhes é potencialmente idêntico), o intelecto, ainda assim, manterá a capacidade de poder ele próprio ser pensado.

(In Aristóteles, Da Alma (De Anima), Edições 70, pp. 100-104).






segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Categorias de Aristóteles VI

Escrito por Aristóteles








«O sistema de livros que a tradição liceal formulou com os escritos lógicos de Aristóteles e discípulos, destinado à escola peripatética, intitula-se Organon, que se traduz por orgão, instrumento. Orgão é elemento de aparelho, e nesta acepção Aristóteles inventou o nome: elemento do aparelho analítico, a Analítica, que a escolástica latina baptizou com o nome de Lógica. O aparelho inclui, além da Analítica, a Gramática e a Retórica, mas os fundamentos do trívio constam deste compêndio do pensamento rigoroso e não paralogista dos livros orgânicos, fonte da lógica formal, a pontos de o próprio Aristóteles reconhecer que, antes dele, nada havia a citar, apesar da penosidade que sofreu em busca de eventuais fontes anteriores, de onde o seu exercício analítico e retórico constituir o primeiro na escola grega e, por efeito, nas demais escolas.

Organizador da lógica dedutiva, baseada no instrumento racional do silogismo, que funciona qual operação aritmética de matemática pura, ainda hoje a humanidade não dispõe de outra lógica dedutiva que não seja a de Aristóteles. Bacon, no Novum Organon, ensaiou uma lógica indutiva, mas não conseguiu, nem alterar as regras universais da lógica dedutiva, nem demonstrar erro nas teses de Aristóteles quanto à indução, que este minorava, por achar que, nos acidentes, não há forma de progredir senão pela análise de acidente a acidente, sem hipótese de universalização de uma série, classe ou conjunto de acidentes. As tentativas francesas devidas, no século XVIII, a autores quais Destutt de Tracy, ficaram na mesma, e nada alteraram à regra do silogismo preconizada e construída por Aristóteles».

Pinharanda Gomes (in Prefácio a Aristóteles, «Organon , I Categorias, II Periérmeneias», I Volume).


«O empirista é, antes de mais, um zeloso coleccionador. Coleccionar, classificar e catalogar todos os objectos de estudo são efectivamente actos progressivos pelos quais se adquire o conhecimento mais duradouro e mais fecundo. Ao encontro repetido com as coisas chama o vulgo experiência. Tal experiência vale quando acompanhada da distinção racional dos diferentes entre os semelhantes, quando progride até ao princípio de individuação, quando não receia nomear o inefável. A tolerância metodológica do empirista tem um admirável complemento na classificação ética e jurídica, porque, em vez de excluir e eliminar, atribui um lugar social a tudo quanto é de existência natural. 

É claro que o coleccionador parte do que o nosso povo chama uma ideia preconcebida, concebida por outros e depositada na linguagem, ideia a que alguns subjectivistas chamariam um a priori. O mérito da colecção não consiste apenas na conservação. Coleccionar é verificar se a multiplicidade de exemplos confirma ou não a regra, provando ou reprovando. O coleccionar tem de estar apto a alterar a classificação e a catalogação sempre que as diferenças avultem sobre as semelhanças, sabido que um novo critério sugere um novo conceito. Analisando a expressão «uma ideia preconcebida», poderemos agora entender o que significa aristotelicamente o conceito, o resultado do acto de conceber, em frente da multiplicidade do real. 

Vemos assim a utilidade dos museus, das bibliotecas e dos arquivos, utilidade tanto maior quanto mais articulada com os estudos escolares. Aristóteles distinguiu-se na Antiguidade pelo seu empirismo de coleccionador; distinguiu-se principalmente dos dialectas ou argumentadores que pretendiam fazer calar os adversários à custa de paralogismos ou de sofismas. Caracterizam-se os escritos aristotélicos pela acumulação de exemplos classificados e catalogados para o escopo final, documentos de escola em que o texto magistral parece retocado e alterado por mãos de discípulos em detrimento da unidade de estilo e de doutrina.


A atenção à multiplicidade exige por método lógico a indução. A metodologia científica de Aristóteles é fundamentalmente indutivista. Posto que a indução perfeita só seria possível depois da colecção perfeita, enuncia-se o problema lógico não já com palavras da experiência mas com palavras de razão. O processo indutivo parece não legitimar a certeza e a verdade, pelo que terá apenas valor provisório enquanto um processo superior não o converter por necessidade. Nesta crítica, muitas vezes feita, ao raciocínio indutivo se abre atalho para contradizer o pensamento de Aristóteles.

