Escrito por António José Saraiva
«O comunismo, na sua luta contra o Ocidente, previu, estudou, montou toda a máquina com que espera diminuí-lo ou vencê-lo, desintegrando a África e subtraindo-a à sua direcção e influência. Não lhe importam quaisquer outras consequências, exactamente porque sobre o caos construirá melhor.
Por outro lado, aqui e além, pequenas mas activas minorias, agitando as massas, parecem esforçar-se por dar uma pátria a povos que a não tinham; mas os novos nacionalismos, ao abandonarem as antigas dependências, correm de mãos dadas atrás de uma esperança vã - a de que, sendo da mesma cor, podem sustentar-se mutuamente ou entender-se melhor. Que ilusão! Os interesses não têm a mesma cor dos homens. A solidariedade que se revela na actual frente de ataque não é uma solidariedade de fundo; ela empenha-se na destruição das actuais estruturas mas é incapaz de construir outras novas. A unidade de África é afirmação gratuita que a geografia e a sociologia desmentem. E, ao contrário do que aconteceu na América, a Europa não se deu o tempo de definir mais racionalmente fronteiras, pacificar em definitivo raças e tribos, formar nações que fossem verdadeiros substractos de Estados. Quem serão os futuros organizadores? Façamos uma pergunta mais directa: quem serão os futuros colonizadores? Esta a incógnita que pesa sobre grande parte de África».
Oliveira Salazar («Portugal e a Campanha Anticolonialista»).
«Salazar impõe-se naturalmente, e impor-se-á cada vez mais com o rodar dos tempos, à medida que assente a poeira das paixões, serenem os espíritos e avultem ainda mais as lições dos acontecimentos por ele tão percucientemente antevistos. São, aliás, numerosíssimos e impressivos os depoimentos de prestigiosas figuras nacionais e estrangeiras em que lhe é prestada justiça. Afiguram-se-me, por exemplo, flagrantes de oportunidade as apreciações que, sobre Salazar, o Prof. António José Saraiva faz no jornal Expresso, de 22 de Abril de 1989.
Num primoroso artigo, o autor da História da Cultura em Portugal aí fala dos Discursos e Notas de Salazar, "pela limpidez e concisão do estilo, a mais perfeita e cativante prosa doutrinária que existe em Língua Portuguesa, atravessada por um ritmo afectivo poderoso" e, assim, «por esse lado, merecedora de um lugar de relevo na nossa História da Literatura (e só considerações de ordem política a têm arredado do lugar que lhe compete)»; aí acentua que "Salazar foi, sem dúvida, um dos homens mais notáveis de Portugal, possuindo uma qualidade que os homens notáveis nem sempre têm - a recta intenção", "além de qualidades de administrador miraculosamente raras junto a uma igualmente rara integridade"; e aí se lembra que, graças a Salazar, "se conseguiram coisas hoje inconcebíveis, como a neutralidade na II Guerra Mundial" e se "conseguiu também, e pela primeira vez desde Pombal, pôr fim à tutela inglesa, que fora confirmada com sangue na Primeira Grande Guerra".
E a concluir, o Prof. António José Saraiva assinala: "E hoje vemos, com uma dura clareza, como o período da nossa História a que cabe o nome de Salazarismo foi o último em que merecemos o nome de Nação Independente. Agora em plena democracia e sendo o povo soberano, resta-nos ser uma reserva de eucaliptos para uso de uma obscura entidade económica que tem o pseudónimo de CEE".
