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terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Franco Nogueira - O Homem, o Estadista, o Pensador

Escrito por Henrique Veiga de Macedo 



Alberto Franco Nogueira conversando com a Esposa do general Douglas MacArthur, Comandante das Forças Aliadas no Pacífico (Tóquio, 1948).





«Os Estados Unidos da América podem perder uma guerra do Vietname: sofrem um trauma nacional; mas os seus interesses vitais não foram atingidos. A França pode perder uma guerra, e ser ocupada, e sofrer graves prejuízos; mas continua a ser a França, porque não foram afectados os seus interesses vitais. O mesmo sucede com uma Alemanha, ou um Japão, ou com aqueles países cuja independência está ligada a necessidades de equilíbrio entre os grandes. Nenhum daqueles é o caso de Portugal.»

Franco Nogueira («Juízo Final»).


     «Um homem tranquilo

(...) A porta abriu-se e uma súbita alegria me invadiu ao ver ali presente aquele homem. A alegria revelou-me como, não o vendo há tantos anos, permaneci seu amigo. Creio que Veiga de Macedo não ficou menos contente por me ver. Fez-me entrar para uma sala, depois para uma biblioteca. Em ambas, retratos de Salazar. Eu vinha para um encontro breve, pouco antes da hora do almoço. Fiquei três horas. Bem sabia como ele é um homem autenticamente religioso mas só hoje vi como essa autenticidade o leva a dar prioridade absoluta à vida do espírito em todas as suas formas ou manifestações. Tendo sido, durante a maior parte da vida, um homem de acção política – Secretário de Estado da Educação, Ministro das Corporações, etc. – o seu absorvente interesse é, agora, a poesia, uma vocação que se lhe revelou no exílio brasileiro. Aí foi professor de filosofia do direito, de economia e de literatura. Disso conversámos. Oferece-me um livro de poemas e lê-me alguns. Fico surpreendido. Num estilo digamos tradicional, obediente às regras clássicas da versificação e dos géneros poéticos, são belos poemas, meditados e sinceros.

Diz-me: “Quando V. me telefonou e combinámos este encontro, comecei por pensar: o Orlando Vitorino está candidato presidencial e vem fazer-me alguma proposta de colaboração. Mas logo reflecti: não, ele não é pessoa para isso. É o amigo que ele quer ver”. Acrescentou: “Estou alheio à política. Tenho a convicção de que posso ser mais útil à minha Pátria escrevendo os meus poemas”.

Creio que fiquei comovido.»

(«O processo das PRESIDENCIAIS 86, Organizado e Publicado pelos Serviços da Candidatura de ORLANDO VITORINO»).

 

FRANCO NOGUEIRA - O HOMEM, O ESTADISTA, O PENSADOR


 «E... o centro de gravidade da Nação Portuguesa estava no Ultramar, e este deveria portanto ter prioridade.

Abandonar o Ultramar, recordo-me de o ter dito então, seria entregá-lo à colonização de terceiros, para depois Portugal metropolitano ser por sua vez colonizado...».

FRANCO NOGUEIRA

Juízo Final – pág. 16.

 

1. O Dr. Franco Nogueira passou a sobraçar a pasta dos Negócios Estrangeiros em 4 de Maio de 1961, isto é, precisamente no dia em que eu saía do Governo, após doze anos de colaboração directa que tivera o privilégio de dar a Salazar.

Não conhecia então, de perto, o Embaixador Franco Nogueira, cujas actividades se haviam desenvolvido em campos diferentes dos meus. Confesso que, ao vê-lo erguido a tão importante posto, me assaltou uma dúvida. Estaria o novo Ministro à altura da extrema gravidade da situação que o País atravessava, já em guerra aberta, que lhe fora imposta por conhecidas forças empenhadas em dominar Angola, e ameaçado pelas crescentes exigências do «pacifista» Nehru sobre o nosso Estado da Índia? E isto, tanto mais que eu pudera, nos anos anteriores, como colega de Governo, acompanhar e admirar esses dois ministros dos Negócios Estrangeiros que foram Paulo Cunha e Marcello Matias. Ambos, cada um no seu estilo peculiar, se tinham votado à defesa dos legítimos e permanentes interesses nacionais com uma determinação e lucidez impressionantes e uma visão certeira da nossa marcada vocação universalista. Que pena me faz vê-los tão injustamente esquecidos!

2. Aquele meu receio, porém, em breve se desvaneceu. E foi empolgado que vi a seguir a fulgurante acção do homem a quem Salazar, em hora crucial e cruciante, confiara a superior orientação da nossa Diplomacia. Logo no final de 1961 me senti impelido a procurar o Dr. Franco Nogueira, no Palácio das Necessidades, onde, na penumbra do seu gabinete de trabalho, o fui encontrar, apreensivo e amargurado. Em vésperas da invasão de Goa, Damão e Diu pelas tropas indianas, eu quisera sentir com ele a angústia desses dramáticos instantes e colocar-me ao dispor para qualquer missão que o Governo houvesse por bem entregar-me lá nos nossos longínquos territórios do Índico.







Ver aquiaquiaqui, aqui, aqui e aqui


Tenho presente a longa conversa que travámos. Estou a ouvi-lo falar de Salazar com o mais fundado apreço e da sua inteira identificação com o pensamento do Chefe do Governo no tocante à definição e execução da nossa política externa.

Homens de formação de base algo diversa, nunca o facto afectou (e tê-lo-á, porventura, enriquecido) o entendimento entre os dois Estadistas, irmanados no mesmo propósito de acautelar a integridade e a dignidade da Nação Portuguesa pelo mundo repartida. Mais tarde, Franco Nogueira viria a referir-se a Salazar como «... um homem de génio, uma personalidade complexa, densa e forte». Para ele, o afirmá-lo «não constituía compromisso político, mas acto de inteligência».

3. Após esse para mim memorável encontro, mais se intensificou o nosso relacionamento, até por força das funções políticas em que eu estava investido. E, claro, mais se avivaria, assim, a minha consideração pelo Ministro que transformara o seu incansável labor em prol de Portugal numa verdadeira Cruzada patriótica.

Sim, não podia eu deixar de reconhecer que Salazar encontrara o homem certo na hora certa, capaz de se bater, com nobreza, clarividência e coragem, pela causa da unidade nacional.

Passarei ao lado dessa surpreendente batalha diplomática, tão documentada está e tão exaltada vem sendo por ilustres personalidades da nossa vida política e cultural. E que poderia eu acrescentar a estes impressivos e exaustivos depoimentos sobre Franco Nogueira, como diplomata e ministro?