A indução tem por fim o conceito. Induzir para conceber. Considerados no intelecto humano os aspectos passivo e activo, nada nos custa a entender a fecunda passividade do intelecto perante o que é móvel, múltiplo, contingente. De repetirmos a mesma operação intelectual, tantas vezes quantas as requeridas, nos surge gratuitamente o conceito que merecíamos em prémio da nossa fadiga. 

Se, pelo contrário, julgarmos que a indução tem por fim o juízo, a relação ou lei, desvirtuaremos o significado da palavra inferência, cairemos fora da lógica aristotélica. A lógica do conceito é uma lógica realista. Os nominalistas e os terministas, imitando a abstracção matemática, deram ao problema dos universais uma solução que prepara a falácia do idealismo, e serviram assim o engenho de análise mortífera e de uniformidade industrial que lacera, em vez de redimir, a Natureza. 

A lógica de Aristóteles não é apenas uma arte de raciocinar coerente e consequente mas uma arte de raciocinar de acordo com a realidade. Se nos é fácil refutar os sofismas grosseiros sempre que sem mediação (imediatamente) vejamos inadequação entre o pensamento e a realidade, como no caso das afirmações tão absurdas que se cobrem de ridículo, já é mais difícil discernir o elemento que sustenta a falsidade dos paralogismos, da dialéctica e da metafísica. Um estudo analítico da sofismação nos adverte lucidamente contra o hábito pernicioso de aceitar como raciocínios completos e perfeitos, de incidência ontológica, fragmentos ou elementos de uma argumentação que convém interpretar. Cada época é dotada de um tipo especial de sofismação, e bem sabemos quanto nos custa estar alerta para não sermos surpreendidos e vencidos pelos sofismas dos nossos contemporâneos. Correm mundo os sofismas parlamentares, jornalísticos, estatísticos, etc. A analítica de Aristóteles continua, todavia, a dar-nos os melhores ensinamentos de defesa contra os raciocínios incompletos, isto é, contra todos os processos de sofismação».

Álvaro Ribeiro («Aristóteles e a Tradição Portuguesa»).








«Nova acuidade adquire agora a dificuldade de situar a lógica. É que o não haver filosofia sem lógica significa que há uma lógica para a singularidade de cada pensador e de cada pensamento. Por singularidade não se deve aqui entender o único, originário, irredutível, pois não existe, nesse sentido, pensador algum, pensamento algum. Deve entender-se, sim, a individualidade de cada pensador e a actualidade de cada pensamento, que são aliás solidárias.

Só na individualidade de cada pensador a actividade de pensar é real. Mas nessa individualidade, no tempo e para o tempo em que ela existe, o pensamento não faz mais do que actualizar o que não depende do tempo ou está para além dele. Não há autêntico pensador que não percorra, desde a origem da filosofia, todo o percurso da filosofia. Não há tese, a que o pensamento dá expressão, na qual não esteja suposto todo o sistema ou síntese em que ela se articula. Hegel dá-nos bem a sua razão para que tal aconteça: "Sendo a mesma a essência da filosofia, cada filósofo que se sucede necessariamente incorporará na sua as filosofias que a precederam e de tal modo só poderá considerar como sua obra própria e peculiar o modo como as desenvolve e exprime" [Hegel, Lecciones sobre la Historia de la Filosofia, México, ed. Fondo de Cultura Económica, 1955, p. 145].

Compreende-se portanto que a lógica se apresente em tantas e tão variadas modalidades quantas e quais as que se sucedem desde o organicismo aristotélico. Trata-se de uma sucessão cuja gradual degenerescência Álvaro Ribeiro descreve com clareza e rigor. Terá ela começado com a substituição do logismo, que é o enunciado de uma tese, pelo juízo, que é "apenas a relação entre um termo menor e um termo maior, relação espacial de inclusão de objectos em classes" [Álvaro Ribeiro, A Razão Animada, Lisboa, Livraria Bertrand, 1957, p. 132] ou "em géneros, estes entendidos de um modo totalmente exterior como resultantes, pura e simplesmente, de a reflexão coleccionar, para maior comodidade nossa, determinações iguais de várias coisas concretas" [Hegel, idem, p. 160]. A consequente "combinação espacial mecânica dos juízos" está já "no caminho traçado desde o quadro de Miguel Psellus às previsões de Ramon Lull e às profecias de Leibniz" [A. R., idem, p. 133], seguindo depois pelo criticismo de Kant que "tornou inviável a filosofia" [Hegel, Science de la Logique, Éd. Aubier, 1969, "introduction"], levando à "absorção pela matemática de uma lógica que já nada tinha a ver com a filosofia" e "concluindo-se nos Principia Mathematica, de Alfred Whitehead e de Bertrand Russell [A. R., idem, p. 133]».

