quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Portugal ultramarino e o anticolonialismo (i)

Escrito por Oliveira e Castro


«Um dos ventos que dominantemente sopra no mundo é o do anticolonialismo. Ele recusa a algumas potências o direito de administrar e civilizar territórios não limítrofes - parece que toda a questão está aqui - e vai até negar os próprios benefícios da acção colonizadora.

O sovietismo tem a sua posição tomada no problema por motivos que se ligam à estratégia da revolução comunista ou à expansão do império russo. Mas o movimento concilia o apoio de muitos outros a ele ligados pela invocação de razões históricas ou pela influência de vagas ideologias. Estes últimos deviam considerar se, em vez de libertações generosas, não estão nalguns casos a promover a penetração de influências que buscam exactamente a linha de menor resistência das independências frágeis.

O que está em causa no momento é apenas o domínio de certas potências europeias nos territórios africanos, visto poder afirmar-se que a Ásia está quase completamente isenta de direcção política europeia. É para ali que sobretudo se voltam as atenções; é com esse objectivo sobretudo que a campanha se transmuda em organização estruturada.

Ora tomada a colonização como um processo de valorização económica de territórios submetidos a esse regime, bem como da sucessiva ascensão das respectivas massas populacionais a formas superiores de convívio social e de governo, não se verifica uma solução única dos problemas que o fenómeno suscita, e pelo menos três grandes linhas de acção se podem enunciar.

Assim a Inglaterra tem actuado no sentido da independência completa dos territórios, esforçando-se por mantê-los no seio da Comunidade. O processo é facilitado pelo carácter tradicional da colonização britânica, onde a miscigenação é inexistente e a fixação da população branca bastante escassa. Definidos os quadros da administração, servidos pelos elementos aborígenes, a questão da declaração da independência dos territórios não apresenta dificuldade de maior. Não se dirá o mesmo daquelas regiões onde o europeu se fixou em larga escala, organiza e dirige o trabalho e constitui o esboço mais ou menos desenvolvido do governo local. Nesta hipótese a eventual constituição em Estado independente será vista a luz diferente por países como os Estados Unidos e a União Indiana, por exemplo, porque aquele propenderá a olhar para a emancipação do colonizador, enquanto esta não verá no facto a emancipação do colonizado.

A França caminha noutro sentido - a formação de estados federados com a Metrópole francesa. Parece ser esta a orientação definida ainda que neste momento não possa dizer-se que existe aqui ou ali um estado perfeito, membro do Estado federal, tal qual o conhecemos na América ou na Europa.

Quanto a nós, o caminho seguido define-se por uma linha de integração num Estado unitário, formado por províncias dispersas e constituídas de raças diferentes. Trata-se, se bem interpreto a nossa história, de uma tendência secular, alimentada por uma forma peculiar de convivência com os povos de outras raças e cores que descobrimos e a que levámos, com a nossa organização administrativa, a cultura e a civilização comuns aos portugueses, os mesmos meios de acesso à civilização. Só a nível desta pode ser o meio de diferenciação do regime jurídico atribuível a uns e a outros. Além disso a equiparação dos territórios a províncias, a representação destas diversas parcelas na única Assembleia representativa e a intercomunicação dos elementos do funcionalismo por todos os territórios independentemente de origem e de raça são traços dominantes do sistema.

Este esboço de classificação não pretende confrontos ou críticas, porque só a história poderá autorizar um juízo. Nós cremos que há raças, decadentes ou atrasadas, como se queira, em relação às quais perfilhámos o dever de chamá-las à civilização - trabalho de formação humana a desempenhar humanamente. Que assim o entendemos e praticamos, comprova-se pelo facto de não existir a teia de rancores ou de organizações subversivas que se apresentem a negar e aprestem a substituir a soberania portuguesa. Este facto conhecido e revelado por todos os observadores deve estar ligado ao convívio fundamente humano estabelecido pelo português com o indígena em toda a parte, e até por certa interpenetração de culturas, quando se podia dizer que localmente havia uma cultura.

Tem-se apresentado contra o conceito português das províncias ultramarinas a objecção da separação geográfica, da falta de contiguidade territorial. O argumento não pode ser decisivo, desde que no Atlântico os Açores são ilhas adjacentes, Cabo Verde aspira ao mesmo regime, e desde que há numerosos Estados constituídos por parcelas distanciadas mais do que Lisboa está de algumas das províncias do Ultramar. Trata-se de factos ou criações históricas para as quais se procuram debalde ajustamentos a teorias lineares.






Se uma das mais flagrantes realidades do nosso tempo é a formação de grande número de Estados independentes, outra é o aspecto que nos oferecem de um nacionalismo por vezes exaltado e exclusivista. Este é certamente filho da sementeira de ódios em que a libertação houve de processar-se, tratando-se de movimentos emocionais que esperamos sejam transitórios e de pouca duração. O pior é que por aquele motivo se está a tolher nesses Estados a solução dos seus problemas económicos e consequentemente políticos. Como se trata de mancha extensiva a grandes zonas, valerá talvez a pena dar ao assunto um momento de atenção.

Um nacionalismo construtivo e colaborante devia satisfazer-se com uma condição - a integração na economia nacional dos factores - técnica, capital e trabalho - que se disponham a valorizá-la. Salvaguardada esta reserva, todas as mais garantias me parece jogarão contra os interesses do País na mesma medida em que joguem contra os interesses alheios. Estou a raciocinar na base de que os factores da produção que se transfiram para valorização económica de uma região ou nação são de ordem privada ou, sendo públicos, não prescindem de certas garantias. Creio que será este o estado da questão durante muito tempo. A ideia de que os povos considerados ricos devem colocar ao dispor da comunidade internacional gratuitamente os capitais necessários ao desenvolvimento dos vários países está tão longe das bases da organização e do espírito geral que não constituirá por ora solução prática. Os fundos desinados a melhoramentos, investimentos etc., de organismos internacionais são tão diminutos em relação às necessidades existentes que mais se devem considerar gestos de boa vontade, representando o que a dádiva representa na vida, do que meio eficaz de resolver as dificuldades.

Ora o recurso a capitais e factores privados arrasta consigo o problema das garantias e das compensações. Os novos nacionalismos reagem violentamente a exigências económicas e a compensações políticas que diminuam ou atinjam a plena capacidade de determinação dos seus governos. Não seremos nós quem estranhe o facto ou lhes recuse o direito de se oporem a essas condições, mas há um mínimo para além do qual se não recuará - é o limite representado pela eficiência e seriedade da administração pública, sobre as quais assentam a estabilidade de condições económicas e a rentabilidade dos capitais. Isto no fundo significa a existência de uma soberania que por elas responda. Fora desta linha, ou nada se há-de realizar ou não se fugirá a novas formas de imperialismo, mas com este ou outro nome o fenómeno reaparecerá.

Parecem-me por isso inconsistentes muitas aspirações ou requerimentos trazidos aos organismos internacionais, ilusórias muitas esperanças, desmedidas muitas ambições. Dois ou três países podem no momento competir entre si nas liberalidades concedidas neste domínio - a Rússia com mais possibilidades práticas do que outras nações de diferente estrutura económica. Isso se pode continuar a fazer com fins especiais; mas as exigências da economia mundial quando se lhe dá precisamente por alvo o aumento indefinido do nível de vida da população do globo não podem ser razoavelmente satisfeitas dentro dos limites naturalmente restritos destas competições.

Eis porque a emancipação não pode deixar de representar maioridade e consciência, aptidão para organizar o trabalho, condições para cumprir internacionalmente os deveres assumidos, senão nelas teremos a origem de novas servidões. A economia é bem a vida para que possa julgar-se que pode desprender-se da política ou esta daquela como se queira. Não. As grandes realidades que são as necessidades humanas, o trabalho, a produção impõem limites à acção dos homens, e as ideologias não bastam para matar a fome dos povos.

A França continua a ser a mais importante abastecedora de capitais e técnica dos países a que se estende a sua soberania, ou que, libertos dela, vivem dos laços de um passado recente. Tudo o que é ainda Comunidade Britânica, continua a ter em Londres o possível apoio económico e financeiro. E bem é que assim seja, porque quando se viu que a ruptura de laços políticos importou a estiolação dos laços económicos e financeiros ou por ter desaparecido toda a garantia de solvabilidade ou pelo despertar de sentimentos agressivos que tornam impossível a colaboração, não se viu como a situação pudesse ser remediada. Há tantos exemplos recentes que decerto cada um os tem debaixo dos olhos.

Quero dizer, em resumo, que todo este vento de agitações ou de subversão que vai pelo mundo atende à maturidade e condições de vida dos povos que visa, arrisca-se a satisfazer apenas em muitos casos ambições, mas não postula por si a satisfação das necessidades daqueles. Desperta movimentos emocionais que podem até apresentar-se invencíveis mas deixam no seu rasto problemas que não podem por si resolver».

Oliveira Salazar («A Atmosfera Mundial e os Problemas Nacionais», 1957).


«Um factor que contribuiu para [a] aceleração [da "descolonização" em geral] foi a assinatura da Atlantic Charter em 12 de Agosto de 1941. O mentor do documento, o Presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, queria assegurar a independência dos territórios controlados pelos Impérios Coloniais e defendia o direito de todas as nações à independência, paz, desenvolvimento económico e a não sujeição a situações de tirania, à semelhança do que os EUA se preparavam para fazer em relação às Filipinas. A bondade, não do documento em sim mas da intenção é controversa conhecendo-se a natureza do capitalismo norte-americano».

Tenente-General José Francisco Nico (in «Guerra d'África 1961-1974: Estava a Guerra Perdida?»).





«Não critico nem acuso; não há mesmo novidade na afirmação que não desvenda qualquer segredo. Foram por essa altura [no Conselho de Segurança de 6 a 9 de Junho de 1961] feitas pelos representantes oficiais dos Estados Unidos declarações que pretenderam definir uma nova política da grande nação americana em relação à África, e nessas declarações se fizeram críticas expressas à nossa administração ultramarina, às ideias retrógradas que seriam as nossas em confronto com as dos novos tempos, e se falou precisamente de Angola, como exemplo de uma obra de colonização atrasada, degradante para as populações, mesquinha para os territórios (não transcrevo, reproduzo o sentido geral).

