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domingo, 10 de março de 2013

A Batalha das Termópilas (ii)

Escrito por Heródoto de Halicarnasso 





«O espírito guerreiro predominava tanto nas instituições de Licurgo, que até as estátuas dos deuses estavam armadas. O culto de Ares (Marte), deus da guerra, tornou-se por vezes tão cruel, que chegaram a imolar-lhe vítimas humanas. Uma das orações que os espartanos dirigiam aos deuses era concebida nestes termos: dai-nos um espírito são num corpo são».

Fortunato de Almeida («Curso de História Universal»).


«Ares surge como o deus da Guerra por excelência. Representa o espírito do Combate, que se compraz com a carnificina e o sangue. (...) É representado com couraça e capacete, armado com o escudo, a lança e a espada. Tem uma estatura acima do normal e solta gritos terríveis. Combate quase sempre a pé, mas vemo-lo também em cima dum carro puxado por quatro corcéis. Acompanham-no deuses que fazem de seus escudeiros, Deimo e Fobo (o Medo e o Terror, que são seus filhos). Encontramo-lo também rodeado de Éris (a Discórdia ) e Énio.

Ares habita na Trácia, região semi-selvagem, de clima rude, rica em cavalos e invadida por povos guerreiros. É aí também que habita, pelo menos segundo uma tradição, o povo das amazonas, que são filhas de Ares. Na própria Grécia, prestam-lhe um culto particular em Tebas, onde o consideravam como o antepassado dos descendentes de Cadmo. Era lá, com efeito, que ele possuía uma fonte, guardada por um dragão, de quem era pai. Quando Cadmo, para realizar um sacrifício, quis tirar água desta fonte, o dragão tentou impedi-lo. Cadmo matou-o e, para expiar este crime, teve de servir Ares durante oito anos na qualidade de escravo. Mas, no fim deste prazo, os deuses casaram Cadmo com Harmonia, a Filha de Ares e de Afrodite».

Pierre Grimal («Dicionário da Mitologia Grega e Romana»).


«Esta noite, cearemos com Plutão».

Leónidas de Esparta




Traição de Efialtes


O monarca não sabia o que fazer perante aquele problema, quando um natural de Mélide, Efialtes, filho de Euridemo, se encontrou com ele; na esperança de que obteria uma importante recompensa, indicou a Xerxes a existência do caminho que, através da montanha, conduz às Termópilas, o que veio a causar a desgraça dos Gregos ali posicionados.





















Posteriormente, temendo os Lacedemónios, Efialtes fugiu para a Tessália; mas, apesar de se ter exilado, os Pilágoros puseram a sua cabeça a prémio, por ocasião de uma reunião dos Anfictiões nas Termópilas. Algum tempo depois, regressou a Anticira, onde foi assinado por Aténadas, um natural de Traquín. É verdade que o tal Aténadas matou Efialtes por outro motivo (...), mas nem por isso deixou de ser recompensado pelos Lacedemónios. Assim foi como, depois destes acontecimentos, morreu Efialtes.

Existe, contudo, outra versão (que tem a sua difusão), segundo a qual foram Onetes de Caristo, filho de Fanágoras, e Córdalo de Anticira quem facilitou ao rei a citada informação, permitindo aos Persas rodear a montanha. Mas, a meu ver, a dita versão não merece credibilidade nenhuma. Primeiro, há que ter em conta que, na Grécia, os Pilágoros não puseram as cabeças de Onetes e Corídalo a prémio, mas a de Efialtes de Traquín e, sem dúvida, que deviam de estar informados com absoluta precisão. Por outro lado, sabemos que Efialtes fugiu devido a esta acusação. É certo que, apesar de não ser natural de Mélide, Onetes podia conhecer o caminho em questão, mas, como foi Efialtes quem guiou os Persas pelo caminho que rodeia a montanha, a responsabilidade é-lhe atribuída.


(...) O grosso das tropas abandona as Termópilas


Aos Gregos que se encontravam nas Termópilas, o primeiro a dizer-lhes que estavam destinados a morrer ao raiar o dia foi o adivinho Megístias, pois tinha-o visto nas entranhas das vítimas; posteriormente, houve também uns desertores, que os informaram da manobra envolvente dos Persas (esses indivíduos deram o alarme quando ainda era de noite); ao passo que, em terceiro lugar, foram advertidos, quando já amanhecia, pelos vigias que desceram os cumes a correr.