Orlando Vitorino («As Teses da Filosofia Portuguesa»).




As colunas do Theseion em Atenas



Ver aqui


59. Eu chamo qualidade a aquilo por onde se designa quais sejam certos e determinados objectos.

60. Mas a qualidade é do número daquelas palavras, que admitem muitos sentidos. Porquanto há primeiramente uma espécie de qualidades, que é a dos hábitos e afeições. E difere o hábito da afecção, em ser mais diuturno, e mais permanente. Porque a ciência parece ser o número das coisas mais estáveis e menos mudáveis, por pouca que seja a ciência adquirida, uma vez que por doença, ou por outra alguma semelhante causa, não tenha acontecido grande transtorno na pessoa. Do mesmo modo a virtude, como a Justiça, a Temperança, ou qualquer outra semelhante, não parecem ser coisas que mudem facilmente, ou que facilmente variem.

Ora chamam-se afecções aquelas que mudam facilmente, e que variam com prontidão, tais como, o calor, o frio, a saúde, a doença, e outras semelhantes coisas. Porque o homem de algum modo está sujeito a elas, e com facilidade muda, passando de quente a frio, e do estado de saúde ao de doente. E o mesmo é dos outros casos. Contudo poderia alguém dizer que uma afecção, que tendo durado muito tempo, se tem convertido em natureza, nem se pode destruir, merece o nome de hábito. Mas nisto mesmo se mostra, que o que se quer entender por hábito, é o que é de maior duração e de mais difícil mudança. Porquanto, falando nós daquelas pessoas que não possuem bastantemente alguma ciência, nunca dizemos que esta seja nelas um hábito, porque umas vezes estão em melhor, outras em pior estado, relativamente à mesma ciência. Por onde difere a afecção do hábito em que a primeira é fácil de mudar e a segunda é de mais duração e de mais dificultosa mudança. Mas todos os hábitos são afecções, posto que nem todas as afecções sejam necessariamente hábitos. Porquanto, aqueles que têm algum hábito, são em certo modo afectados por ele. Ora, de quem está afectado não se pode dizer que tem um hábito.

61. E há uma segunda espécie, que é aquela pela qual dizemos de alguém, que ele é fraco ou que é forte no pugilato, ou na carreira, ou na saúde, ou pela qual em geral afirmamos alguma coisa sobre a força ou a fraqueza própria da natureza de qualquer objecto. Porque de nenhuma destas coisas se diz que alguém está afectado, mas sim que têm a força física ou a impotência de fazer alguma acção ou de não sofrerem alguma paixão. Por exemplo, os que se dizem hábeis no pugilato, ou na carreira, não se dizem tais, porque se achem afectados de um certo modo, mas porque têm a força física de fazerem certas coisas facilmente. Os que se dizem sadios, dizem-se tais, porque têm a força física de não sofrerem facilmente dos acasos que atacam a saúde. E enfermiços os que são dotados da impotência para resistirem a esses mesmos acasos. Semelhantemente a estas expressões se verifica com as de duro e de brando; que se chama duro, porque tem a força de se não partir facilmente, e brando, porque é dotado de impotência para lhe acontecer outro tanto.

Pankrácio. Ver aqui







62. Há outra terceira espécie de qualidades, que são as qualidades passivas, ou as paixões. Tais são, por exemplo, a doçura, o amargo, o travo, e outras coisas do mesmo género. E assim também o calor e o frio; a brancura e a negridão. Serem todas estas coisas qualidades, é evidente, porque por elas é que se determina, de que qualidade são os objectos, que delas são susceptíveis. Por exemplo, o mel, por isso que entra na natureza a doçura, é que se chama doce; e um determinado corpo por isso se diz branco, porque nele se verifica a brancura. O mesmo acontece com todas as outras expressões.

As qualidades dizem-se passivas, não porque os objectos, em que elas se verificam, padeçam alguma coisa; porque ao mel não se lhe chama doce, porque padece de alguma coisa e assim nos outros semelhantes; como também o calor e a frialdade se dizem qualidades passivas, não porque as substâncias, em que aquelas qualidades se encontram, padeçam de alguma coisa, mas porque, segundo as sensações que cada qual daquelas qualidades produz, é causa de uma paixão. Pois que a doçura produz uma paixão no gosto, e a frialdade no tacto, e assim das demais. Quanto à brancura, à negridão, e às outras cores, sim, se chamam também qualidades passivas, mas não pela mesma razão das que acabamos de falar, mas porque derivam de uma paixão. Que há muitas mudanças de cor, que derivam de alguma paixão, é coisa evidente; pois que o homem que se envergonha se torna vermelho, e amarelo, o que se toma de medo; e assim nos demais casos semelhantes. De maneira que todas as vezes que alguém houver experimentado alguma destas paixões, por ser isso próprio da sua natureza, também se pode concluir com toda a probabilidade, que tomou aquela mesma cor. Porque é de notar, que a afecção há pouco observada no corpo por ocasião do pejo, também pode verificar-se por efeito da constituição física, e por isso pode também resultar a mesma cor, em consequência da natureza do sujeito.