4. Quando a Salazar sucedeu Marcello Caetano na presidência do Conselho de Ministros, era de admitir como indiscutível que Franco Nogueira não pudesse, para além de curto período de transição, responsabilizar-se, ou ser responsabilizado, pela condução da nossa Diplomacia. Eram homens bem diferentes na maneira de estar na política e, sobretudo, nas ideias sobre o posicionamento de Portugal relativamente ao Ultramar.




Eu, aliás – e isto se diz sem o menor desdouro para Marcello Caetano, com quem mantive sempre, para lá das nossas divergências, as melhores relações pessoais, aqui e no Brasil –, teria preferido ver, como continuador de Salazar, o próprio Dr. Franco Nogueira. Não foi outro o sentido em que me pronunciei quando o Presidente Américo Thomaz me incluiu no elenco alargado de individualidades que entendeu dever consultar sobre esse momentoso e delicadíssimo problema sucessório.

Abandonado o Palácio das Necessidades, Franco Nogueira viria a ser eleito pelo Círculo de Lisboa, deputado à Assembleia Nacional. Com ele em São Bento, durante anos pude viver e defender o mesmo e ameaçado ideal de uma Pátria intocável na linha do seu histórico desígnio. Ambos eleitos membros da Comissão Eventual para apreciar a proposta de lei n.º 14-X sobre a revisão constitucional, subscrita, em 2 de Dezembro de 1971, pelo Chefe do Governo, pude apoiar as incisivas intervenções de Franco Nogueira no seio da Comissão e – porque não dizê-lo? – ver por ele apoiadas as minhas sobre aspectos essenciais do assunto em debate.

Franco Nogueira, que conhecia a velha ideia de abandono vinda de longe, foi em todas as circunstâncias coerente consigo próprio e sempre se mostrou consciente, quer dos rumos que Portugal deveria prosseguir para a salvaguarda da sua integridade física e moral, quer da necessidade imperiosa de assegurar a vida e a paz das populações nativas – vítimas, a partir de 1974 até hoje, de uma das maiores tragédias humanas dos tempos modernos. Orgulho-me de ter participado com ele nesse duro ataque, na Assembleia Nacional, ao espírito que havia presidido à elaboração daquela proposta de lei sobre a reforma da Constituição – espírito esse que eu já pudera pressentir entre 1955 e 1958, sobretudo nos meses anteriores à eleição do Almirante Américo Thomaz para a suprema magistratura do País e ver claramente afirmado no próprio Conselho de Ministros, entre 1958 e Abril de 1961, pelo Ministro da Defesa, general Botelho Moniz.


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Batemo-nos pela unidade da Nação (na dispersão dos territórios e diversidade das raças, crenças e costumes), pela intervenção cada vez mais activa e ampliada das nossas comunidades africanas na vida política, económica e social (em seus orgãos nacionais, provinciais e locais) e pelo escrupuloso respeito dos valores espirituais dos povos indígenas, até como processo de enriquecer a própria cultura lusíada, resultante da configuração histórica sedimentada de elementos de vária origem e natureza.

Franco Nogueira não se deixou levar pelos «ventos da História», como se esta não fosse fruto da vontade do homem e como se a política algo eufemisticamente dita da «autonomia progressiva participada» pudesse servir Portugal e os reais interesses de quantos, brancos, negros e mestiços, viviam confiadamente no Ultramar à sombra tutelar da mesma Bandeira.

Não ignorava Franco Nogueira que os dados, embora viciados, estavam lançados, e não se terá surpreendido com os acontecimentos de Abril de 1974 e os que, em cadeia virulenta e sangrenta, se lhe seguiram: meros epifenómenos, afinal, de uma lenta, insidiosa e intencional gestação de sucessivos desvios, conluios e abdicações.

As futuras gerações hão-de ver em Franco Nogueira um Mestre na arte de bem pensar e agir e no amor entranhado a Portugal, de cuja defesa intransigente e esclarecida fez ponto de honra ao longo da sua empenhada e fecunda vida.

5. Conferencista, ensaísta, historiador, professor universitário, tribuno no Parlamento e fora dele com uma dialéctica séria e irrebatível, estadista iluminado e percuciente – e homem bom, sereno, impoluto –, Franco Nogueira foi, e será, lição edificante de dignidade, de coerência, de carácter e de portugalidade.

Este homem singular havia de ser vítima, após o «25 de Abril», de odiosas perseguições que o levariam à prisão e, depois de comer o pão ázimo dos emigrados, forçado como foi a sair do país por gentes que reduziram o País a uma praia e a um pinhal – a uma pequena faixa perdida e a diluir-se na ibérica imensidão.



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Mas o seu martírio foi esse mesmo de ver Portugal diminuir-se, a negar-se, a voltar costas ao Mar, a perder independência: a tornar-se europeísta a troco de um envenenado prato de lentilhas. Eu disse europeísta, não europeu, que europeu Portugal sempre foi, no espírito, na cultura, e nessa inigualável gesta da difusão e universalização dos valores do Velho Continente.

Ocorrendo-me que Franco Nogueira era admirador de Miguel Torga, pus-me a imaginar, neste instante, como seria profunda a sua emoção se pudesse ler, no recentemente publicado Diário XVI do altíssimo poeta e escritor, estas terríveis palavras de fogo:

«[...] fica pelo menos registado o repúdio de um poeta português pela irresponsabilidade com que meia dúzia de contabilistas lhe alienaram a soberania da Pátria. Tenho como certo que Maastricht há-de ser uma nódoa indelével na memória da Europa...» [11.5.1992 (pág. 121).]

«[...] lutei e lutarei até ao derradeiro alento pela preservação da nossa identidade, última razão de ser de qualquer indivíduo ou colectividade, e repudio com todas as veras da alma a irresponsabilidade da Europa que em Maastricht, sornamente, a tenta negar, trair-se e trair-nos». [8.6.1992 (pág. 130).]


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«[...] Abolição das fronteiras. Livre circulação de pessoas e bens. Ocupados sem resistência e sem dor. Anestesiados previamente pelos invasores e seus cúmplices, somos agora oficialmente europeus de primeira, espanhóis de segunda e portugueses de terceira». [2.1.1993 (pág. 149).]

«[...] mas o tratado [de Maastricht] continua a ser um pecado mortal a roer a consciência de muitos dos signatários, e um pesadelo, ainda mais cruciante, na alma indecisa dos restantes. Até nos regozijos avulsos pelos resultados desta segunda votação [a da Dinamarca], dos responsáveis credenciados e optimistas, de que as agências se fazem eco, mal se disfarça a sombra antecipada e melancólica de um epitáfio». [18.5.1993 (pág. 160).]