Países fundadores da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA): Alemanha Ocidental, França e Itália. |
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Mário Soares entrega Portugal aos poderes internacionais (assinatura do Tratado de Adesão à Comunidade Económica Europeia, a 12 de Junho de 1985, no Mosteiro dos Jerónimos). |
Os países-membros da União Europeia por data de entrada |
União Europeia. Ver aqui |
Edifício Berlaymont, a sede da Comissão Europeia em Bruxelas. |
Sede do Parlamento Europeu em Estrasburgo (França). |
Sede do Parlamento Europeu em Bruxelas (Bélgica). |
Sede do Banco Central Europeu em Frankfurt (Alemanha). Atribui-se a esta instituição o controlo da política monetária da União. |
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David Cameron (ver aqui). |
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North American Free Trade Agreement (NAFTA). |
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Ao ler estas palavras pungentemente verdadeiras de alguém cuja probidade e independência de espírito estão fora de toda a discussão, acodem-me à memória estas outras palavras de Salazar, de 1946, terrivelmente proféticas:
"Tempos houve em que os Portugueses se dividiam acerca da forma de servir a Pátria. Talvez se aproximem tempos em que a grande divisão, o inultrapassável abismo há-de ser entre os que a servem e os que a negam"».
Henrique Veiga de Macedo (in «Salazar visto pelos seus próximos»).
«Os cravos do 25 de Abril, que muitos, candidamente, tomaram por símbolo de uma Primavera, fanaram-se sobre um monte de esterco».
António José Saraiva
António José Saraiva
O artigo que ora se segue, escrito por António José Saraiva, intitula-se «O 25 de Abril e a História». Foi dado à estampa em 26 de Janeiro de 1979, no Diário de Notícias. Trata-se, pois, de um artigo em que o autor assevera que o 25 de Abril de 1974 resultou da traição, cobardia e irresponsabilidade de uns tantos rufias e inconscientes sem qualquer forma de brio e dignidade. De resto, nesta ordem de ideias, estamos igualmente perante um autor insuspeito, uma vez que, tendo vitoriado - na sequência do seu passado 'anti-fascista e de militante do Partido Comunista - o 25 de Abril como um grande momento de viragem na política nacional, dificilmente se lhe poderá assacar o rótulo de reaccionário.
Claro que os 'antifascistas', perante aquela inesperada asserção, logo se aprontaram a carimbá-lo de louco e fora da realidade. Mas, na verdade, não estava de todo. Contudo, vendo as calamitosas consequências da revolução de 74, António José Saraiva caiu no lugar-comum de que a descolonização poderia ter sido feita de uma outra maneira que não a que levou à morte muitas centenas de milhares de mortos no Ultramar Português. E, de facto, a descolonização não só estava cabalmente condenada à inteira catástrofe por falta de preparação técnica, de capitais e apoios necessários com vista ao surgimento de soberanias responsáveis, mas também porque havia, no plano internacional, um conjunto de forças, poderes e organizações que maquinavam contra a presença portuguesa em África, na Ásia e na Oceania, e, por isso mesmo, inteiramente dispostas a sacrificar etnias, comunidades e populações inteiras tal como se veio a verificar. Aliás, quando António José Saraiva afirma «que os chefes dos movimentos de guerrilha eram em grande parte homens de cultura portuguesa», parece não ter visto que esses mesmos chefes, manobrados por potências estrangeiras, estavam apenas destinados a instigar, quando não mesmo a perpetrar uma série crimes de guerra e contra a humanidade até hoje escandalosamente impunes.
No mais, o mito da descolonização 'feita a tempo' é um lugar-comum bastante estereotipado na sociedade portuguesa. Tenho, aliás, conhecido alguns espécimes que estiveram a cumprir 'serviço militar' no Ultramar que se apegam ao tal mito da descolonização que podia ter sido feita antes do 25 de Abril, e que, quando alguém os confronta com a inevitável tragédia de um genocídio omitido pelo actual regime, suas escolas e instituições universitárias, ainda afirmam que não há revolução que não traga, implique ou até justifique o derramamento de sangue. É confrangedor ouvir isto, mas, em todo o caso, não deixa de ser um sintoma alarmante de uma tão profunda demência que se não coaduna com a posterior confissão de que os angolanos, moçambicanos e guineenses estavam incomparavelmente melhor, em termos económicos, políticos e culturais, do que estão hoje em dia.
