quarta-feira, 18 de julho de 2012

Teatro de Almada Negreiros

Escrito por Orlando Vitorino








«O protagonista (discursando para curiosos) - O único problema deste mundo é o caso pessoal de cada um de nós. Neste mundo tudo é meio, tudo, e único fim o homem. Todavia, o único ser deste mundo que erra o seu fim, é o homem.

1.º Curioso - O que é que ele vende?

2.º Curioso - Não vês que não há aqui nada para vender?

1.º Curioso - Então para que é?

2.º Curioso - É para dizer as verdades».

Almada Negreiros («Deseja-se Mulher»).



1. O espectáculo fica do outro lado, do lado onde não há o império dos preconceitos, das ideias feitas, da propaganda e das multidões. Onde se não distinguem temas de hoje e temas de ontem, obras sociais e políticas, literárias e poetiformes. O espectador não pode lá ir distinguindo figurinos e actores, cenários e personagens, encenação e texto. Ao datar a peça, Almada não ajudou. Tudo isso é roupa que, como dizia um poeta nosso, é preciso despir para atravessar o rio. Tão alheio é este espectáculo aos motivos e fins de que são feitos os êxitos, tão inconfundível a arte com a glória fácil da propaganda efémera, tão cheio está o nosso impúdico ambiente de coisas, obras e nomes, de livros onde os autores enchem as badanas de opiniões sobre si próprios, de prémios argentários, de mecenatos institucionais, de condenações e silêncios, de retóricas universitárias e de mutualismos literários – que hesitamos, primeiro em escrever, depois em publicar estas notas sobre uma peça de Almada Negreiros.

2. O assunto da peça – dizemos assunto porque é essa a palavra que não perde, no uso corrente, a significativa e implícita assunção – é apenas este: que procura o homem na mulher e que vem ele a encontrar. Não se trata, pois, de um assunto que tenha hoje uma actualidade que ontem não teve nem terá amanhã, de um assunto que, por insólito e estranho, se agarra à curiosidade do espectador ou que, pelo carácter socializante, desperte os interesses do maior número. É antes um assunto de que está cheia a literatura teatral de sempre e de toda a parte, mas que, referindo-se a toda a gente, só directamente fala a cada um, na singularidade do seu espírito, da sua alma e do seu corpo. Aí se há-de revelar o poder do artista, o de fazer que o que é de todos seja por cada um tomado só para si mesmo, sem o apoio no grupo nem o refúgio na comunidade que, no mesmo passo em que dissolvem a singularidade, degradam o que no homem há de livre.

3. Será isso a perfeição? Isso de em cada obra de Almada sentirmos o fazer-se acabado, definitivo, perfeito? Agora, numa pequena sala de algumas dezenas de lugares, num palco de cinco metros, com actores escolhidos entre rapazes e raparigas de juvenil entusiasmo, Almada mostra-nos, enfim, uma peça de que há 35 anos nos fala, que até publicou em livro: «Deseja-se Mulher». E não sabemos de acontecimento teatral, entre nós, que tenha sido mais importante.

«Começar» (Fundação Calouste Gulbenkian).

4. Almada Negreiros é, por excelência, o artista. Em tudo quanto toca, a arte, mais do que a beleza, ali fica. Mais do que a beleza porque, para Almada, a arte contém o princípio e o fim de tudo. Isto faz entender, ou faz «ver», o que na obra de Almada nunca pode ser considerado atitude circunstancial, tentativa sem efectividade. Que é o número de ouro, por exemplo? Nem atitude, nem tentativa, nem gratuita busca, mas a próxima, última, principal representação, ou indizível sinal que se comunica sem se dizer, daquilo sem o qual nada é arte e com o qual toda a arte é. Toda a virtualidade se limita, reduz e diminui ao manifestar-se, coisa que se entende tão bem que faz parte da vital experiência de cada homem. Em suas obras, a arte manifesta a virtualidade que a promove, diminuindo-a na medida em que lhe faz perder a infinitude. Como, no entanto, ver que tal virtualidade, com sua infinitude, está contida na limitação que toda a obra de arte é? Como sabermos o número de ouro? Pode o místico, também mergulhado numa original visão, oferecer-nos uma analogia. Mas o místico cala o que vê, fecha-se na taciturnidade do que nele há de mais íntimo e profundo. Almada, pelo contrário, procura fazer-nos ver o que não só ele viu mas nos diz que todos os artistas viram e nos mostraram. Como havemos de entender?

5. Foi Fernando Amado quem nos deu este espectáculo. Fernando Amado e um grupo de rapazes e raparigas com todas as qualidades e todas as deficiências de um grupo onde se juntam simples amadores e promissores principiantes. Era um principiante o actor que, no século XVI, primeiro fez teatro em Portugal; eram amadores os que representaram, pela primeira vez, o «Frei Luís de Sousa»; são amadores e principiantes os que representaram, agora, esta peça de Almada Negreiros e só o não farão, perfeitamente, para os espectadores que não saibam ser espectadores. Bem se diz na peça que uma coisa é vocação e outra profissão (in Diário de Notícias, Lisboa, 16 Jan. 1964. p. 13).


segunda-feira, 16 de julho de 2012

Ausência e presença da filosofia

Escrito por Álvaro Ribeiro




Mosteiro dos Jerónimos



«Todo o positivismo português devém no plano da superficialidade cultural, exercendo, é certo, os seus malefícios na zona própria dos medíocres que tudo aferem pela admiração do estrangeiro. Não chegou, porém, tal doutrina a ser absorvida, apropriada, assimilada pelos verdadeiros pensadores nacionalistas. A leitura dos textos, que é a prova real, constituirá, para muitos estudiosos, surpreendente fonte de desenganos.

É indispensável, todavia, para chegar a tão certeira conclusão, partir da dúvida sobre o valor das citações de filósofos estrangeiros, incluídas nos textos das obras dos escritores nacionais. A citação é quase sempre motivada por pedantismo, moda ou ortodoxia, e degenera, muitas vezes, em ornato de estilo que não pertence àquela natural sequência de frases em que o autor se dá ao tema, por assim dizer, de alma e coração. Não passam tais citações de adereços postiços - emprestada vestimenta de erudição que ilude o leitor ingénuo -, mas não logram enganar o intérprete que no corpo do discurso analise os elementos lógicos do raciocínio argumentante e os tropos da imaginação persuasiva».

Álvaro Ribeiro («Os Positivistas»).





Ausência e presença da filosofia


A mocidade estudiosa, que procura habilitar-se para intervir criativamente na literatura, na política e na religião, enfrentar-se-á certamente com este problema essencial: «Que é a filosofia? Como determinar, fundamentar e legitimar o pensamento filosófico português?» Efectivamente, só desta arte poderão ser abstraídos os lineamentos que permitam à mocidade traçar as directrizes futuristas de um ideal a realizar em plena adultidade. Se os adolescentes não forem avisados e aconselhados no tempo próprio, jamais alcançarão a inteligência das ideias novas, antes ficarão presos aos preconceitos falsos, errados ou inúteis que causaram a demência das gerações que sofrem o juízo e o castigo da história.

Há muitas definições de filosofia, mas todas oscilam entre os conceitos de ciência e de arte. Pensadores há que a subordinam às ciências positivas, outros a consideram como ciência autónoma, que nesse caso merecerá a designação de metafísica. Apreciada ao longo da sua verdade, desde os sete sábios da Grécia, a filosofia assume a figura de arte de pensar e de viver segundo os valores supremos da Verdade, da Beleza e da Bondade.

A metafísica é uma ciência que pode ser estudada teoricamente, em qualquer idade ou estado de evolução humana. A filosofia, ou arte de filosofar, consiste num aprendizado que começa na adolescência e que ocupa a vida inteira. Não existe em Portugal o magistério particular ou público, iniciático ou profano, da arte de filosofar, com os seus princípios, meios e fins, mas apenas uma simplista didáctica de pretensas ciências filosóficas, ministrada fora de qualquer programa inteligente, útil e fecundo.

A análise histórica do que tem sido em Portugal a literatura, a política e a religião, manifestações directas da actividade do homem pensante, conclui pela falta de originalidade, isto é, pelo predomínio das escolas estrangeiras sobre as débeis tentativas do nacionalismo português. Tal se apresenta evidente e clamante no exame praticado por Teófilo Braga em seus estudos notáveis e admiráveis. Adoptado pelos universitários um critério francês, inglês ou alemão, clássico, romântico ou realista, na alternância ou na sucessão das modas literárias, dos partidos políticos e das seitas religiosas, logo os juízos serão desfavoráveis às pessoas, aos actos e às obras que na essência constituem a História de Portugal.




Teófilo Braga




Não se encontram, portanto, os assistentes universitários devidamente habilitados para procederem à indagação metódica de qual o pensamento filosófico que ao longo dos séculos inspirou a literatura, a política e a religião dos Portugueses. O modo por que nas Faculdades de Letras se ensina a História da Filosofia em Portugal comprova até à evidência a tese estrangeirada de que os livros principais significam uma linha de traduções, adaptações e vulgarizações dos sistemas metafísicos que foram ordenadamente surgindo nas escolas da Europa Central. O estudo tridimensional do composto humano segundo as leis evolutivas do corpo, da alma e do espírito, não tem sido entre nós praticado de modo a evidenciar o que é verdadeiramente a filosofia, com as suas repercussões artísticas, tecnológicas e sociais.