Ao fazer estas transcrições, move-me o desejo de prestar homenagem, não só a Franco Nogueira, mas também a uma das nossas maiores figuras literárias contemporâneas, se não a maior, há muito merecedora do Prémio Nobel e de uma consagração verdadeiramente nacional.

6. Em oportuno e sugestivo editorial, sob o título O Catedrático da Diplomacia, escreve José Pedro Castanheira que «o maior legado de Franco Nogueira para o futuro foi o da sua acção como diplomata, por certo mais relevante que a faceta de político ou que os seus trabalhos históricos, incluindo a notável biografia de Salazar».

Inclino-me eu, todavia, a colocar no mesmo plano essas três vertentes da vida de Franco Nogueira, tão indissoluvelmente ligadas entre si. E serão talvez os seus estudos e mensagens, em especial quando se debruçam sobre as nossas raízes e a nossa vocação de Povo e de Nação, que mais hão-de resistir à erosão dos tempos.





A monumental obra sobre Salazar, a História de Portugal (1933-1974), As Crises e os Homens, Diálogos Interditos, o diário Um Político Confessa-se e Juízo Final, patriótico livro de leitura e de meditação obrigatórias, constituem, entre outros, depoimentos de extraordinário mérito e de efectiva e real projecção histórica.

Eles irão perdurar na memória do futuro, não apenas pela ática beleza da forma, a meridiana limpidez do discurso, a tocante eloquência do verbo, o fio rectilíneo do raciocínio, mas sobretudo pela objectividade, profundidade e autenticidade das ideias e proposições e pela pura e inabalável fidelidade a Portugal – à sua História, ao seu Destino, à sua Missão na Europa e no Mundo.

E o nome de Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira será sempre lembrado e glorificado como o daqueles varões insignes que puseram a vida, em entrega luminosa e total, ao serviço dos altos «princípios», das excelsas «convicções», dos imprescritíveis «valores».

São dele estas palavras que, em jeito de testamento moral, deixou gravadas no pórtico do Juízo Final:  

«Agir com fé em função dos princípios que possui, das convicções que sente, dos valores em que acredita – eis o dever de todo o homem».

Franco Nogueira tinha sobeja autoridade para formular, bem pouco antes de partir, tão belo e forte imperativo, que foi lema ardente de toda a sua vida.

7. Não me seria possível dar, como se compreenderá, neste breve testemunho, uma ideia acabada da rica personalidade e da multímoda acção de Franco Nogueira.

Deixemos então que ele a si próprio se defina, em seu espírito e pensamento, nestas palavras com certo cunho messiânico que dirigiu aos jovens, aquando do seu exílio em Londres:

«Acreditem nas raízes portuguesas. Tenham fé em Portugal. A nação é a realidade suprema. No seu quadro se podem viver sonhos e realizar ambições. Fora da Nação, no cosmopolitismo ou internacionalismo, só poderá haver cidadãos diminuídos e subordinados a estrangeiros...»

«Nunca se tenham por vencidos; a derrota não é um facto, é um sentimento: dominado este, está destruído aquele. Animados pelo espírito de luta, nunca percam a esperança. E tudo isto ainda que hajam de enfrentar os sorrisos desdenhosos e apiedados das mentalidades que se têm por muito abertas, muito modernas, muito sofisticadas e muito superiores».





Ele, o Homem, o Estadista, o Pensador, sabia, como soubera Vieira, que «a fé olha para o futuro e os sentidos para o presente», como sabia que as Pátrias que negam o Passado e os Valores que as identificam e lhes dão superior sentido no espaço e no tempo, a si próprias se negam e não têm salvação.

Santa Maria de Lamas, 25 de Abril de 1994.


Nota da Organização. Após ter sido entregue o depoimento do Autor, foi o mesmo alterado, a seu pedido, em ordem a reduzi-lo e assegurar-lhe unidade intrínseca. Dos cortes feitos, todos a respeito da posição dos homens mais representativos da I República sobre o Ultramar Português, entendemos que, pelo seu significado, deveríamos reproduzir aqui, em rodapé, estas suas palavras: «Mas, para além de quanto disse sobre a posição dos primeiros republicanos a propósito do Ultimatum inglês de 1891 e da entrada de Portugal na I Grande Guerra (para não falar do pensamento e da acção do General Norton de Mattos), quero deixar registada esta afirmação do Dr. Afonso Costa, que acabo de reler na “Nota de Abertura” da revista Política de Junho de 1972: “Portugal não é um pequeno País. Os que sustentam isso esquecem as Províncias Ultramarinas que fazem, com o território metropolitano de Portugal, um todo uno e indivisível. E sobre o Português basta recordar o passado que, longe de ser um motivo para nada fazermos, deve constituir uma obrigação imperativa para agirmos. Não compreendo como se criou essa lenda de que o Português é contemplativo, sem qualidades de acção. Toda a nossa História diz o contrário”. Por isso se acrescentava avisadamente naquela “Nota de Abertura”: “Bom seria que os democratas portugueses, que se reclamam da herança do que foi o Chefe do Governo da I República, meditassem estas linhas, transcritas pelo jornalista brasileiro José Jobim, que o ouvia em Paris, já no exílio. Assim, para além das paixões partidárias, dos erros, das perseguições, de todo o cortejo de aspectos negativos (ao lado de inequívocas virtudes de chefia, decisão e lucidez) podemos encontrar no que foi, sem dúvida, o mais discutido e categorizado homem do parlamentarismo democrático, ressalvado o patriotismo, esse “patriotismo jacobino” que era constante nos homens do seu tempo e assentava no respeito pela integridade da Pátria”».

(In Embaixador Franco Nogueira [1918-1993] – Textos evocativos, Livraria Civilização Editora, 1.ª edição/Outubro 1999, pp. 229-235).






sábado, 13 de junho de 2020

Saudade... (soneto ao jeito camoniano)

Escrito por Henrique Veiga de Macedo



Pico do Jaraguá, o ponto mais alto do município brasileiro de São Paulo, com 1135 metros de altitude.



Saudade é doce e amargo sentimento;
é poema alado sem definição;
É bonança a vencer a inquietação;
é tristeza a buscar contentamento.

É trazer para perto o afastamento; 
é distância a pulsar no coração;
é ver e ouvir amor's que longe estão
e com eles sentir cada momento.

É labareda a arder votivamente
pelos mortos em nós a reviver; 
é passado feliz feito presente.

É muito mais ainda: é um querer
possuir o futuro, olhar em frente
tendo a certeza em Deus de não morrer.


São Paulo, 25 de Novembro de 1980.




Bandeira de São Paulo


Localização de São Paulo em São Paulo.