Simplesmente, simplesmente estas acusações e estas atitudes de 13 a 15 de Março parece que foram recebidas por certos países africanos como de concordância para apoiarem abertamente a acção terrorista que desabou sobre Angola. Bem se sabe que os Estados Unidos não aconselhariam nem preparariam directa ou indirectamente actos terroristas. Os elementos subversivos vinham sendo de longe instruídos, catequizados, enquadrados dentro e sobretudo fora da Província, com o confessado auxílio dos países afro-asiáticos e de outros Estados na linha de orientação traçada pelo comunismo internacional. Mas no estado actual de África e dada a situação geográfica e política de Angola, para passar à acção, impulsionando-a do exterior, tinha inegável vantagem que da parte de uma grande potência ocidental e anticomunista houvesse uma palavra e uma atitude. Houve-as e infelizes.

Os Estados Unidos têm quanto à Rússia comunista e aos perigos da sua expansão uma política bem assente: apoiar com toda a força do seu poderio as potências do Ocidente Europeu, com as quais colaboram sem regatear meios através do Tratado do Atlântico Norte. Este Tratado é considerado, aliás sem ultrapassar os limites de uma aliança defensiva, a base da política americana contra o expansionismo soviético. Em boa hora criada, a organização pôde impedir, apesar de deficiências conhecidas, o ataque frontal às nações europeias. Aliás talvez este não estivesse na linha de acção russa quanto ao desmoronamento do Ocidente e à expansão do regime comunista no mundo.

Tem a Rússia, desde os tempos dos seus grandes doutrinadores, uma política igualmente bem definida quanto à África: a sua subversão como meio de contornar a resistência da Europa. O trabalho de subversão e desintegração africana tem sido sistemática e firmemente conduzido pela Rússia e nesta primeira fase, que é apenas expulsar a Europa de África e subtrair quanto possível os povos africanos à influência da civilização ocidental, estão à vista os resultados obtidos.

Ora, talvez por força do seu idealismo, talvez também por influência do seu passado histórico que aliás não pode ser invocado por analogia, os Estados Unidos vêm fazendo em África, embora com intenções diversas, uma política paralela à da Rússia. Mas esta política que no fundo enfraquece as resistências da Europa e lhe retira os pontos de apoio humanos, estratégicos ou económicos para a sua defesa e defesa da própria África, revela-se inconciliável com a que se pretende fazer através do Tratado do Atlântico Norte. Esta contradição essencial da política americana já tem sido notada por alguns estudiosos, mesmo nos Estados Unidos, e é grave, porque as contradições no pensamento são possíveis mas são impossíveis na acção.

Quando se hostiliza e enfraquece a França, ou a Bélgica ou Portugal, por força da política africana, ao mesmo tempo que se atinge a confiança recíproca dos aliados na Europa, diminui-se-lhes também a sua capacidade. As tropas retiradas para a Argélia não combaterão no Oder ou no Reno; mesmo as modestas forças que nós fazemos seguir para o Ultramar deixarão um vazio, pequeno que seja, no sector ou nas acções que nos fossem destinados. E a América, presa de esquematismos ideológicos, penso virá também a ser vítima - a última - desta contradição, se nela persistir.

A surpresa ante o ressentimento do povo português e a reacção que por toda a parte se verificou contra as atitudes e resoluções da ONU, levam-me a crer que os Estados Unidos cuja política tem sido sempre connosco de inteira compreensão e amizade, se encontraram diante de uma realidade diversa da que tinham pressuposto. Houve manifestamente grave equívoco em considerar o Ultramar português como território de pura expressão colonial; equívoco em pensar que a nossa Constituição Política podia integrar territórios dispersos sem a existência de uma comunidade de sentimentos suficientemente expressiva da unidade da Nação; equívoco em convencer-se de que Angola, por exemplo, se manteria operosa e calma, sem polícia, sem tropa europeia e com a força de 5000 africanos, comandados e enquadrados por dois mil e poucos brancos, se a convivência pacífica na amizade e no trabalho não fosse a maior realidade do território. E, havendo boa fé, todo o equívoco havia de desfazer-se em face da atitude de homens brancos e de cor que, vítimas de um terrorismo indiscriminado, clamam que não abandonarão a sua terra e que a sua terra é Portugal.



Antiamericanismo em Lourenço Marques (1961).



Alguns dos oradores da ONU, sem bem cuidarem dos termos da Carta, deram a entender não desejar outra coisa senão que as populações exprimam claramente a sua opção por Portugal, embora esta esteja feita desde recuados tempos, e constitucionalmente admitida e consolidada. Isso se chama a autodeterminação, princípio genial de caos político nas sociedades humanas. Pois nem assim quero fugir ao exame do problema, e em vez de embrenhar-me em divagações teóricas, restringir-me-ei ao exame prático do caso português.

Em pleno Oceano e já para sul da linha que define os limites políticos do Atlântico Norte, situam-se as dez ilhas de Cabo Verde. Vão de Lisboa a S. Vicente ou à Praia 2 900 quilómetros e de Washington às ilhas Hawai 8 mil, de modo que na teoria que se dispõe a contestar pelas distâncias a validade de uma soberania nacional parece não estarmos mal colocados. A superfície do arquipélago é de 4 mil quilómetros quadrados e a população orça pelos 200 mil habitantes. O aspecto geral é de secura e aridez. As manchas de terra seriam fecundas se houvesse água, mas o arquipélago não tem água e a chuva é escassa e incerta, além de que a erosão é activa. A incerteza e limitações da vida impelem à emigração para as costas fronteiras de África, sobretudo para a Guiné. Deste facto de vizinhança e interpenetração de populações advém terem surgido, na pujante floração actual de movimentos de libertação, um movimento para a Guiné e outro para a Guiné e Cabo Verde em conjunto. Como aquelas terras foram achadas desertas e povoadas por nós e sob nossa direcção, o fundo cultural é diferente e superior ao africano, e a instrução desenvolvida afirma essa superioridade, pelo que explica a ambição de alguns e a desconfiança dos restantes instalados na terra firme. Deste modo a independência de Cabo Verde teria de restringir-se ao Arquipélago, e não é viável.

Mesmo não considerados os anos de seca e de crise, Cabo Verde está sendo alimentado pela Metrópole quanto a investimentos e subsidiado pelo Tesouro para cobertura das despesas ordinárias. Daqui vem que os cabo-verdianos que vemos nos mais altos cargos da diplomacia, do governo ou da administração pública por toda a parte onde é Portugal, nunca pensaram em avançar no sentido de uma utópica independência mas no da integração, ao advogarem a passagem para o regime administrativo dos Açores e da Madeira. Assim o movimento é puramente fantasioso.

Dos valores de Cabo Verde um porém se destaca e de importância para a defesa do Atlântico Sul - é a sua posição estratégica, e esse valor pode ser negociado, evidentemente dentro de um quadro político e ético que não é o nosso. A tal independência que por outros motivos qualifiquei de inviável teria logo à nascença de ser hipotecada ou vendida, negando-se a si mesma, para obter o pão de cada dia. Mas para a transacção, desde que o Brasil não esteja interessado no negócio, só existe um pretendente possível.

Deixo de lado as pequenas ilhas de S. Tomé e Príncipe de que conheço as dificuldades económicas e deficiências financeiras, mas em relação às quais me parece não se terem instalado ainda em território estrangeiro os empreiteiros da sua hipotética libertação. E passamos à Guiné - à volta de um terço em superfície do território continental, com 600 mil habitantes. O clima faz que seja o autóctone a cultivar a terra e o europeu ou o levantino, do Líbano sobretudo, que movimenta o comércio. A administração tem sido prudente e modesta como o impõem as condições, mas nalguns sectores, como no da saúde e assistência, tão rasgada e competente que a Organização Mundial da Saúde classificou a campanha contra a lepra como a melhor de toda a África. Seja quais forem as aspirações das populações nativas a melhor nível de vida, uma coisa é certa: o seu amor à terra em propriedade individual observa com o maior receio as inovações que sob inspiração chinesa se preparam para além das fronteiras; e o trabalho livre a que se habituaram parece-lhes ameaçado pelas formas introduzidas em países vizinhos. De modo que os perigos que ameaçam a Guiné portuguesa não são propriamente os despertados pelo movimento de libertação do território.

Os seus representantes mesmo que portadores de algum mandato ou ambição legítima trabalham por conta alheia, pois nada poderiam contra forças de que poderá ajuizar-se, observando no mapa os Estados vizinhos e lendo na imprensa e ouvindo na rádio o eco das suas ambições. Enganam-se os que pensam para um futuro próximo em quaisquer soluções federativas ou outras para remediar os desconcertos da África actual: alguns dos novos chefes daqueles Estados não surgiram para se entenderem; a sua tendência será para se alargarem mas à custa dos outros, e todos sob o enganoso signo da libertação dos povos africanos.