Todos os sintomas pois que assim como os mencionados, tiram a sua origem de alguma paixão durável ou menos sujeita a variar, chamam-se qualidades passivas, quer seja pela própria natureza das coisas (tal como a negridão) por isso que as coisas se dizem tais relativamente a elas; quer seja porque em consequência de uma longa enfermidade, ou por uma queimadura, sobreveio ao sujeito a palidez, ou negridão, de modo que, ou não mudam facilmente, ou talvez duram por toda a vida, pois também nestes casos se chamam qualidades, por isso que, também relativamente a elas, se denominam tais os objectos. Mas os que derivam de paixões que facilmente se desvanecem, e com prontidão se mudam, não se chamam qualidades, mas paixões, pois que nunca os objectos se dizem ser tais relativamente a elas. Assim, do homem que por efeito do pejo se fez vermelho, não dizemos que é vermelho, nem daquele que se tornou pálido por medo, dizemos que é pálido, mas somente dizemos que experimentaram certa paixão. E portanto são aquelas paixões, e não qualidade. Semelhantemente no que respeita à alma, umas se chamam paixões e outras qualidades passivas. Porquanto aquelas que logo na sua origem se acham, terem derivado de paixões, que dificilmente variam, chamam-se qualidades, tais como a alienação mental, a cólera, e outras semelhantes, pois que relativamente a elas se dizem os homens coléricos, maníacos. E do mesmo modo nas demais desordens que se afastam da humana natureza, mas que de tal modo derivam de outros sintomas, que ou são mui difíceis de mudarem, ou são absolutamente inamovíveis, pois todas elas se chamam qualidades, por isso que conformemente a elas se dizem os homens tais. Aquelas porém, que derivam de sintomas que fácil e brevemente mudam, chamam-se paixões, como quando alguém, experimentando um dissabor, se encoleriza, porque em tal caso não se diz que ele é colérico por se ter encolerizado durante aquela paixão, mas antes se diz que ele padeceu alguma coisa. Assim, todas estas coisas se chamam paixões e não qualidades.



Aristóteles de Francesco Hayez (1811).



63. E há enfim uma quarta espécie de qualidades, que são a figura e as modificações de cada figura. Isto compreende as linhas e superfícies rectas ou curvas, e tudo o que a essas formas se assemelha. Porque a todos e a cada um destes respeitos se dizem as coisas tais. Assim, o ser triangular, ou quadrangular, é ser tal. E do mesmo modo o ser recto ou o ser curvo, cada um segundo a sua respectiva figura, se diz tal.

Porventura parecerá que o denso e o raro, o liso e o áspero, entram no número das qualidades. Mas a mim parece-me que estas expressões designam coisas alheias da rubrica da qualidade, pois é manifesto que qualquer delas denota mais depressa uma certa disposição de parte. Porquanto, denso denota que as partes estão aconchegadas; raro, que estão distantes umas das outras; liso, que estão todas em um mesmo plano; e áspero, que umas são mais altas, e outras mais baixas. Também parecerá talvez haver mais alguma outra espécie de qualidade. Mas as que ordinariamente assim se denominam são estas.

64. Eis aqui as que se chamam qualidades: chamam-se tais os objectos que por cognominação se dizem a respeito delas, ou por algum outro modo trazem delas o nome, pelo qual os designamos.

65. Da maior parte e de quase todas elas se derivam por cognominação aqueles nomes. Por exemplo: de brancura, branco, de literatura, letra, de justiça, justo, e assim nos demais.

66. Mas em algumas não pode ter lugar a cognominação, porque não existe nome para a respectiva qualidade. Por exemplo: tratando-se de alguém, que possui a habilidade do pugilato, ou da carreira, não existe qualidade nenhuma, donde ele derive competente nome, porque aquelas habilidades não têm nomes, conforme aos quais, o que as possui, se diga tal, do mesmo modo que se chama atlética a ciência do atleta e cursória a do corsador; e conforme aquelas denominações, se chamam tais os que possuem semelhantes ciências.

Algumas vezes, porém, tendo o nome a qualidade, nem por isso se denota cognominadamente o sujeito que a possui.