Monumento às Bandeiras, em homenagem aos Bandeirantes.





Brasão de Armas de São Paulo


sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

A verdade que eu sei

Escrito por Henrique Veiga de Macedo








Não quero em mim a saudade
do que fui… do que passei;
meu sentimento é vontade
- saudade do que serei.

Eu servi sempre a verdade,
uma verdade que sei;
em mim há continuidade;
na essência nada mudei.

O meu ideal de amanhã
será o da mocidade:
Deus que o deu, sempre o dará.

Não há, pois, que ter saudade,
a não ser do que serei
… nessa verdade que eu sei.


Lisboa, 22 de Janeiro de 1983.






quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Perdão, Senhor!

Escrito por Henrique Veiga de Macedo




Praia da Feiticeira no município de Ilhabela localizado no litoral norte do Estado de São Paulo.



Sonho que sou vento a encrespar a floresta,
a correr por vales e montes e mares;
sonho que sou flâmula a flutuar nos ares,
a brandir ideais, a pôr almas em festa.

Sonho que sou asa adejando na giesta,
ou bebendo o azul com mais asas aos pares;
sonho que sou santo soerguendo altares,
e a luz da verdade que ninguém contesta.

Sonho que sou astro fulgindo nos céus,
e pólen, semente, raiz, seiva, flor,
e audaz cavaleiro da causa de Deus.

Mas quando este sonho de todo se esvai,
eu vejo o que sou, um pobre pecador,
e perdão te peço, meu Senhor e Pai.

São Paulo, 16 de novembro de 1980.



sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

O rio que se faz mar... e mundo

Escrito por Henrique Veiga de Macedo








Vens lá da hispânica e distante serrania
que fica além da visigótica Toledo;
mas, porventura, alguém conhece esse fraguedo
que se abre para tu poderes ver o dia?

Onde te expandes e onde ganhas senhoria
Onde deixas de ser para sempre segredo
e te lanças em fé e em força, sem ter medo,
ao tenebroso mar que há muito te temia?

É aqui nesta tua ínclita Lisboa
que teu nome se faz, engrandece e ressoa
e daqui parte a descobrir contigo o mundo.

Quanto mais te conheço, ó Tejo, e te aprofundo,
mais em mim sobe o espanto ao ver a tua vida
ser mar, lá onde os teus irmãos a têm perdida!


Lisboa, 29 de Janeiro de 1983



















terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Centelha imperecível

Escrito por Henrique Veiga de Macedo







Não há em mim angústia, inquietação,
nem desespero, ou náusea sartriana.
Vivo tranquilo minha vida humana;
sobressaltos não tem meu coração.

A ninguém eu odeio: sou irmão
de tudo e todos - crença franciscana -
não fujo à vida em busca do Nirvana;
amo, aceito, compreendo a Criação.

Até na minha dor vive a alegria.
Vejo na escuridão a luz do dia:
a verdade suprema, imarcescível.

Não me limita o tempo, nem o espaço;
mercê de Deus, a um e outro ultrapasso:
o espírito é centelha imperecível.

São Paulo, 16 de outubro de 1980.



São Francisco de Assis em Êxtase, por Caravaggio (1595).






sábado, 26 de dezembro de 2015

Esta imagem

Escrito por Henrique Veiga de Macedo








Tem vida esta imagem piedosa e bela.
Vê e fala, chora e sorri, pensa e sente.
Olha para mim tão carinhosamente,
que eu nunca me canso de olhar para ela.

Conversamos muito - conversa singela.
Eu nada lhe escondo: é mãe e confidente.
Nela se extasia a minha alma de crente;
meus passos a seguem: ela é luz de estrela.

Ao colo, a Senhora aconchega o Menino
- aquele que disse, e diz, nosso destino.
Na mão, o Menino o mundo todo tem.

Fitando a Senhora, um dia adormeci;
e quando acordei, maravilhado, vi
Jesus entregando o mundo a sua Mãe!


São Paulo, 12 de dezembro de 1980. 



quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Um depoimento de Henrique Veiga de Macedo (ii)




Torre de Belém


«Não só pela administração, mas pelas ideias e realizações políticas, estamos reintegrados na Europa, de cuja civilização e progresso fomos em outras épocas importante fautor e seguro guia; e uma vez reintegrados também no nosso tempo pelos melhoramentos materiais, pela obra de educação e de valorização nacional empreendida, podemos ser no mundo, como já alguns nos consideram, verdadeiros criadores do futuro.

Nem sei em que o trabalho de reaportuguesamento das nossas instituições sociais e políticas, e o culto das boas, sãs, fecundas tradições nacionais, tam próprias para nos darem originalidade e carácter, hão-de levantar dificuldades de monta e não ser preferidos à cópia servil de quanto de pensa e faz em país estrangeiro, inspirador máximo da nossa actividade desde há muito tempo. Além do mais, este esforço é homenagem ao espírito criador da raça lusitana e ao seu poder de iniciativa, que será fecundo se o trabalho persistente da descoberta "interior" não ceder o passo à preguiçosa imitação de estranhas criações».

Oliveira Salazar (pref. de 17 de Fevereiro de 1935, in «Discursos», Vol. I, 1928-1934).


«As Pátrias só morrem quando querem morrer ou quando o seu escol, por erro, por negligência ou por cobardia, não está à altura das suas responsabilidades».

Henrique Veiga de Macedo (in «A Grande Divisão... o Intransponível Abismo», discurso em Vila da Feira, no acto de posse das comissões políticas da União Nacional, realizado nos Paços do Concelho, em 17 de Outubro de 1969).


«As nações da Europa devem ser conduzidas na direcção de um super-Estado sem que as pessoas percebam o que se está a passar. Isto pode ser conseguido através de sucessivos passos que, sob a capa de um propósito económico irreversível, deverão originar uma federação».

Jean Monnet ("Pai Fundador" da União Europeia, numa carta para um amigo - 30 de Abril de 1952).