Nisto, fica então o texto de António José Saraiva, ainda que muito aquém do que realmente poderia ter sido dito sobre a realidade torpe e tenebrosa do 25 de Abril. Não obstante, e para além disso, cabe ao próprio leitor, se bem enraizado no subconsciente ultramarino português, vislumbrar ou adivinhar o que já Oliveira Salazar, a respeito dos Portugueses, designou pelo respectivo «segredo da obra realizada».
Miguel Bruno Duarte
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No mais, o mito da descolonização 'feita a tempo' é um lugar-comum bastante estereotipado na sociedade portuguesa. Tenho, aliás, conhecido alguns espécimes que estiveram a cumprir 'serviço militar' no Ultramar que se apegam ao tal mito da descolonização que podia ter sido feita antes do 25 de Abril, e que, quando alguém os confronta com a inevitável tragédia de um genocídio omitido pelo actual regime, suas escolas e instituições universitárias, ainda afirmam que não há revolução que não traga, implique ou até justifique o derramamento de sangue. É confrangedor ouvir isto, mas, em todo o caso, não deixa de ser um sintoma alarmante de uma tão profunda demência que se não coaduna com a posterior confissão de que os angolanos, moçambicanos e guineenses estavam incomparavelmente melhor, em termos económicos, políticos e culturais, do que estão hoje em dia.
Nisto, fica então o texto de António José Saraiva, ainda que muito aquém do que realmente poderia ter sido dito sobre a realidade torpe e tenebrosa do 25 de Abril. Não obstante, e para além disso, cabe ao próprio leitor, se bem enraizado no subconsciente ultramarino português, vislumbrar ou adivinhar o que já Oliveira Salazar, a respeito dos Portugueses, designou pelo respectivo «segredo da obra realizada».
Miguel Bruno Duarte
O 25 de Abril e a História
Se alguém quisesse acusar os portugueses de cobardes, destituídos de dignidade ou de qualquer forma de brio, de inconscientes e de rufias, encontraria um bom argumento nos acontecimentos desencadeados pelo 25 de Abril.
Na perspectiva de então, havia dois problemas principais a resolver com urgência. Eram eles a descolonização e a liquidação do antigo regime.
Quanto à descolonização havia trunfos para a realizar em boa ordem e com a vantagem para ambas as partes: o exército português não fora batido em campo de batalha; não havia ódio generalizado das populações nativas contra os colonos; os chefes dos movimentos de guerrilha eram em grande parte homens de cultura portuguesa; havia uma doutrina, a exposta no livro Portugal e o Futuro do General Spínola, que tivera a aceitação nacional e poderia servir de ponto de partida para uma base maleável de negociações. As possibilidades eram ou acordo entre as duas partes, ou, no caso de este não se concretizar, uma retirada em boa ordem, isto é, escalonada e honrosa.
António de Spínola (1910-1996). |
Isto quanto à descolonização, que na realidade não houve. O outro problema era o da liquidação do regime deposto. Os políticos aceitaram e aplaudiram a insurreição dos capitães, que vinha derrubar um governo que, segundo eles, era um pântano de corrupção e que se mantinha graças ao terror policial: impunha-se, portanto, fazer o seu julgamento, determinar as responsabilidades, discriminar entre o são e o podre, para que a nação pudesse começar uma vida nova. Julgamento dentro das normas justas, segundo um critério rigoroso e valores definidos.
Quanto aos escândalos da corrupção, de que tanto se falava, o julgamento simplesmente não foi feito. O povo português ficou sem saber se as acusações que se faziam nos comícios e nos jornais correspondiam a factos ou eram simplesmente atoardas. O princípio da corrupção não foi responsavelmente denunciado, nem na consciência pública se instituiu o seu repúdio. Não admira por isso que alguns homens políticos se sentissem encorajados a seguir pelo mesmo caminho, como se a corrupção impune tivesse tido a consagração oficial. Em qualquer caso já hoje não é possível fazer a condenação dos escândalos do antigo regime, porque outras, talvez piores, os vieram desculpar.