O Estado da Índia, pequenino que é com os seus 650 mil habitantes e 4 mil quilómetros quadrados para preencher os quais são precisos quatro ou cinco territórios dispersos, não há dúvida que constitui uma individualidade distinta na Península do Industão. Aí se operou uma fusão de raças e culturas e, sobretudo, se criou um género de vida tal que por toda a parte o goês, como o comprovam as notações estatísticas internacionais, se distingue e não pode ser confundido com o indiano. Este continuará a arrastar consigo a divisão e irredutibilidade das castas, a confusão das línguas, o lastro da sua cultura oriental; enquanto o goês recebeu do Ocidente uma luz nova que, em harmoniosa síntese com os valores de origem, iluminou toda a vida individual e colectiva e caldeou, através cinco séculos de permanência e vida comum, a sua ancestralidade de sangue, com novo sangue, costumes e tradições. Compreende-se Goa a fazer parte da Nação portuguesa, porque nas crises o Estado português a apoia, a guia e financeiramente a sustenta; mas não podia o Estado da Índia assegurar por si a sua própria independência, apesar da típica individualidade que depois de tantas tergiversações acabaram todos em reconhecer-lhe. Assim os representantes mais categorizados do "movimento da libertação de Goa" foram levados pela força de circunstâncias evidentes a confessar que só exigem a independência dos territórios para integração na União Indiana.
Manifestações contra as Nações Unidas em Macau


O que chamamos província de Macau é quase só a cidade do Santo Nome de Deus, lugar de repouso e refúgio do Extremo-Oriente, incrustada na China continental. A província tem atravessado períodos de prosperidade e decadência, esta agora devida ao bloqueio americano da China que tirou a Macau a parte mais importante do seu comércio. E, como não pode estender-se, sofre das suas limitações naturais. A existência de Macau como terra sujeita à soberania portuguesa funda-se em velhos tratados entre os Reis de Portugal e os Imperadores da China, de modo que, se estes textos jurídicos mantêm, como deve ser, o seu valor, através de mutações dos regimes políticos, está assegurada a individualidade daquele território e a sua integração em Portugal. Mas se saíssemos do terreno da legalidade para fazer apelo a outros factores, certo é que Macau, fosse qual fosse o valor da nossa resistência, acabaria por ser absorvida na China de que depende inteiramente na sua vida diária. E o mundo ocidental ficaria culturalmente mais pobre.

Nas Índias Orientais há uma pequena ilha que se chama Timor, metade da qual partilhámos com a Holanda e desde 1945 com a República da Indonésia. Perdido entre as mil ilhas deste Estado, Timor não tem condições de vida independente. À parte o que tem sido necessário gastar ali para desenvolver o território e elevar o nível social das populações por meio de dispêndios extraordinários em planos de fomento, a vida ordinária não se basta e o Tesouro vê-se obrigado a cobrir parte importante das despesas correntes. Apesar de tudo a população, quando liberta de pressões ou influências estranhas, leva tranquilamente a sua vida e nas crises mais graves a dedicação dos povos para com a Nação portuguesa toca as raias do heroísmo.

Quando as forças japonesas na última guerra devastaram sem justificação nem utilidade o Timor português e a autoridade que representava a soberania no território ficou privada de meios para exercício efectivo do poder, foram quase só os timorenses a marcar ali por muitos modos a presença de Portugal. É curioso notar que se deve precisamente aos Estados Unidos a reentrega de Timor: por força de compromissos tomados connosco, sem dúvida, mas contra interesses que então seriam porventura de considerar se se não tratasse de Portugal.

Não se pode saber o que daria neste caso sob pressões estranhas a autodeterminação. Aquele pequeno grupo de cuja autenticidade duvidamos e que finge em Jacarta trabalhar pela libertação de Timor não pode pretendê-la senão para a trespassar à República da Indonésia que não teria então os escrúpulos de agora em aceitá-la. Port Darwin fica porém a uma hora de avião de Díli e alguém haveria de perturbar-se, ao menos tanto como nós, com o acontecimento.

Quer dizer: em todos os casos considerados e dadas as actuais circunstâncias, sempre que as Nações Unidas advogam a autodeterminação como acesso possível a soluções diversas, só podem de facto chegar à independência dos territórios, e, quando conseguissem a independência destes, ser-lhes-ia vedado querer coisa diferente da sua integração noutros Estados, isto é, a transferência da soberania para algumas delas. Ora, sendo esta a questão, devo dizer, sem arriscar confrontos desagradáveis, que em qualquer das hipóteses não podemos ser considerados nem menos dignos, nem menos aptos para o Governo sobre os povos de raças diferentes que constituem as Províncias de além-mar. Tentar despojar-nos dessa soberania seria pois um acto injusto, e, além de injusto, desprovido de inteligência prática. E explico porquê.

Nós somos uma velha Nação que vive agarrada às suas tradições, e por isso se dispõe a custear com pesados sacrifícios a herança que do passado lhe ficou. Mas acha isso natural. Acha que lhe cabe o dever de civilizar outros povos e para civilizar pagar com o suor do rosto o trabalho da colonização. Se fosse possível meter alguma ordem na actual confusão da oratória internacional, talvez se pudesse, à luz destes exemplos, distinguir melhor a colonização do colonialismo - a missão humana e a empresa de desenvolvimento económico que, se dá, dá, e se não dá, se larga. Muitos terão dificuldade em compreender isto, porque, referidas as coisas a operações de deve e haver, motivos havia para delinear noutras bases a política nacional».

Oliveira Salazar («O Ultramar Português e a O.N.U.»).


«Prolonga-se há cinco meses a luta no Norte de Angola, e está organizada uma rotina na Metrópole. Seguem os contingentes militares, as armas e munições, os abastecimentos. Não deixa a extrema-esquerda de aproveitar todos os pretextos para ataque ao governo. Nos embarques de tropas surgem as "carpideiras assalariadas" que, entre gritos e lágrimas, se vão despedir dos soldados; mas o ministério do Interior apura que não são parentes dos homens que partem e que são portadoras de aparelhos para gravar o próprio clamor público que fazem. Mas tudo são incidentes menores, quase despercebidos, a que a polícia põe cobro com facilidade. Por seu turno, em Angola a situação também entra numa habitualidade de guerra. Na segunda quinzena de Julho de 1961, os ministérios do Ultramar e dos Estrangeiros anunciam que Angola, até aqui encerrada a jornalistas de outros países por motivos da própria segurança desses repórteres, lhes está doravante inteiramente franqueada, e não haverá assim mais motivo para que na grande imprensa continuem a ser publicados relatos tendenciosos. Entretanto, começam a chegar a Lisboa homens que, nos primeiros embates do terrorismo, haviam procedido com bravura que se torna lendária na província: são os heróis de Mucaba, de Maquela do Zombo, do Negaje, de Carmona. Muitos procuram Oliveira Salazar, que os recebe e deles escuta palavras de reconhecimento pelas províncias tomadas. E do outro lado do Atlântico, em sessão da Academia Brasileira de Letras, Hernâni Cidade, democrata e oposicionista de sempre e patriota além de tudo, declara que Portugal não pode comparar-se a qualquer outro país que passou por África e a abandonou, e esta "é uma verdade essencial quaisquer que sejam as divergências em torno da questão".




Com larga publicidade e drama, a República do Senegal anuncia ao mundo, em 26 de Julho de 1961, que rompe as relações diplomáticas com Portugal e que expulsa o encarregado de negócios português. Em que fundamenta o governo de Dacar a sua atitude? Diz num comunicado: com base na Guiné, Portugal conduz actividades ilícitas no Senegal, o espaço aéreo deste tem sido violado por aviões portugueses; e, acima de tudo, o governo de Lisboa recusa-se a abandonar a Guiné, e isso o governo de Dacar tem-no por intolerável. Portugal refuta em vinte e quatro horas as acusações senegalesas: nenhumas actividades ilícitas são conduzidas, nenhumas violações do espaço aéreo foram praticadas. Num ponto concorda o governo de Lisboa com o de Dacar: efectivamente Portugal não se propõe abandonar a província da Guiné. Não o faz, além do mais, acrescenta com sarcasmo o gabinete português, porque não sabe se deveria abandoná-la a favor da República do Senegal ou a favor da República da Guiné (Conacry), que por igual reivindica aquele território. Lamenta decerto a decisão senegalesa, declara o governo de Lisboa, mas aquela não causa a Portugal quaisquer prejuízos.

Dias mais tarde, o enclave português na República do Dahomey - o Forte de São João Baptista de Ajudá - é ameaçado, e em 1 de Agosto é atacado e invadido. É simples relíquia do passado, de dimensão exígua: trata-se de uma pequena fortaleza, isolada na Costa da Mina, fundada por 1471 e com território circundante que mal cobre um quilómetro quadrado. No recinto, habitam um presidente e dois ajudantes, dos quadros do ministério do Ultramar; e não há qualquer população. Sem embargo da nenhuma importância do enclave, além de histórica, no plano dos princípios é para todos os efeitos de soberania portuguesa; e como tal não pode ser entregue. Perante o assalto de bandos dispersos, e sem quaisquer meios de defesa, os funcionários portugueses, o residente Agostinho Borges e o adjunto Meneses Alves, lançam fogo ao recheio do Forte e a quanto pudesse arder. E abandonam o local, deixando atrás de si ruínas e velhas muralhas enegrecidas. Conseguem sair para a Nigéria sem ser molestados, protegidos por forças militares do Dahomey, e sobretudo pela própria população civil, que afirmava desejar que os portugueses ali continuassem. Em Lisboa, o governo português publica uma nota de protesto, e repete este em Nova Iorque, junto da ONU e da delegação do Dahomey. Portugal aproveita o episódio para extrair ilações políticas: não se podendo alegar qualquer ameaça à segurança do Dahomey pela existência de um forte antigo, sem guarnição, desarmado, e sem significado militar, e não tendo o governo dahomeano reprimido o assalto feito por nacionais seus e reposto a situação anterior, tem de se concluir pela sua conivência num acto de agressão, de que assim se torna responsável. E o governo de Lisboa pergunta: aprova a ONU a agressão? Quer e pode obrigar o governo do Dahomey a reparar essa agressão? E mesmo que se considere o pequeno forte como uma expressão de colonialismo, é a agressão havida como meio legítimo de lhe pôr termo? Não obtém o governo de Lisboa resposta a estas perguntas, nem a esperava. Mas junto das delegações moderadas na ONU, europeias e latino-americanas, constitui um pecúlio político em seu favor: demonstrou a falência da ONU e a sua duplicidade na aplicação dos princípios. Na opinião pública portuguesa, o episódio causa sobretudo irritação, e Cunha Leal chega a advogar que a esquadra portuguesa bombardeie algumas povoações costeiras no Dahomey. [Posteriormente, realizaram-se em Nova Iorque conversações com delegados Dahomeanos. Portugal fez uma proposta de solução: criava no Dahomey um consulado cuja sede seria o forte e como tal, nos termos da lei internacional, gozaria de extraterritorialidade e seria propriedade portuguesa; o governo do Dahomey, por acto seu, reconhecia livremente esse estatuto. Esta proposta portuguesa chegou a ser aceite pelos dahomeanos; mas os afro-asiáticos opuseram-se à sua execução por parte do governo do Dahomey. São João Baptista de Ajudá figurava expressamente na resolução 1542 (XV), de 15 de Dezembro de 1960, como território colonial a que devia ser dada independência]».