Os Gregos estudaram, então, a situação e os seus pareceres discordaram: uns negavam-se a abandonar a posição, enquanto outros se opunham a esse plano. Finalmente, os efectivos gregos separaram-se e enquanto uns se retiraram, dispersando-se em direcção às suas respectivas cidades, outros mostraram-se dispostos a ficar ali com Leónidas.

Conta-se também que foi o próprio Leónidas que, preocupado perante a possibilidade de que perdessem a vida, lhes permitiu que fossem embora, ao passo que a ele e aos Espartanos que o acompanhavam, a hora impedia que abandonassem a posição que estavam a defender. A título pessoal, subscrevo inteiramente essa versão; quando Leónidas se apercebeu do desânimo que reinava entre os aliados e da sua nula disposição para partilhar o perigo com os Lacedemónios, ordenou-lhes que retirassem, considerando, em contrapartida, que para ele constituía uma ofensa ir-se embora; além disso, se permanecesse no seu posto, deixaria uma fama gloriosa da sua pessoa e a prosperidade de Esparta não seria aniquilada.

Acontece que, por ocasião de uma consulta que, a propósito daquela guerra, os Espartanos realizaram, assim que o conflito estalou, a resposta que receberam dos lábios da Pítia foi que Lacedemón seria devastada pelos Bárbaros, ou que o seu rei morreria. Essa resposta foi ditada aos Lacedemónios em versos hexâmetros e rezava assim:



Olhai, habitantes da extensa Esparta,
Ou a vossa poderosa e exímia cidade é arrasada
pelos descendentes de Perseu ou não o é; mas, nesse caso,
a terra de Lacedemón chorará a morte de um rei da estirpe de Héracles.
Pois ao invasor não o deterá a força dos touros
ou dos leões, já que possui a força de Zeus. Proclamo,
enfim, que não se deterá até ter devorado um ou outro até aos ossos.




O que creio, definitivamente, é que Leónidas, reflectindo sobre o conteúdo deste oráculo, e com vontade de que a glória fosse património exclusivo dos Espartanos, permitiu que os aliados fossem embora, evitando assim que o fizessem pela sua disparidade de critérios, ou com tamanha indisciplina.

Além disso, existe, a meu ver, uma prova, e bastante concludente, sobre este caso particular. Trata-se da seguinte: é bem sabido que Leónidas, a fim de evitar a morte do adivinho que acompanhava aquela expedição, pediu ao acarnânico Megístias (que, segundo contam, descendia de Melampo) que também ele partisse; Megístias que fora precisamente quem, depois de examinar as entranhas das vítimas, lhe anunciara a sorte que os esperava. Contudo, apesar de ter autorização para partir, o adivinho negou-se a abandoná-los, ainda que tenha pedido ao único filho que tinha, e que se encontrava entre os expedicionários, para o fazer.

Os aliados que receberam autorização para partir empreenderam, pois, o caminho de regresso, de acordo com as indicações de Leónidas; os Téspios e os Tebanos foram os únicos que permaneceram ao lado dos Lacedemónios. De ambos os contingentes, os Tebanos ficaram à força (isto é, contra a sua vontade), pois Leónidas retinha-os na qualidade de reféns; em contrapartida, os Téspios fizeram-no com absoluta liberdade; negaram-se a abandonar Leónidas e os seus homens, pelo que permaneceram na posição, encontrando a morte juntamente com os Espartanos (a propósito, à frente dos Téspios figurava Demófilo, filho de Diádromes).


Vitória persa


Entretanto, quando o sol raiou, Xerxes efectuou umas libações e, depois de aguardar um certo tempo - mais ou menos até à hora em que a ágora se vê concorrida -, iniciou finalmente o seu ataque (pois era, precisamente, o que Efialtes lhe recomendara, já que se precisava de menos tempo para descer a montanha, e o trecho para salvar era muito mais curto, do que para a subir, rodeando-a).