Revogando o magistério escolástico de Aristóteles, nunca os legisladores do século XIX e do século XX, responsáveis pela instrução pública ou pela educação nacional, traçaram um programa correcto da disciplina de filosofia, a ensinar nos liceus centrais ou nas faculdades universitárias. Os relatórios que precedem os decretos revelam mais as intenções administrativas do que o resultado sério de uma meditação profunda sobre o que é a filosofia portuguesa. A gradação didáctica dos temas, das teses e dos teoremas do nosso pensamento original, oculto e profundo é nas escolas substituída pela distribuição temporal de determinado número das noções mais ou menos filosóficas que persistem nas técnicas tendentes para a autonomia do estado positivo.

Os adolescentes confessam a sua desilusão e o seu descontentamento perante o que lhes é exigido para a prova escolar do exame de filosofia. Pedagogistas houve que até preconizaram a eliminação da disciplina em futura reforma do curso dos liceus. Os licenciados universitários não revelam criatividade de pensamento livre na qualidade e na quantidade dos escritos para que foram habilitados escolarmente.

Já é tempo de a mocidade estudiosa se deixar da submissão paciente perante programas escolares que não conduzem à dignificação do homem, já é tempo de começar a inquirir da autenticidade, ou seja, do valor, do ensino imposto pela rotina inconsciente dos improvisados legisladores. Será verdadeiramente filosofia a ordenação compendial de noções e de exemplos que conduzem à habilitação para a prova escrita do exame? Responde o programa oficial às interrogações próprias do adolescente que aspira a viver com adulta mentalidade, isto é, que aspira a ser homem perfeito nos seus aspectos tridimensionais?

A vida não é tão longa que deixe perder inutilmente os melhores anos de escolaridade. Se o homem francês, o homem inglês, o homem alemão recebem educação filosófica que lhes permite compatibilizar a cultura com o culto, ou realizar obra criadora na literatura, na política e na religião, por que há-de o homem português continuar a receber passiva e esterilmente as directrizes intelectuais de livreiros, escritores e jornalistas estrangeirados? Não haverá, entre nós, quem seja capaz de resolver o problema da filosofia portuguesa? (in «Ensaio», Folha de Cultura e Opinião dirigida por Francisco Moraes Sarmento, n.º 2, Fev/Março 1981, pp. 4-5).







sábado, 14 de julho de 2012

História de quinze séculos

Escrito por Olavo de Carvalho




Coliseu de Roma



 Jornal da Tarde, 17 de junho de 2004

Desmantelado o Império, as igrejas disseminadas pelo território tornaram-se os sucedâneos da esfrangalhada administração romana. Na confusão geral, enquanto as formas de uma nova época mal se deixavam vislumbrar entre as névoas do provisório, os padres tornaram-se cartorários, ouvidores e alcaides. As sementes da futura aristocracia européia germinaram no campo de batalha, na luta contra o invasor bárbaro. Em cada vila e paróquia, os líderes comunitários que se destacaram no esforço de defesa foram premiados pelo povo com terras, animais e moedas, pela Igreja com títulos de nobreza e a unção legitimadora da sua autoridade. Tornaram-se grandes fazendeiros, e condes, e duques, e príncipes, e reis.

A propriedade agrária não foi nunca o fundamento nem a origem, mas o fruto do seu poder. Poder militar. Poder de uma casta feroz e altiva, enriquecida pela espada e não pelo arado, ciosa de não se misturar às outras, de não se dedicar portanto nem ao cultivo da inteligência, bom somente para padres e mulheres, nem ao da terra, incumbência de servos e arrendatários, nem ao dos negócios, ocupação de burgueses e judeus.

Durante mais de um milênio governou a Europa pela força das armas, apoiada no tripé da legitimação eclesiástica e cultural, da obediência popular traduzida em trabalho e impostos, do suporte financeiro obtido ou extorquido aos comerciantes e banqueiros nas horas de crise e guerra.

Sua ascensão culmina e seu declínio começa com a fundação das monarquias absolutistas e o advento do Estado nacional. Culmina porque essas novas formações encarnam o poder da casta guerreira em estado puro, fonte de si mesmo por delegação direta de Deus, sem a intermediação do sacerdócio, reduzido à condição subalterna de cúmplice forçado e recalcitrante. Mas já é o começo do declínio, porque o monarca absoluto, vindo da aristocracia, dela se destaca e tem de buscar contra ela - e contra a Igreja - o apoio do Terceiro Estado, o qual com isso acaba por tornar-se força política independente, capaz de intimidar juntos o rei, o clero e a nobreza.

Se o sistema medieval havia durado dez séculos, o absolutismo não durou mais de três. Menos ainda durará o reinado da burguesia liberal. Um século de liberdade econômica e política é suficiente para tornar alguns capitalistas tão formidavelmente ricos que eles já não querem submeter-se às veleidades do mercado que os enriqueceu. Querem controlá-lo, e os instrumentos para isso são três: o domínio do Estado, para a implantação das políticas estatistas necessárias à eternização do oligopólio; o estímulo aos movimentos socialistas e comunistas que invariavelmente favorecem o crescimento do poder estatal; e a arregimentação de um exército de intelectuais que preparem a opinião pública para dizer adeus às liberdades burguesas e entrar alegremente num mundo de repressão onipresente e obsediante (estendendo-se até aos últimos detalhes da vida privada e da linguagem cotidiana), apresentado como um paraíso adornado ao mesmo tempo com a abundância do capitalismo e a “justiça social” do comunismo. Nesse novo mundo, a liberdade econômica indispensável ao funcionamento do sistema é preservada na estrita medida necessária para que possa subsidiar a extinção da liberdade nos domínios político, social, moral, educacional, cultural e religioso.









Com isso, os megacapitalistas mudam a base mesma do seu poder. Já não se apóiam na riqueza enquanto tal, mas no controle do processo político-social. Controle que, libertando-os da exposição aventurosa às flutuações do mercado, faz deles um poder dinástico durável, uma neo-aristocracia capaz de atravessar incólume as variações da fortuna e a sucessão das gerações, abrigada no castelo-forte do Estado e dos organismos internacionais. Já não são megacapitalistas: são metacapitalistas – a classe que transcendeu o capitalismo e o transformou no único socialismo que algum dia existiu ou existirá: o socialismo dos grão-senhores e dos engenheiros sociais a seu serviço.

Essa nova aristocracia não nasce, como a anterior, do heroísmo militar premiado pelo povo e abençoado pela Igreja. Nasce da premeditação maquiavélica fundada no interesse próprio e, através de um clero postiço de intelectuais subsidiados, se abençoa a si mesma.

Resta saber que tipo de sociedade essa aristocracia auto-inventada poderá criar – e quanto tempo uma estrutura tão obviamente baseada na mentira poderá durar.


quarta-feira, 11 de julho de 2012

Nova Ordem Mundial

Escrito por Daniel Estulin 









«Se a Revolução Bolchevique tivesse fracassado, o desenvolvimento industrial da Rússia teria certamente rivalizado com o dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e da Europa, e teríamos um mundo muito diferente hoje. Porém, ao apoiarem a Revolução Bolchevique, os banqueiros americanos abrandaram o crescimento industrial da Rússia para passo de caracol na corrida para a Segunda Guerra Mundial. Impediram a Rússia de emergir como superpotência, e a indústria soviética que realmente se desenvolveu era controlada pelos banqueiros e investidores de Wall Street nos bastidores.

(...) Por que razão estariam os Rockefeller e seus sequazes tão ansiosos por derrubar a monarquia russa? Haveria outra razão mais relevante para avançar com a Revolução Russa?

Numa palavra: sim. A resposta é tão significativa hoje quanto o era há cem anos. Petróleo! Antes da revolta bolchevique, a Rússia ultrapassara os EUA enquanto produtor de petróleo líder mundial. Em 1900, os campos saturados de crude em Baku produziam mais do que os Estados Unidos e, em 1902, produziram mais de metade da produção total mundial.

O caos e a destruição da Revolução destruíram a indústria petrolífera russa. Diz-nos Antony Sutton em Wall Street and the Bolshevik Revolution: "Em 1922, metade dos poços estava inactiva" e a outra metade mal funcionava, porque lhes faltava tecnologia.

Em The Rockefeller File, Gary Allen também salienta que a revolução esmagou a concorrência da América. "A Revolução eliminou efectivamente a concorrência à Standard Oil por parte da Rússia durante vários anos, até a Standard Oil avançar e obter uma parte do negócio petrolífero da Rússia".

Porém, para que os banqueiros de Wall Street arrasassem a concorrência e condenassem o povo russo à pobreza e à corrupção durante décadas, tinham de ter líderes que pudessem fazer uma revolução bem-sucedida. Entram Vladimir Ulianov Lenine e Leão Trotski».

Daniel Estulin («Toda a Verdade sobre o Clube Bilderberg»).


«Até há quem pense que fazemos parte de uma cabala secreta que labora contra os interesses dos Estados Unidos, que me caracteriza e à minha família como "internacionalistas" e que conspiramos com outros em todo o mundo para erigir uma estrutura política e económica global mais integrada - um mundo único, digamos. Se for essa a acusação, dou-me como culpado, e orgulho-me disso».

David Rockefeller («Memórias»).