«... Ora, Portugal foi vítima de um ludíbrio gigantesco, os portugueses foram enredados num logro colossal. As forças que atacavam Portugal, e os seus agentes, criaram na consciência colectiva, quanto à visão do País, uma fractura entre o consenso nacional histórico e o consenso nacional contemporâneo. Não foi por acaso que se procurou, e ainda procura, apagar e fazer esquecer a história de Portugal, e deste facto é a tentativa de destruir a figura de Camões, o símbolo mais expressivo: àquelas forças importa que Portugal se transforme numa terra sem história. Essa fractura levou a uma visão a curto prazo, e a permitir que se sacrificassem os interesses futuros para satisfação de interesses imediatos. Julgou-se que ambos coincidiam - e não coincidiam. Parece que hoje alguns, se não muitos, estão arrependidos: mas é irreversível o que se fez e o arrependimento não modificará a realidade das coisas. Por outro lado, um outro facto não era perdido de vista: os interesses gerais de um Ocidente em que Portugal estava inserido. Que a descolonização portuguesa, no momento em que foi efectuada e pela forma por que o foi, afectou gravemente os interesses ocidentais, parece não carecer de demonstração. E é seguro que muitos no Ocidente estão igualmente arrependidos. E também se afigura não carecer de prova o facto dessa descolonização não haver garantido a paz nos territórios, o seu progresso, a sua independência efectiva, o respeito pelos direitos humanos dos seus habitantes.







Estamos hoje perante factos consumados. Angola e Moçambique, e os demais territórios, foram proclamados independentes em condições deploráveis, e antes que fosse completado um processo sociológico evolutivo que daria base sólida a essa independência. Deverá lamentar-se o facto: porque não foram defendidos interesses legítimos portugueses, que em nada ofendiam a soberania ou afectavam a independência das antigas províncias: e porque as populações destas têm sido vítimas, nos planos político, económico e humano, de sofrimento sem conta. Em face das realidades, todavia, caberá agora afirmar e desenvolver uma cooperação entre todos - se os Portugueses quiserem, se os Angolanos e Moçambicanos quiserem - pondo nessa cooperação absoluta lealdade, boa-fé, espírito de fraternidade e entreajuda, para benefício de todos. Se se partir de uma base realista; se se encararem os problemas numa perspectiva de longo alcance; se não se misturarem preconceitos ideológicos nas questões em aberto: se, precisamente no respeito pela independência de todos, não se procurar interferir nos negócios internos de cada um; se a cooperação entre Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné e S. Tomé puder ser expandida sem que se olhe ao regime interno vigente em cada momento; se for criado um clima de confiança recíproca, na certeza de que nenhum tem o que quer que seja a recear dos outros - uma grande e larga política poderá ser feita para vantagem de todos».

Franco Nogueira («Diálogos Interditos. A Política Externa Portuguesa e a Guerra de África», Vol. I).


«A 17 de Agosto de 2012, num comício feito semanas antes das eleições, José Eduardo dos Santos admitia percalços na condução do país e fazia promessas. “Sei que a espera por esta Angola que vai crescer mais e distribuir melhor foi longa, mas de uma coisa podem estar certos: agora que vencemos a etapa mais difícil de reconstrução do nosso país, os novos avanços serão muito mais rápidos”.

As boas intenções do presidente de Angola são, contudo, questionadas pelos críticos. Um deles, porventura, o mais notório, tem sido o angolano Rafael Marques, jornalista, activista, director do site Maka Angola e autor do livro Diamantes de Sangue – Corrupção e Tortura em Angola (Tinta da China, Lisboa, 2012), que sem rodeios acusa o MPLA de saquear Angola para investir em Portugal. Numa entrevista publicada na edição de 16 de Setembro de 2011 do Jornal de Negócios, traçou um retrato demolidor do poder angolano. “O que se investe em Portugal não tem retorno em Angola. É um processo mais limpo para o Estado português, que facilita estas operações, embora grande parte delas sejam ilegais. As empresas portuguesas têm sociedades com dirigentes angolanos para investirem em sectores controlados por esses mesmos dirigentes, contra as leis angolanas e portuguesas e não há um caso único de abordagem legal sobre esta promiscuidade. Não há. E fazem-se grandes artigos, na imprensa portuguesa, sobre os luxos de Angola, sem pensar nos milhares de cidadãos que morrem à fome, porque não têm assistência básica ou educação, porque os recursos são desviados”.



José Eduardo dos Santos, Isabel dos Santos, George Soros e Rafael Marques (ver aqui).









Um analista político angolano, sob anonimato, acrescenta outros elementos. “O poder em Angola é unipessoal. Está concentrado em José Eduardo dos Santos, nos aspectos políticos, militares, económicos, sociais e até culturais. A Constituição aprovada em Fevereiro de 2010 veio apenas ratificar em lei o que já acontecia na prática. Trata-se de uma lei feita à medida, só e exclusivamente para José Eduardo dos Santos legitimar o seu incomensurável poder e serve-se do partido que domina sem qualquer oposição visível. Tudo passa por ele: desde os generais que ganharam a guerra contra a UNITA e Savimbi, devidamente recompensados; aos juízes, deputados e governantes. Para controlar tudo isto, constituiu um grupo de colaboradores, conhecidos vulgarmente por 'futunguistas' [antes do Palácio da Cidade Alta, a residência oficial do presidente angolano era na zona do Futungo de Belas], que exercem poderes paralelos, pois são temidos por parecerem ser os olhos e ouvidos do chefe”. 

(...) No primeiro semestre de 2012, de acordo com dados do Banco de Portugal, os angolanos aplicaram em território nacional 130,7 milhões de euros, enquanto os investimentos em Angola se ficaram pelos 118,5 milhões de euros.

(...) A concretização deste poder resulta, em boa parte, da conjugação da fragilidade financeira de Portugal, por contraponto à opulência revelada por Angola. E é assim que se instalam sintomas de uma inversão de papéis: o colonizado transforma-se em colonizador e passa a ser um alvo constante de escrutínio em Portugal. Hoje, os ricos e poderosos angolanos são pessoas sem rosto, que cultivam a discrição e às quais são atribuídas compras astronómicas em Portugal, nas lojas de luxo na Avenida da Liberdade, ou de casas nas quintas da Marinha e do Lago. Uma investigação feita pelo site Maka Angola (maka quer dizer conflito, discussão, problema, no dialecto angolano kimbundu) baptizou o condomínio de luxo Estoril Sol Residence, onde os apartamentos custam entre um e cinco milhões de euros, como o “prédio dos angolanos”. A António Domingos Pitra Neto (que foi ministro da Administração Pública, Emprego e Segurança Social), é atribuída a propriedade de cinco apartamentos. Fátima Giacomety, mulher do general Kopelika, é dona de dois e o antigo ministro das Finanças, José Pedro Morais, é proprietário de quatro. Entre muitos outros compradores angolanos, destaca-se também Álvaro Sobrinho, presidente não executivo do BESA e irmão de Sílvio e Emanuel Madaleno, sendo o primeiro presidente da Newshold, a empresa que é dona do semanário Sol, tem 15% do capital da Cofina (Correio da Manhã, Sábado, Record, Jornal de Negócios), 2% da Impresa (Expresso, SIC), um contrato de gestão do i e já anunciou o seu interesse em participar na privatização da RTP, entretanto adiada. Sobrinho tem seis apartamentos no Estoril Sol Residence, e os seus irmãos três.