Os Bárbaros de Xerxes lançaram-se, pois, ao assalto e, naquele instante, os Gregos de Leónidas, como pessoas que iam ao encontro da morte, aventuraram-se, muito mais do que nos primeiros combates, a sair da zona mais larga do desfiladeiro. Durante os dias precedentes, como o que se defendia era o muro que protegia a posição, tinham-se limitado a realizar tímidas saídas e a combater nas zonas mais estreitas. Mas, naquele momento, travaram combate fora da passagem e os Bárbaros sofreram elevadas baixas, pois, situados atrás das suas unidades, os oficiais, apetrechados com chicotes, chicoteavam toda a gente, obrigando os seus homens a prosseguir o seu avanço sem cessar. Daí que muitos soldados tenham caído ao mar, perdendo a vida, e muitíssimos mais tenham perecido, ao serem pisados vivos pelos seus próprios camaradas; contudo, ninguém se preocupava com aqueles que sucumbiam. Os Gregos, como sabiam que iam morrer devido à manobra envolvente dos Persas pelas montanhas, empregaram, com um furor temerário, todas as energias que lhes restavam.

Chegou, finalmente, um momento em que a maioria deles já tinha as lanças partidas, mas continuaram a matar os Persas com as suas espadas. No decurso desta gesta, caiu Leónidas, depois de um heróico comportamento e, juntamente com ele, outros destacados Espartanos, cujos nomes consegui averiguar, já que foram personagens dignas de memória; também consegui averiguar, na sua totalidade, os nomes dos trezentos.

Como é natural, ali também caíram muitos Persas de renome, entre os quais, concretamente, se contavam os filhos de Dario, Abrócomas e Hiperantes, nascidos da relação do monarca com a filha de Ártanes, Fratagune. (Ártanes era irmão do rei Dario, filho de Histapes e neto de Ársames; e, quando deu a mão da sua filha a Dario, dotou-a com a totalidade do seu território, dado que a rapariga era a sua única descendente).






Como digo, ali caíram em combate dois irmãos de Xerxes. [Também] por causa do cadáver de Leónidas se suscitou uma violenta luta entre Persas e Lacedemónios, até que os Gregos, graças à sua valentia, conseguiram apropriar-se dele e em quatro ocasiões obrigaram os seus adversários a retroceder.

Essa fase da batalha prolongou-se, até que se apresentaram os Persas que iam com Efialtes; pois, quando os Gregos se aperceberam que os ditos efectivos tinham chegado, a luta mudou radicalmente de aspecto: os Gregos bateram em retirada até à zona mais estreita da passagem e, depois de ultrapassarem o muro, foram posicionar-se sobre a colina, todos juntos, à excepção dos Tebanos. (A colina está à entrada, onde actualmente se situa o leão de mármore, erguido em honra de Leónidas). No dito lugar, defendiam-se com adagas, aqueles que tinham a sorte de as conservar em seu poder; e até com as mãos e com os dentes, até que os Bárbaros os sepultaram debaixo de uma chuva de projécteis, já que uns se lançaram em sua perseguição e, depois de derrubarem o muro que protegia a posição, os fustigaram de frente, ao passo que outros, depois da manobra envolvente, os acossavam por todo lado.


Os Gregos mais destacados. Diéneces


Apesar desse ser o comportamento dos Lacedemónios e dos Téspios, assegura-se, contudo, que o guerreiro mais destacado foi o espartano Diéneces. Segundo contam, esse indivíduo pronunciou, antes dos Gregos travarem combate com os Medos, a seguinte frase: ouvi um traquínio dizer que, quando os Bárbaros disparavam os seus arcos, tapavam o sol, tamanha era a quantidade das suas flechas (tão elevado era o seu número) e, sem alterar ou conceder a menor importância ao enorme potencial dos Medos, respondeu, dizendo que a notícia que o amigo traquínio lhes dava era francamente boa, tendo em conta que, se os Medos tapavam efectivamente o sol, teriam de combater o inimigo à sombra e não em pleno sol. Esta frase e outras do mesmo teor são, segundo contam, as provas que o lacedemónio Diéneces deixou da sua personalidade.

Os que mais se destacaram depois dele foram, segundo dizem, dois irmãos lacedemónios, Alfeu e Máron, filhos de Orsifanto. E, no que se refere aos Téspios, quem mais sobressaiu foi um indivíduo, cujo nome era Ditirambo, filho de Harmátides.



Epitáfios em honra dos caídos


Os Gregos foram sepultados no mesmo lugar onde caíram, tal como aqueles que, autorizados por Leónidas a fazê-lo, acabaram por morrer antes de se retirarem; e sobre as suas tumbas figurava uma inscrição, que rezava assim:


Aqui lutaram certo dia, contra três mil,
Quatro mil homens vindos do Peloponeso.