Franco Nogueira («Salazar», V, A Resistência - 1958-1964).


«Ainda hoje vozes bem "esclarecidas" afirmam que Portugal explorou os povos sob o seu jugo colonial durante mais de quinhentos anos. Quando os navegadores portugueses iniciaram a sua odisseia marítima, antes dos meados do século XV, será conveniente recordar que, nessa época, Portugal não passava dum dos países mais pobres da Europa com cerca de um milhão de habitantes. Para além de um exíguo potencial estratégico, estávamos longe de ter assegurado uma paz duradoira com os nossos vizinhos castelhanos. Após a descoberta do caminho marítimo para a Índia, limitaram-se os portugueses a estabelecer uma série de pequenas feitorias ao longo de toda a costa de África cuja missão era apoiar expedições marítimas ao Oriente e jamais explorar os povos desse enorme continente. Mas esta lusa gente, paralelamente, chega ao limite ocidental do Atlântico Sul e descobre o Brasil, transformando o pequeno país num dos maiores impérios do mundo. Depois da Índia, chegava-se à China e ao Japão. O português, com o seu inultrapassável espírito de aventura, fixa-se por toda a parte, adaptando-se às condições de vida das terras que ia descobrindo e onde se permanece e ganha raízes, não só assimilando a cultura desses povos como transmitindo a sua própria. Acontece que ainda no século XV, por volta de 1484, Portugal e Castela assinam o célebre tratado de Tordesilhas dividindo o globo terrestre em duas partes onde se iriam desenvolver as respectivas influências até ao advento da disputa por outros países europeus, ingleses, franceses, holandeses, belgas, que se lançam também à conquista de paragens por onde os portugueses já haviam marcado a sua presença. E este pequeno país, talvez o de menores recursos humanos e materiais entre todos os colonizadores, tenta preservar uma parte dos territórios descobertos, disputa que se arrasta até finais do século XIX na sequência da abolição da escravatura de que Portugal foi pioneiro.

A colonização, propriamente dita, terá começado bastante depois desta data e apenas no litoral dos territórios que, após renhidas contendas, quer através de negociações no campo político-diplomático quer mesmo pelo uso da força, foram reconhecidos sob jurisdição portuguesa. Quando se fala nos "quinhentos anos de exploração" destes territórios há, no mínimo, uma tremenda ignorância, pois a verdadeira colonização só teve lugar a partir dos finais do século XIX e terá tido, no seu conjunto geral, um saldo francamente positivo quer para Portugal quer para os povos colonizados».

General Silva Cardoso («Angola, Anatomia de uma Tragédia»).


«Saído de regiões onde enfrentou, em especial, a frustração psicológica derivada, principalmente, da antinomia entre a ideologia e as realidades e do desajustamento mental do homem à nova ordem estabelecida, o educador - seguindo o itinerário demarcado - entra na África Portuguesa.

Fa-lo-á, talvez, um pouco sugestionado por frases como estas, pronunciadas por Nkrumah: "A desagregação social e a escravatura causadas pelo regime português em África atingiram o máximo" [L'Afrique Doit s'Unir]. Mas, se tiver lido, antes, o livro de Robert Andres, "L'Afrique Africaine", verá um capítulo encimado por este epíteto: "Milagre da colonização portuguesa - a sociedade multirracial".

Depois concluirá ser entre os extremos de um "crime" e de um "milagre" que oscila a ignorância da realidade do mundo português.

Moçambique: Baixa de Lourenço Marques (anos 60). Ver aqui e aqui












Praça Mouzinho de Albuquerque em Lourenço Marques (anos 60).



Avenida D. Luís em Lourenço Marques (anos 60).






Uma ala do Hospital Central Miguel Bombarda em Lourenço Marques (anos 60).



Angola: Luanda (anos 60). Ver aqui e aqui



















Entre os dois marcos vai fazendo carreira, também, a campanha de difamação que nos moveram, estimulada por aquela mesma Europa conluiada com o pan-africanismo; pan-africanismo que muitos responsáveis já reconhecem ser "uma mistura de mitos e de elementos contraditórios que serve de pretexto a um neocolonialismo africano, hipocritamente camuflado com o manto da unidade africana".

Crime? Será milagre descobrir territórios, valorizá-los, introduzir técnicas até aí desconhecidas, defender as populações de si próprias e desenvolver as suas capacidades originais, incutindo-lhes a noção da utilidade do trabalho?

Milagre? Será milagre o que adveio de um processo civilizacional por excelência e visa, acima de tudo, impelir o homem para o aproveitamento integral das suas virtualidades latentes?

"Crime", para uns, "milagre" para outros, a verdade é existir um quadro sociológico onde o o "anti-racismo" e o respeito pelos valores étnicos locais não são mitos; onde o homem não sofre passivamente as influências do meio e sobre elas reage, modificando-as e submetendo-as às exigências do seu desenvolvimento; e onde a convivência dos elementos não é estática mas dinâmica, produzindo, a todo o momento, resultados que valorizam os bens dados e recebidos.

Nkrumah, no seu último livro, Le Consciencisme - que representa um esforço notável mas improfícuo de procurar dar conteúdo renovado ao pan-africanismo decadente -, diz ser "preciso distinguir numa situação colonial uma acção positiva e uma acção negativa. A acção positiva representa a soma das forças que visam estabelecer a justiça social, abolindo a exploração e a opressão impostas por uma oligarquia. A acção negativa denuncia, por seu turno, a soma das forças que visam prolongar a sujeição e a exploração coloniais".

Se o político ganês - a quem não faltam audácia intelectual e cultura - aceitasse o convite - insistentemente feito pelo nosso Governo ao Secretário-Geral da O.N.U. e aos Chefes de Estados dos países africanos - e fosse visitar os territórios portugueses, veria, sem grande esforço, resultar toda a obra aí realizada de um somatório de actos tendentes a estabelecer a "justiça social" e a abolir "a exploração e a opressão impostas por uma oligarquia".

E depois teria de vislumbrar, para ser honesto consigo próprio, a tal "acção positiva" que, também no seu entender, "deve promover todas as ideias progressistas" E essas ideias progressistas as encontraria, igualmente, no ultramar português, com a única diferença de que não se desajustam nem à realidade sócio-económica dos territórios nem à idade mental das populações.

Africanismo! Não será africanismo ter o maior respeito pelo manifestar dos valores estéticos, morais e religiosos dos diversos e, por vezes, heterogéneos grupos que integram o mundo luso-africano? Sim, mas africanismo no bom e único sentido que, cultural e moralmente, pode e deve entender-se.

Quer dizer: dinamizando esses valores, fazendo-os coexistir e interpenetrar com outros trazidos de fora, que os vêm enriquecer mas não destruir, e que também recebem deles influências, por forma a criar-se uma síntese harmoniosa, susceptível de permitir o alvorecer de um novo mundo e de um novo homem.

Não tendo razão, pois, Aujoulat, quando, no seu livro Aujourd'hui l'Áfrique, diz que "o processo português de colonização é um processo inquietante, na medida em que implica a hegemonia de uma cultura, que não se crê somente superior mas única".

Não tem razão porque, para ser como ajuíza, havíamos de destruir primeiro o homem africano, em virtude de a cultura ser na essência obra sua e um fenómeno social por natureza.

Ora, o homem africano faz parte integrante e viva do mosaico étnico do mundo português e, portanto, também participa por forma activa no processo criador do luso-africanismo, que é o resultado do contacto de culturas e de civilizações várias - tantas quantos os tipos suficientemente diferenciados de existência social».

Oliveira e Castro («A Nova África», 1967).


«Por ocasião do estabelecimento da Federação da Malásia, em 1963, o então Primeiro-Ministro da Grã-Bretanha, Harold MacMillan, enviou ao Governo daquele país uma mensagem de felicitações, e nesse documento salientava que a Federação constituía um Estado "multirracial". Discursando naquele ano perante a ONU, o antigo Presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, afirmou que o seu país constituía uma "sociedade multirracial". Dirigindo-se à imprensa, em Copenhague, o Presidente Jules Nyerere, da Tanzânia, defendeu a manutenção de "comunidades multirraciais em África". Alguns orgãos de grande imprensa mundial têm, nos últimos anos, invocado o multirracialismo como ideal supremo que deve ser prosseguido. Estamos assim perante uma série de afirmações responsáveis, e que têm por traço comum a defesa e o elogio do multirracialismo como objectivo a atingir pelas sociedades humanas.

Afigura-se que Portugal apenas se poderá regozijar com o facto. Mas não poderá nem deverá Portugal eximir-se a sublinhar que é o autor da noção de multirracialismo, que reivindica com firmeza e algum legítimo orgulho, e que foi Portugal o país que há séculos lançou aquele conceito e aquela expressão. Muito mais importante do que a simples criação da palavra ou do conceito teórico do multirracialismo, no entanto, é a criação da própria realidade viva a que se aplica o vocábulo. E esse mérito cabe aos portugueses, e isso desde há séculos. Porque foram os portugueses que levaram à África e ali pela primeira vez implantaram a noção de direitos humanos e a noção de igualdade de raças. Por estes dois conceitos se tem guiado através dos séculos, e neles tem insistido e teimado, afrontando a hostilidade de alguns, o desdém de outros, a incompreensão de quase todos. Não vai longe o tempo em que os portugueses metropolitanos eram olhados por algumas potências como europeus de segunda classe, e isso porque através do mundo se misturavam, e conviviam, e se identificavam com os povos da África ou da Ásia. Mas agora parece que se vão alterando os ângulos de visão, e que muitos começam a encarar a realidade por um prisma igual ao dos portugueses. Por isso caberá fazer duas observações. E a primeira é esta: quando no mundo se exalta o multirracialismo seria nobre e mostrar-se-ia respeito pela história se se dissesse com simplicidade que Portugal é o autor do conceito e da realidade que está por detrás do conceito. E depois parece justo que os defensores do multirracialismo nos seus respectivos países, para serem lógicos e objectivos, defendessem também ou aceitassem que Portugal o defendesse no quadro da nação portuguesa, porque foi esta que lhe deu estrutura e vida. Quer isto dizer que o multirracialismo português, além de ter procedência histórica e doutrinal, tem pelo menos tanta legitimidade como o de outros povos e nações.