Neste contexto de criação de uma elite financeira e empresarial angolana, as palavras e os actos de José Eduardo dos Santos funcionam como faróis, iluminando o caminho de quem o rodeia, validando ou interrompendo estratégias. “Ele é o árbitro e o jogador. O dono da bola”, afirma quem conhece os meandros de Angola. Apesar do “desgaste do tempo”, o poder continua a gravitar à sua volta e todos os grandes investimentos angolanos em Portugal, o da Sonangol no BCP e na Galp, ou o de Isabel dos Santos na Zon, são debatidos no Palácio da Cidade Alta, a residência oficial do presidente da República, num círculo restrito que integra o actual vice-presidente da República, Manuel Vicente, o chefe da Casa militar, Kopelika, e o marido de Isabel, o congolês Sindika Dokolo, entre outros, referem em uníssono empresários portugueses e angolanos».

Celso Filipe («O Poder Angolano em Portugal. Presença e influência do capital de um país emergente», Planeta, 2013).







Um depoimento de Henrique Veiga de Macedo


Hoje considera positiva a passagem pelo poder? Conseguiu realizar o que pretendia?

Respondendo à pergunta que me é feita sobre se acho positiva a minha passagem pelo Governo, direi que foi para mim um privilégio trabalhar de perto com Salazar e ter-se podido, nesse longo período, realizar obra útil, materializada em reformas de base e estrutura e em outras numerosas providências, que visaram a ascenção cultural e social da nossa gente, em especial da mais humilde e desfavorecida. Julgo, pelo menos, ter sido «insaciável... na devoção à missão» e «ter contribuído para a paz social», para me servir das amáveis palavras com que o Dr. Franco Nogueira, no seu livro Salazar, vol. IV, se refere ao meu labor governativo. Move-me, sobretudo, ao fazer esta afirmação, o propósito de vincar que, e logo desde que, por volta de 1950, lhe foi apresentado o plano geral da Campanha contra o Analfabetismo, por mim elaborado, Salazar sempre me estimulou, sem nunca me ter contrariado na acção, ou coarctado a iniciativa e a liberdade de movimentos. Tinha, na verdade, profundo respeito pelo múnus governativo, e deixava os que o exerciam num grande à-vontade, por vezes, no meu entender, excessivo.

Valerá a pena ilustrar esta maneira de ser de Salazar com um exemplo. Em Outubro de 1959, salvo erro, decidi actualizar, com a a concordância da Federação dos Serviços Médico-Sociais, as remunerações dos médicos da previdência, organização, na altura, com pluralismo institucional, em regra de implantação regional, não integrada no Estado, e em cuja gestão também participavam, paritariamente, como se sabe, representantes dos trabalhadores e das entidades patronais. O Ministro da Saúde, impossibilitado, então, por razões orçamentais, de proceder de igual em relação aos médicos da função pública, submeteu o assunto à apreciação do Presidente do Conselho. E este, naquele jeito que lhe ficara do seu tempo de Ministro das Finanças, deu razão ao Ministro da Saúde, no decurso de uma reunião conjunta em que tomei parte. Preocupado com o facto, tanto mais que havia já assumido compromisso com a Ordem dos Médicos quanto aos termos do despacho, pedi a Salazar, poucas horas depois, em nova audiência, que mudasse de opinião. Não o fez, mesmo perante a minha insistência, mas acabou por me dizer que o Ministro era eu e que só a mim cabia a decisão final («o senhor é que sabe... e é o Ministro»). Assim, nesse mesmo dia, o despacho era publicado nos jornais vespertinos e seguia para o boletim do INTP, orgão oficial do Ministério.

Em reunião do Conselho de Ministros, ouvi-lhe um dia, estas palavras: «Há quem diga que sou ditador, mas não é verdade. Cumprir escrupulosamente a lei e integrar-me no seu espírito é minha preocupação permanente... Nem sequer me permiti, alguma vez, alterar ou revogar qualquer despacho de um Ministro, por mais que dele discordasse. Não tenho para tanto poderes legais, nem os quero, e duvido que, nos outros países, os Chefes do Governo se privem dessa faculdade. Quando não concordo com a orientação geral de um Ministro só me resta propor a sua exoneração ao Chefe do Estado».

Recorde-se que, ao tempo, nenhum decreto-lei poderia ser enviado para promulgação do Presidente da República e publicado no «Diário do Governo», sem que todos os Ministros o subscrevessem - prática que foi posta de parte logo que Salazar deixou de ser o Presidente do Conselho.

Anoto ainda que, como deputado, e mesmo quando simultaneamente presidia à Comissão Executiva da União Nacional, sempre na Assembleia Nacional, votei de acordo com os meus pontos de vista, e não raro tomei posições contrárias às do Governo, no plenário, e nas Comissões Parlamentares, sem que me fossem feitos quaisquer reparos.

Esta prerrogativa essencial, possível num regime apartidário, não o é num regime de partido único (não confundir, como é frequente, estes dois tipos diferenciados de regimes), nem tão-pouco num regime de partidos, o que se me afigura inadmissível quando penso na liberdade que os deputados devem ter para votarem sempre, e só, de acordo com o seu parecer e a sua consciência.




Hábil, realista, pragmático por conta e medida, sem nunca pôr em causa os valores essenciais da Constituição, Salazar sempre se empenhou na busca de soluções de equilíbrio e estabilidade. Daí a configuração pluralista dos seus governos, que integravam, por sistema, personalidades de formações e tendências ideológicas diversas ou mesmo alheias da política ou a esta avessas. E, quase sempre, eram minoria os ministros que se identificavam com o seu pensamento político, e mais raros ainda os filiados na União Nacional. Salazar sabia que a política era não só a arte do possível, mas também a de interessar e responsabilizar os homens e os grupos sociais no projecto político, em ordem a dar-lhe mais alargado consenso e maiores probabilidades de êxito.

Qual o aspecto humano do Doutor Salazar que mais o impressionou?

Não vejo como possa eleger uma, de entre as múltiplas, altíssimas e equilibradas qualidades de Salazar.

Salazar era, na sua mais viva expressão, a inteligência personificada: inteligência que sempre me sinto inclinado a definir como o conjunto harmonioso e perfeito dos méritos, atributos e capacidades.