Quanto ao terror policial, estabeleceu-se uma confusão total.
Durante longos meses, esperou-se uma lei que permitisse levar a tribunal a PIDE-DGS. Ela chegou, enfim, quando uma parte dos eventuais acusados tinha desaparecido e estabelecia um número surpreendentemente longo de atenuantes, que se aplicavam praticamente a todos os casos. A maior parte dos julgados saiu em liberdade. O público não chegou a saber, claramente, as responsabilidades que cabiam a cada um. Nem os acusadores ficaram livres da suspeita de conluio com os acusados, antes e depois do 25 de Abril.
Havia também, um malefício imputado ao antigo regime, que era o dos crimes de guerra cometidos nas operações militares do Ultramar. Sobre isto lançou-se um véu de esquecimento. As Forças Armadas Portuguesas foram alvo de suspeitas que ninguém quis esclarecer e que, por isso, se transformaram em pensamentos recalcados. Em resumo, não se fez a liquidação do antigo regime, como não se fez a descolonização. Uns homens substituíram outros, quando os homens não substituíram os mesmos; a um regime monopartidário substituiu-se um regime pluripartidário. Mas não se estabeleceu uma fronteira entre o passado e o presente. Os nossos homens públicos contentaram-se com uma figura de retórica: "a longa noite fascista". Com estes começos e fundamentos, falta ao regime que nasceu do 25 de Abril um mínimo de credibilidade moral. A cobardia, a traição, a irresponsabilidade, a confusão, foram as taras que presidiram ao seu parto e, com esses fundamentos, nada é possível edificar. O actual estado de coisas, em Portugal, nasceu podre nas suas raízes. Herdou todos os poderes do anterior, mais a vergonha da deserção. E com este começo tudo foi possível depois, como um exército em debandada: vieram as passagens administrativas, sob capa de democratização do ensino; vieram "saneamentos" oportunistas e iníquos, a substituir o julgamento das responsabilidades; vieram os bandos militares, resultado da traição do comando, no campo das operações; vieram os contrabandistas e os falsificadores de moeda em lugares de confiança política ou e no Governo; veio o controlo da Imprensa e da Radiotelevisão, pelo Governo e pelos partidos, depois de se ter declarado a abolição da censura; veio a impossibilidade de se distinguir o interesse geral dos interesses dos grupos de pressão, chamados partidos, a impossibilidade de esclarecer um critério que joeirasse os patriotas e os oportunistas, a verdade e a mentira; veio o considerar-se o endividamento como um meio honesto de viver. Os cravos do 25 de Abril, que muitos, candidamente, tomaram por símbolo de uma Primavera, fanaram-se sobre um monte de esterco.
António José Saraiva |
Chuva de cravos nas comemorações dos 40 anos da revolução comunista de 1974. |
Ao contrário das esperanças de alguns, não se começou vida nova, mas rasgou-se um véu que encobre uma realidade insuportável. Para começar, escreveu-se na nossa história uma página ignominiosa de cobardia e irresponsabilidade, página que, se não for resgatada, anula, por si só todo o heroísmo e altura moral que possa ter havido noutros momentos da nossa história e que nos classifica como um bando de rufias indignos do nome de nação. Está escrita e não pode ser arrancada do livro. É preciso lê-la com lágrimas de raiva e tirar dela as conclusões, por mais que nos custe. Começa por aí o nosso resgate. Portugal está hipotecado por esse débito moral, enquanto não demonstrar que não é aquilo que o 25 de Abril revelou. As nossas dificuldades presentes, que vão agravar-se no futuro próximo, merecemo-las, moralmente. Mas elas são uma prova e uma oportunidade. Se formos capazes do sacrifício necessário para as superar, então poderemos considerar-nos desipotecados e dignos do nome de povo livre e de nação independente.
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