Não estão em causa ideologias mas interesses, e o terceiro mundo prefere esquecer os princípios doutrinários portugueses porque admiti-los seria aceitá-los. Além do mais, Portugal fornece um tema de ataque, e constitui um dos poucos denominadores comuns à artifical unidade do terceiro mundo africano. Portugal tem procurado manter uma atitude conciliatória e de colaboração. Parece fora de dúvida que a posição assumida pelo terceiro mundo não é a mais consentânea com os interesses reais da África. Do que se trata efectivamente é de alimentar as populações; de prover à sua educação e cultura; de criar condições de progresso económico, social e político; de cooperar internacionalmente no comércio, nos transportes, nas comunicações; e em nenhum destes domínios se dá um passo com atitudes irresponsáveis e emocionais, ou com debates virulentos, ou com apelos a mitos mais ou menos heróicos. Por isso Portugal tem proposto um diálogo franco e prático com os países africanos, e muito particularmente com os que sejam seus vizinhos em África. É da tradição portuguesa, na Europa como na África ou na Ásia, dar a coooperação dos serviços e auxílios que for possível prestar. Àquele diálogo não se sabe que hajam sido postas, pelo lado de Portugal, quaisquer condições prévias; mas, não obstante, tem sido negativa e desprovida de espírito construtivo e realista a atitude da maioria dos Estados africanos.

Como resultado do movimento anticolonialista, tem-se verificado, entre outros fenómenos, uma verdadeira obsessão na conquista da amizade dos povos asiáticos e africanos. Da parte de muitas potências, grandes e médias, multiplicam-se e prodigalizam-se os gestos nesse sentido, e toda uma política se estruturou com o intuito de obter a adesão do terceiro mundo. Trata-se de um leilão político ou concurso de popularidade. Abrange toda uma vasta gama de variantes: desde as meras declarações verbais às consideráveis ajudas económicas, financeiras e militares. Dir-se-ia não terem limites a generosidade, o altruísmo, o desinteresse daquelas nações em face do terceiro mundo, asiático ou africano. E a essa política tudo aquelas nações parecem dispostas a sacrificar: os princípios, a lei, a moral, os seus aliados, até o que se afigura serem os próprios interesses a longo prazo. Ter-se-á de admitir, sem relutância, que Portugal não tem o monopólio do idealismo e da generosidade, nem o exclusivo da sabedoria e da experiência; e por isso não haverá dificuldade em reconhecer que outros podem determinar-se por iguais valores; mas também não lhes pertence qualquer monopólio de ideal ou de saber. Mas as grandes e médias potências deveriam também confessar - porque isso nada tem de pejorativo - que prosseguem interesses nacionais, e que os seus objectivos não são desinteressados na maior parte das vezes. Por isso se deve acentuar, porque se trata de um facto, que por detrás daquela política de captação e amizade estão também, e sobretudo, os objectivos estratégicos, os desígnios políticos, os interesses dos grandes monopólios do capitalismo internacional, o desejo de abrir novos mercados, a sofreguidão na corrida às matérias-primas, a ânsia do domínio ideológico.

Mas a política de descolonização e de aliciamento do terceiro mundo, além daquelas razões, funda-se também numa visão especial que a Europa e a América do Norte têm hoje de si próprias e do terceiro mundo. Sociedades altamente evoluídas, intensamente industrializadas, caracterizadas por uma crescente afluência ou opulência de que participam as grandes massas, materialmente refeitas da segunda guerra mundial, encontram-se distantes, todavia, do equilíbrio social e psicológico, e sobretudo muito longe de haver atingido a estabilidade política no plano internacional. Não há já guerra, pelo menos no sentido clássico, mas não se firmou ainda a paz; e a descolonização apareceu como mais um instrumento da revolução mundial que é um dos mais perturbadores rescaldos da última guerra. Para aqueles países, o colonialismo no quadro do século XIX e dentro do regime do pacto colonial foi um instrumento de expansão e de poderio na luta entre impérios. A descolonização, que é uma forma reconvertida do colonialismo, opera de forma idêntica; e as sociedades afluentes e pletóricas do hemisfério norte utilizam friamente o terceiro mundo na sua luta pelo poder. Comunidades industrializadas, de apurado nível técnico e cultural, olham para as sociedades agrárias e subdesenvolvidas do terceiro mundo como campos onde, sob novas formas, se pode expandir a actividade das primeiras. Não há, entre umas e outras e salvo algum caso inusitado, qualquer elo afectivo ou emocional, e as opiniões públicas afluentes, tendo posto de parte as gerações que construíram e conservaram os velhos impérios, mostram-se indiferentes aos aspectos morais e emocionais de um passado recente, medindo o abandono e a abdicação em termos de contabilidade imediata. Não terão os Governos aceite de boa-mente este ponto de vista utilitário e de curto alcance; mas ficaram dependentes de um sufrágio popular expresso em números e foram escravos de apoios partidários; e como na lógica das instituições estava uma demagogia que conduz cada partido a sobrepor-se aos demais em ousadia política e extremismo para assim minar o terreno eleitoral da facção adversária, depressa tudo foi subordinado à política do mais oportuno, do mais fácil e do mais imediatamente económico e rendoso. Com simplismo se ergueu a teoria de que a descolonização trazia a prosperidade na metrópole - porque eliminava as despesas de soberania, diminuía os investimentos, poupava a técnica e a mão-de-obra especializada, e evitava atritos políticos e problemas de consciência. Num breve período logo após a descolonização os factos pareciam confirmar aquelas presunções. Foi um mito. Mas durou pouco a ilusão. Aquelas presunções teriam sido exactas se, após a descolonização e quebrados os vínculos políticos, se houvesse mantido o mesmo exclusivismo de relações entre a antiga metrópole e as antigas possessões. Mas como a descolonização foi provocada, e apressada, e forçada por novos impérios, ávidos e codiciosos, para estes se transferiram as antigas relações metrópole-possessão. E hoje têm de considerar-se findos todos os transitórios benefícios da descolonização. Esta é a realidade descarnada, em termos puramente práticos, e por tudo isto pareceria que o terceiro mundo procederia avisadamente se encarasse com alguma reserva as amizades que de súbito se multiplicam e cuja finalidade é o domínio directo, ou pela subversão, ou através de instrumentos internacionais. E também terá de se confessar que, à parte uma ou outra excepção, a descolonização traiu os descolonizados, na medida em que não lhes trouxe paz, nem progresso, nem estabilidade, e em que os colocou, enfraquecidos e desorientados, à mercê da luta internacional pelo poder. Foi outro mito. Por isso muitos começam a perguntar-se o que haverá para além das declarações de amizade, e outros interrogam-se sobre se a cortina de subversão que desceu sobre a Ásia e a África não será alheia aos interesses daqueles continentes. Isto é particularmente verdadeiro quanto à África. Mas neste ponto parece lícito a Portugal dizer que, além de pioneiro do multirracialismo, foi também dos primeiros amigos da África, e decerto não se estranhará que cinco séculos de íntima convivência hajam emprestado a essa amizade um cunho de desinteresse e de sinceridade insusceptíveis de suspeita. Por isso tem Portugal insistido em manter o seu diálogo com a África num quadro puramente africano, e a essa orientação só tem sido obstáculo a interferência dos poderes alheios ao continente. Por outro lado, a relação metrópole-ultramar não foi constituída, na estrutura da nação portuguesa, em obediência e na linha da política europeia do século XIX e em termos de pacto colonial; e não temos do ultramar a visão que, por motivos diferentes, se elaboraram na América e na Europa do após-guerra quanto à África. A partir destas premissas, que são resultantes da história comum, não é viável contabilizar o ultramar.




Franco Nogueira



Sede das Nações Unidas em Nova Iorque


Dirige o terceiro mundo a Portugal algumas acusações, ou directamente ou através das Nações Unidas. Seriam deploráveis as condições existentes nas províncias do Ultramar; constituiria a política portuguesa uma ameaça à paz e à segurança da África e até do Mundo; e o bloco africano, na impossibilidade de uma crítica válida, classifica o nosso idearium ultramarino de retrógrado, de obscuro, ou de anacrónico. Estes três capítulos cobrem toda a matéria de acusação. Mas temos de excluir os dois primeiros. Porque o bloco africano, embora indirectamente e com relutância, admite que Angola e Moçambique estão na vanguarda do desenvolvimento da África negra; e reconhece, muito em surdina e embora proclame o contrário no Conselho de Segurança, que na realidade das coisas Portugal não ameaça nem a paz nem a segurança da África. Preferem, todavia, não investigar estes aspectos do problema, e isso porque as conclusões a que seriam forçados, se fizessem o exame que lhes é oferecido, não lhes permitiriam continuar a lançar contra Portugal as mesmas alegações. Por isso o bloco africano concentra-se no exame do problema puramente político levantado em torno do idearium português, e insiste em conhecer o conceito português de autodeterminação. Este foi claramente definido, e encontra-se de resto reflectido em documentos públicos e oficiais das Nações Unidas: para Portugal, a autodeterminação significa o consentimento ou a adesão da população, expressos através de actos administrativos e políticos praticados ao longo do tempo, a uma determinada estrutura do Estado e forma do Governo. A pureza e a procedência deste conceito não podem ser validamente contestadas por ninguém porque, mesmo no critério extremo da maioria da Assembleia da ONU, reside nos desejos manifestados pelas populações a origem de toda e qualquer legitimidade das estruturas políticas. Corresponde este conceito, na essência, à velha fórmula de Jefferson que legitimava o Governo pelo consentimento dos governados. Mas tem-se verificado que, para o extremismo africano (coacto aliás pelos poderes alheios à África), o conceito só é válido desde que rodeado de condições e executado em circunstâncias que necessariamente, inevitavelmente, conduzam aos resultados predeterminados que se pretendem, e só a esses. Entre essas condições, e para que fosse aceite como válido um acto de autodeterminação, figura a retirada de todas as forças militares e de segurança; a autorização para livre funcionamento nos territórios dos partidos políticos existentes no estrangeiro; amnistia; reconhecimento dos chefes políticos indicados pela Organização da Unidade Africana; e supervisão pelas Nações Unidas de qualquer acto ou processo de autodeterminação. Como é óbvio, este condicionalismo assegura por antecipação os objectivos que as Nações Unidas pretendem. Para o grupo africano, ou para as forças que o comandam, apenas tem sido válida a autodeterminação que fatalmente imponha o desmembramento da estrutura da Nação portuguesa, e isso nos termos e pela forma a estabelecer pelo grupo africano. Posto o problema nesta base, não é susceptível de discussão, até porque nenhuma nação soberana pode partilhar com outras ou com quaisquer organismos internacionais problemas políticos que só a essa nação respeitem. Daqui o choque de posições políticas. Mas seria simplista reduzir esse choque a um conflito de noções ideológicas ou políticas, ou ver naquele somente uma luta entre a nação portuguesa e os países africanos. É muito mais profundo e amplo o problema, e estão envolvidos factores que ultrapassam em muito aquele quadro restrito. Porque, por detrás dos mitos que se alegam, estão as realidades materiais: e são estas que se buscam».