«Os Bilderberg procuram a era do pós-nacionalismo: quando deixarmos de ter países, mas sim regiões da Terra rodeadas por valores Universais. Ou seja, uma economia global, um governo Mundial (seleccionado mais do que eleito) e uma religião universal. Para se assegurarem de que atingem estes objectivos, os Bilderberg concentram-se numa "abordagem mais técnica e menos sensibilização em nome do público em geral"».

William Shannon


«A Comissão Trilateral não governa o mundo em segredo, é o Council on Foreign Relations que o faz».

Sir Winston Lord (Presidente do Council on Foreign Relations, 1978; Subsecretário de Estado, Departamento de Estado dos EUA; Membro da Ordem da Caveira & Tíbias).




«O nosso trabalho é dar ao povo não o que ele quer, mas sim o que decidimos que ele deve ter».

Richard Salant (ex-Presidente da CBS News).




O Jogo do Monopólio


«Em lado algum», diz-nos Gary Allen no Capítulo Nono de The Rockefeller File, «encontramos determinações [da Comissão Trilateral] a favor do empreendedorismo individual e das liberdades individuais».

Esta rejeição liminar do empreendedorismo individual e da liberdade do indivíduo é enigmática. Como é que o Marxismo, e o sistema de igualização social e económica resultante, pode ser fascinante para David Rockefeller, ou para a Comissão Trilateral? Rockefeller não é apenas rico, também gozou de uma boa educação. Conhece o fracasso do Marxismo sob a forma de Comunismo a mando de ditadores implacáveis como Estaline no séc. XX, em que se estima terem sido chacinados 100 milhões de cidadãos, e mais de mil milhões escravizados, nesse regime.

Como podemos reconciliar a imagem mental de um Capitalista a abraçar um Marxista, ou qualquer Comunista/Socialista? A razão da aparente incongruência prende-se com a definição que aprendemos destes termos.

Na escola, ensinam-nos que o Capitalismo se baseia no livre empreendedorismo. Os Capitalistas são empresários abastados, gente que faz negócio para ganhar dinheiro, e não se pode ganhar dinheiro sem lucros. É esta a pedra basilar da economia de mercado. Em todo o mundo, a economia de mercado torna-se num mercado livre global. Toda a gente trabalha para ganhar dinheiro, o que produz lucros para investir em mais empresas e indústrias que fazem dinheiro, para criar mais emprego que espalhe a riqueza e crie um nível de vida mais elevado para todos. Bens e serviços produzidos são o resultado da colaboração da imaginação e inovação individuais. «O que a mente puder conceber, poderá alcançar». O indivíduo «é dono» do seu emprego, negócios, propriedade. O que ganhar para si pode guardar e gastar como entender. A riqueza individual gera riqueza para o Estado mediante aplicação de impostos.

Tal não se verifica para um Marxista, do modo como entendemos o Marxismo. Vai tudo para o Estado; não fica nada para o indivíduo. No Marxismo, os sistemas comunistas ou socialistas, a propriedade privada é proibida. Uma estrutura política monopartidária controla o ordenamento económico do Estado, em que o povo recebe uma parte igual de bens e propriedades. Não há incentivo para desempenhar melhor um trabalho, nem para implementar melhorias aos métodos laborais do Estado, porque não há reconhecimento pelo esforço individual.




Por conseguinte, porque é que se há-de levar a sério a aparente contradição que os banqueiros da magnitude de Rockefeller, Morgan e Rothschild, os mastros do nosso sistema de economia de mercado, apoiariam e financiariam voluntariamente uma revolução «anti-capitalista, ímpia» para Comunistas? Como é que o Ocidente, o padrão do capitalismo e da liberdade, ganha com tal programa?

A palavra mágica é monopólio, «um monopólio abrangente» que não só controla o governo, o sistema monetário e toda a propriedade, como também é um «monopólio que, à semelhança das empresas que imita, se perpetua e eterniza a si mesmo» (1).

Já vimos o poder do monopólio controlado pelo Estado na União Soviética e na China. Nestes regimes comunistas, ao invés de criar um sistema económico de distribuição equitativa, havia gente que era mais igual do que outra, consoante o cargo ou o estatuto na hierarquia do Estado. Os que gozavam de mais regalias chefiavam o Estado. Todavia, na sequência da glasnost de Mikhail Gorbachov, que abriu o Estado ao escrutínio público, o sistema comunista da União Soviética dissolveu-se.

Ironicamente, a desigualdade da riqueza económica não melhorou em nada desde a mudança da Rússia para um mercado livre, nem as anteriores províncias soviéticas gozam de melhor nível de vida após a recuperação da sua independência. Antes pelo contrário, a Mafia russa tem-se aproveitado do novo capitalismo para exercer um poder corrupto numa terra ainda mais vitimizada. Entretanto, a fusão do comunismo com o capitalismo regista um sucesso e um crescimento económico fenomenais na China. Aliás, a China surge como a próxima superpotência, porque pratica o que a elite financeira do Ocidente e os Bilderberg almejam para a sua ordem mundial única: capitalismo planificado pelo Estado.

O facto é que membros do Establishment que laboram através de organizações «privadas» como, por exemplo, o Clube Bilderberg, CFR e a Comissão Trilateral, entendem o socialismo como derradeiro sistema de poder para controlo total, e entendem a sua psicologia melhor do que anti-capitalistas no Congresso como, por exemplo, Reforma e Regulamentação da Segurança Social. Mais uma vez, o Socialismo para eles não é um sistema de redistribuição da riqueza dos ricos para os pobres, mas sim um mecanismo de conseguir cada vez mais concentração de poder e controlo.

Por exemplo, ao fazerem empréstimos generosos a nações do terceiro Mundo de modo a ajudar a desenvolver as suas economias, os bancos nacionais na verdade fazem mais lucro e exercem mais poder internacionalmente. Como o conseguem? Voltemos a 1976. Nessa altura, os Grandes Cinco Bancos de Nova Iorque (todos geridos por membros da Comissão Trilateral e do Council on Foreign Relations) emprestaram mais de 52 mil milhões de dólares a vários países do Terceiro Mundo e comunistas, «muitos dos quais já em dificuldades para pagarem os juros, quanto mais o capital inicial. Por conseguinte, os Trilateralistas exigiram, e conseguiram, um Fundo Monetário Internacional «revisto», subsidiado na sua maioria pelo contribuinte americano, que emprestava dinheiro a esses países falhados do Terceiro Mundo para que eles cumprissem as suas obrigações para com os grandes bancos. Claro e o dinheiro injectado no Fundo Monetário Internacional para isso é pago por cada vez mais inflação doméstica», explica-nos Gary Allen em The Rockfeller File.




Em Confessions of a Monopolist, publicado em 1906, Frederick C. Howe falava do funcionamento desta estratégia na prática: «As regras dos grandes negócios: Crie um monopólio, deixe que a Sociedade trabalhe para si. Desde que vejamos todos os revolucionários internacionais e todos os capitalistas internacionais como inimigos implacáveis uns dos outros, escapar-nos-á um ponto crucial... uma parceria entre o capitalismo monopolista internacional e o socialismo revolucionário internacional existe para seu benefício mútuo».

Gary Allen, no seu best-seller clandestino, None Dare Call it Conspiracy (2), descreve como, mediante controlo absoluto, os ricos podem criar e perpetuar um monopólio. «O controlo precisa de uma sociedade estática. Uma sociedade em crescimento, competitiva e livre dá a mais gente a hipótese de fazer fortuna e de substituir quem já estava no topo. Por conseguinte, promove-se legislação que limite o esforço empreendedor e exerça tributação sobre a acumulação de capital não protegida nas fundações isentas de impostos dos alinhados no Establishment. Envidam-se todos os esforços para encostar as pequenas e médias empresas à parede e para serem engolidas pelos gigantes do Establishment.

O ímpeto dos alinhados para atrofiar a concorrência não difere em nada da maneira como os proprietários dos caminhos-de-ferro americanos usaram, entre 1877 e 1916, a Comissão de Comércio Interestatal para reter controlo do Estado sobre os caminhos-de-ferro, o que lhes deu efectivamente um poder monopolístico» (3).

Em The Rockefeller File, Allen nota a maneira subversiva de impor monopólios: «Em finais do séc. XIX, os santo dos santos de Wall Street entendeu que a maneira mais eficaz de conseguir um monopólio incontestado era dizer que era para «bem do público» e de «interesse público».

Zbigniew Brzezinski também reconheceu o valor de um monopólio regido pelo Marxismo, à semelhança de David Rockefeller. Este aprendeu-os aos pés do pai, John D. Jr. «Júnior», como lhe chamavam, odiava a concorrência, e os seus filhos foram ensinados que a única concorrência que valia a pena ter é aquela em que se podem controlar ambos os lados da equação.

«Para os Rockefeller», diz-nos Gary Allen, «o socialismo não é um sistema de redistribuição da riqueza - muito menos da riqueza deles -, mais sim um sistema para controlar o povo e os concorrentes. O socialismo põe o poder nas mãos do governo. E dado que os Rockefeller controlam o governo, controlo do governo significa controlo dos Rockefeller. O leitor poderia não saber disto, mas fique ciente de que eles sabem!» (4).