67. Em outros, porém, posto que a qualidade tenha nome, o do objecto a que ela se refere, não se deriva por cognominação. Por exemplo: garbo diz-se daqueles que têm maneiras nobres e engraçadas, mas não há expressão cognominada para denotar o sujeito em que se verifica semelhante qualidade. Mas isto acontece em mui poucos casos. Assim, chamam-se tais todas as coisas que, por cognominação, derivam seus nomes dos de alguma qualidade (ob. cit., pp. 45-46 e 86-94).

[No que respeita a este último trecho, Pinharanda Gomes, na sua tradução das Categorias de Aristóteles, apresenta-nos a seguinte versão:

«Por vezes, mesmo quando há um nome particular para a qualidade, a coisa qualificada por ela tem um nome que não deriva dessa qualidade, por exemplo, homem honesto é assim qualificado por causa da virtude, pois é em vista da virtude que ele é dito honesto, embora o seu nome não derive do substantivo virtude. Contudo, casos como este são raros.

Assim, pois, dizemos que possuem esta ou aquela qualidade as coisas de nome derivado das qualidades indicadas, ou que, de qualquer outro modo, delas dependem» (in Organon, I Categorias, II Periérmeneias, I Volume, Guimarães Editores, 2006, p. 77)].






quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Poética de Aristóteles

Escrito por Aristóteles








«A essência da poesia, considerada como imitação de acção austera ou ridícula - eis, por conseguinte, o problema que Aristóteles enuncia e resolve nestes dois livros, coordenadamente com os problemas éticos e políticos e, talvez, os físicos, que enunciara e resolvera noutros tratados e subordinadamente à sua teoria geral da ciência. Não é esta a oportunidade para tentar a prova do que em tão poucas linhas deixamos escrito. Queremos apenas sugerir que, na Poética, a teoria da acção está mais próxima do que inadvertidamente se poderia supor, da teoria do movimento, exposta na Física; aludir à dependência dos juízos críticos, expressos na Poética, em relação aos princípios estabelecidos na Ética; e lembrar que talvez não haja outra solução do problema da catarse, além da que se infere da Política.

(...) Organizar a investigação científica - tal foi o mister de Aristóteles e a missão que impôs aos discípulos nos anos derradeiros do seu magistério. Desse tempo, data a redacção das cento e cinquenta e oito "Constituições", das listas dos vencedores dos Jogos Pítios e das Competições Dionisíacas; das Didascálias, dos estudos anatómicos e embriológicos. Não corremos, pois, o risco de exagerar, incluindo na mesma enciclopédia grandiosa a história dos animais e a história desses seres viventes que são os géneros poéticos e as constituições políticas.

O método de Aristóteles, a que se conforma a sua actividade de escritor e de professor, neste último período, parece o inverso do método platónico, a que obedecera, durante vinte anos de Academia. É uma reversão na empíria, que implica uma revalorização do concreto. O mundo experiencial aristotélico não é o mundo do não-ser; é o dos sinais e testemunhos positivos do ser: se os homens mostram especial predilecção pelos orgãos visuais, isso é "sinal" de que, por natureza, todos eles aspiram ao conhecimento; se contemplam com prazer as imagens mais exactas daquelas mesmas coisas que olham com repugnância, isso é "testemunho" de que o imitar é congénito no homem. E assim, a história, enquanto obscuramente traga em si o sentido do universal - isto é, enquanto tenha de comum com a poesia mostrar, no que acontece, um sinal do que poderia acontecer, segundo a verosimilhança e a necessidade -, tem, forçosamente, que assumir na Escola a dignidade de ciência, seja, embora, no grau ínfimo de simples diagnose do que existe.

É, pois, como parte integrante de um conhecimento do universal, que devemos apreciar as investigações históricas de Aristóteles e de seus discípulos, acerca das origens dos géneros poéticos; e como aprofundamento, até às suas raízes empíricas, da sistematização filológica e filosófica - não como ilustração, pura e simples, de uma idealidade abstracta, mediante o eventual recortado no seio da concreta realidade».

Eudoro de Sousa («Introdução à Poética de Aristóteles»).




(...) Origem da poesia.
Causas. História da poesia trágica e cómica






Ao que parece, duas causas, e ambas naturais, geraram a poesia. O imitar é congénito no homem (e nisso difere dos outros viventes, pois, de todos, é ele o mais imitador e, por imitação, apreende as primeiras noções), e os homens se comprazem no imitado.

