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quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

"É na escola que hoje se formam os socialistas e os anarquistas e nela se preparam para os povos latinos as horas bem próximas de decadência"

Escrito por Gustave Le Bon




 

«A disputa entre a ordem do mercado e o socialismo é nada mais nada menos do que uma questão de sobrevivência. Adoptar a moral socialista aniquilaria boa parte da Humanidade e empobreceria grande parte do que restaria dela.

Tudo isto levanta uma questão importante que pretendo explicitar desde já. Ainda que ataque a soberba da razão por parte dos socialistas, o meu argumento não põe em causa a razão quando utilizada devidamente. Por “razão utilizada devidamente” entendo uma razão que admite as suas próprias limitações e que, através dos seus próprios meios, enfrenta as implicações do facto assombroso, descoberto pela economia e a biologia, de que a ordem gerada sem qualquer desígnio ultrapassa largamente os planos que os homens possam conceber conscientemente. Como poderia eu, ao fim e ao cabo, atacar a razão num livro em que argumento que o socialismo é factual e até mesmo logicamente insustentável? Nem sequer contesto que a razão possa, ainda que com prudência e humildade, de modo gradual, examinar, criticar e rejeitar instituições tradicionais e princípios morais. Este livro, como alguns dos meus estudos anteriores, visa contestar as normas tradicionais da razão orientadoras do socialismo que acredito encarnarem uma teoria ingénua e acrítica da racionalidade e uma metodologia obsoleta e não científica que noutro lugar denominei “racionalismo construtivista.”»

Frederico Hayek («Arrogância Fatal: O Erros do Socialismo»).


«(...) CM – Considera o socialismo como uma doutrina ainda com força ou já esvaziada?

O.V. – Trata-se de uma doutrina falida em todo o Mundo. Aliás, existe um pensador liberal [Frederico Hayek] que marcou a data do fim do apogeu do socialismo no ano de 1946.

O socialismo dominou, durante um século, o Governo de grande parte dos povos, mas em 1946 estava completamente falido. Fracassara no desenvolvimento económico e na cultura, mas continuava dominando o Estado. Então, para sobreviver, passou a rodear as suas medidas de governação socialista de processos liberais.

Foi com esta mistura de aparente socialismo mas efectivo liberalismo – mas não de liberalismo total, pois isso iria destruir a aparência socialista – que conseguiu e consegue ainda hoje, perdurar.

CM – De que forma o socialismo tem sido funesto para a cultura portuguesa?

O.V. – Existe uma cultura oficial socialista, composta pelas universidades, onde dominam as ideias socialistas, e pela Comunicação Social, quase toda estatizada ou dominada pelo Estado, segregando uma cultura autenticamente portuguesa.

Poderá dizer-se que os elementos mais conscientes da cultura nacional, que são os filósofos portugueses, vivem como exilados no seu próprio país.

CM – Poderá dar-nos um exemplo dessa forma de procedimento anticultural?

O.V. – Ainda há pouco tempo existiam vinte e seis mil inéditos de Fernando Pessoa “escondidos” numa arca, guardados por “dragões” universitários que só vão publicando, de vez em quando, aquilo que entendem.

Depois fazem-se edições do Fernando Pessoa com textos seleccionados ao sabor de determinada pessoa que transitou de fervoroso salazarista para fervoroso socialista, uma delas com um prefácio no qual se chega ao ridículo de dizer que Fernando Pessoa era um grande conhecedor de literatura, mas seria melhor conhecedor se fosse marxista...».

Entrevista a Orlando Vitorino («O socialismo montou cerco a Portugal»).


«Visto que o essencial do exame é o fim próprio para designar os alunos reprovados, quer dizer, aqueles que devem ser submetidos a outra prova, formou-se a opinião pública de que essa experiência administrativa não é mais do que graduado processo de eliminar os alunos menos aptos para a escolaridade. Cumpre, portanto, verificar se os mais dóceis, aqueles que atingiram o termo do curso, foram efectivamente os mais inteligentes.

Depois os cursos complexos e longos, com maior número de disciplinas e portanto com maior duração, vão dificultando os serviços escolares. A mentalidade dominante na burocracia reflecte-se também na pedagogia. Tal como o burocrata meticuloso, capaz de dividir as fases e as estações de um processo, e de prever o andamento dos papéis, o pedagogo de gabinete vai imaginando o curso escolar nas linhas gerais do papel quadriculado. É o mesmo acto mental de repartir, a mesma mentalidade de repartição, que prepara obstáculos, dificuldades, humilhações. De reforma para reforma aumenta o número de disciplinas indispensáveis para o curso, porque úteis para a profissão, e por consequência aumenta a escolaridade, prolonga a menoridade. Alega-se o progresso do saber humano, que cada vez mais se divide em ramos especiosos, transformando-se em árvore frondosa, quer dizer sombria, e portanto sem luz. Estranho progresso esse que, em vez de simplificar a ciência e facilitar a técnica, aprisiona o homem nas trevas, e despoja-se do seu principal bem que é o tempo. O estudante terá que ser passivo e paciente, atingir a maioridade intelectual muito depois da maioridade civil, envelhecer até ao dia em que lhe for lícito exercer uma profissão, constituir família, servir a Pátria. Aquele progresso contraria e contradiz o ideal do homem livre.

Outrora não eram exigidos tantos trabalhos de escolaridade a quem desejasse exercer as operações mentais que caracterizam o pensamento do médico, do juiz ou do professor. Agora o pensamento humano parece desenvolver-se com maior lentidão, mas as dificuldades são artificiais, resultam de abusiva intercalação de objectos, de excessivo número de ciências auxiliares, enfim, de positivista gnosiologia. A inteligência humana, incapaz de se adaptar rapidamente à profissão, sai humilhada da prova universitária. Aliás, o argumento do estudo comparativo da duração dos cursos em vários países, muito utilizado pelos administradores do ensino, tem o defeito de todos os argumentos estatísticos: – comparar números sem comparar também as outras condições indispensáveis para um juízo capaz de integração num raciocínio completo.

Em vez de satisfazer a aspiração do estudante, que deseja aprender logo no primeiro ano do curso a praticar a profissão escolhida, segundo o método explícito do adágio learning by doing, em vez de limitar a escolaridade obrigatória ao quadrívio fundamental da profissão superior, os administradores ordenam muitos estudos prévios, muitas propedêuticas e ciências auxiliares. A actividade espontânea do estudante, a sua escolha de meios e fins, o seu método de investigação, de especulação e de imaginação parecem reprimidos, contrariados e anulados pela uniformidade dos programas e dos regulamentos. Não se exortando o espírito de iniciativa, de invenção e de descoberta, não se concedendo a liberdade de orientar os estudos por uma vocação prévia ou por um ideal eleito, enfim, não se dando a cada estudante a possibilidade de delinear o seu curso, perde a sociedade que tão mal administra o ensino imensas possibilidades de variações úteis, fecundas e valiosas, tanto na teoria como na prática. Este vício do uniforme, que na escola pesa sobre as diferenças dos corpos e das almas, sem benefício, é com certeza o causador da incessante frustração do ensino público, confessada de reforma para reforma, e declarada pelo apelo aos técnicos especializados no estrangeiro.»