Como digo, esta inscrição faz referência à totalidade dos caídos, ao passo que aos Espartanos, em particular, se refere esta outra:


Caminhante, vai e conta aos Lacedemónios que aqui jazemos
Obedientes às suas ordens.

 
Este epitáfio, refere-se aos Lacedemónios; e este outro ao adivinho:


Este é o sepulcro do célebre Megístias (que um certo dia,
os Medos mataram, depois de atravessarem o rio Esperqueu),
um adivinho que, ainda que soubesse que naquele
momento as Keres espreitavam,
se negou a abandonar os guias dos soldados de Esparta.


Foram os Anfictiões que honraram os caídos com epitáfios e estelas, com excepção do epitáfio em homenagem ao adivinho, mandado gravar por Simónides, filho de Leóprepes, devido aos vínculos de hospitalidade que os uniam.


Espartanos sobreviventes




É verdade que, segundo contam, dois dos trezentos espartanos, Éurito e Aristodemo, podiam - se tivessem chegado a acordo - ter escapado, voltando juntos para Esparta (pois tinham sido autorizados por Leónidas a abandonar o acampamento e encontravam-se em Alpeno, acossados por uma grave doença ocular), ou então - se não queriam regressar à sua pátria - ter morrido com os seus camaradas. Esses dois indivíduos, insisto, podiam ter adoptado uma ou outra determinação, mas não conseguiram chegar a um acordo; e além disso, a sua decisão foi bem diferente: enquanto Éurito, ao aperceber-se da maneira envolvente dos Persas, pediu as suas armas, pô-las e ordenou ao seu hilota que o levasse de novo ao campo de batalha (depois de o conduzir ao palco das operações, o guia fugiu, mas ele lançou-se à luta, perdendo a vida), Aristodemo, pela sua parte, acobardou-se e ficou onde estava.

Pois bem, se Aristodemo tivesse regressado a Esparta, por ter padecido sozinho a doença, ou se tivessem regressado os dois juntos, sou de opinião de que os Espartanos não teriam manifestado indignação alguma relativamente a ambos. Mas o caso é que, como um deles tinha morrido e o outro, apesar de se encontrar na mesma situação, não quisera arriscar a vida, os Espartanos não tiveram outro remédio, senão irritarem-se muito com Aristodemo.

Definitivamente, uns pretendem - esgrimindo o dito pretexto - que foi assim que Aristodemo se salvou, regressando a Esparta. Outros, em contrapartida, asseguram que foi encarregado de levar uma mensagem fora do acampamento e que teve oportunidade de tomar parte na batalha; mas não o quis fazer, entretendo-se no caminho, para salvar a vida, ao passo que o seu companheiro de missão chegou a tempo para a batalha e encontrou a morte.


No seu regresso a Lacedemón, Aristodemo sofreu desonra e humilhação. As mostras de discriminação que teve de suportar foram as seguintes: nenhum espartano lhe dava fogo, ou lhe dirigia a palavra e, como demonstração de desprezo, recebeu a alcunha de Aristodemo «o Tremeliques». Contudo, na batalha de Plateias, reparou por completo a falta que se lhe imputava.

Segundo contam, houve também outro espartano, integrante do contingente de trezentos (o seu nome era Pantitas), que foi encarregado de levar uma mensagem a Tessália e que, por isso, conservou a vida. Contudo, quando esse indivíduo regressou a Esparta, devido à descriminação de que era vítima, enforcou-se.


 (...) Profanação do cadáver de Leónidas


(...) Xerxes passou por entre os cadáveres e, como ouvira dizer que Leónidas era o rei e o chefe dos Lacedemónios, mandou que lhe cortassem a cabeça e que a cravassem num pau. Para mim é evidente, por muitas provas e especial e concretamente por esta, que, de entre todos os seres humanos, Leónidas foi a pessoa, em vida, que mais irritou o rei Xerxes; pois, caso contrário, o monarca jamais teria ordenado que se ultrajasse o seu cadáver dessa maneira, já que os Persas são, que eu saiba, as pessoas que mais costumam honrar os soldados valorosos. Como é natural, aqueles que receberam a ordem cumpriram a sua obrigação (in ob. cit., pp. 150-151 e 153-161).