Sinal disto é o que acontece na experiência: nós contemplamos com prazer as imagens mais exactas daquelas mesmas coisas que olhamos com repugnância, por exemplo [as representações de] animais ferozes e [de] cadáveres. Causa é que o aprender não só muito apraz aos filósofos, mas também, igualmente, aos demais homens, se bem que menos participem dele. Efectivamente, tal é o motivo por que se deleitam perante as imagens: olhando-as, aprendem e discorrem sobre o que seja cada uma delas [e dirão], por exemplo, "este é tal". Porque, se suceder que alguém não tenha visto o original, nenhum prazer lhe advirá da imagem, como imitada, mas tão-somente da execução, da cor ou qualquer outra causa da mesma espécie.

Sendo, pois, a imitação própria da nossa natureza (e a harmonia e o ritmo, porque é evidente que os metros são partes do ritmo), os que ao princípio foram mais naturalmente propensos para tais coisas, pouco a pouco, deram origem à poesia, procedendo desde os mais toscos improvisos.

A poesia tomou diferentes formas, segundo a diversa índole particular [dos poetas]. Os de mais alto ânimo imitaram as acções nobres e dos mais nobres personagens; e os de mais baixas inclinações voltaram-se para as acções ignóbeis, compondo, estes, vitupérios, e aqueles, hinos e encómios. Não podemos, é certo, citar poemas deste género [poetas que viveram] antes de Homero, se bem que, verosimilmente, muitos tenham existido; mas, a começar em Homero, temos o Margites e outros poemas semelhantes, nos quais, por mais apto, se introduziu o metro jâmbico (que ainda hoje assim se denomina porque nesse metro se injuriavam [iámbizon]). De modo que, entre os antigos, uns foram poetas em verso heróico, outros o foram em verso jâmbico.

Mas Homero, tal como foi supremo poeta no género sério, pois se distingue não só pela sua excelência como pela feição dramática das suas imitações, assim também foi o primeiro que traçou as linhas fundamentais da comédia, dramatizando, não o vitupério, mas o ridículo. Na verdade, o Margites tem a mesma analogia com a comédia, que têm a Ilíada e a Odisseia com a tragédia.


Vindas à luz a tragédia e a comédia, os poetas, conforme a própria índole os atraía para este ou aquele género de poesia, uns, em vez de jambos, escreveram comédias, outros, em lugar de epopeias, compuseram tragédias, por serem estas últimas formas mais estimáveis do que as primeiras.

Examinar, depois, se as formas trágicas [a poesia austera] atinge ou não a perfeição [do género] quer a consideremos em si mesma quer no que respeita ao espectáculo - isso seria outra questão.

Mas, nascida de um princípio improvisado (tanto a tragédia, como a comédia: a tragédia, dos solistas do ditirambo; a comédia, dos solistas dos cantos fálicos, composições estas ainda hoje estimadas em muitas das nossas cidades), a [tragédia] pouco a pouco foi evoluindo, à medida que se desenvolvia tudo quanto nela se manifestava; até que, passadas muitas transformações, a tragédia se deteve, logo que atingiu a sua forma natural. Ésquilo foi o primeiro que elevou de um a dois o número dos actores, diminuiu a importância do coro e fez do diálogo protagonista. Sófocles introduziu três actores e a cenografia. Quanto à grandeza, tarde adquiriu [a tragédia] o seu alto estilo: [só quando se afastou] dos argumentos breves e da elocução grotesca, [isto é] do [elemento] satírico. Quanto ao metro, substituiu o tetrâmetro [trocaico] pelo [trímetro] jâmbico. Com efeito, os poetas usaram primeiro o tetrâmetro porque as suas composições eram satíricas e mais afins à dança; mas, quando se desenvolveu o diálogo, o engenho natural logo encontrou o metro adequado; pois o jambo é o metro que mais se conforma ao ritmo natural da linguagem corrente: demonstra-o o facto de muitas vezes proferirmos jambos na conversação, e só raramente hexâmetros, quando nos elevamos acima do tom comum.

Quanto ao número de episódios e outros ornamentos que se hajam acrescentado a cada parte, consideramos o assunto tratado: muito laborioso seria discorrer sobre tudo isto em pormenor.


A comédia: evolução do género.
Comparação da tragédia com a epopeia


A comédia é, como dissemos, imitação de homens inferiores; não, todavia, quanto a toda a espécie de vícios, mas só quanto àquela parte do torpe que é o ridículo. O ridículo é apenas certo defeito, torpeza anónima e inocente; que bem o demonstra, por exemplo, a máscara cómica, que, sendo feia e disforme, não tem [expressão de] dor.







Se as transformações da tragédia e seus autores nos são conhecidas, as da comédia, pelo contrário, estão ocultas, pois que delas se não cuidou desde o início: só passado muito tempo o arconte concedeu o coro da comédia, que outrora era constituído por voluntários. E também só depois que teve a comédia alguma forma, é que achamos memória dos que se dizem autores dela. Não se sabe, portanto, quem introduziu máscaras, prólogo, número de actores e outras coisas semelhantes. A composição de argumentos é [prática] oriunda da Sicília [e os primeiros poetas cómicos teriam sido Epicarmo e Fórmis]; dos Atenienses, foi Crates o primeiro que, abandonada a poesia jâmbica, inventou diálogos e argumentos de carácter universal.