Álvaro Ribeiro («Escola Formal»).


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«(...) D.M.– O sr. dr. falou, depois, no problema do ensino. A que níveis haverá que fazer mudanças?

O.V. – Toda a organização do ensino depende da organização do Ensino Superior, ou do estado do Ensino Superior.

Toda a organização do ensino é determinada e condicionada pela organização do Ensino Superior. Isto, desde os planos mais gerais do ensino até à sua própria execução.

Na execução isto é imediatamente visível, visto que são os alunos formados pela Universidade de que vão ser professores no Ensino Secundário.

A Universidade, sobretudo a Universidade Pombalina, aquela que é a Universidade estatizada há dois séculos, sempre tem exercido um poder quase absoluto, digamos, sobre sucessivos governos políticos em relação ao ensino. Basta dizer que há muitas dezenas de anos só houve um caso de um ministro da Educação que não era professor universitário.

A primeira alteração a fazer é a alteração de todo o Ensino Superior. Para isso é preciso extinguir, como recomendou Delfim Santos e como começou a pôr em prática Leonardo Coimbra, a actual Universidade.

Delfim Santos dizia mesmo que uma reforma na Universidade é mais do que insuficiente. O que é preciso é extinguir completamente a Universidade actual e sobre essa extinção, criar-se uma universidade nova.

D.M.– Em que linhas assentaria a Universidade nova?

O.V. – No aspecto programático, substancial, da sabedoria que se deve transmitir, as linhas dessa Universidade nova estão todas elaboradas pelos homens que já citei: Leonardo Coimbra e Delfim Santos.

Minuciosamente programadas, estão assentes numa teoria da educação que, a meu ver, é a mais notável teoria da educação que, na modernidade, foi elaborada e escrita: a que está exposta nos livros de Álvaro Ribeiro. Um livro sobre o Ensino Primário, outro sobre o Ensino Secundário e um outro sobre o Ensino Superior.»

Entrevista a Orlando Vitorino («O socialismo não é o único caminho»).


«Escolaridade, repetimos, não é sinónimo de educação. Até à época pombalina, o povo analfabeto conservou e aperfeiçoou a língua portuguesa, cuja corrupção se observou só depois de a imprensa divulgar os erros de quem não sabe escrever. O povo manteve muito lúcidas as qualidades do seu instinto, da sua inteligência e da sua intuição, porque estimuladas por essas fontes de cultura que hoje os paleógrafos estudam no folclore. Afirmou um modo próprio de pensar as doutrinas morais, políticas e religiosas, haurindo a melhor inspiração de um ideal transcendente. Viveu heróico, activo e feliz, nos séculos em que não havia maiores exigências de escolaridade.


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As escolas primárias são contemporâneas da indústria, mas foram instituídas num tempo em que não havia ainda convenções internacionais nem leis nacionais de protecção aos menores. Os rapazes entravam aos dez anos a trabalhar nas lojas de comércio e nas oficinas fabris. Era então indispensável que os futuros operários recebessem uma cultura geral na última, ou na única, escola que poderiam frequentar, e além disso uma instrução de base profissional, o que explica o predomínio da aritmética, da geometria e do desenho nos programas oficiais daquelas escolas públicas. Importa, desde já, notar quanto este ensino se adapta ao temperamento antipático do rapaz e ao carácter do homem voluntarioso. Os artifícios do cálculo aritmético sugerem ao empregado de escritório infinitas facilidades de operação comercial, muitas vezes desmentidas na experiência de contacto com outros factores igualmente importantes na vida económica, como as condições geográficas, etnográficas e políticas dos povos. Se o comerciante contar apenas os números e pensar com entidades abstractas, faltará a um dos seus compromissos que é o de avisar os economistas de que há limites para os mercados, limites para a exportação, limites para a fabricação. A indústria mal avisada pelos comerciantes tende para a laboração contínua, porque lhe é fácil operar com matérias mortas, usar de processos violentos, acelerar a repetição. O industrial considera só o feito, o facto, ou o fáctico, quer dizer, o que existe por acidente e não por lei natural. A natureza produz na variedade das espécies e das formas; mas a indústria, armazenando sem medida e sem fim, é tida pelos positivistas uma fonte de riqueza, a verdadeira “seara nova”.

Em obediência a tal positivismo, a escola primária ensina o sistema métrico decimal para habilitar o operário a trabalhar com a máquina mais simples que é a balança, o balouço ou o pêndulo. Outras escolas hão-de ensinar a prática de máquinas mais complexas, sem exigirem contudo a análise intelectual dos princípios da mecânica. O operário pode ignorar as leis físicas, mas deve agradecer o auxílio da máquina que lhe poupa esforço muscular e atenção mental. A mão deixou de medir; já não afeiçoa nem aperfeiçoa o produto, como na arte e no artesanato; a polegada e o palmo deixaram de ter aplicação. A manufactura existe, todavia, na agricultura. A mão tem de encontrar limites nos ritmos próprios dos seres vivos, nas delicadas metamorfoses das plantas, na instabilidade das condições meteorológicas. O lavrador não pode contar só com o sistema decimal. As plantas não crescem linearmente, desenvolvem-se por figuras admiráveis, florescem e frutificam segundo fases predestinadas de cultura que não consentem permutação. Da sementeira à colheita, cada tarefa tem o seu tempo, e nos intervalos o calendário prescreve os dias de repouso, festança e alegria. Levadas para as aldeias, as escolas primárias de finalidade comercial e industrial alteraram e adulteraram uma mentalidade assente na sabedoria das tradições.

(...) No ensino primário não se passa, porém, da geografia natural para a geografia humana, ou para a etnografia; faltam, assim, as mínimas noções acerca das diferenças existentes entre raças, povos e nações, falta a preparação indispensável ao sério entendimento das primeiras lições de história pátria. Não se encontram os escolares suficientemente dotados de experiência humana que permita entender as motivações psicológicas dos acontecimentos sociais, numa idade em que a imaginação se nutre de contos, lendas e mitos. A história profana tem de ser explicada pela história sagrada. Na ilusória intenção de ministrar cultura geral ao estudante que vai fazer o seu último exame, a escola primária reduz a história à cronologia, a uma lista de datas, de antropónimos e de topónimos, que a criança memoriza como uma lenga-lenga entremeada de apreciações morais, políticas e religiosas. À custa de forçosos processos de repetição de palavras e frases, consegue o rapaz decorar o que ainda não pode imaginar, e sem desenvolvimento da imaginação não há, não pode haver, desenvolvimento da razão.»