Lúcido e calmo, íntegro, impoluto, incorruptível como pessoa, intelectual e governante; justo e objectivo nos juízos acerca dos homens e das situações; dotado do raro dom de conciliar o raciocínio com a sensibilidade, a coragem com a prudência, a energia com a afabilidade; distinto no porte e nas atitudes; desprendido das honrarias e dos bens materiais, no viver simples, modesto, espartano (não disse ele, um dia, dever à Providência a graça de ser pobre?); fiel aos princípios da sua crença e às exigências da Magistratura que, durante decénios, exerceu com inigualável noção das responsabilidades; incapaz, para obter aplausos fáceis ou dividendos de qualquer espécie, de lisonjear o povo, ou de o enganar com promessas aliciantes ou demagógicas; chefe, por vocação, imperativo de consciência, e por amor à terra onde nasceu e que serviu «sem ambições, sem ódios, sem parcialidades, na pura serenidade do espírito que busca a verdade e o caminho da justiça»; pensador profundo e profundo conhecedor da natureza humana, da História, das ideologias e dos sistemas) políticos («pouco valem as qualidades dos homens contra a força implacável dos erros que se vêem obrigados a servir»), e tendo do futuro uma visão penetrante, profética, que os acontecimentos confirmaram por toda a parte; patriota clarividente e fervoroso, devotado, em plenitude, à defesa intransigente dos supremos valores e interesses de Portugal, cuja identidade, e unidade, jamais comprometeu ou atraiçoou e cuja independência de facto conquistou e assegurou perante as potências do Ocidente e do Leste, e na palavra, pelo exemplo, pelo sentido dos seus ensinamentos e pela repercussão da sua obra imensa...






Salazar é para mim, e para tantos como eu, o estadista mais sábio e mais completo dos tempos modernos e um dos maiores da nossa multissecular existência colectiva da Nação. Desta Nação descobridora e civilizadora, «irmandade de povos», que, depois dele, alguns haviam de truncar na sua missão histórica e reduzir à primitiva e minguada dimensão na Europa, onde não poderia e não pôde caber, e que, conscientes do que destruíram, se empenham, por isso, agora, em apoucá-lo e denegri-lo da sua estatura e na luminosa grandeza da sua política e do seu magistério.

Há, todavia, um aspecto que particularmente me custa ser esquecido ou silenciado: o dever-se a Salazar não ter Portugal entrado na Segunda Grande Guerra, não obstante as terríveis dificuldades e as pressões que, nesse crucial e cruciante período, sobre ele se exerceram. Foi então que o seu génio de estadista mais se agigantou: o seu génio de estadista... e a força da sua autoridade moral. Ocorrem-me, a propósito, as palavras que, em 10 de Junho de 1946, o Embaixador Britânico em Portugal, Sir Owen O'Malley, proferiu durante o banquete, no Palácio das Necessidades, em honra dos Estados Unidos e da Inglaterra, precisamente sobre a relevância e significado dos princípios morais nas relações entre os povos. Depois de se referir «a uma identidade ou, pelo menos, a uma grande semelhança de pontos de vista em Portugal, no Reino Unido e nos Estados Unidos da América quanto ao que são esses princípios morais que devem orientar as relações externas dos Estados uns com os outros», e de declarar ser esse «o clima em que medram a Aliança Anglo-Portuguesa e a amizade luso-americana», e de acentuar deverem esses mesmos princípios ser «a nossa inspiração e a nossa força», dirigiu a Salazar esta concludente palavra final: «Nenhum homem deste mundo, creio eu, o sabe melhor do que o nosso anfitrião e amigo, o Senhor Presidente do Conselho».

Ora, quantos dos que malsinam, por ignorânica ou má-fé, a memória de Salazar não pertenceriam hoje ao número dos vivos se a sua política não houvesse poupado o País aos horrores da guerra?».

O monumento de gratidão que, em Janeiro de 1948, as Mulheres Portuguesas, por lhe «deverem a vida e a paz dos seus lares», lhe ergueram junto do Palácio de São Bento, mãos ignaras, em hora desorientada, o derrubaram, sem que tenham podido calar a verdade e o sentimento que o mármore simbolizava.

Em contrapartida, quantos milhares, centenas de milhar de homens, mulheres e crianças perderam a vida, e suportaram sofrimentos inauditos na carne e no espírito - e quantos ainda suportam! - vítimas de lutas fratricidas, de genocídios, e da opressão de regimes e movimentos impiedosos, só porque não se quis manter e dar continuidade, na sua essência e patriótica finalidade, à política de Salazar?

Perante tamanho holocausto, traídos que foram sagrados compromissos e destruídas certezas e esperanças de séculos, como omitir esta pergunta?

Poderá supor-se que a minha admiração de sempre por Salazar, reforçada por um grato e longo convívio de anos, impede que me pronuncie com objectividade sobre a sua personalidade e a sua obra, agora que sou chamado a fazê-lo. Mas não é assim.



António José Saraiva



Salazar impõe-se naturalmente, e impor-se-á cada vez mais com o rodar dos tempos, à medida que assente a poeira das paixões, serenem os espíritos e avultem ainda mais as lições dos acontecimentos por ele tão percucientemente antevistos. São, aliás, numerosíssimos e impressivos os depoimentos de prestigiosas figuras nacionais e estrangeiras em que lhe é prestada justiça. Afiguram-se-me, por exemplo, flagrantes de oportunidade as apreciações que, sobre Salazar, o Prof. António José Saraiva faz no jornal Expresso, de 22 de Abril de 1989.

Num primoroso artigo, o autor da História da Cultura em Portugal aí fala dos Discursos e Notas de Salazar, «pela limpidez e concisão do estilo, a mais perfeita e cativante prosa doutrinária que existe em Língua Portuguesa, atravessada por um ritmo afectivo poderoso» e, assim, «por esse lado, merecedora de um lugar de relevo na nossa História da Literatura (e só considerações de ordem política a têm arredado do lugar que lhe compete)»; aí acentua que «Salazar foi, sem dúvida, um dos homens mais notáveis de Portugal, possuindo uma qualidade que os homens notáveis nem sempre têm - a recta intenção», «além de qualidades de administrador miraculosamente raras junto a uma igualmente rara integridade»; e aí se lembra que, graças a Salazar, «se conseguiram coisas hoje inconcebíveis, como a neutralidade na II Guerra Mundial» e se «conseguiu também, e pela primeira vez desde Pombal, pôr fim à tutela inglesa, que fora confirmada com sangue na Primeira Grande Guerra».

E a concluir, o Prof. António José Saraiva assinala: «E hoje vemos, com uma dura clareza, como o período da nossa História a que cabe o nome de Salazarismo foi o último em que merecemos o nome de Nação Independente. Agora em plena democracia e sendo o povo soberano, resta-nos ser uma reserva de eucaliptos para uso de uma obscura entidade económica que tem o pseudónimo de CEE».