A epopeia e a tragédia concordam somente em serem, ambas, imitação de homens superiores, em verso; mas difere a epopeia da tragédia, pelo seu metro único e a forma narrativa. E também na extensão, porque a tragédia procura, o mais que é possível, caber dentro de um período do sol, ou pouco excedê-lo, porém a epopeia não tem limite de tempo - e nisso diferem ainda que a tragédia, ao princípio, igualmente fosse ilimitada no tempo, como os poemas épicos.

Quanto às partes constitutivas, algumas são as mesmas na tragédia e na epopeia, outras são só próprias da tragédia. Por isso, quem quer que seja capaz de julgar da qualidade e dos defeitos da tragédia, tão bom juiz será da epopeia. Porque todas as partes da poesia épica se encontram na tragédia, mas nem todas as da poesia trágica intervêm na epopeia.


Definição de tragédia.
Partes ou elementos essenciais


Da imitação em hexâmetros e da comédia trataremos depois; agora vamos falar da tragédia, dando da sua essência a definição que resulta de quanto precedentemente dissemos.

É, pois, a tragédia imitação de uma acção de carácter elevado, completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada e com várias espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes [do drama], [imitação que se efectua] não por narrativa, mas mediante actores, e que, suscitando o terror e a piedade, tem por efeito a purificação dessas emoções.

Digo "ornamentada" a linguagem que tem ritmo, harmonia e canto, e o servir-se separadamente de cada uma das espécies de ornamentos significa que algumas partes da tragédia adoptam só o verso, outras também o canto.






Como esta imitação é executada por actores, em primeiro lugar o espectáculo cénico há-de ser necessariamente uma das partes da tragédia, e depois a melopeia e a elocução, pois estes são os meios pelos quais os actores efectuam a imitação. Por "elocução", entendo a mesma composição métrica, e por "melopeia", aquilo cujo efeito a todos é manifesto.

E como a tragédia é a imitação de uma acção e se executa mediante personagens que agem e que diversamente se apresentam, conforme o próprio carácter e pensamento (porque é segundo estas diferenças de carácter que nós qualificamos as acções), daí vem por consequência o serem duas as causas naturais que determinam as acções: pensamento e carácter; e, nas acções [assim determinadas], tem origem a boa ou má fortuna dos homens. Ora o mito é imitação de acções; e, por "mito", entendo a composição dos actos; por "carácter", o que nos faz dizer das personagens que elas têm tal ou tal qualidade; e por "pensamento", tudo quanto digam as personagens para demonstrar o quer que seja ou para manifestar sua decisão.

É, portanto, necessário que sejam as partes da tragédia que constituam a sua qualidade, designadamente: mito, carácter, elocução, pensamento, espectáculo e melopeia. De sorte que quanto aos meios com que se imita são duas, quanto ao modo por que se imita é uma só, e quanto aos objectos que se imitam são três; e além destas partes não há mais nenhuma. Pode dizer-se que de todos estes elementos não poucos poetas se serviram; com efeito, todas as tragédias comportam espectáculo, caracteres, mito, melopeia, elocução e pensamento.

Porém, o elemento mais importante é a trama dos factos, pois a tragédia não é imitação de homens, mas de acções e de vida, de felicidade [e infelicidade; mas, felicidade] ou infelicidade reside na acção, e a própria finalidade da vida é uma acção, não uma qualidade. Ora os homens possuem tal ou tal qualidade, conformemente ao carácter, mas são bem ou mal-aventurados pelas acções que praticam. Daqui se segue que, na tragédia, não agem as personagens para imitar certas acções; por isso, as acções e o mito constituem a finalidade da tragédia, e a finalidade é de tudo o que mais importa.

Sem acção não poderia haver tragédia, mas poderia havê-la sem caracteres. As tragédias da maior parte dos modernos não têm caracteres, e, em geral, há muitos poetas desta espécie. Também, entre os pintores, assim é Zêuxis comparado com Polignoto, porque Polignoto é excelente pintor de caracteres e a pintura de Zêuxis não apresenta carácter nenhum.



Zêuxis e as 5 eleitas de Crotona (óleo de Edwin Long, 1885).