Álvaro Ribeiro («Escola Formal»).



«A surpresa inicial ao descobrir que pessoas inteligentes tendem a ser socialistas diminui quando nos apercebemos de que tais indivíduos são, obviamente, propensos a sobrestimar a inteligência e a supor que devemos todas as vantagens e oportunidades que oferece a nossa civilização a um propósito deliberado em vez do respeito por regras tradicionais. Presumem, igualmente, que conseguiremos, graças ao exercício da nossa razão, eliminar quaisquer aspectos indesejáveis ainda existentes graças a mais reflexões inteligentes, mais projectos apropriados e mais “coordenações racionais” dos nossos esforços. Isso alimenta uma disposição favorável em relação ao planeamento económico central e controlo que são o âmago de socialismo. Intelectuais exigirão, com certeza, explicações sobre tudo o que se espera deles e terão relutância em aceitar costumes pelo mero facto de vigorarem nas suas comunidades de nascimento, o que os levará a entrar em conflito com, ou pelo menos a depreciarem, quem aceita placidamente as normas de conduta prevalecentes. Acresce que esses intelectuais pretenderão, incompreensivelmente, seguir na senda da ciência e da razão e consequentemente – considerando o progresso extraordinário das ciências físicas nos últimos séculos, além de terem sido ensinados de que construtivismo e cientificismo são a razão de ser da ciência e da razão – terão dificuldade em acreditar que possa existir algum conhecimento útil que não derive da experimentação deliberada ou em aceitar a validade de outras tradições diversas da sua própria tradição de razão. Assim, um distinto historiador escreveu nesse sentido: “A tradição é quase por definição repreensível, algo a ridicularizar e lamentar” (Seton-Watson, 1983:1270).

Por definição: Barry (1961, atrás citado) pretendia fazer a moral e a justiça imorais e injustas por ‘definição analítica’; aqui Seton-Watson tenta o mesmo ardil em relação à tradição, tornando-a, por definição, repreensível”...

Todas estas reacções são compreensíveis, mas têm consequências. As consequências são particularmente perigosas – para a razão e também para a moral – quando a opção recai sobre esta tradição convencional da razão, em vez dos resultados reais da razão, levando os intelectuais a ignorarem os limites teóricos da razão, a menosprezarem um mundo de informação histórica e científica, a ignorarem as ciências biológicas e humanas, como a economia, e a distorcerem a origem e funções das nossas normas morais tradicionais.»

Frederico Hayek («Arrogância Fatal: O Erros do Socialismo»). 



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«As multidões apenas conhecem os sentimentos simples e extremos; as opiniões, ideias e crenças que lhes sejam sugeridas são aceites ou rejeitadas em globo e consideradas verdades ou erros absolutos, não admitindo meio-termo. Sucede sempre isto com as crenças determinadas pela sugestão, em vez de provindas do raciocínio. Todos nós sabemos quão intolerantes são as crenças religiosas e o despótico domínio que sobre nossas almas exercem.

A multidão é tão autoritária como intolerante, por isso que nunca estabelece a mais pequena dúvida sobre o que lhe parece verdade ou erro e porque possui também a noção nítida da sua força. O indivíduo admite contradição e discussão, o que a multidão nunca admite. Nas reuniões públicas, a mais ligeira contradição por parte de um orador é imediatamente acolhida com gritos, ou, melhor, uivos de furor e invectivas violentas, bem depressa seguidas de vias de facto e de expulsão, se o orador insistir um pouco. Sem a presença inquietadora dos agentes da autoridade, o contraditor seria mesmo frequentemente chacinado.

O autoritarismo e a intolerância são gerais em todas as categorias de multidões, mas apresentam graus muito diversos, reaparecendo também aqui a noção fundamental da raça, dominadora de todos os sentimentos e de todos os pensamentos dos homens. É, principalmente, nas multidões latinas que o autoritarismo e a intolerância se têm desenvolvido em mais alto grau, chegando ao ponto de haverem destruído completamente o sentimento da independência individual tão poderoso nos anglo-saxões. As multidões latinas só são sensíveis à independência colectiva da seita a que pertencem, e a característica desta independência é a necessidade de subjugarem imediata e violentamente às suas crenças todos os dissidentes. Nos povos latinos, os jacobinos de todos os tempos, desde os da Inquisição, nunca puderam elevar-se a outra concepção de liberdade.

O autoritarismo e a intolerância são para as multidões sentimentos muito nítidos, que facilmente concebem e aceitam, tão facilmente como os praticam, logo que lhos impõem. As multidões respeitam docilmente a força e são mediocremente impressionadas pela bondade, que para elas só representa uma forma de fraqueza. As simpatias das multidões nunca vão para os senhores bonacheirões, mas para os tiranos que vigorosamente as hajam esmagado. A estes é que elas erigem as mais elevadas estátuas. Quando de boamente pisam o déspota derrubado, fazem-no porque, havendo ele perdido a força, reentrou na categoria dos fracos que se desprezam por já se não temerem. O tipo do herói querido para as multidões há-de ter sempre a estrutura de um César que as seduz com o penacho, se impõe pela autoridade e as atemoriza com o sabre.

Sempre pronta a levantar-se contra uma autoridade fraca, a multidão curva-se com servilismo diante de uma forte autoridade. E quando a força da autoridade seja intermitente, a multidão, obedecendo sempre aos seus sentimentos extremos, passa alternadamente da anarquia para a escravidão e da escravidão à anarquia.

(...) são precisamente as palavras mais empregadas pelas multidões aquelas que, de um povo para outro, maior diferença de sentido apresentam. Isto dá-se, por exemplo, com as palavras “democracia” e “socialismo”, hoje tão frequentemente empregadas.

Estas palavras correspondem na realidade a ideias e imagens absolutamente opostas nas almas latinas e anglo-saxónicas. Entre os latinos, a palavra “democracia” significa principalmente apagamento da vontade e iniciativa individuais, em presença da vontade e iniciativas da comunidade representadas pelo Estado. O Estado é quem está encarregado cada vez mais de dirigir tudo, centralizar, monopolizar, fabricar tudo; para ele apelam, sem excepção, todos os partidos, radicais, socialistas e monárquicos. Entre os anglo-saxões, principalmente na América, a mesma palavra “democracia” significa, pelo contrário, desenvolvimento intenso da vontade e do indivíduo, afastamento, tão completo quanto possível, do Estado, ao qual, além da polícia, exército e relações diplomáticas, nada se deixa dirigir, nem sequer a instrução. Logo, a mesma palavra que num povo significa apagamento da vontade e iniciativa individuais e preponderância do Estado, significa num outro povo exactamente o contrário, isto é, um excessivo desenvolvimento da vontade e iniciativa individuais e apagamento completo do Estado e da sua intervenção.»