quinta-feira, 7 de março de 2013

A Batalha das Termópilas (i)

Escrito por Heródoto de Halicarnasso






«A palavra pátria, entre os antigos, teve o significado de terra dos pais, terra patria. A pátria de cada homem era a parte do solo que a religião doméstica, ou a nacional, santificara, a terra onde estavam depositadas as ossadas de seus avós e por suas almas o seu túmulo e o seu lar. Pátria grande era a cidade, com o seu pritanado e os seus heróis, com o seu recinto sagrado e o seu território demarcado pela religião. «Terra sagrada da pátria», diziam os gregos. E não era palavra vã esta. Esse chão tornara-se verdadeiramente sagrado para o homem, porque os seus deuses o habitavam. Estado, Cidade e Pátria não eram conceitos abstractos, como entre os povos modernos; representavam, verdadeiramente, todo o conjunto das divindades locais com o culto de cada dia, e ainda com crenças, a agirem poderosamente sobre a alma.

Assim se explica o patriotismo dos antigos, sentimento enérgico, entre eles virtude suprema e a suster todas as demais virtudes. Tudo quanto o homem possuía de mais caro se confundia nesta sua noção de pátria. Na pátria encontrava o homem a sua segurança, o seu direito, a sua fé, o seu deus e tudo quanto lhe pertencia. Perdendo-a, tudo estava perdido para o homem. Deste modo era quase impossível que o interesse privado estivesse em desacordo com o interesse público. Platão disse: É a pátria que nos dá a luz, nos alimenta e nos educa. E Sófocles acrescenta: É a pátria que nos mantém.












(...) A pátria prende o homem com o vínculo sagrado. É preciso amá-la como se ama a religião, obedecer-lhe como se obedece a Deus. «É preciso dar-mo-nos inteiramente a ela, tudo lhe entregar, votar-lhe tudo». É preciso amá-la gloriosa, ou obscura, próspera ou desgraçada. É preciso amá-la como Abrãao amou o seu Deus, até lhe sacrificar o seu próprio filho. O grego ou o romano, não morrem apenas por dedicação a um homem, ou por gestão de honra, mas dão a sua vida pela pátria. Na verdade, se esta é atacada, é a religião que é agredida. Verdadeiramente, a pátria combate pelos seus altares, pelos seus fogos, pro aris et focis, e isto porque, se o inimigo se apoderar de sua urbe, os seus altares serão derrubados, os fogos extintos, os sepulcros profanados, os seus deuses destruídos e o culto para sempre olvidado. No amor da pátria está a piedade dos antigos.

A posse da pátria devia ser muito preciosa, porque os antigos não imaginavam castigo mais cruel que privar um homem dela. A punição ordinária, pelos grandes crimes, era o exílio».

Fustel de Coulanges («A Cidade Antiga»).


Xerxes: «Rende-te e entrega as armas».

Leónidas: «Vem buscá-las!»




Conversa entre Xerxes e Demarato












Depois de ter inspeccionado a frota a bordo de uma nave, Xerxes desembarcou e mandou que trouxessem Demarato, filho de Aristão - que o acompanhava na sua expedição contra a Grécia - e, depois de lhe dizer que se aproximasse, perguntou-lhe o seguinte: «Demarato, neste momento, apetece-me perguntar-te algo que desejo saber. Tu és grego e, segundo tenho entendido pelas tuas manifestações e pelas dos demais gregos que falaram comigo, natural de uma cidade que não é a mais insignificante e débil da Hélade. Esclarece-me agora, por isso, se os gregos se atreveriam a oferecer-me resistência. Porque, na minha opinião, ainda que se coligassem todos os Gregos e os restantes povos que residem no ocidente, não seriam capazes de conter o meu ataque, sobretudo se não existir coordenação entre eles. Não obstante, quero conhecer também o que opinas pessoalmente a esse respeito».

Isto foi o que lhe perguntou Xerxes. Demarato, por seu lado, respondeu-lhe, dizendo: «Majestade, devo falar-te com sinceridade ou agradar-te?». O monarca, então, ordenou-lhe que falasse com sinceridade, assegurando-lhe que não lhe pareceria menos simpático do que antes por isso.