Esta realidade é a melhor regalia do poder monopolista. Por conseguinte, não nos espantemos que aquilo que os banqueiros internacionais favorecem na formação de uma «Empresa Mundial» de cartéis seja a sua capacidade de controlar as finanças, os mercados, os recursos naturais e, em última instância, os povos do mundo.

No princípio do séc. XX, contudo, o Marxismo era uma teoria económica nova, e as eminências pardas e os banqueiros americanos respigaram dele outra maneira de perseguir «mercados que pudessem ser explorados em monopólios sem medo da concorrência», afirma Antony Sutton no seu livro Wall Street and the Bolshevik Revolution (5).

(in Toda a Verdade sobre o Clube Bilderberg, Publicações Europa-América, 2008, pp. 185-188).


Notas:

(1) Eustace Mullins, Murder by Injection: The Medical Conspiracy against America, National Council for Medical Research, 1988, Capítulo 10.

(2) Que ninguém se atreva a chamar-lhe conspiração. (N. da T.)

(3) Em Railroads and Regulation 1877-1916, a dissertação de doutoramento de Gabriel Kolko, demonstra-nos como eram os proprietários dos caminhos-de-ferro, e não os agricultores, quem estava por detrás do esforço de preservar o controlo estatal dos caminhos-de-ferro através da Comissão de Comércio Interestatal, a qual podia proteger-lhes o monopólio e abolir a concorrência.

(4) Gary Allen, The Rockefeller File, 76 Press, 1976.

(5) Antony Sutton, Wall Street and the Bolshevik Revolution, Arlington House, 1974, Capítulo XI: A Aliança dos Banqueiros e da Revolução.







domingo, 8 de julho de 2012

Problemas Portugueses em África (ii)

Escrito por Oliveira Salazar







«O espectacular progresso das indústrias de guerra nas grandes nações parece ter tornado inviável a terceira grande guerra, como tentativa de expansão do poder moscovita. Em face destas circunstâncias, os próprios dirigentes russos têm proclamado como extraordinariamente favorável ao progresso e bem-estar dos povos a redução das despesas militares que esmagam ao presente as economias a começar pela sua. Não há divergências sobre este ponto e todos nesse sentido nos podemos proclamar pacifistas. Simplesmente um entendimento militar parece-me distante, porque a Rússia, como já mais de uma vez afirmei, tendo desperdiçado o seu capital de crédito, dificilmente conquistará condições de negociação: sobretudo só em último caso largará de mão os trunfos de que actualmente dispõe.

Com entendimento ou sem ele, a luta pelo poderio ensaiará outros processos. Onde a ideologia falhe os exércitos não cheguem como veículo do poder hegemónico, surgirão as combinações políticas, os atropelos do direito, a intriga subterrânea, a acção económica, a sublevação. A luta encaminhar-se-á - e é visível que se encaminha - para planos diversos. E em tais condições seria indispensável que o Ocidente tivesse uma orientação e estivesse apto e pronto a definir e manter uma política. Este o grande problema. Esperemos lhe dêem solução os homens a quem de facto incumbe dirigir os destinos destes povos.

As considerações acima não interessam aos comunistas que têm uma fé, obedecem a uma disciplina e recebem do exterior as suas ordens e apoio. Esses, tenham ou não consciência disso, quebraram os elos que os prendiam à Pátria e continuarão a agir como se servissem a verdade e o bem de todos nós. Mas há os outros que, conservando a liberdade de pensar e de agir, se sentem ainda presos pelo sangue ao agregado nacional e pela inteligência ou pelo sentimento a determinada civilização. Esses devem compreender que um e outra continuam a correr grandes riscos e que não se podem pôr de antemão limites aos esforços a fazer para os debelar.

Um dos ventos que dominantemente sopra no mundo é o do anticolonialismo. Ele recusa a algumas potências o direito de administrar e civilizar territórios não limítrofes - parece que toda a questão está aqui - e vai até negar os próprios benefícios da acção colonizadora.

O sovietismo tem a sua tomada no problema por motivos que se ligam à estratégia da revolução comunista ou à expansão do império russo. Mas o movimento concilia o apoio de muitos outros a ele ligados pela invocação de razões históricas ou pela influência de vagas ideologias. Estes últimos deviam considerar se, em vez de libertações generosas, não estão nalguns casos a promover a penetração de influências que buscam exactamente a linha de menor resistência das independências frágeis.

O que está em causa no momento é apenas o domínio de certas potências europeias nos territórios africanos, visto poder afirmar-se que a Ásia está quase completamente isenta da direcção política europeia. É para ali que sobretudo se voltam as atenções; é com esse objectivo sobretudo que a campanha se transmuda em organização estruturada».

Oliveira Salazar («A Atmosfera Mundial e os Problemas Nacionais»).




Problemas Portugueses em África


Existe actualmente um quadro administrativo de angolanos africanos capaz de executar as tarefas necessárias para dirigir uma sociedade, i. e., manter a ordem, vender estampilhas de correio? No caso negativo, será possível criar tal quadro? Quanto tempo levaria? Dez anos? Vinte anos?



Rua Sousa Coutinho (Luanda - anos 60).



Creio poder resumir em duas as suas três perguntas: existe um quadro administrativo angolano? E, se existe, é ele suficiente? À primeira respondo sem hesitação pela afirmativa e acrescento que esse quadro vai muito além das forças de polícia ou dos empregados de correio. Assim, em todos os sectores da administração, e em obediência ao critério, que para nós é fundamental, da escolha conforme as habilitações de cada um e portanto com exclusão de considerações raciais, há africanos desempenhando os seus cargos lado a lado com europeus nascidos ou não nascidos no território - quando não acontece, o que aliás é vulgar, verem-se africanos em lugares de comando e sob as suas ordens funcionários europeus. Assim se encontram africanos em cargos de governadores distritais, presidentes de Câmaras Municipais, directores de serviços, etc. E notarei, por último, que esta situação não resulta de apressados arranjos da última hora, e de expedientes políticos, mas constitui o resultado do desenvolvimento progressivo da nossa tradicional política de promoção social conjunta - pois que já muitos séculos antes de se falar em direitos do homem e em igualdade racial nós tínhamos altos dignitários de cor quer nas províncias quer junto da corte portuguesa. O que hoje se chama africanização de quadros apresenta à evidência os laivos do racismo negro que é tão inaceitável pelo menos como o racismo branco, à face das nossas ideias e da nossa política ultramarina. E sobre esse racismo é impossível construir o futuro de África, como se verá.

Quanto à segunda pergunta, parece evidente não podermos considerar como suficientes os quadros existentes, quando Angola e Moçambique atravessam um período de extraordinário progresso e quando ali estamos empenhados em largos planos de desenvolvimento de toda a ordem. Aliás, essa falta - que aflige especialmente certos países independentes da África e com consequências visíveis - ilustra claramente um ponto frequentemente esquecido por muitos que se debruçam sobre o problema africano, ou seja, o de que o dinheiro só por si, mesmo quando acompanhado de apressadas independências políticas, não é solução para os problemas de uma sociedade em vias de desenvolvimento. Na verdade, a construção de escolas só tem significado se for precedida da formação de professores; a direcção da economia requer empresários, técnicos e economistas; o desenvolvimento económico exige administração financeira; a responsabilidade política reclama políticos treinados nos escalões inferiores da administração. De nada serve dispor de uma elite destinada a formar um «governo», se à massa da população não  for elevado o nível social e cultural: esse governo não elevará a massa em geral mas tenderá a descer ao seu nível, e estará sujeito a todas as influências que, no caso de serem estrangeiras, lhe cercearão a independência. A verdade é que uma escola, uma empresa ou uma instituição política podem erguer-se ou criar-se em pouco tempo, mas o elemento humano para as dirigir e fazer viver não depende apenas dos fundos que sejam postos à sua disposição. E se pensarmos que o presente surto de progresso da África data de há poucos anos, encontraremos talvez a razão de muitas deficiências e desilusões da política internacional africana. Por nosso lado, tudo estamos fazendo para que com o desenvolvimento geral se formem as elites que o progresso exige. Como trabalhamos com o Ultramar em sistema de vasos comunicantes, procuramos aqui e lá desenvolver o ensino, em especial o profissional e técnico, para os quadros de que se tem necessidade. Farei por isso ainda uma terceira observação: perguntam-nos muitas vezes pela situação dos quadros ultramarinos e nunca pela posição ocupada pelos ultramarinos na vida e nas funções públicas do Portugal europeu. A falta de estatísticas de base racial não permite responder com precisão a perguntas do género: mas é facilmente verificável que cabo-verdianos, goeses, naturais de Angola e de Moçambique exercem funções públicas nos quadros europeus e de todas as províncias sem exclusivismos ou distinções. Podem ver-se, por exemplo, aqui na administração, no professorado, na magistratura, etc.


Virá o fim, aparentemente iminente, da guerra da Argélia criar mais um problema político para Portugal em África? Isto é, será de prever que oficiais armados e treinados da F.L.N. se desloquem para Angola através do Congo ou da Guiné?