Gustave Le Bon («A Psicologia das Multidões»).




Instrução e educação

 

Na primeira linha das ideias dominantes de uma época, (...) se bem que elas por vezes sejam ilusões puras, encontra-se hoje a de que a instrução é capaz de mudar consideravelmente os homens, tendo como resultado certo melhorá-los e até fazê-los iguais. Pelo simples facto de serem muito repetidas, estas asserções acabaram por ser um dos mais inabaláveis dogmas da democracia, em que hoje seria tão difícil tocar, como outrora o foi tocar com os da Igreja.

Mas, neste ponto, como em muitos outros, as ideias democráticas estão em profunda discordância com os dados da psicologia e da experiência. Alguns eminentes filósofos, como, entre outros, Herbert Spencer, nenhum trabalho tiveram para demonstrar que a instrução não faz o homem nem mais moral, nem mais feliz, que lhe não muda os instintos nem as paixões hereditárias, que é até, por vezes, logo que seja mal dirigida, muito mais perniciosa do que útil. Os estatísticos vieram confirmar estes modos de ver, assegurando-nos que a criminalidade aumenta com a generalização da instrução ou, pelo menos, de uma certa instrução, que os piores inimigos da sociedade, os anarquistas, se recrutam muitíssimas vezes nos laureados das escolas, e ainda num trabalho recente, um distinto magistrado, Adolphe Guillot, acentuava que se encontram agora 300 criminosos ilustrados para 1000 analfabetos, e que, no período de cinquenta anos, a criminalidade passou de 227 por 100 000 habitantes para 552, o que representa um aumento de 133 por cento. Notou ainda esse magistrado, como também todos os seus colegas, que a criminalidade aumenta principalmente entre os mancebos para os quais o patronato foi, como se sabe, substituído pela escola obrigatória e gratuita.

Não significa isto, nem mesmo sequer ninguém o ousou sustentar, que a instituição bem dirigida não dê resultados práticos utilíssimos, senão para o levantamento moral, pelo menos para o desenvolvimento das capacidades profissionais. Desgraçadamente os povos latinos, principalmente de há trinta e tantos anos para cá, basearam os seus sistemas de instrução em princípios muito erróneos e, não obstante as observações dos mais eminentes espíritos, persistem em seus lamentáveis erros. Numa das minhas obras tive também já ocasião de provar que a nossa educação actual transforma em inimigos da sociedade a maior parte dos que a receberam e recruta numerosos discípulos para as piores fórmulas do socialismo.

O que constitui o primeiro perigo desta educação – muito justamente qualificada de latina – é o basear-se num erro fundamental de psicologia, qual é o de aceitar-se que, aprendendo-se de cor os manuais, se desenvolve a inteligência. Por isso tem-se procurado apenas aprender de cor o mais que se possa; e da escola primária à licenciatura e ao doutoramento, o mancebo nada mais faz do que decorar livros sem que o seu raciocínio e a sua iniciativa tenham tido ocasião de se exercer. A instrução consiste para ele em recitar e obedecer. «Estudar livros, saber de cor uma gramática ou um compêndio, repetir bem, imitar bem, eis», escreveu Jules Simon, antigo ministro de Instrução Pública em França, «uma educação divertida em que todo o esforço é um acto de fé perante a infalibilidade do mestre, educação que termina por nos rebaixar e incapacitar.»

Se esta educação fosse somente inútil, poder-nos-íamos limitar a compadecer-nos das desgraçadas crianças, as quais, em vez de tantas coisas necessárias que deviam aprender nas escolas, se prefere ensinar a genealogia dos filhos de Clotário, as lutas da Neustíria e da Austrásia, ou classificações zoológicas; mas a verdade é que semelhante educação apresenta um perigo muito mais grave e muito mais para ponderar. Proporciona ao indivíduo que a recebeu um desgosto violento pelas condições em que nasceu e desperta-lhe o desejo intenso de se livrar delas. O operário não quer continuar operário, o camponês nem mais uma hora quer ser camponês e o mais modesto burguês só deseja para os filhos um salário pago pelo Estado. Em vez de preparar homens para a vida, a escola apenas os prepara para empregos públicos, nos quais se possam obter bons resultados, sem que a pessoa careça de se dirigir por si ou manifestar qualquer parcela de iniciativa. Na parte inferior da escola, a educação de hoje cria os exércitos de proletários descontentes com a sua sorte e sempre prontos a revoltarem-se; na parte superior, sustenta a nossa frívola burguesia simultaneamente céptica e crédula, tendo supersticiosa confiança no Estado-providência do qual contudo incessantemente diz mal, atribuindo sempre ao governo os seus próprios erros e incapaz de empreender qualquer coisa sem intervenção da autoridade.




O Estado que, à força de manuais, fabrica todos estes diplomados só pode utilizar um pequeno número deles, deixando todos os outros sem empregos. Tem de resignar-se a alimentar os primeiros e ter por inimigos os segundos. Do vértice para a base da pirâmide social, do simples caixeiro ao professor e ao prefeito, a enorme legião dos diplomados assalta hoje todas as carreiras. E ao passo que um negociante só muito dificilmente encontra quem, como agente, queira ir representá-lo nas colónias, são aos milhares os pretendentes aos mais modestos lugares oficiais. Só o departamento do Sena conta vinte mil professores e professoras sem colocação, e todos eles, desprezando o campo e as oficinas, se dirigem ao Estado, solicitando-lhe um emprego de que possam viver. Como o número dos eleitos é restrito, o dos descontentes é forçosamente imenso. Estes estão prontos para todas as revoluções, quaisquer que sejam os chefes e os fins a que se proponham. A aquisição de conhecimentos, para os quais se não encontra aplicação, é o mais seguro meio de fazer do homem um revoltado. [1]

Evidentemente é já muito tarde para levar de vencida semelhante corrente. Só a experiência, última educadora dos povos, se encarregará de nos mostrar os nossos erros. Só ela será bastante poderosa para nos convencer da necessidade de substituirmos os nossos odiosos manuais, os nossos lastimosos concursos, por uma instrução profissional capaz de levar a juventude para os campos, oficinas e empresas coloniais, de que hoje só procura fugir.

Esta instrução profissional, hoje reclamada por todos os espíritos esclarecidos, foi a que outrora receberam os nossos pais e que os povos, que hoje dominam o mundo pela vontade, iniciativa e espírito empreendedor, souberam conservar. Em páginas notáveis, de que terei ocasião de reproduzir as partes essenciais, um grande pensador, Taine, provou claramente que a educação francesa outrora era quase o que é hoje a educação inglesa ou americana, e, num paralelo notável entre o sistema latino e o sistema anglo-saxão, patenteou bem frisantemente as consequências dos dois métodos.