Ao ler estas palavras pungentemente verdadeiras de alguém cuja probidade e independência de espírito estão fora de toda a discussão, acodem-me à memória estas outras palavras de Salazar, de 1946, terrivelmente proféticas:


«Tempos houve em que os Portugueses se dividiam acerca da forma de servir a Pátria. Talvez se aproximem tempos em que a grande divisão, o inultrapassável abismo há-de ser entre os que a servem e os que a negam».


Já em 11 de Fevereiro de 1982, o mesmo intelectual, em entrevista concedida ao jornal O País, depois de falar de Salazar, da «sua dignidade muito própria de camponês» e da sua obra nos domínios da Economia, das Finanças e das Obras Públicas, interpelado pelo entrevistador que lhe observou poder pensar-se, ouvindo-o, que António José Saraiva se convertera ao Salazarismo, logo respondeu: «Não, não. Tenho de resistir a essa tentação. Apenas reconheço que, quando se fizer uma História de Portugal e nela forem destacados cinco ou seis homens representativos de uma vontade portuguesa de ser, um deles será Salazar. E será também um dos exemplos de dignidade... Mas era isso! Esses valores enraizados, camponeses - que esta gente... "este pessoal de agora"... não tem. Não tem! Não tem estrutura».



Serra do Caramulo



É, é isso. Valor intrínseco, profundo, autêntico, o possuía, em verdade -, e de que maneira! - António de Oliveira Salazar, esse modesto camponês, esse «filho do campo criado ao murmúrio das águas de rega e à sombra dos arvoredos», que viria a ser o maior Português de todos nós. É isso. Tinha estrutura... tinha raiz e altura. Foi vontade e foi acção. E é pensamento... e Mensagem.

Quer fazer um juízo sobre o Estado Novo à luz da História?

O Estado Novo (e só quero referir-me à época em que Oliveira Salazar foi governante) teve momentos altos, realizações do maior alcance nacional, em todos os domínios, e engrandeceu-se ainda mais com a política externa e com a defesa intransigente da soberania e da independência de Portugal, em toda a dimensão do seu corpo e da sua histórica missão civilizadora. Teve, também, é certo, limitações e contradições, e atravessou vicissitudes diversas, que não raro foram objecto de apreciações críticas de personalidades a ele ligadas e, até, de Salazar.

Pela minha parte, tive ensejo em várias ocasiões de publicamente apontar alguns aspectos do regime que se me não afiguravam positivos. A título exemplificativo, enunciarei, de modo esquemático, os seguintes:

- A legislação do condicionamento industrial que, pelos seus princípios informadores e também pela sua aplicação, teve, enquanto vigorou, influência negativa no natural desenvolvimento da actividade económica do País;

- A manutenção dos organismos de coordenação económica (que, aliás, de corporativos, institucionais ou representativos, nada tinham), para além do período em que circunstâncias especiais, decorrentes da II Grande Guerra, terão imposto a sua criação;

- A ausência de uma política global de emprego, e de um seguro autónomo ou integrado no sistema de Previdência Social para a cobertura do risco de desemprego. Na verdade, o Comissariado de Desemprego, injustificadamente integrado num ministério sem específica vocação social e sem estruturas adequadas, via os seus fundos, provenientes de descontos sobre ordenados e salários, aplicados, quase exclusivamente, em obras públicas, tudo se passando como se fossem produto da arrecadação de impostos gerais do Estado;

- O excessivo congelamento dos salários e a contenção no desenvolvimento da política do trabalho e previdência nos anos do após-guerra, até que, a partir de 1955, se tornou possível mudar de rumo;

- As grandes obras de irrigação no Alentejo, na medida em que não foram acompanhadas de providências de índole social, sobretudo das conducentes a um alargado e justo acesso à posse plena da terra de rendeiros e de trabalhadores preparados para as explorações agrícolas, e isto, tanto mais quanto não poucos latifundiários eram absentistas e esquecidos da função social que à propriedade privada também cabe.

A este respeito, Salazar, ele mesmo, chamou a atenção para a injustiça relativa de fundos públicos serem predominantemente investidos em obras de irrigação no Sul, sem se atentar nas manifestas insuficiências da propriedade no Norte e Centro do país. Ocorre-me que, numa reunião do Conselho de Ministros, chegou a dizer que, sendo embora compreensível que o Ministério das Obras Públicas quisesse fazer obras, não poderiam ignorar-se importantes aspectos sociais a tomar em conta, como o da necessidade de SI: promover o acesso à propriedade da terra do maior número possível de famílias e, também, de se impedir que, sem a devida ponderação de todos os interesses em causa, de graça ou quase, grandes e ricos proprietários ficassem mais ricos em consequência de obras realizadas pelo Estado com dinheiros públicos.

Ouvi-o ainda falar da vantagem em se rever, para essas zonas, o próprio instituto jurídico da propriedade, preocupado, por certo, além do mais, com a excessiva e nem sempre justificada concentração da posse da tela na mão de alguns, que chegava a atingir, como em Alcácer do Sal, proporções extremas.

Ao exprimir estes reparos, julgo útil referir de novo que, regra geral, Salazar deixava aos seus ministros a maior liberdade de acção, além de que os seus governos, de base pluralista, eram integrados por personalidades com ideias, mentalidades e estilos de acção diferentes dos seus. Este último facto que ainda há pouco foi lembrado na imprensa por essa alta figura da inteligência portuguesa que é o Professor Jorge Borges de Macedo -, se se traduzia em algumas efectivas e reais vantagens, haveria, necessariamente, de, em contrapartida, tornar mais difícil a coordenação das actividades dos vários ministérios e de afectar, por vezes, de algum modo a própria unidade do labor governativo.






Isto explicará, ao menos em boa medida, que o regime cuja Constituição fora plebiscitada em 1933, e que herdara uma tremenda herança de instabilidade política, de agitação social, de descalabro económico e financeiro, de atraso cultural e de descrédito externo, nem sempre houvesse podido integrar-se, na prática, nos seus princípios fundamentais e tivesse incorrido em falhas e desvios. Mas nunca ao ponto de, ao fazer-se com serena objectividade um balanço global do que foi a Segunda República, se poder, sequer, pôr em dúvida a enorme e polivalente obra de ressurgimento pátrio que levou a termo sob a lúcida inspiração de quem não «tendo aspirado ao poder como direito, o aceitou e o exerceu como dever».

Não há, por certo, regimes perfeitos. Mas há «os que servem e os que desservem as Nações». Que o Estado Novo serviu bem Portugal, ninguém, com razão, o poderá negar» (ibidem, pp. 50-58).