Se, por conseguinte, alguém ordenar discursos em que se exprimam caracteres, por bem executados que sejam os pensamentos e as elocuções, nem por isso haverá logrado o efeito trágico; muito melhor o conseguirá a tragédia mais parcimoniosamente usar desses meios, tendo, no entanto, o mito ou a trama dos factos. Ajuntemos a isto que os principais meios por que a tragédia move os ânimos também fazem parte do mito; refiro-me a peripécias e reconhecimentos. Outro sinal da superioridade do mito se mostra em que os principiantes melhores efeitos conseguem em elocuções e caracteres, do que no entrecho das acções: é o que se nota em quase todos os poetas antigos.

Portanto, o mito é o princípio e como que a alma da tragédia; só depois vêm os caracteres. Algo semelhante se verifica na pintura: se alguém aplicasse confusamente as mais belas cores, as suas obra não nos comprazeria tanto, como se apenas houvesse esboçado uma figura em branco. A tragédia é, por conseguinte, imitação de uma acção e, através dela, principalmente, [imitação] de agentes.

Terceiro [elemento da tragédia] é o pensamento: consiste em poder dizer sobre tal assunto o que lhe é inerente e a esse convém. Na eloquência, o pensamento é regulado pela política e pela oratória (efectivamente, nos antigos poetas, as personagens falavam a linguagem do cidadão e, nos modernos, falam a do orador). Carácter é o que revela certa decisão ou, em caso de dúvida, o fim preferido ou evitado; por isso não têm carácter os discursos do indivíduo, em que, de qualquer modo, se não revele o fim para que tende, ou o qual repele. Pensamento é aquilo em que a pessoa demonstra que algo é ou não é, ou enuncia uma sentença geral.

Quarto, entre os elementos [literários], é a elocução. Como disse, denomino "elocução" o enunciado dos pensamentos por meio das palavras, enunciado este que tem a mesma efectividade em verso ou em prosa.

Das restantes partes, a melopeia é o principal ornamento.

Quanto ao espectáculo cénico, decerto que é o mais emocionante, mas também é o menos artístico e menos próprio da poesia. Na verdade, mesmo sem representação e sem actores, pode a tragédia manifestar seus efeitos; além disso, a realização de um bom espectáculo mais depende do cenógrafo que do poeta.


Estrutura do mito trágico.
O mito como ser vivente


Assim determinados os elementos da tragédia, digamos agora qual deve ser a composição dos actos, pois é esta parte, na tragédia, a primeira e a mais importante.

Já ficou assente que a tragédia é imitação de uma acção completa, constituindo um todo que tem certa grandeza: porque pode haver um todo que não tenha grandeza.

"Todo" é aquilo que tem princípio, meio e fim. "Princípio" é o que não contém em si mesmo o que quer que siga necessariamente outra coisa, e que, pelo contrário, tem depois de si algo com que está ou estará necessariamente unido. "Fim", ao invés, é o que naturalmente sucede a outra coisa, por necessidade ou porque assim acontece na maioria dos casos, e que, depois de si, nada tem. "Meio" é o que está depois de alguma coisa e tem outra depois de si.


É necessário, portanto, que os mitos bem compostos não comecem nem terminem ao acaso, mas que se conformem aos mencionados princípios.

Além disto, o belo - ser vivente ou o que quer que se componha de partes - não só deve ter essas partes ordenadas, mas também uma grandeza que não seja qualquer. Porque o belo consiste na grandeza e na ordem, e portanto, um organismo vivente pequeníssimo não poderia ser belo (pois a visão é confusa quando se olha por tempo quase imperceptível); e também não seria belo, grandíssimo (porque faltaria a visão do conjunto, escapando à vista dos espectadores a unidade e a totalidade; imagine-se, por exemplo, um animal de dez mil estádios...). Pelo que, tal como os corpos e organismos viventes devem possuir uma grandeza, e esta bem perceptível como um todo, assim também os mitos devem ter uma extensão bem apreensível pela memória.

Determinar o limite prático desta extensão, tendo em conta as circunstâncias dos concursos dramáticos e a impressão no púbico, tal não é o mister da arte poética, pois se houvesse que pôr em cena cem tragédias [em um só concurso dramático], o tempo teria de ser regulado pela clepsidra, como dizem que se fazia antigamente. Porém, o limite imposto pela própria natureza das coisas é o seguinte: desde que se possa apreender o conjunto, uma tragédia tanto mais bela será, quanto mais extensa. Dando uma definição mais simples, podemos dizer que o limite suficiente de uma tragédia é o que permite que nas acções uma após outra sucedidas, conformemente à verosimilhança e à necessidade, se dê o transe da infelicidade à felicidade ou da felicidade à infelicidade (in Poética, Tradução, Prefácio, Introdução, Comentário e Apêndices de EUDORO de SOUSA, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1992, pp. 106-114).