Condescender-se-ia talvez, com extremo rigor, em aceitar todos os inconvenientes da nossa educação clássica, embora só produzisse desocupados e descontentes, se a superficial aquisição de tantos conhecimentos, a perfeita recitação de tantos manuais, elevassem o nível da inteligência. Mas, na realidade, elevam-nos? Infelizmente, não! As condições para a vitória na vida são o raciocínio, a experiência, a iniciativa, o carácter, e nada disto é dado pelos livros. Os livros são dicionários cuja consulta é útil, mas é perfeitamente inútil meter na cabeça os longos trechos que os formam.

Taine, no trecho que vamos transcrever, mostra perfeitamente como é que a instrução profissional pode desenvolver a inteligência a alturas que a instrução clássica de nenhum modo pode atingir.

«As ideias», escreve Taine, «só se formam no seu meio natural e normal; o que lhes faz vegetar os germes são as inumeráveis impressões sensíveis que o mancebo recebe todos os dias na oficina, na mina, no tribunal, no estudo e no arsenal, no hospital, à vista das ferramentas, materiais e operações, em presença dos clientes e operários, do trabalho, da obra bem ou mal paga, lucrativa ou dispendiosa. São estas as pequenas percepções particulares dos olhos, dos ouvidos, das mãos e até do olfacto que, recolhidas involuntariamente e surdamente elaboradas, nele se organizam para lhe sugerirem, cedo ou tarde, uma nova combinação, uma simplificação, economia, aperfeiçoamento ou invenção. De todos estes precisos contactos, de todos estes elementos assimiláveis e indispensáveis, está privado o jovem francês, precisamente na idade fecunda. Durante sete ou oito anos, o jovem é sequestrado numa escola, está longe da experiência directa e pessoal que lhe havia de dar a noção exacta e viva das coisas, dos homens e das diversas maneiras de os manejar.

Nove mancebos em cada dez perderam certamente o tempo de trabalho, alguns anos de vida e anos eficazes importantes e até decisivos. Contai primeiramente metade ou dois terços dos que se apresentam a exame, falo de reprovados; em seguida entre os admitidos, graduados e diplomados também a metade ou dois terços, dos sobrecarregados. Exigiu-se-lhes muito, obrigando-os num dia determinado, numa cadeira ou diante de um quadro, a estarem, durante duas horas, a mostrarem que são num grupo de ciências o repertório vivo de todo o conhecimento humano. E, na verdade, eles foram, ou quase, nesse dia, durante duas horas; mas, um mês mais tarde, deixaram de o ser e com certeza não conseguiriam passar em novo exame; as suas aquisições, muito numerosas e pesadas, deslizam incessantemente para fora dos seus espíritos e não adquirem outros conhecimentos. O vigor mental estiolou-se-lhes, a seiva fecunda esgotou-se, o homem feito aparece e muitas vezes é já um homem liquidado. Este, colocado, casado, resignado a andar indefinidamente, no mesmo círculo, acolhe-se na sua restrita profissão; desempenha-se correctamente, mas não vai além. Tal é o rendimento médio; a receita certamente não equilibra a despesa. Na Inglaterra e na América, como outrora, antes de 1789, em França, emprega-se o processo inverso e o rendimento obtido é igual ou superior.»




O ilustre historiador mostra-nos em seguida a diferença do nosso sistema do dos anglo-saxões. Estes não possuem as nossas inumeráveis escolas especiais; o ensino entre eles não é dado pelo livro, mas pelas coisas. O engenheiro, por exemplo, faz-se na oficina e não numa escola, o que permite que cada um chegue exactamente ao ponto que a sua inteligência lhe proporciona, operário ou contramestre, se mais não puder alcançar; engenheiro, se as aptidões a isso o levarem. Isto é um processo muito mais democrático e muito mais útil para a sociedade do que a dependência de toda a carreira de um indivíduo de um concurso de algumas horas, feito aos dezoito ou vinte anos.

«No hospital, nas minas, na oficina, no arquitecto, no escritório do advogado, faz o aluno, admitido ainda muito novo, a sua aprendizagem e prática, como entre nós um escrevente de notário ou um aprendiz de pintor. Antecipadamente e antes de entrar, pôde seguir algum curso geral e arranjar um quadro em que possa colocar as observações que vai fazendo. E tem ainda ao seu alcance, a maior parte das vezes, alguns cursos técnicos que poderá acompanhar nas horas livres para ir coordenando as experiências que quotidianamente faz. Com este regime, a capacidade prática cresce e desenvolve-se por si, até ao grau a que possam chegar as faculdades do aluno e na orientação de que a sua futura ocupação carece, pelo trabalho especial a que desde então quer adaptar-se. Deste modo, na Inglaterra e nos Estados Unidos da América do Norte, o mancebo bem depressa consegue tirar de si tudo quanto pode dar. A partir dos vinte e cinco anos, e ainda muito mais cedo, se lhe não faltarem o fundo e a substância, é não só um executante útil, mas ainda um empreendedor espontâneo, não só uma roda, mas, o que é mais, um motor. – Em França, onde prevaleceu o processo inverso e onde cada geração se faz cada vez mais chinesa, é enorme a soma de forças perdidas.»

E o grande filósofo chega à seguinte conclusão sobre a inconveniência sempre crescente da nossa educação latina e da vida.

«Nos três graus de instrução, para a infância, adolescência e juventude, a preparação teórica e escolar nos bancos, por meio de livros, prolongou-se e sobrecarregou-se, em atenção ao exame, ao grau, ao diploma e ao certificado, única e simplesmente, e pelos piores meios, pela aplicação de um regime antinatural e anti-social, pela excessiva demora da aprendizagem prática, pelo internato, pelo artificial enlevo e acessórios mecânicos, pela sobrecarga, sem considerações pelo tempo que se há-de seguir, pela idade adulta e ocupações viris que o homem feito há-de exercer, fazendo abstracção do mundo real onde o mancebo vai entrar imediatamente, da sociedade ambiente a que é necessário adaptá-lo ou resigná-lo antecipadamente com o conflito humano onde, para se defender e conservar o pé, deve aparecer equipado, armado, exercitado e habituado às provações. Este indispensável equipamento, esta aquisição mais importante que todas as outras, esta solidez do bom senso, da vontade e dos nervos, não são proporcionadas pelas nossas escolas, bem pelo contrário; em vez de qualificarem o aluno, as nossas escolas desqualificam-no para as suas condições próximas e definitivas. Eis porque a sua entrada no mundo e os seus primeiros passos no campo da acção prática, na maioria dos casos, não passam de uma série de dolorosas quedas; fica magoado e por muito tempo, às vezes estropiado. É uma prova rude e dolorosa esta; altera-se o equilíbrio moral e mental, e corre-se o risco de não se restabelecer; vem a desilusão brusca e completa; as decepções foram grandes e os dissabores muito fortes. [2]