A Imprensa internacional tem, na verdade, publicado notícias de que as organizações estrangeiras responsáveis pelo terrorismo ao Norte de Angola, e que, por não haver encontrado ambiente propício, pôde ser dominado, estariam agora recrutando reforços entre efectivos da F.L.N., ou teriam enviado para a Argélia alguns dos seus sequazes para ali se treinarem e depois se infiltrarem em Angola através da fronteira norte. Apareceu até, há tempo, uma fotografia num grande jornal americano, mostrando no treino esses recrutas argelinos. Não sabemos se tais informações são ou não verdadeiras mas, para além das precauções que se impõem, retiramos daí dois pontos dignos de reparo. O primeiro é que certos sectores de opinião, que teimosamente se recusaram e ainda recusam a acreditar na nossa afirmação de que o terrorismo em Angola foi preparado, dirigido e lançado do exterior, são agora os primeiros a confirmar que a chamada «rebelião nacionalista» angolana depende exclusivamente da iniciativa estrangeira e é alimentada em fundos, material e pessoal, do exterior. Quer-nos parecer que tal confissão deveria ser acompanhada por firme reprovação, em nome dos princípios tão candidamente proclamados por esses sectores, da não intervenção nos negócios internos de cada país e da coexistência pacífica. Mas assim não acontece, e afigura-se que oficiais ou soldados argelinos serão considerados em tais sectores como «nacionalistas angolanos». Li há dias num jornal inglês de responsabilidade a notícia de que a Polónia estava procurando polacos que falassem português a fim de os enviar para Angola. Deverão também esses considerar-se «nacionalistas angolanos»?

Em segundo lugar, e confrontando essas informações com outras que todos os dias agora são publicadas acerca das recriminações e rivalidades entre dirigentes e os membros das referidas organizações, verifica-se que os responsáveis pelo terrorismo perderam a esperança de levar a pacífica população angolana a aderir ao seu movimento, não obstante as crueldades sobre ela praticadas com vista a engrossar, pela intimidação, as suas fileiras, para criar a aparência de se tratar de movimento interno. Falhado esse objectivo, restava o recurso que parece agora seduzi-los - pelo que a notícia, se nos põe de sobreaviso, não nos surpreende. Mas será curioso notar: o mundo considera os estrangeiros alistados nas forças catanguesas como «mercenários», cuja acção há que proibir; mas os estrangeiros que lançam o terror no Norte de Angola devem ser tidos como «nacionalistas angolanos»!

A presença de aproximadamente 250 000 nacionais portugueses da Metrópole criará de algum modo problema análogo ao «problema dos colonos» que os ingleses confrontam no Quénia e os franceses na Argélia?

Suponho que tanto no Quénia como na Argélia há colonos cujas famílias ali se encontram fixadas há muitas gerações, pelo que certamente haverá semelhanças, sob tal aspecto, com situações existentes nas nossas províncias. Parece, porém, que em relação ao primeiro daqueles territórios, pelo menos, a tendência geral será no sentido do abandono por parte das populações europeias: nessa medida, não haverá coincidência com Angola ou Moçambique. Além disso, e este ponto é capital, não parece haver qualquer semelhança entre as relações existentes entre as várias etnias que habitam os referidos territórios e as existentes entre as diversas etnias de Angola onde, de há séculos, coexistem e se misturam e trabalham lado a lado, sob uma soberania que pôde dar-lhes o sentimento de estarem integradas numa Nação. De modo que brancos e pretos estão na sua terra e se consideram portugueses de Angola.

Lourenço Marques











Haverá, no ponto de vista do Ocidente, uma solução de compromisso possível ou implícita na política portuguesa que evite os extremos do ultraconservadorismo dos colonos e do sentimento ultraliberal da independência incondicional que leve seja à quase anarquia - i. e., o Congo - ou ao Castrismo - i. e., Cuba?

Creio que as repostas a algumas perguntas anteriores indicam claramente aquilo por que sempre temos trabalhado em África e por que nos batemos: o desenvolvimento e a consolidação de uma sociedade multirracial, governada pelo Direito, com justiça igual para todos, sem distinção de raça ou crença, em que as oportunidades de acesso estejam abertas a todos consoante os seus méritos e habilitações. A formação de uma tal sociedade exige que, em nome de qualquer racismo bem ou mal disfarçado, se não exclua a contribuição de um grupo ou de outro; que a promoção social assente em bases sólidas, onde haja correspondência entre a atribuição de responsabilidade e a capacidade do respectivo desempenho; que o desenvolvimento económico se faça ao ritmo mais rápido que for possível mas com base nas realidades materiais e humanas; que o poder político sem exclusão destes ou daqueles seja posto ao serviço da sociedade, e não esta à mercê daquele. Estes são os objectivos finais da nossa politica. Caminhamos sem descanso nem tergiversações no sentido de os atingirmos, mas reconhecemos que muito ainda temos a fazer, designadamente no domínio das infra-estruturas do progresso como a saúde e a educação. Temos trabalhado honestamente e com determinação de propósitos nestes domínios a ponto de não recearmos o confronto, em qualquer destes sectores, com a quase totalidade dos países e territórios africanos, e de numerosos outros situados em continentes diversos. O grande público, a quem a propaganda demagógica tem chegado com mais facilidade do que a verdade, estará por isso mal informado a este respeito. Mas algumas agências especializadas na ONU, designadamente a OMS e a OIT cuja idoneidade certamente todos reconhecem, já o proclamaram a quem quisesse ouvir. Será o nosso alvo demasiado ambicioso ou mesmo impossível? O Brasil e Goa, para não citar mais, atestam que é possível. Simplesmente, ainda que a marcha do tempo seja hoje mais veloz que nos séculos passados, é preciso tempo, muito tempo para plasmar uma sociedade humana. Quando nestes domínios se pretende precipitar, encontramo-nos em face do dilema apresentado na sua pergunta para evitar o qual não parece haver compromisso possível. É por isso que a política ultramarina portuguesa não se apresenta como um «compromisso» mas como uma «solução» que não deveria desagradar ao Ocidente, de tal modo se baseia nos princípios da civilização a que todos estamos ligados.

Quererá V. Ex.ª declarar sucintamente quais as suas críticas à política americana vis-a-vis à África, e sugerir a forma como ela poderia ser reforçada a melhorada?

Já de outras vezes me foi feita pergunta semelhante. Tenho respondido que não ousaria nunca indicar a política que os Estados Unidos devam ou não seguir. Parece legítimo apontar, no entanto, que a crítica principal que se lhe faz correntemente, não só na Europa, como nos próprios Estados Unidos e até mesmo no continente Africano, é a de buscar soluções políticas apressadas antes de estar assegurada a resolução dos inúmeros e complexos problemas de ordem social, económica, técnica e cultural de África. Na verdade, muitos acusam os Estados Unidos de terem uma visão de África como sendo primordialmente uma parte do mundo em que o que importa é derrotar o comunismo: uma vez concedida a independência política e instaurados regimes ditos democráticos, a batalha estará vencida, esperando e esforçando-se os Estados Unidos por que tais regimes entrem na sua órbita e escapem à da União Soviética. No desenvolvimento dessa doutrina, que nos parece simplista em excesso e sobretudo não se apoia em factos, o Governo americano tem persistentemente favorecido as independências precipitadas que já aqui e além se vêm revelando não só incapazes de solucionar os seus verdadeiros problemas como afinal susceptíveis de abrir as portas à influência das ideias comunistas. Nesse processo, os Estados Unidos têm abandonado aliados e contrariado os seus interesses legítimos: mas o que parece mais sério ainda, e é além disso oposto à tradicional generosidade idealista do povo americano, é que dessa política não têm resultado benefícios para as populações em causa, antes pelo contrário. Não sei se daí derivam ou se esperam vantagens económicas ou comerciais para os Estados Unidos: mas se são os princípios que estão em causa, e se o que se procura é defender a liberdade individual, os direitos humanos e a melhoria do nível de vida dos povos, não se afigura que os resultados obtidos por tal política devam ser tidos como encorajantes.


Julga V. Ex.ª que será do interesse de Portugal e da Europa Ocidental renovarem-se com os Estados Unidos as facilidades na base dos Açores?

Desejaria não responder a esta pergunta e pediria que a mesma não fosse formulada (in ob. cit., pp. 7-14).


quinta-feira, 5 de julho de 2012

Problemas Portugueses em África (i)

Escrito por Oliveira Salazar


«A Rússia de hoje nasceu da revolução soviética mas não é filha do comunismo. Quero dizer com isto o seguinte. Não nego que os factores da revolução tivessem o intento de criar uma sociedade comunista. Tendo porém as realidades mostrado que o comunismo é uma doutrina antinatural e irrealizável na prática, os dirigentes aproveitaram a força e engrenagem da revolução para dar o impulso que se verifica em muitos sectores da vida russa. Com bom aproveitamento das circunstâncias favoráveis e também da inabilidade alheia, a Rússia pôde constituir-se no que é hoje - grande potência militar, política, industrial que  desafia e a largos passos intenta aproximar-se das maiores potências económicas do Ocidente.

Sem se poder negar a existência de muitas conquistas de ordem social, a revolução mostrou-se porém nas suas realizações e métodos esvaziada daquilo que seria a sua própria essência e fins. Na verdade as populações têm pago em sofrimentos indizíveis, em dominações cruéis, em exterminações catastróficas, em fomes ou restrições de vida o poderio russo. Se o movimento nasceu para servir o homem, desenvolveu-se afinal para servir e engrandecer o Estado. O comunismo-doutrina continua a ser erguido como bandeira, expressão ou esperança de uma revolução social a fazer, sobretudo em países estrangeiros distanciados da verificação local do fenómeno. Mas a inaplicabilidade dos princípios e as experiências, nos países satélites, do domínio dos partidos filiados parece ter diminuído muito senão esgotado a sua capacidade de expansão.