Ao ouvir estas palavras, Demarato disse o seguinte: «Majestade, já que mandas que, nas suas manifestações, uma pessoa se expresse com absoluta sinceridade, para evitar que, um dia, seja culpado por te ter mentido, dir-te-ei que a pobreza tem sido, desde sempre, uma companheira inseparável da Grécia, mas nela tem assentado também a hombridade de bem - conseguida à base de inteligência e de umas leis sólidas -, cuja estrita observação lhe tem permitido defender-se da necessidade e do despotismo. Em consequência, só tenho elogios a fazer em relação a todos os Gregos que habitam por aquelas terras; no entanto, as minhas próximas palavras não as vou aplicar a todos eles, mas exclusivamente aos Lacedemónios: tens de saber, antes de mais, que jamais aceitarão as tuas condições, que representam a escravidão para a Grécia; em vez disso, hão-de sair para te enfrentar no campo de batalha, ainda que os restantes Gregos abracem a tua causa na totalidade. E, relativamente ao seu número, não perguntes quantos são para que adoptem semelhante atitude; pois, ainda que se dê a circunstância de serem mil os que integram o seu exército, esses mil lutarão contra ti e assim farão, independentemente, de serem mais ou menos».













Ao ouvir estas palavras, Xerxes riu-se e exclamou: «Demarato, o que disseste? Que mil homens lutarão contra um exército tão poderoso como este? Vamos lá ver, diz-me: tu mesmo, segundo contas, foste rei desses indivíduos. Estarias disposto, portanto, a confrontar-te, sem demora alguma, com dez homens? E mais, se todos os vossos cidadãos são tal como afirmas, não há dúvidas de que tu, que és o seu rei, deves, de acordo com as vossas leis, enfrentar o dobro dos adversários, pois, se cada um deles equivale a dez homens do meu exército, espero que assim tu valhas por vinte, já que assim podia ser certa a informação que me deste.

«Agora, se, com umas qualidades pessoais e físicas como as tuas e as dos gregos que costumam falar comigo, vos vangloriais tanto, tem cuidado, não vá essa afirmação que fizeste ser uma grosseira fanfarronice. Porque [falha no texto original], vamos ver, deixa-me considerar a questão com uma lógica rigorosa! Como poderiam opor-se a um exército tão poderoso com esses mil, dez mil ou inclusive cinquenta mil homens, se todos eles gozam da mesma liberdade e não estão às ordens de uma só pessoa? Pois, supondo que os Lacedemónios sejam cinco mil, é indubitável que somos mais de mil contra um. Se estivessem, seguindo o nosso exemplo, às ordens de uma só pessoa, poderia ser que, por temor ao seu amo, se vangloriassem de um valor superior, inclusive, à sua natureza, e que, apesar de estarem em inferioridade numérica, se vissem obrigados, a chicotadas, a avançar contra um inimigo superior em efectivos; em contrapartida, se são vítimas da liberdade, não poderão fazer nem uma coisa nem outra.




«Para além disso, estou pessoalmente convencido de que, até com forças em igual número, dificilmente os Gregos poderiam medir-se única e exclusivamente com os Persas. Ao contrário, [só] entre nós se dá esse arrojo que tu mencionas (contudo - há que o reconhecer - não é muito frequente, antes pelo contrário, é escasso): entre os Persas da minha guarda há vários que estão dispostos a medir-se com três gregos em simultâneo. Tu disparatas tanto, porque não os conheces».

«Majestade - responde Demarato, perante este comentário -, desde o princípio que sabia que, se falasse com sinceridade, as minhas palavras não te iam agradar; mas, visto que me obrigaste a dizer a verdade e nada mais que a verdade, assim o fiz sobre o perfil dos Espartanos. E olha que tu sabes, melhor do que ninguém, o apreço que sinto, actualmente, por eles, que me despojaram do meu cargo, e das prerrogativas que herdei dos meus antepassados, e me converteram num expatriado exilado; o teu pai, em contrapartida, acolheu-me, facilitando-me meios para subsistir e uma casa. Não é lógico, portanto, que uma pessoa sensata menospreze as mostras de afecto que lhe dispensam, mas deve sim valorizá-las profundamente.