Por acaso, no que deixamos dito, nos afastámos da psicologia das multidões? Com certeza que não. Se quisermos compreender as ideias e crenças que hoje germinam nas multidões e amanhã hão-de desabrochar, é necessário sabermos como o terreno tem sido amanhado. O ensino dado à juventude de um país permite avaliar o que será amanhã esse país; a educação fornecida à geração actual justifica as mais sombrias previsões. É em parte com a instrução e a educação que melhora e se modifica a alma das multidões. É, pois, necessário mostrar como o actual sistema de instrução a tem trabalhado e como a massa dos indiferentes e dos neutros se foi progressivamente transformando num imenso exército de descontentes, prontos a obedecerem a todas as sugestões dos utopistas e dos retóricos. É na escola que hoje se formam os socialistas e os anarquistas e nela se preparam para os povos latinos as horas bem próximas de decadência.

(In Gustave Le Bon, A Psicologia das Multidões, Bookbuilders, 1.ª edição, Janeiro de 2020).






[1] Este fenómeno não é privativo dos povos latinos; observa-se também na China, país dirigido também por uma sólida hierarquia de mandarins e em que o mandarinato, como entre nós, se alcança por concursos cujas provas consistem apenas na recitação imperturbável de grossos manuais. A lógica dos letrados sem emprego considera-se hoje na China uma verdadeira calamidade nacional. O mesmo sucede na Índia, onde, depois de os ingleses abrirem escolas, não para educar, como se faz em Inglaterra, mas simplesmente para instruir os indígenas, se formou uma classe especial de letrados, os babus, que, desde que não alcançam um emprego público, se fazem inimigos irreconciliáveis do domínio inglês. Em todos os babus, providos ou não em emprego, o primeiro resultado da instrução foi fazer baixar imensamente o nível da sua moralidade. Este facto foi por nós tratado desenvolvidamente nas Civilizations de L’Inde e tem sido verificado e confirmado por todos os autores que têm visitado a grande península.

[2] Taine, o Regime Moderno, t. II, 1894. Estas páginas são quase as últimas escritas por Taine e resumem admiravelmente os resultados da longa experiência do grande filósofo. Infelizmente, julgo-as absolutamente incompreensíveis para os professores da nossa universidade que não hajam estado no estrangeiro. A educação é o único meio que possuímos para actuarmos na alma de um povo e é profundamente triste ter de pensar que não há quase ninguém em França que possa chegar a compreender que o nosso actual ensino é um elemento terrível de rápida decadência e que em vez de elevar a juventude, a rebaixa e perverte.




sábado, 8 de outubro de 2022

Génese da grandeza e decadência das civilizações

Escrito por Gustave Le Bon


«Portugal é uma Raça, porque existe uma Língua portuguesa, uma Arte, uma Literatura, uma História (incluindo a religiosa) – uma actividade moral portuguesa; e, sobretudo, porque existe uma Língua e uma História portuguesas.

A faculdade que tem um Povo de criar uma forma verbal aos seus sentimentos e pensamentos, é que melhor revela o seu poder de carácter, de raça.

Por isso, quanto mais palavras intraduzíveis tiver uma Língua, mais carácter demonstra o Povo que a falar. A nossa, por exemplo, é muito rica em palavras desta natureza, nas quais verdadeiramente se perscruta o seu génio inconfundível.

(...) Basta falar nas Descobertas que não foram uma obra peninsular, mas exclusivamente portuguesa, filha da nossa iniciativa aventureira, do nosso poder de raça em actividade. Para demonstrar isto, não precisamos de recorrer à Cronologia nem à porção de mundo descoberto pelos nossos marinheiros.

As Descobertas foram uma obra essencialmente portuguesa, porque o génio português, encarnado em Camões, lhe deu forma espiritual, sublimada e eterna.

Não devemos ao acaso a glória imortal de Os Lusíadas...

Temos ainda a História do reinado de D. Dinis, D. João I e a História de D. Sebastião, principalmente depois da sua morte; isto é: o Sebastianismo.

Sim: quase toda a nossa História religiosa, política e jurídica, apresenta factos característicos da Raça, como a primitiva Igreja lusitana, a organização municipalista do País, a sua representação nas cortes e o carácter da nossa antiga monarquia.» 

Teixeira de Pascoaes («Arte de Ser Português»).


«E a nossa grande Raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são constituídas "daquilo de que os sonhos são feitos". E o seu verdadeiro e supremo destino, de que a obra dos navegadores foi o obscuro e carnal ante-arremedo, realizar-se-á divinamente.»

Fernando Pessoa («A Nova Poesia Portuguesa»).

 

«(...) a geografia prefigura a história e a estirpe vital dos povos afunda as raízes na leiva em que nasceram.

Da estreita penetração entre a Terra e o Mar vai, pois, nascer o Português com os seus modos de vida típicos, o seu carácter, o seu idioma, a sensibilidade religiosa e as expressões artísticas, flor suprema de uma espiritualidade própria.»

Jaime Cortesão («Os Factores Democráticos na Formação de Portugal»). 

 

«Não coube Portugal no berço “onde o corpo nasceu”, ainda que então lhe sobrasse mantimento dentro dele [Torga (...) o reconhece, nos “Poemas Ibéricos”: "Terra de pão e vinho (a fome e a sede só virão depois, quando a espuma salgada for caminho...")]. Se não caber foi “destino”, uma das causas partiu do próprio instinto vital, pois não conseguiria que o deixassem sobreviver em tão reduzido torrão; e esta causa, este risco, acicatou uma outra, – a tendência expansionista, congénita, prestes desperta, que afinal o salvou.»

Francisco da Cunha Leão («Ensaio de Psicologia Portuguesa»).



«A contradição do universalismo abstracto

- Um dos grandes argumentos - recentemente invocado em afirmações culturais de diversa origem contra a existência das filosofias nacionais e, consequentemente da filosofia portuguesa, é o de que o pensamento é universal... O que diz o Sr. Dr. sobre este tema?

-  Compreendo e respeito o ponto de vista, mas não me é possível perfilhá-lo. A simples experiência quotidiana ensina que o universal é recebido pelo espaço e pelo tempo. Além dessas limitações naturais, históricas e geográficas, existem hoje limitações técnicas, artificiais, como o falso ideal de um absurdo humanitarismo abstracto, que alguns querem impor pela força, para substituir o ideal da fraternidade universal. Ora repare que até os irmãos são diferentes.

- E quem diz irmãos...