Assim nem a vitória militar e a inteligente exploração dessa vitória, nem o desenvolvimento das indústrias de base ou de guerra, nem a actividade política do Estado russo e o seu alargamento territorial me parece terem nada que ver com o comunismo; mas tem muito que ver com a gente que se apoderou do poder, as suas ideias de governo e o regime político em que lhe foi dado trabalhar. A superioridade da orgânica estadual, traduzida na unidade de direcção, e no poder de decisão ou de realização não podem os mais Estados transplantá-la fielmente por motivos diversos para as suas próprias constituições que outras superioridades apresentam; mas não pode ser negada e há-de ter-se sempre presente como lição.

Se já não estamos, pois, segundo penso, em face de um credo que se expande, estamos em face de um Império em fase de crescimento, fase como outras que tem atravessado na História. Ora um poder em via de expansão não se limita a si próprio, e só é limitado pelo jogo de forças exteriores que se lhe oponham.

Foi em obediência a esta concepção que grande número de países largamente apoiados pelos Estados Unidos resolveram unir as suas forças para se opor à expansão russa. Apesar das muitas deficiências das organizações, tornou-se visível que o avanço se encontrava barrado no caminho do Atlântico. Vemos agora que a torrente o evita e, aproveitando as dificuldades ou fraquezas do Médio-Oriente, aí se instala e daí tentará prosseguir os seus avanços. A desintegração afro-asiática, em que os pretendentes à África negra se associam aos esforços russos, com mira na herança africana, trabalha no mesmo sentido. Verificam-se muitos protestos de fidelidade ao Ocidente e não há que tê-los em suspeição. O que se deve ter presente é que tudo o que a Rússia não puder conquistar, representa um ganho se o fizer perder aos outros».

Oliveira Salazar («A Atmosfera Mundial e os Problemas Nacionais», SNI, 1957).




VERSÃO COMPLETA DA ENTREVISTA CONCEDIDA PELO PRESIDENTE DO CONSELHO À REVISTA NORTE-AMERICANA «LIFE» E A ÚNICA QUE ESTA REVISTA ESTAVA AUTORIZADA A PUBLICAR



Será a autonomia uma possibilidade prática ou viável para Angola ou Moçambique, agora ou mais tarde?

A pergunta parece implicar a ideia de que Angola ou Moçambique não desfrutam de autonomia. Se é essa a sugestão, não corresponde à realidade, pois tanto Angola como Moçambique gozam de uma larga autonomia que, em certos sectores, é mesmo total. Citarei, como exemplo, o sector orçamental - que creio ser universalmente aceite como um dos indicativos básicos do estatuto de autonomia; na verdade, os Governos de Angola e de Moçambique são os exclusivos responsáveis pela gestão dos fundos públicos, quer sejam os que resultam da arrecadação das receitas do próprio território quer os que lhes advêm dos subsídios e dos empréstimos feitos pela Metrópole. Outros exemplos poderia dar para provar não apenas a viabilidade da autonomia a que aludiu mas a realidade de uma situação que existe de facto e de direito. Há certamente competências legalmente atribuídas ou reservadas ao poder central, porque, não se conhecendo um cânon único de autonomia, a prudência aconselha que, por um lado, essa autonomia se vá conformando com a capacidade das províncias para gerirem os seus negócios, e por outro se respeite a unidade da Nação portuguesa que elas próprias não desejarão quebrar. À medida que os territórios se desenvolvem e a instrução se difunde, as elites locais tornam-se mais numerosas e capazes e as suas tarefas podem ser acrescidas sem risco, antes com vantagem, para a comunidade nacional. É esta a orientação do nosso trabalho.

Sendo uma hipótese prática, poderá V. Ex.ª prever o período dentro do qual quer Angola quer Moçambique poderão estar preparados para tomar o seu lugar, por si mesmos, na comunidade das Nações?

Se «por si mesmos» V. Ex.ª significar «como Estados soberanos», devo dizer que não sei responder. O facto de um território se proclamar independente é fenómeno natural nas sociedades humanas e por isso representa uma hipótese sempre admissível, mas em boa verdade não se lhe pode nem deve marcar prazo. O que está sendo sujeito a programas horários é a política inconcebível do nosso tempo, segundo a qual se pretende que os Estados marquem prazos para quebrar a sua unidade e se desfazerem em pedaços. É absurda. Mas ainda que absurda, esta política deveria ao menos preocupar-se, para benefício dos povos, com o facto de estarem ou não realizadas as condições de desenvolvimento demográfico, económico, cultural, técnico e político, sobre que se possa construir um Estado independente e assentar uma soberania responsável. Ora, estas condições não estão realizadas nos territórios em questão, e se Angola ou Moçambique sentem e vivem a unidade nacional portuguesa e não os fervores da independência, então a missão a cumprir nunca pode ser tendente à preparação do desmembramento em maior ou menor prazo mas ao seu desenvolvimento harmónico dentro da Nação.

Mas talvez V. Ex.ª não tenha querido ir tão longe na sua pergunta e por isso a examinarei ainda sob outro ângulo - o ângulo de uma larga autonomia de Angola e Moçambique. A tendência que se observa na evolução da comunidade internacional é cada vez mais no sentido da criação de largos espaços económicos, que podem visar maior ou menor medida de integração política mas sempre caminham para um estreitamento de laços políticos de alguma forma limitativos das respectivas soberanias. Por outro lado, julgo que não poderá negar-se que Angola e Moçambique já ocupam actualmente o seu lugar na comunidade das Nações, pois, se não fora assim, como se compreenderia que as suas actividades económicas e culturais se projectassem para além das fronteiras, que os seus portos e caminhos de ferro constituíssem posições-chave no aproveitamento dos recursos do continente africano, que os seus produtos fossem tidos em conta no jogo das organizações reguladoras do comércio internacional, enfim, que as suas populações beneficiassem do intercâmbio económico, cultural e científico que caracteriza o nosso século, e para ele contribuíssem? No contexto das considerações precedentes e sem a pretensão de desvendar futuros longínquos, não tenho dúvida em responder à pergunta com a afirmação de que, se nos deixarem trabalhar em paz, o lugar que a Angola e Moçambique cabe na comunidade internacional, e mais particularmente no continente africano, não deixará de, progressivamente, ganhar relevo nos anos mais próximos.
















Se a autonomia não é uma hipótese prática nem desejável, pode V. Ex.ª indicar porquê?

As considerações que expus, ao responder às perguntas anteriores, respondem por si a esta pergunta, salvo se à autonomia for equiparada a independência. Apenas repetirei que essa autonomia existe de facto e de direito; somente acontece que é uma autonomia dirigida a servir exclusivamente os interesses de Angola e Moçambique, e não interesses alheios, e por isso talvez estes últimos se mostrem tão relutantes em compreender e aceitar a realidade da situação naqueles dois territórios.

Existirão factores que tornem o problema dos territórios portugueses em África diferente daqueles de outras regiões que pretendem ou receberam autonomia ou independência?

Nós temos sido muito criticados pela nossa persistente adesão ao ideal da sociedade multirracial a desenvolver-se nos trópicos, como se tal ideal se opusesse à natureza humana, à ordem moral universal ou aos interesses dos povos, quando é o contrário que se verifica. Sem discutir o problema, direi que nós, portugueses, não sabemos estar no mundo de outra maneira, até porque foi num tipo social de multirracialidade que, há oito séculos, nos formámos como Nação, no termo de diversas invasões, oriundas do Oriente, do Norte e do Sul, isto é, da própria África. Daí nos ficou talvez um pendor natural - que citamos tanto mais à vontade quanto é certo tem sido reconhecido por notáveis sociólogos estrangeiros - para os contactos com outros povos, contactos de que sempre estiveram ausentes quaisquer conceitos de superioridade ou discriminação racial.

Não nos cabe julgar os outros, pelos seus actos ou omissões, mas não podemos furtar-nos a notar que o colonialismo - e é nesse campo que, creio, se integra a sua pergunta - resultou da revolução industrial verificada na Europa a partir do século XVIII, data em que já havíamos estabelecido contactos humanos seculares com povos que, posteriormente, foram subordinados aos imperativos de políticas de outros países europeus: esses, ao contrário de Portugal visavam objectivos essencialmente económicos. Dessas políticas de exploração económica resultaram inegáveis benefícios para o continente africano e para as suas populações, que ali e noutros continentes hoje se procuram denegrir. Não menosprezamos pois o trabalho realizado, mas creio poder afirmar que aquilo que distingue a África portuguesa - não obstante os esforços que de muitos lados de conluiam para a atacar tanto pela palavra como pela acção - é a primazia que sempre demos e queremos continuar a dar à valorização e dignificação do homem, sem distinção de cor ou de crença, à sombra de princípios de civilização  de que éramos portadores, entre populações sob todos os aspectos distanciadas de nós. Isto nos levou à convicção de que o progresso económico, social e político, se bem que possa ser mais lento, só por tal caminho é seguro e perdurável: de outro modo, e o fenómeno está à vista de todos, as autonomias e sobretudo as independências não amadurecidas mas fabricadas em série são puramente artificiais e representam apenas um processo de converterem o colonialismo antigo em novo e talvez pior colonialismo (in «Problemas Portugueses em África», SNI, 1962, pp. 3-7).