«Eu não pretendo ser capaz de enfrentar dez homens, nem sequer dois, e, se dependesse de mim, não desejaria defrontar-me com nenhum. Mas, se fosse imperioso, ou me sentisse impulsionado a fazê-lo por um objectivo que valesse a pena, com quem me debataria com mais gosto seria, sobretudo, com um desses indivíduos, que asseguram valer por três gregos cada um. Ocorre a mesma coisa com os Lacedemónios: nos combates singulares não são inferiores a ninguém, ao passo que, em compacta formação, são os melhores guerreiros da terra. Pois, apesar de serem livres, não o são totalmente, já que rege os seus destinos uma entidade suprema, a lei, a qual, no seu foro interno, temem muito mais, inclusive, do que os teus súbditos te temem a ti. De facto, cumprem todos os seus mandamentos e sempre manda o mesmo: não lhes permite que fujam do campo de batalha perante algum contingente inimigo, pelo que permanecem nos seus postos, para vencer ou para morrer.



«Agora, se isto que te digo te parece um disparate, concordo contigo, mas, de agora em diante, prefiro reservar as minhas opiniões (e mais, nesta ocasião falei porque mo exigias). Não obstante, oxalá tudo suceda conforme os teus desejos, Majestade».


(...) Motivos da recusa de Xerxes em exigir vassalagem a Atenas e a Esparta


E é certo que Xerxes não enviou heraldos, para exigir terra, nem a Atenas, nem a Esparta pela seguinte razão: anos atrás, quando Dario enviou os seus heraldos com idêntica missão, os Atenienses atiraram os que formularam a dita exigência ao báratro, enquanto que os espartanos os atiraram a um poço, instando com eles para que levassem dali terra e água ao rei. Nesse sentido, não posso especificar que desgraça chegou a suceder aos Atenienses por, no passado, terem tratado assim os heraldos de Dario, que não seja o facto do seu território e cidade terem sido saqueados; contudo, creio que isso não ocorreu por esse motivo.


(...) Batalha das Termópilas. Posições dos dois exércitos


Pois bem, Xerxes acampou na região de Traquín, em Mélide, enquanto os Gregos o fizeram na passagem. E é certo que essa passagem é conhecida pela maior parte dos Gregos com o nome de «Termópilas», se bem que entre os habitantes da região e as gentes dos arredores de denomine «Pilas».

Como digo, ambos os adversários tinham acampado nessas posições, pelo que o monarca tinha sob o seu controle toda a zona norte, até Traquín, ao passo que os Gregos controlavam a zona continental, pela sua parte mais meridional.


Perfil dos Espartanos




(...) Xerxes enviou um ginete em missão de espionagem, para que averiguasse quantos eram e o que estavam a fazer; pois, quando ainda se encontrava em Tessália, tinha ouvido dizer que, naquela paragem, se tinha concentrado um pequeno contingente de tropas, cujo comando estava por conta dos Lacedemónios e, concretamente, de Leónidas, que era descendente de Héracles.

Quando o ginete chegou às imediações do acampamento, não conseguiu, a partir da posição, contemplá-lo na sua totalidade, pois, de onde estava, era impossível ver os que se encontravam posicionados no outro lado do muro, obra que os Gregos tinham restaurado e que mantinham vigiada. Não obstante, pôde avistar os que estavam acampados fora, com as armas disseminadas na parte exterior do muro (naquele momento, dava-se a circunstância de serem os Lacedemónios que estavam posicionados fora). Pois bem, o ginete viu que uma parte dos soldados realizava exercícios atléticos, enquanto os demais penteavam a cabeleira.

Como é natural, perante aquele espectáculo, ficou perplexo, mas fixou o seu número. E, depois de ter reparado demoradamente em todo do tipo de detalhes, regressou com absoluta tranquilidade, pois beneficiou da despreocupação geral, pelo que, regressando, contou a Xerxes tudo o que tinha visto.

Ao ouvi-lo, Xerxes não podia intuir a realidade, isto é, que os Lacedemónios se estavam a preparar para morrer e matar na medida das suas possibilidades. Daí que, como lhe palpitava que o seu procedimento era risível, mandasse chamar Demarato, filho de Aristão, que se encontrava no acampamento. E, à sua chegada, Xerxes foi-lhe fazendo perguntas acerca dos pormenores da informação que tinha recebido, com o fim de entender a atitude dos Lacedemónios. Então, Demarato disse-lhe: «Em outra ocasião - quando empreendemos a expedição contra a Grécia -, já me ouviste falar desses indivíduos, mas, perante as minhas palavras, riste-te de mim. Porque obedecer à verdade na tua presença, majestade, constitui o meu máximo objectivo. Por isso, presta especial atenção neste momento. Esses indivíduos estão aí para discutirem connosco o controle da passagem e estão a preparar-se com esse propósito: pois, entre eles, rege a seguinte norma: sempre que colocam em perigo as suas vidas, organizam a cabeça. E apercebe-te bem: se consegues submeter esses homens e os que ficaram em Esparta, não haverá, em todo o mundo, nenhum outro povo que se atreva a oferecer-te resistência, majestade. Pois nesse instante, vais lutar com o reino mais glorioso e com os mais corajosos guerreiros da Grécia».