- ... diz raças. Para os que perfilham um abstracto universalismo, será uma contradição existirem as raças humanas e as raças serem diferentes umas das outras, o que implica necessariamente uma distinção entre superiores e inferiores ou, o que é o mesmo, mais atrasadas e mais adiantadas. E dentro das raças há os povos, com as suas características étnicas. Sabe qual é o melhor processo de combater a resistência das raças e dos povos, em vista a um qualquer totalitarismo?

- Diga, Sr. Dr. ...

- É negar-lhes o direito à existência, negar que verdadeiramente existam, negar a evidência. Ora a verdade é diferente deste paradoxo. Existem a etnografia, a etnologia e a antropologia cultural a confirmar uma verdade que resiste a todas as revoluções.»

Resposta a um Inquérito aos Pensadores Portugueses. Introdução e entrevista conduzida por António Quadros. In 57, Ano I, números 3-4, Lx.ª, Dezembro de 1957.


«Exponhamos (...) antes de mais nada e sucintamente, uma classificação das multidões.

O ponto de partida será a multidão simples. A sua forma mais inferior apresenta-se quando constituída por indivíduos pertencentes a raças diversas, tendo apenas como laço comum a vontade mais ou menos respeitada de um chefe. São tipos desta espécie de multidões os bárbaros de origens muito diversas que durante alguns séculos invadiram o Império Romano.

Superiores a estas multidões de raças diferentes, encontram-se as que, sob a acção de certos factores, adquiriram caracteres comuns e acabaram por constituir uma raça. Sempre que a ocasião o proporcione, apresentarão as características especiais das multidões, muito embora essas características venham a ser mais ou menos dominadas pelas da raça.

Essas duas categorias podem, sob a acção dos factores que já estudámos, transformar-se em multidões organizadas ou psicológicas. Destas multidões organizadas apresentamos a seguinte classificação:

Multidões heterogéneas

1.º Anónimas (multidões das ruas, por exemplo)

2.º Não anónimas (júris, assembleias parlamentares, etc.)


B.    Multidões homogéneas

1.º Seitas (seitas políticas, religiosas, etc.)

2.º Castas (castas militar, sacerdotal e operárias, etc.)

3.º Classes (classes burguesa, dos camponeses, etc.)».

Gustave Le Bon («A Psicologia das Multidões»).

«Afigura-se-me que as Nações Unidas se encontram num passo crucial da sua vida, não porque tenham avançado no sentido da universalidade – foram criadas para albergar em seu seio todos os Estados independentes – mas porque se vão afastando do espírito que presidiu à sua criação, ao mesmo tempo que substituem os processos de trabalho. É visível a tendência para converterem-se em parlamento internacional, a que não faltam mesmo sessões tempestuosas, partidos ideológicos e rácicos, arranjos de corredores. Para que a solução por que alguns anseiam se completasse, seria no entanto necessário sobrepor-lhe um executivo responsável da confiança da Assembleia, o que oferece dificuldades, na medida em que os Estados Unidos se não disponham a custear a política aventurosa de alguns novos Estados ou a Rússia não esteja resolvida a trabalhar com um parlamento que não seja inteiramente seu, e esse não é ainda o caso. Mesmo sem governo e sem capacidade de impor normas obrigatórias para os Estados membros, esse parlamento pode criar – está já criando – através das suas tribunas e da ressonância que emprestam às afirmações produzidas, vagas de agitação, ambientes subversivos, estados de espírito que funcionam como meios de pressão sobre as nações estranhas aos grandes clãs da Assembleia. E tendo sido instituídas para a paz, já ali se ouvem em demasia vozes que a não pressagiam.

Muitos Estados recém-vindos às Nações Unidas mostram-se convencidos de que só ali podem ter apoio e defesa. O resultado é que, junta a essa convicção a deficiência natural das suas representações diplomáticas, a via bilateral para a solução dos problemas vai sendo abandonada e é fatal nas Comissões e na Assembleia a tendência para a internacionalização de todas as questões e conflitos, mesmo que em nada interessem ao resto do mundo.

A distância que vai do direito de voto à capacidade de decisão, ou de uma maioria votante à força efectiva das nações, faz que soem um pouco a falso as grandes objurgatórias, mas não anula o seu perigo. Revela em todo o caso um desequilíbrio que ou desaparecerá ou de alguma forma terá de ser compensado.

Para mim, sem o dom da profecia, o carácter parlamentarista, excessivamente intervencionista e internacionalizante das Nações Unidas marcará o próximo futuro, até uma crise grave que as porá à prova. Temos de tê-lo presente, visto que não nos dispomos a aceitar a intervenção abusiva de terceiros na nossa vida interna.»

Oliveira Salazar («Portugal e a Campanha Anticolonialista», 4.ª Edição, SNI, 1960).


«[Oliveira Salazar] lança as bases do próprio estatuto político que deveria enquadrar a nação: as suas linhas eram idênticas às que expusera em entrevistas e declarações, e as suas raízes ideológicas permaneciam imutáveis desde os tempos de Viseu e Coimbra. E aí estavam o nacionalismo, a família, as corporações, a autoridade, o bem-comum: era uma síntese da democracia cristã de Leão XIII, das doutrinas económicas de Le Play, do princípio da vitória pela vontade de Gustave Le Bon, do historicismo de Maurras. Além do mais, era uma afirmação de portuguesismo supremo: nada contra a Nação, tudo pela Nação

Franco Nogueira («Salazar, II, Os tempos áureos, 1928-1936»).


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 «O convite às autoridades portuguesas para cessarem imediatamente as medidas de repressão é uma atitude, digamos, teatral do Conselho de Segurança e que ele não tem a menor esperança de ver atendida, tão gravemente ofende os deveres de um Estado soberano. Desde os meados de Março não acharam nem o Conselho nem a Assembleia oportunidade para ordenar aos terroristas que cessassem os seus morticínios e depredações, e tantos dos seus membros o podiam ter feito com autoridade e eficácia. Mas quando intervém a autoridade cuja obrigação é garantir a vida, o trabalho e os bens de toda a população, essa obrigação ou primeiro dever do Estado não haverá de ser cumprido, porque é necessário que os terroristas continuem impunemente a sua missão de extermínio e de regresso à vida selvagem.