Franco Nogueira («Terceiro Mundo»).


«Naquele final de 1960, com os meus trinta e dois anos, eu apenas procurava com entusiasmo ser um piloto militar competente e eficaz. Do que aprendera e do que observara e sentira em 1951 durante a viagem à volta de África, adquirira a minha visão simples de Portugal e do Ultramar: os povos português e de além-mar pertenciam a grupos humanos diferentes, com culturas diversas, passados longínquos diferentes, mas constituíam um grande e indivisível conjunto forjado pela História.

Acreditara também que a vocação euro-africana de Portugal não era uma ficção e que uma vasta união económica, política e humana se estava aprofundando e na qual os portugueses da metrópole e os naturais das províncias ultramarinas poderiam construir, em espírito fraternal, qualquer coisa melhor para o bem de todos».

General Silva Cardoso («Angola, Anatomia de uma Tragédia»).


«Em toda a minha vida no Ultramar Português sempre verifiquei fora de qualquer dúvida, que podia haver compreensão e amor entre as raças. O pensar negro - o fanatismo pró-negro e anti-branco - de alguns extremistas antes do 25 de Abril de 1974, tornou-se muito diferente nos demagogos do pensamento negro, dos coléricos extremistas, dos nacionalistas do "pé descalço", das massas ululantes e cruéis do "poder popular", açuladas pelos slogans importados, bombásticos, mas vazios de conteúdo e calor humano. Relembro os dizeres de um negro americano: "Se há uma dívida com o negro do passado, ele também tem uma dívida. Essa dívida é para com os homens que viveram antes dele, para com aqueles que o ajudaram pessoalmente e para com os muitos que o ajudaram tomando posições quando era preciso e não se negando a comprometer-se. Deve-se-lhes não ceder à violência e à cólera, deve-se isso a uma porção de homens que ainda não nasceram. Deve-se a si mesmo ser um homem, um ser humano, em primeiro e último lugar, senão sempre". E tudo isto derruiu ante a invasão dos interesses "imperialistas". Foram eles - e não o esqueçamos - os responsáveis pela violência e pela guerra psicológica de desmoralização dos "brancos". E tudo serviu para que tantos fossem acusados de tudo, amesquinhados, ridicularizados, para colocá-los em condições de não poderem defender os supremos bens da vida, a começar pelo maior de todos eles, que é o da Liberdade.

Angola era para nós uma catedral de Devoção e Amor. Era uma floração de Portugal. Era a nave sagrada onde reboavam os cânticos do Trabalho e do Progresso. E os partidários dessa teoria que massacrava e escravizava o homem tudo derruíram. Só deixaram ruínas e o ferfilhar do ódio.

Não queria que este "livro" fosse um lamento. Antes se convertesse em hino! O herói ou o pusilânime, o réprobo ou o santo, o missionário ou o agitador, a virgem até ao sacrifício ou a mulher que se vende ao que lhe paga, o homem sem ideias ou o pensador, o patriota ou o cidadão do mundo, ninguém é grande e pequeno neste "novo e mísero mundo que nos criaram. Rasgaram a História, o presente e o futuro, com o gesto de Lutero quando rasga a Bula pontifícia na Catedral de Mittenberg! Não, a "revolução" não será julgada, mas sim, os homens que a adulteraram. E o traído Povo Português?

Creio que bem podemos parafrasear um filósofo de Paraíba: "Português não bate palmas no meio do Governo. Português só bate palmas no começo e no fim. No começo, de esperança. No fim, de pena".

Por mim, com este "livro", bato palmas, não só de pena, mas de nojo! E os portugueses do verdadeiro Portugal de sempre? Todavia, os portugueses renegados, os que se riem das desgraças que criaram, continuam por aí impantes de vaidade, orgulhosos da sua obra e, certamente, agarrados à ideia de que "Deus estava com a mania das grandezas quando os criou". Não Deus, mas o Diabo!».

Pompílio da Cruz («Angola: Os Vivos e os Mortos»).






Ver aqui, aqui e aqui






«Nunca pensámos que a independência seria o país convertido numa imensa prisão e num cemitério».

Luís Fernandes do Nascimento















PORTUGAL ULTRAMARINO E O ANTICOLONIALISMO



O ANTICOLONIALISMO


1. NOTA INTRODUTÓRIA


O anticolonialismo tem dominado o tempo presente na sua luta contra Portugal.

Parece oportuno, por isso, fazer uma síntese geral dos seus fundamentos e das posições assumidas pelas grandes potências, pelos países afro-asiáticos e pela Organização das Nações Unidas.


2. CONCEITO GERAL


Designa-se por anticolonialismo o conjunto de ideias e de atitudes condenatórias da colonização considerada como instrumento de usura económica e de discriminação racial e política.

O anticolonialismo pressupõe, para se justificar, que todo o território separado de uma metrópole é sua colónia e que os poderes político e económico exercidos pelos mandatários dessa metrópole o são sempre contra vontade dos habitantes nativos; estes têm o direito de se emanciparem e de passarem eles próprios a exercer os referidos poderes. Na terminologia corrente, tal direito tem-se designado autodeterminação.

Os objectivos e os métodos do anticolonialismo variam consoante as épocas e os interesses políticos e económicos em disputa. Na actualidade, a sua intenção principal visa a independência dos povos africanos e a quebra das ligações da Europa com a África.

No aspecto conceitual, pode-se distinguir o anticolonialismo sentimental do anticolonialismo utilitário e/ou político.

As raizes doutrinárias do anticolonialismo sentimental remontam ao tempo em que a colonização, em especial a holandesa, francesa e inglesa, se conduziu pelo conhecido «sistema do pacto colonial», caracterizado pela sujeição absoluta da colónia à direcção política da metrópole e aos seus exclusivos interesses económicos.

As bases do juízo crítico desse «sistema» foram a tese da bondade do homem, o entendimento da igualdade essencial de todos os seres e o conceito da liberdade individual.

Com tais fundamentos, filósofos e políticos criaram a ideia de que a colonização impedia a autodeterminação, sendo, portanto, uma actividade ilegítima contra a liberdade e a dignidade dos povos colonizados. Assim nasceu e se estimulou um sentimento colectivo tendente a fomentar e a compreender os movimentos condenatórios e de reacção.

O anticolonialismo utilitário e/ou político traduz-se, mais concretamente, numa posição assumida em obediência a considerações de natureza económica e/ou política.

As primeiras assentam no desejo expansionista dos potentados ciosos de diminuir a concorrência económica e enraizar, assim, o seu monopolismo mercantil.

As segundas determinam o anticolonialismo dos países ou grupos de países que, movidos embora também por intuitos económicos, pretendem fazer vingar no Mundo, ou em certas zonas, uma ideologia e um tipo bem caracterizado de regime político ou de controle estratégico. Para atingir tais objectivos, esses países, ou grupos de países, consideram um dos meios mais eficazes o estímulo dado à emancipação das colónias, cujos povos, por gratidão e até por necessidade de novos apoios, se veriam obrigados a aceitar a sua tutela e a enquadrar-se em determinada esfera de influência por si comandada.

A partir daqueles conceitos, torna-se fácil e possível definir os comportamentos dos Estados Unidos, da União Soviética, dos países afro-asiáticos e da Organização das Nações Unidas.


3. O ANTICOLONIALISMO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA


O anticolonialismo dos Estados Unidos da América do Norte é do tipo sentimental no âmbito da opinião pública e da nação. Por um lado, devido a razões de ordem psicológica, comuns a quase todos os países que, antes de adquirirem a independência, foram colónias, e, por outro lado, por motivos de uma crença atávica no direito de cada povo se governar por si mesmo.

No quadro das actividades económicas, é utilitário, porquanto se pensa que o fim do sistema colonial representaria a abertura de novos mercados.

Ao nível do Governo, é não só sentimental e utilitário mas também e essencialmente de natureza política, situando-se na estratégica da «guerra fria» mantida, desde o fim da II Guerra Mundial, entre a União Soviética e os Estados Unidos, empenhado cada um deles em obter a liderança do Mundo.









Sabendo que a União Soviética apoia e estimula a independência dos povos coloniais, na intenção de dilatar as suas fronteiras ideológicas e políticas e, porventura, também económicas, os Estados Unidos pensam que, se essa emancipação se processar sob o seu apoio, impedirá o avanço comunista, alargando, em contrapartida, as suas áreas de hegemonia.