Lourenço Marques







Continua


segunda-feira, 2 de julho de 2012

Terrorismo em Angola (iii)

Escrito por Franco Nogueira





«Uma palavra sobre Angola. Estamos sendo vítimas ali de ataques que a princípio pretenderam acobertar-se sob a capa de sublevação das populações ansiosas por não continuarem integradas na Nação Portuguesa. O entusiasmo dos libertadores africanos porém não permitiu ocultar senão por pouco tempo a sua intervenção no recrutamento, financiamento e treino dos elementos estrangeiros que através de Estados limítrofres penetram em Angola. De modo que hoje não pode já afirmar-se que há ali uma revolta de carácter mais ou menos nacionalista, mas que uma guerra é conduzida por vários Estados contra Portugal, num dos seus territórios ultramarinos. Ora, duas coisas se devem ter por certas: a primeira é que, ao atacar-se Angola, não se ataca só Portugal, mas se está pretendendo enfraquecer as posições, e não só estratégicas, de todo o mundo ocidental; a segunda é que os que atacam, os que apoiam, os que ajudam com a sua indiferença, estão a agir contra os verdadeiros interesses das populações de Angola, só com retardar-lhes o desenvolvimento pacífico e com levar ali a semente do antagonismo racial que não existia e é hoje (...) o principal obstáculo ao progresso e bem-estar do continente africano».

Oliveira Salazar («Realidades da Política Portuguesa», SNI, 1963).


«... Presos em Angola por actividades ilegais, são expulsos da província quatro missionários metodistas norte-americanos. Não há dúvidas quanto às suas culpas, e são abundantes as provas: estabeleciam a ligação entre grupos terroristas, promoviam reuniões políticas na sede da sua missão, imprimiam e faziam circular panfletos antiportugueses, aliciavam populações para a subversão. Mas a Igreja Metodista americana é poderosa, e influente, e desencadeia através dos Estados Unidos uma campanha antiportuguesa, e esta repercute-se nos meios políticos, económicos, e na grande imprensa; e o governo de Washington levanta em Lisboa o problema. Transportados para Portugal os missionários, são mantidos sob prisão; e ao governo americano é dito que serão submetidos a julgamento público, com exibição de todas as provas. Sugere então Washington um acordo: os missionários seriam libertos e autorizados a seguir para os Estados Unidos: aí se manteriam silenciosos: e a Igreja Metodista cessaria a sua campanha. Com extrema relutância, anui o governo de Lisboa. Enquanto se processa a execução deste compromisso, há silêncio nos Estados Unidos; mas chegados ao seu país os missionários, logo recrudesce a campanha contra Portugal em África. Lembrado por Lisboa da obrigação que assumira, Washington desculpa-se com a sua impotência perante os metodistas. Lisboa observa que nenhum compromisso deveria então ter sido assumido.

Justamente na mesma altura, abre-se uma nova crise com as Nações Unidas. Por motivo de guerra contra o Catanga, aviões de abastecimento, ao serviço da ONU, sobrevoam o espaço aéreo angolano com autorização do governo português. Mas Lisboa recebe informações de que alguns chefes dos terroristas que atacam Angola são transportados nos aparelhos das Nações Unidas. Portugal retira imediatamente a sua autorização inicial. Ao mesmo tempo, pede garantias de que factos como os apurados não se repetirão. Não presta o secretariado das Nações Unidas essas garantias. Então Lisboa informa as Nações Unidas, e declara-o em nota pública, que será tido como violação do espaço aéreo português qualquer voo de aviões da ONU sobre Angola, e assim será tratado pelas autoridades militares portuguesas locais. Perante a decisão portuguesa, e não desejando criar uma situação grave com o abatimento de um avião seu, as Nações Unidas passam a usar rotas alternativas, e não sobrevoam mais a província. E entretanto começa em Nova Iorque o debate anual sobre a política de Portugal no seu Ultramar...».

Franco Nogueira («Salazar», V).


«A comunidade missionária foi outro canal de penetração da ideologia e dos interesses dos Estados Unidos. Adriano Moreira, durante um encontro em Lisboa, em Abril de 1958, com o então cônsul americano em Luanda, Richard V. Fischer, exprimiu a preocupação de que as actividades dos missionários protestantes em Angola fossem usadas para "fins subversivos".

(...) A educação básica de líderes nacionalistas angolanos como Holden Roberto, Agostinho Neto, Jonas Savimbi e outros ficou a dever-se aos missionários anglo-saxónicos. Agostinho Neto, filho do pastor metodista Agostinho Pedro Neto e de uma professora da escola metodista, foi secretário do bispo metodista Ralph Dodge antes de cursar Medicina em Portugal; e a Junta Metodista de Missões Americanas financiou-lhe os estudos superiores. A Igreja Metodista, operando em Angola desde 1885, possuía missões em zonas cruciais - Baixa do Cassange, Luanda, Dembos - e dirigia em 1961 um total de 292 missões, com 42 missionários residentes e 124 pastores africanos, 12 escolas com 140 professores africanos e 10 000 estudantes, um hospital em Quessua e uma clínica em Luanda. Sabe-se que a cover up (disfarce público) de missionário era usada por operacionais da CIA em África. Cite-se o caso (não generalizável, embora), do chefe da task force para Angola, John Stockwell, que em 1975 vestiu a pele de missionário. Um dos centros de irradiação das actividades da CIA em Angola, em Março de 1961, era a estação de Léopoldville, a 300 milhas de Luanda».

José Freire Antunes («Kennedy e Salazar»).


«A denominação dos movimentos terroristas FRELIMO, MING e MPLA como "movimentos de libertação" é eufemística e falsa. Na realidade, essas organizações foram lançadas e financiadas por forças do exterior. Nenhuma delas assegurou às populações locais, após a independência, qualquer forma de "libertação". Nenhuma destas organizações conseguiu a democracia ou assegurou os direitos dos cidadãos. A FRELIMO, MING e MPLA são responsáveis por ditaduras comunistas e não podem ser designadas, tal como, por exemplo, a Frente de Libertação Nacional do Cambodja (Khmer Vermelho), como "movimentos de libertação"».

Philippe Maegerle («Salazar», NEOS, 1999).





Terrorismo em Angola


Têm imediata repercussão na opinião pública metropolitana os «acontecimentos» de Angola (8). Há desde logo um aspecto sentimental: Angola é território querido dos portugueses: e há terror da sua perda, ou risco. Mesmo nos mais desprevenidos, e nos mais alheios aos jogos da política, forma-se a convicção clara de que, algures e por alguém, está traçado e em execução um plano de guerra contra Portugal em África. Encadeiam-se agora os factos: fuga de Delgado e Galvão, graças ao estratagema dos asilos políticos; captura do Santa Maria; simultaneamente, produzem-se os primeiros tumultos de Luanda; e a reunião do Conselho de Segurança, e o debate antiportuguês, coincidem rigorosamente com a invasão do terrorismo no Norte de Angola. Uma conclusão parece impor-se: trata-se de intimidar Portugal, de fazer ajoelhar o governo de Lisboa. Nem por haver esta consciência, ou justamente por virtude desta consciência, instala-se na Metrópole uma desorientação que frisa com o pânico. Há uma angústia colectiva, e são em torrentes os boatos sem peias da imaginação: Oliveira Salazar está doente, e com gravidade, ou pediu a demissão, ou prepara a sua partida, se não a sua fuga, para a Suiça; está por dias, ou por horas, uma revolta das Forças Armadas; não é apenas em Angola que lavra a insurreição, mas por todo o Ultramar, e o governo está a ludibriar o povo; e as potências vão confrontar Portugal com um ultimato rude. Depois, é a oposição de esquerda que aproveita os «acontecimentos», e os apresenta com matiz que convém aos seus desígnios. Em conversas, circulam as interpretações especiosas dos que sabem, dos que estão informados: na origem da revolta está a injustiça de que é vítima a população do Norte de Angola; a culpa pertence aos homens das grandes plantações, aos cafeeiros, aos madeireiros, que à custa de salários de miséria acumularam fortunas de fábula; a culpa tem de ser atribuída aos administrativos, incompetentes, corruptos e opressores; e de forma global, em suma, vai para o governo de Lisboa a responsabilidade maior, porque tudo consentiu e nada preveniu. Noutros círculos, são políticas as explicações de estilo: Portugal é atacado no Ultramar por não serem democráticos o regime e o governo de Lisboa: não existiria a hostilidade das potências e da ONU se houvesse liberdade no país e se assentassem num pluralismo ideológico as instituições portuguesas.

O Santa Maria regressa a Lisboa (16 de Fevereiro).