Como é natural, para Xerxes, as ditas informações pareceram-lhe extremamente inverosímeis, pelo que voltou a fazer da palavra e perguntou-lhe qual a táctica que os Gregos iam empregar, já que contavam com tão poucos efectivos para lutar contra as suas tropas. «Majestade - replicou-lhe Demarato -, trata-me como um embusteiro, se as operações não se passam como te digo» (As suas palavras não conseguiram convencer Xerxes).


Primeiros confrontos: os Persas repelidos


Ao princípio, o monarca deixou passar três dias, acreditando que os Gregos fugiriam a qualquer momento. Mas, ao fim de quatro dias, vendo que não retiravam, mas que continuavam nas suas posições (na sua opinião, faziam-no, dando claras mostras de soberba e de imprudência), irritou-se e lançou uma ofensiva, composta por contingentes medos e císios, com a ordem de que os capturassem vivos e os conduzissem à sua presença. Contudo, quando os Medos se lançaram à carga contra os Gregos, as baixas foram numerosas; ainda que os novos efectivos substituíssem os caídos e não desistissem, apesar das grandes perdas, evidenciaram perante todo o mundo, e em particular perante o próprio monarca, que havia muitos combatentes, mas poucos soldados. O caso é que o combate se prolongou durante todo o dia.

Perante a dura reviravolta que sofreram, os Medos acabaram por se retirar, passando ao ataque, na sua vez, os Persas, a quem o rei denominava «Imortais» (no comando encontrava-se Hidarnes), plenamente convencidos de que eles, sim, conseguiriam facilmente a vitória. No entanto, quando esses novos efectivos travaram combate com os Gregos, não obtiveram melhores resultados que o contingente Medo, mas sofreram a mesma sorte, dado que lutavam num lugar estreito e com lanças mais curtas que as do adversário, pelo que não podiam tirar partido da sua superioridade numérica.









Os Lacedemónios, pela sua parte, combateram com uma coragem digna de elogio e, com as suas diferentes tácticas, demonstraram - frente a inimigos que não o sabiam fazer - que sabiam combater perfeitamente. Por exemplo, cada vez que voltavam a espada sabiam fugir, mas sem quebrar a formação, de maneira que os Bárbaros, ao ver que fugiam, se lançavam contra eles, gritando com grande alarido; mas, no momento em que estavam prestes a ser agarrados, davam a volta para se confrontarem com o adversário e, com essa manobra, acabavam com uma ingente quantidade de Persas. No decurso da batalha, também se produziram algumas baixas entre os próprios Espartanos. Finalmente, dado que não se podiam apoderar de nenhuma zona do desfiladeiro, ainda que o tivessem tentado, atacando em formação compacta, como de todas as maneiras possíveis, os Persas recuaram para as suas posições.

Segundo contam, no decurso desses confrontos, o monarca, que assistia ao seu desenvolvimento, saltou três vezes do seu trono, temeroso pela sorte das suas tropas. Assim foi como se travaram os combates durante aquela jornada.

No dia seguinte, os Bárbaros não tiveram mais êxito nos seus ataques: como os seus inimigos eram pouco numerosos, lançaram-se ao assalto, supondo que estariam dizimados pelas feridas e que já não se encontrariam em condições de oferecer resistência. Contudo, os Gregos estavam alinhados por secções e nacionalidades e combateram nos seus respectivos postos, com a única excepção dos Focenses (os seus efectivos tinham sido posicionados na montanha, para vigiar o caminho). Ao comprovar, pois, que a situação não apresentava um cariz distinto do dia anterior, os Persas retrocederam (in A Batalha das Termópilas, Babel Editores, 2008, pp. 75-79 e 93-94).




















































Continua