A tese tem-se mostrado frágil, e os factos desmentem-na, porque o termo do sistema colonial representa, acima de tudo, o enfraquecimento da Europa. Este tem aproveitado muito mais à União Soviética e aos países do «bloco comunista» do que propriamente aos Estados Unidos e ao «bloco ocidental», cada vez mais diminuídos na sua «frente defensiva».

E isto mesmo em virtude de a tese advogada e de a política seguida pelos Estados Unidos provocarem diferendos e atritos graves entre os países pertencentes à Organização do Tratado do Atlântico Norte, atritos e diferendos explorados até ao máximo pela União Soviética, no sentido dos seus fins e da sua estratégia de desagregação.


4. O ANTICOLONIALISMO DA UNIÃO SOVIÉTICA E DA CHINA CONTINENTAL


O anticolonialismo prosseguido pela União Soviética é predominantemente do tipo político, se bem que na actualidade assuma também o carácter utilitário, em virtude de a competição com os Estados Unidos ter determinado acrescentar às motivações ideológicas os objectivos económicos. E isto a fim de, por um lado, restringir os mercados e a capacidade de subvenção dos Estados Unidos e do Ocidente e, por outro lado, consolidar o predomínio ideológico com a intervenção económica.

Tem por pano de fundo as doutrinas de Lenine e de Estaline. «O melhor modo para assestar um golpe definitivo no sistema capitalista mundial é combater as potências europeias nas suas colónias», dizia Lenine: Estaline, por sua vez, lembrava que «nos países coloniais e semicoloniais, a principal tarefa dos comunistas é trabalhar com todas as forças na criação de uma frente popular anticolonialista».

O seu esquema teórico pode resumir-se assim: todos os territórios sob soberania «estrangeira» na Ásia e na África são coloniais; a permanência de «estrangeiros» nesses territórios é abusiva, e os seus habitantes têm o direito de revoltar-se e de expulsá-los; uma vez obtida a emancipação, a União Soviética tudo deverá fazer para que os Estados nascentes adoptem o seu «modelo» de regime político e económico e cortem os laços ainda mantidos com os ex-colonizadores. É fácil descortinar as intenções..., de resto bem expressas nestas palavras de Estaline: "Em lugar do lema dos Estados Unidos da Europa, a Internacional Comunista lança o lema de uma Federação de Repúblicas Soviéticas, fundada pelos países progressistas e pelas colónias que tenham rompido ou estejam prestes a romper com o sistema económico imperialista...» (1).

Por sua vez, o esquema de acção é estoutro: fomentar a sublevação das populações coloniais contra as metrópoles ocidentais; inimizar o «mundo colonial» com o «mundo ocidental» e fazer perder a este último as suas fontes de matérias-primas e os mercados necessários ao seu desenvolvimento industrial; preparar as condições prévias para uma acção revolucionária nas colónias e indispor os países ocidentais entre si, tornando impossível um sentimento sincero entre eles na aliança contra a sublevação.

O anticolonialismo da China Continental, por sua vez, coincide, nas raízes doutrinárias, com o da União Soviética. Pretende, porém, ser mais ortodoxo e prestimoso ao fazer crer que o «modelo» chinês serve melhor a África do que o soviético.

Mao-Tse-Tung exprimiu-o claramente quando afirmou: «o tipo clássico das revoluções nos países imperialistas é a revolução russa. O tipo clássico das revoluções nos países coloniais e semicoloniais é a revolução chinesa (2). Quer tenha ou não razão, o certo é não estar disposto a deixar a União Soviética actuar sozinha; por isso, não se cansa de fazer insinuar que os russos, sendo brancos, não podem compreender, como os chineses, os povos de cor!

A vontade e a necessidade de a China se expandir cada vez mais em África, barrando a influência russa, americana e até, em certos aspectos, árabe e indiana, pode levar, no entanto, o espírito realista e calculista de Chu-En-Lai a aceitar a coexistência e a cooperação com a «África Branca», desde que a reconheça suficientemente forte para não abandonar posições. Ainda é cedo, porém, para fazer conjecturas!


5. O ANTICOLONIALISMO AFRO-ASIÁTICO


O anticolonialismo afro-asiático é do tipo sentimental. Traz acrescido, porém, o factor rácico como elemento da luta contra a presença branca. «A África para os africanos» e «A Ásia para os asiáticos» são os seus «slogans» de guerra e de reivindicação.

Deve também ser considerado de natureza política quando serve de fundamento, por um lado, às ambições de indivíduos que pretendem assenhorear-se do Poder à custa da independência dos territórios coloniais, e, por outro lado, quando orienta as nações africanas e asiáticas já constituídas no estímulo dado a essas ambições e independências.

Assentou a sua estratégia na Conferência de Bandungue, realizada em Abril de 1955, com a presença de 28 países, quais foram: Índia, Indonésia, Cambodja, Birmânia, Paquistão, Ceilão, Afeganistão, República Popular Chinesa, Egipto, Etiópia, Costa do Ouro, Irão, Iraque, Japão, Jordânia, Laos, Líbano, Libéria, Líbia, Nepal, Filipinas, Arábia Saudita, Sudão, Síria, Sião, Turquia, República Democrática do Vietnam do Sul e Iémene.

Países participantes na Conferência de Bandung (1955).

















Afonso de Albuquerque. Ver aqui e aqui



Antiga fortaleza portuguesa do séc. XVI em Diu, uma ilha na costa oeste da Índia.
O comunicado final definiu assim a posição em face do problema dito colonial:

«A Conferência Afro-Asiática, depois de haver discutido os problemas dos povos dependentes do colonialismo e os males que deles derivam, encontrou-se de acordo:

1 - em declarar que o colonialismo, em todas as suas manifestações, é um mal a que se deve pôr termo imediatamente;

2 - em afirmar que a sujeição dos povos ao jugo estrangeiro, o domínio e a exploração que constituem a negação dos direitos fundamentais do homem, estão em contradição com a Carta das Nações Unidas e são um obstáculo para a paz e o desenvolvimento da cooperação mundial;

3 - em declarar o seu apoio à causa da liberdade e da independência de todos os povos dependentes; e por último,

4 - em desafiar as potências interessadas para que concedam liberdade e independência a esses povos (3).

Aqueles pressupostos foram reafirmados e reforçados na I Conferência Afro-Asiática, realizada no Cairo em 1 de Janeiro de 1958, e na II Conferência Asiática, iniciada em Conacry em 15 de Abril de 1960. Aí ficou bem claro que «a independência significa o fim do domínio colonial sobre os povos africanos e asiáticos, o termo da miséria, da discriminação, da pobreza e o começo da igualdade para todos» (4).

De então para cá, o anticolonialismo afro-asiático teoriza, reivindica e actua, prestando auxílio e apoiando os movimentos chamados «de libertação» dos territórios considerados sob «domínio colonial». Daí o terrorismo desencadeado na Guiné, em Angola e em Moçambique contar com a sua total e prestimosa solidariedade.

Denota tendência para se autonomizar em face do anticolonialismo prosseguido pelas grandes potências porque o não considera isento como se proclama e por o acusar de trazer em si o gérmen do «expansionismo colonialista».

O veredicto tem sido também formulado por alguns países da África Central e Oriental contra determinados Estados da Ásia e da África do Norte de predominância árabe. Por isso, idêntica preocupação autonomista os norteia com fim de criar uma frente anticolonialista exclusivamente negra.

A anexação de Goa pela União Indiana, a atitude desta em face de Caxemira, o conflito indo-chinês e a posição da República Árabe Unida no que respeita a Israel, por exemplo, muito têm contribuído para justificar aquela atitude, atitude que Chu-En-Lai, na visita feita a África em Dezembro de 1963, tudo tentou por contrariar, em virtude de a ruptura do grupo afro-asiático ser um golpe vibrado nas suas ambições de liderança.

A Conferência de Addis-Abeba, realizada de 22 a 25 de Maio de 1963, deu o alarme e revelou a intenção dos Estados negro-africanos de reivindicar a prioridade da acção para «acelerar o acesso incondicional à independência nacional de todos os territórios sob o domínio estrangeiro» e de transferir para a «África Negra» o «centro de gravidade» do anticolonialismo definido em Bandungue.

Sendo assim, o anticolonialismo africano, «versus» anticolonialismo afro-asiático, decorre como uma atitude de autodefesa da própria África e como tentativa de maior personalização internacional do Continente. Por isso Chu-En-Lai se apressou a vir lembrar o que Addis-Abeba quis fazer esquecer e o que representou o início da penetração chinesa em África: Bandungue.


6. O ANTICOLONIALISMO DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS


O anticolonialismo da Organização das Nações Unidas resulta da conjugação do pensamento anticolonialista das grandes potências e do grupo afro-asiático.

Ficou bem evidente que, embora por motivos e raízes diversas, esse pensamento visa, nos seus fins últimos, a emancipação de todos os povos e territórios ultramarinos.

Sendo assim, e embora a Carta da O.N.U. não tenha tomado posição clara sobre o assunto, tem-se desenvolvido um longo processo no sentido de marcar datas limites para o seu acesso à independência. E não se aceitam sequer os casos de integração, assimilação, federação ou confederação, só considerados lícitos desde que, para legitimar tais situações, se tenha realizado previamente um plebiscito organizado, conduzido e fiscalizado pelas Nações Unidas.

O processo tem sido intensificado na razão directa do fortalecimento da posição do grupo afro-asiático na Assembleia Geral e do consequente enfraquecimento do poder deliberativo dos países do chamado «bloco ocidental». Acresce, ainda, a inexistência, por parte deste, de uma política comum de defesa de direitos, de interesses e de normas jurídicas.

A aprovação da conhecida «Declaração Anticolonialista», inicialmente proposta pela República da Guiné, retomada pela União Soviética e ampliada pelos afro-asiáticos, e onde se proclama e se impõe a liquidação imediata de todo e qualquer regime susceptível de implicar a existência de territórios considerados «não autónomos», marcou definitivamente a atitude intervencionista e condenatória do organismo, em face do fenómeno da colonização, visando, especialmente, o caso português.