Decorrem os dias. Nos Estados Unidos, abre-se controvérsia, e os dirigentes republicanos pedem a Kennedy que explique o seu voto antiportuguês; e sobre este surge também polémica entre direitas e esquerdas europeias. Em 24 de Março de 1961, e sem embargo do seu precário estado de saúde, parte para Angola o ministro do Ultramar, Vasco Lopes Alves. Representa a viagem da primeira reacção de Lisboa, em alto plano, perante os acontecimentos. No Portugal metropolitano, continua a inundação de notícias de novas atrocidades no Norte da província. São os relatos feitos pelos brancos que chegam, e cujo afluxo não cessa; e são as crónicas minuciosas da rádio, da imprensa, de correspondentes especiais que acorrem ao território. E agrava-se, aprofunda-se o traumatismo na opinião pública: dir-se-ia também não haver na Metrópole quem não possua um familiar, um amigo, um afilhado, um sócio, um simples conhecido, que não tenha sido morto, ou ferido, ou estropiado, ou de algum modo afectado em Angola na sua segurança ou nos seus bens. E sucedem-se manifestações, algumas violentas, junto do consulado americano em Luanda e da embaixada dos Estados Unidos em Lisboa. Cartazes são exibidos, e alguns clamam: «fora dos Açores», «racistas», «abaixo a ONU», «Angola é nossa», «América para os peles-vermelhas». E em Nova Iorque, agora em sessão especial da Assembleia Geral da ONU, de novo o delegado da Libéria propõe a inscrição da questão de Angola na agenda, e pede prioridade para o seu debate. Opõe-se energicamente a delegação portuguesa. Mas a Assembleia, se recusa a prioridade, aceita a inscrição. Protestam os delegados portugueses, que alegam a ilegalidade da decisão, e num gesto espectacular, por instruções de Lisboa, abandonam a vasta sala das sessões. Entretanto, parecendo que se está dentro de uma normalidade de rotina, é anunciada a vinda de Couve de Murville, ministro dos Negócios Estrangeiros de França, numa visita oficial a Lisboa, e a ida a Espanha, também oficialmente, do presidente Américo Thomaz.

Para além das fronteiras portuguesas, e à parte a guerra movida no Norte de Angola, o ataque político contra Portugal assume virulência sem paralelo. Há uma ou outra nota de bom senso, de moderação. Cyril Sulzberger, vulto todo-poderoso do poderoso New York Times, critica também Kennedy pelo voto contra Portugal: sugere, como os republicanos, que os Estados Unidos «ao menos se abstenham» e que os ocidentais não se entreguem ao gosto de votar uns contra os outros; «se continuarmos a deixar andar as coisas, acabaremos numa corrida para a guerra nas fronteiras da África do Sul»; «ou veremos Portugal abandonar a NATO, levando consigo os Açores». Também um ou outro jornal francês, ou alemão, ou britânico, sugeria ponderação, aconselhava calma e isenção no exame da política portuguesa. De Gaulle, presidente de França, mandava dizer em Lisboa: «Eu compreendo a vossa política. Mas com que contam e com quem contam?». Konrad Adenauer, chanceler alemão, exprimia em Bona a sua simpatia, e significava o seu apoio; mas não ocultava as suas dúvidas, nem o seu desalento perante as vagas do mundo. Para além destes homens, que se exprimiam em surdina, tudo era brutalmente hostil. Na grande imprensa internacional, nas influentes cadeias de rádio e televisão, na alta-roda mundial da finança e da economia, nos parlamentos das nações, nos círculos das classes políticas supremas, eram sem mercê os ataques, as acusações, as ameaças, os anúncios de tragédia para Portugal. Disseminados pelo mundo, alguns amigos raros, em segredo e com pavor, eram pródigos de sugestões e de conselhos: deveria Portugal ceder, transigir, desamparar tudo, com rapidez e a esmo, salvaguardando somente alguma aparência de dignidade, se viável. E sublinhavam, junto do governo e das elites portuguesas, a loucura de uma resistência, a insensatez de contrariar uma enxurrada universal. Escorraçado, acossado, vilipendiado, Portugal era tratado de réprobo. E para a generalidade não havia dúvida de que o governo português tinha contado o seu tempo: estava por semanas, talvez por dias.



O "General Coca-Cola" (Humberto Delgado) e o pirata Henrique Galvão.



Se os «acontecimentos» do Norte de Angola se repercutiam no povo, o ambiente internacional impressiona sobretudo as classes dirigentes portuguesas, a alta burguesia, os homens da finança, da indústria, do comércio, e da economia. Sentem-se possuídos de pânico, e sucumbem. Invade-os a tibieza moral, perdem a lucidez de visão, perturba-se-lhes a inteligência. Nos meios ligados ao governo e ao regime, muitos sentem-se em vésperas de naufrágio, e procuram saber como abandonar o navio; e nos próprios centros da União Nacional surge de chofre um vazio, um esboroamento de vontades, e não têm rebuço as expressões de azedume e crítica. No parlamento, é a aflição: tudo está perdido. Manuel Aroso, deputado, procura Luís Supico e revela-lhe que o deputado Homem de Melo, muito da roda de Craveiro Lopes, tem já um discurso preparado com violento ataque ao Governo e a Salazar. É um dos pontos do programa de uma conspiração na forja, que estaria concertada com meios americanos, e em paralelo com círculos internos orientados por Galvão e Delgado. Há uma perda colectiva da coragem: não cabe dúvida, o mundo está contra Portugal, e Portugal não pode pensar em bater-se com o mundo. Perante a oposição declarada dos Estados Unidos, e a animosidade de todo o Ocidente em suma, que fazer senão conformar a política portuguesa com os imperativos do momento? São em largo número os homens de consequência, cujo estandarte é o do patriotismo e por anos e anos têm afirmado a sua devoção ao governo e ao regime, que enfileiram agora nas novas ideias, advogam a entrega de tudo às Nações Unidas porque consideram fundamental gozar de bom ambiente no estrangeiro, e têm por humilhantes para Portugal as votações da ONU e os editoriais hostis do Le Monde, ou do Times, ou do New York Times. Numa síntese, esses homens comungam num mesmo desvairo: perca-se tudo, pague-se qualquer preço; mas arredem-se sacrifícios, adopte-se a política dos grandes do mundo, venham os capitais, façam-se negócios; há que viver bem, ainda que sob jugo alheio. Alguns comportam-se em sentido oposto: reafirmam a sua confiança nos destinos portugueses de Angola e de todo o Ultramar, têm por avisada a política do governo, e dispõem-se ao risco de novos empreendimentos. Sem embargo, por uma forma ou outra, assume já larga escala a fuga de capitais para o estrangeiro. Mais do que nos outros, é grave o embate do ambiente mundial nos sectores das Forças Armadas portuguesas. Nos quartéis, nas instalações para oficiais, em suas casas particulares, são frequentes as reuniões, e exprimem-se dúvidas, formulam-se críticas, há desalento, há descrença. Mesmo no âmbito dos Estados-Maiores do Exército, da Força Aérea e da Armada, não deixam de se interrogar; e, sem que tenham esse propósito, dão no entanto livre curso às alegações dos meios internacionais anticolonialistas e da extrema-esquerda portuguesa. Bater-se por Portugal, sem dúvida; defender o Ultramar, decerto; mas não serão chamados a arriscar a vida devido a situações imorais que, em grande medida, teriam conduzido à rebelião do Norte de Angola e à guerra que se trava? Entendem os chefes militares responsáveis que se impõe dissipar tais dúvidas e que, sejam quais forem os desvios, é Portugal e seu Ultramar que estão verdadeiramente em causa; mas no corpo de oficiais muitos são os que hesitam, e tornam às perguntas sem fim. Não serão de facto os interesses pessoais de alguns que tudo provocaram? Não estará na existência da censura a origem de tudo? E não deverá o governo tomar providências? Acima de tudo, não foi Portugal efectivamente abandonado pelos seus grandes aliados e amigos, os Estados Unidos, o Brasil, a Inglaterra? (9). E esta última pergunta é aquela que acima de tudo perturba as Forças Armadas. Em reuniões do Conselho Superior Militar, presidido pelo ministro da Defesa, é sugerido que sejam esclarecidos os oficiais-generais e os comandos de unidades. Por um ou outro motivo, são fundas nos responsáveis supremos das Forças Armadas as preocupações pela sua coesão; e muitos, atentos à grande idade do chefe do governo, interrogam-se quanto ao futuro. De tudo, porém, uma consequência é nítida: no povo, nas classes dirigentes, nos meios militares, há o sentimento de perigos indefinidos, a ansiedade perante o dia de amanhã, uma psicose de alucinação colectiva perante o que se pensa ser um cerco e o que se julga ser uma derrocada iminente. Pelos últimos dias de Março, é promulgada legislação organizando o colégio eleitoral para eleição do presidente da República, como deliberado pela Assembleia Nacional.

Oliveira Salazar continua silencioso, e para o grande público parece como alheio a tudo. Mas está informado de todos os factos. E com sarcasmo de sangrar diz para os seu colaboradores mais íntimos: «Bem, no fundo acusam-me de eu ter perdido as eleições nos Estados Unidos e no Brasil» (in ob. cit., pp. 219-224).


Notas:

(8) Entre os brancos de Angola, os ataques terroristas no Norte ficaram conhecidos e eram sempre designados pelos «acontecimentos». Nas conversas, dizia-se: por altura dos acontecimentos, antes dos acontecimentos, depois dos acontecimentos, etc. Não era preciso especificar de que acontecimentos se tratava, porque se subentendiam. Os negros classificavam o terrorismo do Norte de confusão: por altura da confusão, fulano anda na confusão, etc.

(9) Estas perguntas e outras semelhantes eram realmente formuladas em sessões do Conselho Superior Militar, nas reuniões realizadas nos meses de Fevereiro e Março de 1961.