A consideração de que a situação em Angola é susceptível de se tornar uma ameaça para a paz e para a segurança internacionais, essa, sim, pode ter algum fundamento, mas só na medida em que alguns dos votantes decidam a passar do auxílio político e financeiro que estão dando, para o auxílio directo com as suas próprias forças contra Portugal em Angola. Tudo começa a estar tão do avesso no mundo que os que agridem são beneméritos, os que se defendem são criminosos, e os Estados, cônscios dos seus deveres, que se limitam a assegurar a ordem nos seus territórios são incriminados pelos mesmos que estão na base da desordem que ali lavra. Não. Não levemos ao trágico estes excessos: a Assembleia das Nações Unidas funciona como multidão que é e portanto dentro daquelas leis psicológicas e daquele ambiente emocional a que estão sujeitas todas as multidões. Nestes termos é-me difícil prever se o seu comportamento se modificará para bem ou não agravará ainda para pior. Se porém virmos este sinal no céu de Nova Iorque, é meu convencimento que estão para breve catástrofes e o total descalabro da Instituição

Oliveira Salazar («O Ultramar Português e a ONU», SNI, 1961).


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Génese da grandeza e decadência das civilizações


A incessante criação de leis e regulamentos restritivos, que vêm cercar com as mais bizantinas formalidades os menores actos da vida, tem como resultado fatal o apertar cada vez mais a esfera dentro da qual os cidadãos possam livremente mover-se. Vítimas da ilusão de que a igualdade e a liberdade se acham mais bem asseguradas pela multiplicação das leis, os povos aceitam todos os dias as mais pesadas peias.

Mas não é impunemente que as aceitam. Habituados a suportar todos os jugos, acabam por procurá-los e chegam a perder toda a espontaneidade e toda a energia. Então não passam de vãs sombras, autómatos passivos, sem vontade, sem resistência, sem força.

E então também o homem vê-se forçado a procurar fora de si a força que em si não encontra. Com as crescentes indiferença e incapacidade dos cidadãos, o papel dos governos aumentará ainda forçadamente. São eles que forçosamente hão-de ter o espírito de iniciativa, de empreendimento e conduta que os particulares não têm. Será necessário que os governos tudo empreendam, tudo dirijam, tudo protejam. O Estado será um deus omnipotente. Mas a experiência ensina-nos que o poder de tais deuses nunca é nem muito duradouro nem muito forte.

A progressiva restrição de todas as liberdades em certos povos, não obstante a licença exterior, que lhes dá a ilusão da posse dessas liberdades, parece ser consequência da sua velhice tanto como a de qualquer regime. Constitui um dos sintomas precursores da fase de decadência a que nenhuma civilização até hoje pôde escapar.

A avaliarmos pelas lições do passado e por sintomas que por toda a parte se manifestam, algumas das nossas civilizações modernas chegaram à fase da velhice extrema, que precede a decadência. Ao que parece, são fatais em todos os povos fases idênticas, pois que as vemos muitas vezes repetidas na História.

É fácil indicar sumariamente estas fases da evolução geral das civilizações e com essa indicação terminaremos a obra. O rápido quadro que vamos apresentar projectará porventura alguma luz sobre as causas do actual poder das multidões.

O que vemos, ao analisarmos nas suas grandes linhas a génese da grandeza e decadência das civilizações que precederam a nossa?

Na aurora dessas civilizações, há uma nuvem de homens de variadas origens, reunidos pelos acasos das imigrações, das invasões e das conquistas. Estes homens de diversos sangues, de crenças igualmente diversas, só têm como laço comum a lei meio reconhecida de um chefe. Nestas confusas aglomerações encontram-se no mais alto grau os caracteres psicológicos das multidões. Têm destas a momentânea coesão, os heroísmos, as fraquezas, os impulsos e as violências. Nada nelas é estável. São bárbaras.




Depois o tempo acaba a sua obra. A identidade dos meios, a repetição dos cruzamentos, as necessidades de uma vida comum, actuam lentamente. A aglomeração de unidades dissemelhantes começa a fusionar-se e a formar uma raça, isto é, um agregado que possui caracteres e sentimentos comuns, que a hereditariedade vai fixando cada vez mais. A multidão fez-se povo e este povo vai ter a possibilidade de sair da barbaria.

Todavia sairá completamente quando, após longos esforços, depois de lutas incessantemente repetidas e inumeráveis tentativas, haja adquirido um ideal. A natureza deste ideal pouco importa; seja ele o culto de Roma, o poder de Atenas ou o triunfo de Alá, será o bastante para dar a todos os indivíduos da raça em via de formação uma unidade perfeita de sentimentos e pensamentos.

Só então é que pode nascer uma civilização nova, com as suas instituições, crenças e artes. Arrastada pelo seu sonho, a raça adquirirá sucessivamente tudo o que dá brilho, força e grandeza. Em algumas horas será ainda, sem dúvida, multidão, mas então, por detrás dos caracteres móveis e mutáveis das multidões, encontrar-se-á o substracto sólido, a alma da raça, que estreitamente limita a extensão das oscilações de um povo e vai regularizar o acaso.

Depois de haver exercido a sua acção criadora, o tempo começa, porém, a obra de destruição a que nada escapa, nem deuses, nem homens. Chegando a um certo nível de poder e complexidade, a civilização deixa de aumentar e, desde que isto se dá, está condenada a declinar. A hora da velhice está prestes a soar para ela.

Esta hora inevitável é sempre marcada pelo enfraquecimento do ideal que sustentava a alma da raça. À proporção que este ideal empalidece, todos os edifícios religiosos, políticos ou sociais de que ele era o inspirador começam a abalar-se.

Com a expansão progressiva do seu ideal, a raça perde cada vez mais o que constituía a sua coesão, a sua unidade e a sua força. O indivíduo pode crescer em personalidade e em inteligência, mas também, ao mesmo tempo, o egoísmo colectivo da raça é substituído por um desenvolvimento excessivo do egoísmo individual acompanhado pelo rebaixamento de carácter e pela diminuição das aptidões para a acção. O que até então formava um povo, uma unidade, um bloco, acaba por fazer-se uma aglomeração de individualidades sem coesão, que ainda mantém artificialmente durante algum tempo as tradições e as instituições. É então que, divididos pelos seus interesses e aspirações, não sabendo já governar-se, os homens exigem uma direcção para os actos mais insignificantes e o Estado exerce a sua absorvente acção.

Com a perda definitiva do antigo ideal, a raça acaba por perder completamente a alma; esta já não é mais do que uma nuvem de indivíduos isolados e transforma-se no que foi o seu ponto de partida: uma multidão. Tendo desta todos os caracteres sem consistência e sem futuro. A civilização deixa de ter fixidez e fica à mercê de acasos. A plebe é senhora e os bárbaros avançam. A civilização poderá então parecer ainda brilhante, porque possui a fachada exterior construída por um longo passado, mas, na realidade, é um edifício arruinado que já não tem amparos e se desmoronará à mais leve tempestade.

Passar da barbaria para a civilização, prosseguindo um sonho, depois declinar e morrer, fogo que esse sonho perdeu a força, tal é o ciclo da vida de um povo.

(In Gustave Le Bon, A Psicologia das Multidões, Bookbuilders, 1.ª edição, Janeiro de 2020, pp. 188-191).