Na Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Outubro de 1962, da direita para a esquerda: Franco Nogueira, Vasco Garin, Pedro Theotónio Pereira, Pinto Bull, António Patrício, Milton Moniz e António Bandeira.


Franco Nogueira considera, no seu livro «As Nações Unidas e Portugal» (5), aquele documento como inspirado no manifesto de Bandungue, e diz ter-lhe sido dada, assim, validade universal. Isto prova o dito atrás sobre a tendência autonomista do anticolonialismo afro-asiático, desse modo institucionalizado e apresentado aos olhos do Mundo como o único que contém suficiente força dinâmica para pôr termo ao «sistema colonial».

Como já acentuámos, esta posição é agora reivindicada pelos Estados da «África Negra», e os contactos directos dos seus representantes em Nova Iorque com o Ministro português dos Negócios Estrangeiros mais uma vez demonstraram a intenção de encarar e resolver, a seu exclusivo nível, os problemas da descolonização, à margem e acima de quaisquer solidariedades anteriormente negociadas (6).

A O.N.U. é, assim, instrumento excelente para os afro-asiáticos, em conjunto ou em separado, procurarem atingir os seus objectivos revolucionários. Os resultados não têm, porém, sido rápidos e espectaculares porque os Estados Unidos e a União Soviética se têm visto obrigados a condicionar a sua acção em obediência ao jogo de forças e de interesses que os comprometem no plano mais vasto da política internacional. Essa política tem sido ultimamente orientada pelo signo da «coexistência pacífica», que, para salvar ao menos as aparências, não se mostra compatível, de momento, com soluções extremistas.

Tal facto talvez explique o «statu quo» em que ultimamente caiu a luta anticolonialista na O.N.U., pois os países afro-asiáticos, para além de condenações verbais e de princípio, não encontraram ainda ambiente para fazer vingar as suas propostas radicais de aplicação de sanções punitivas àqueles Estados membros que consideram «desrespeitadores» da Carta e «ameaçando a paz e a segurança mundiais».

De resto, foi o próprio Ministro dos Estrangeiros do Senegal, Doudou Thiam, a reconhecê-lo, dizendo significativamente, com referência ao caso português: «Foi proposto recentemente que Portugal fosse excluído da O.N.U. em virtude de a sua posição ser julgada contrária aos princípios da Carta. Mas trata-se de uma questão delicada e sobre a qual nem os Estados europeus nem os Estados Unidos poderão, de momento, seguir ou apoiar os africanos». E acrescentou: «Para resumir, nós vemos que o ajustamento da política dos Estados africanos com a das grandes potências está largamente condicionado pela disponibilidade de acção destas últimas para resolver o problema da descolonização» (7).

De qualquer forma, é preciso ficar-se com a ideia de que a tendência para a internacionalização dos «problemas coloniais» tem uma longa tradição, vinda desde a Conferência de Berlim, iniciada em 15 de Novembro de 1884. Nessa altura, o delegado americano apresentou umas declarações, visando «reconhecer o direito de as raças indígenas disporem de si próprias e do solo hereditário» e afirmando a necessidade do «consentimento voluntário dos indígenas dado à ocupação do território, salvo quando houvessem provocado acto agressivo» (8), declarações apenas registadas nas Actas, mas de valor histórico indiscutível, pois provam que a autodeterminação e o plebiscito já andavam, ontem como hoje, de mãos dadas e com a marca imperecível da origem...

Toda a partilha de África foi feita sob a cobertura dos princípios aprovados na Conferência e consignados no capítulo IV do Acto Geral e que determinaram a «efectividade da ocupação» para qualquer potência poder fazer respeitar os direitos adquiridos. Isto custou a Portugal a perda dos territórios situados entre Angola e Moçambique.

Da Conferência de Berlim aos nossos dias são variados os factos demonstrativos da internacionalização referida, processada sempre de acordo com os interesses em disputa e com as concepções das épocas. Esses factos vêm relatados por Marcello Caetano no seu livro Portugal e a Internacionalização dos Problemas Africanos. Dele transcrevemos as conclusões do capítulo I da parte II e do capítulo I da parte III, dedicados, respectivamente, à «Conferência de Berlim» e ao «Após-Guerra e a Sociedade das Nações», por nos parecerem de flagrante actualidade:

1.º - «O problema colonial tende cada vez mais a deixar de ser considerado como assunto restrito aos interesses das potências colonizadoras, para passar a ser tratado como matéria relativa à expansão cultural e comercial das nações civilizadas»;

2.º - «deste modo, as potências coloniais sujeitam-se a normas elaboradas e votadas em grande parte por potências não coloniais, que querem gozar os benefícios provenientes das colónias sem suportarem os respectivos encargos»;

3.º - «A desafogada situação financeira do Estado e uma administração regular são essenciais à defesa do ultramar português»;

4.º - «por mais antigas e estreitas que sejam as alianças, não há pacto de amizade que leve as nações poderosas a sacrificar os seus interesses ou a moderar as cobiças perante uma nação pequena, se esta não for a primeira a ter a consciência, a inteligência e o zelo daquilo que lhe pertence» (9).


7. NOTA FINAL


Feita a análise sumária dos fundamentos doutrinários e estratégicos do anticolonialismo, resta-nos tomar a posição crítica sobre a sua validade. Devemos acentuar, «ab initio», que, partindo de um conceito pragmático de liberdade, logo o anula ao pretender impor aos povos um comportamento apriorístico e a adopção de um esquema político normalizado e, por isso, inadequado às suas diferentes idades socioculturais.

Além disso, resulta de uma premissa errada, ao considerar como colónias só os territórios separados de uma metrópole quando os tratadistas mais insuspeitos definem colónia como uma região onde exista determinada situação colonial, derivada, esta, na concepção do sociólogo Balandier, «da dominação imposta por uma minoria racial (ou étnica) e culturalmente diferente, em nome de uma superioridade racial (ou étnica) e cultural dogmaticamente afirmada» (10).


Sendo assim, exclui da sua atitude condenatória todos e muitos casos de situação colonial existentes fora do quadro restrito dos territórios ultramarinos. Estes são analisados, por sua vez, em obediência a conceitos rígidos e indiferenciados e sem considerar as condições reais da sua vida e da sua evolução histórica.

Por outro lado, generaliza impropriamente os elementos negativos da colonização, como sejam, em alguns casos, a exploração económica e a discriminação racial, quando a verdade manda dizer que a colonização, no seu balanço final, tem sido elemento imprescindível de civilização e de melhoria do nível de vida dos povos.

Em livro que recentemente publicámos (11) fizemos a distinção entre colonização estática e colonização dinâmica para atribuir a esta o valor de uma acção missionária e humana destinada, no caso de África principalmente, a fazer progredir economicamente os territórios e, ao mesmo tempo, promover social e culturalmente as gentes. O anticolonialismo não faz, por interesse próprio, essa destrinça e daí os seus erros de apreciação.

Em paralelo, o conceito do direito à autodeterminação, identificado unilateralmente com a independência política, é impróprio, pois, como acentuou Salazar na sua «Declaração sobre Política Ultramarina», proferida em 12 de Agosto de 1963, «quando se liga a autodeterminação a independência desconhece-se que aquela significa a possibilidade de opções diversas e que indicar ou impor como fim da autodeterminação a independência é o mesmo que restringi-la a um só objectivo negando-a parcialmente». Deste grave desvio deriva, além do mais, o desconhecimento do facto de a autodeterminação pressupor a criação prévia de condições económicas e sociais para os povos se poderem governar hierárquica e responsavelmente.

Ora essas condições só a colonização, no seu sentido dinâmico, as poderá criar. O anticolonialismo ao pretendê-las, por um lado, e ao condenar a colonização, propondo o seu termo, por outro lado, destrói-se a si próprio, abrindo caminho a todas as prepotências.

O tunisino Hachemi Baccouche pôs o dedo na ferida ao dizer que «o direito de os povos se governarem por eles próprios não pode de maneira alguma ser considerado como o direito de uma minoria dominar uma maioria nem mesmo com a permissão de uma maioria esfacelar as minorias, ou seja, como o direito do anti-humano triunfar sobre o humano» (12).

A tal injustiça tem conduzido o anticolonialismo, que, onde ousa impor o seu sinal negativo, traz em si o gérmen do despotismo político e a marca de interesses internacionais alheios ao «bem-estar» dos povos, visando sujeitá-los à mais ilegítima das servidões. A «Nova África» é disso prova irrefutável (in Oliveira e Castro, A Nova África, Edição do Autor, 1967, pp. 29-44).



Notas:

(1) Estaline - O Leninismo, pp. 43-44.

(2) La Théorie de Mao-Tse-Tung sur la Révolution Chinoise, 1953.

(3) José Maria Cordero Torres - Textos Básicos de África, p. 643.

(4) Ibidem, p. 702.

(5) Alberto Franco Nogueira - As Nações Unidas e Portugal, p. 42.

(6) As conversações não deram o resultado esperado e tiveram lugar na sede das Nações Unidas, de 17-X-63 a 6-XI-63, e nelas participaram, do lado africano, Albert Sylla, Japa Wachuku e Óscar Kambona, respectivamente Ministros dos Negócios Estrangeiros de Madagáscar, da Nigéria e do Tanganica; Quaison-Sackey, Diallo Telli, Nathan Barnes, Taieb Benhima, Richard Kelfa Gaulker e Taieb Slim, representantes na O.N.U., respectivamente, do Gana, da República da Guiné, da Libéria, do Marrocos, da Serra Leoa e da Tunísia.

(7) Doudou Thiam - La Politique Étrangère des États Africains, p. 120.

(8) Marcello Caetano - Portugal e a Internacionalização dos Problemas Africanos, p. 107.

(9) Marcello Caetano - Ibidem, pp. 100 e 180.

(10) Georges Balandier - Sociologie Actuelle de l'Áfrique Noire, p. 33.

(11) Anticolonialismo e Descolonização, p. 73.

(12) Hachemi Baccouche - Grandeurs et Servitudes de l'Anticolonialisme, p. 106.







Continua


Nenhum comentário:

Postar um comentário