sábado, 31 de outubro de 2015

«25 de Abril»: a Fatal Derrocada (ii)

Escrito por José Dias de Almeida da Fonseca




Veiga de Macedo (o segundo a contar da esquerda).


«Por mais esclarecidos e esforçados que sejam, não poderão nunca os governantes realizar tudo o que desejariam. Quantas vezes não é preferível desistir de certos programas para não comprometer, afinal, todo o conjunto dos planos exequíveis.

Em política, importa ter a noção exacta do que é ou não é possível fazer-se. Esta verdade anda, contudo, muito esquecida, havendo pessoas que inteiramente abstraem das limitações e contingências inerentes da acção política.

Também nós não nos conformamos com a injustiça, nem com a imoralidade. Mas nenhum Estado nem qualquer outra organização social podem orgulhar-se de ter atingido todas as suas finalidades, como a Igreja, a despeito do seu fecundíssimo magistério de quase dois mil anos, não conseguiu ainda a conversão de todos os homens.

O Sumo Pontífice advertiu que não é pela violência ou pela revolução que se realiza o autêntico progresso social. Pois parece que lá fora - e não sei se já entre nós - há quem pretenda subordinar a evangelização à revolução, convencido de que a cristianização ou recristianização das classes operárias bem pode assentar na destruição, a todo o preço, das estruturas tradicionais. Outros há tão distantes das realidades que, se vissem os seus métodos aplicados entre nós, assistiriam a uma catástrofe que, afectando seriamente a vida e o futuro do País, sacrificaria também a liberdade religiosa e traria à consciência cristã dos Portugueses os mais criminosos agravos.

Somos pelo progresso, mas não pelos progressismos. Somos pela justiça, mas não pelos justicialismos. Somos contra os privilégios, individuais ou de classes, e, por isso, se alinhamos contra a plutocracia e as suas influências, também repudiamos a supremacia de quaisquer agrupamentos sociais. Somos pela hierarquia dos valores e pela hierarquia na sociedade, embora postulemos a igualdade perante a lei e o acesso de todos aos bens da civilização. Mas vou receando mais a demissão do escol que o desvario das multidões.

De resto, quando falamos na necessidade de mais perfeita repartição da riqueza, quando defendemos a iniciativa privada ou quando nos batemos pela organização corporativa das actividades nacionais, bem sabemos que tudo será inútil se as técnicas de actuação não respeitarem a lei moral ou se mendigarmos, ou aceitarmos, o apoio comprometedor ou o aplauso insincero dos inimigos do ordenamento social que preconizamos.

As reformas de estrutura - e algumas estamos a realizar - podem, é certo, favorecer consideravelmente a observância das normas morais. Não sejamos, porém, ingénuos ao ponto de admitir que mesmo as reformas imbuídas do melhor espírito assegurem, só por si, a dignificação da vida. É corrente dizer-se que sem a reforma do homem não haverá paz. Eis uma verdade essencial. Daí, que cada um não deva abandonar o campo de apostolização que se lhe oferece, mais ou menos vasto consoante as suas responsabilidades funcionais ou pessoais.






É preciso rever, reformar e progredir? Quem o nega? Mas o que se não afigura razoável é destruir, ou destruir por não se terem usado os métodos mais apropriados ou até por se haver saído da nossa esfera de acção.

Ensinar, doutrinar e criticar é dever de consciência. O exercício de tão delicada e nobre missão exige, porém, que se não excitem paixões nem se fomente a confusão ou a intranquilidade.

Estudar os problemas e dizer como podem ser resolvidos, só é para louvar. Mas ofender as pessoas e até ferir, ainda que inadvertidamente, a autoridade legítima, é que não pode merecer concordância de ninguém.

Quando, há dias, reflectia sobre estas verdades, caiu sobre a minha mesa de trabalho um incisivo editorial de um pensador católico francês em que se aponta, como grave erro, a subestimação ou ignorância da "virtude natural cristã da prudência" na acção política e social. Ora, esta virtude constitui, felizmente para todos nós, um dos traços fundamentais da personalidade do Senhor Presidente do Conselho. E nunca afirmações suas de sentido doutrinário ou político foram apoiadas por aqueles que do ateísmo fazem a religião da sua vida e a bandeira da sua luta. Será que todas as pessoas com responsabilidades podem orgulhar-se de ter merecido sempre a tenaz oposição do sector de onde partiu a promessa de acabar, em curto prazo, com o catolicismo em Portugal?


Sem a sabedoria do Senhor Presidente do Conselho - sabedoria toda feita de prudência, de justa medida das realidades e de fiel interpretação da boa doutrina - nós hoje não poderíamos estar aqui, nem o País gozaria de liberdade e de paz, nem os Portugueses seriam respeitados na sua consciência religiosa, nem os outros povos poderiam aproveitar, como já começa a suceder, da nossa experiência política e social! Sejamos fiéis a este exemplo de equilíbrio, sensatez e rectidão, e teremos sabido, em hora de tanta desorientação, praticar também a preciosa e tão rara "virtude natural e cristã da prudência".


O resto, se nós o merecermos, virá por acréscimo.


Meus Senhores: a suprema magistratura da Nação encontra-se confiada, por inequívoca vontade dos Portugueses, a um homem inteligente e bom, - e prudente , - que exercerá as funções presidenciais com a dignidade e o patriotismo dos seus ilustres predecessores.


Grande Ministro que foi e grande português que sempre tem sido, o novo e insigne Chefe do Estado bem merece que todos lhe testemunhemos os nossos melhores protestos de respeito, lealdade e dedicação. Vamos cumprir este dever formulando um voto, que é uma certeza: que neste mandato presidencial o Regime atinja a sua mais perfeita expressão orgânica e social».


Henrique Veiga de Macedo («Espírito Renovador»).







«Na sequência da invasão de Goa a 28 de Dezembro de 1961, tiveram lugar, na Casa da Imprensa, de 20 de Junho a 25 de Julho de 1962, uma série de conferências sobre o Ideal Português dedicadas a Álvaro Ribeiro. "Sabedores de que uma independência política se não explica, nem garante, senão a partir de uma autonomia cultural", os organizadores do Colóquio, situando-se num movimento de exigência filosófica, artística e religiosa, procuraram sustentar a "defesa intransigente das províncias ultramarinas portuguesas". E daí a importância da "síntese conclusiva" do Colóquio, em que também se vislumbram "as proposições patrióticas e nacionalistas" perante "o estado de abastardamento de grande número de intelectuais portugueses".

Entretanto, convém salientar que as teses dos conferencistas não obedeceram a fins 'ideológicos', pelo que querer ver uma aproximação entre essas teses e o salazarismo é um erro, no mínimo, crasso. Caem assim por terra as distorções ideológicas vindas, no pós-25 de Abril, de um Eduardo Lourenço, de um João Medina ou de um Eduardo Prado Coelho ao serviço do socialismo dominante. Ou, ainda, se quisermos, de um 'Miguel Real', que acabou dando a filosofia portuguesa como que encerrando a "história a sete chaves no porão de um navio negreiro, atirando" não só "as chaves ao mar profundo", mas forçando ainda "os vindouros a abrirem-no através de sucessivas explosões sociais", entre elas a do "25 de Abril de 1974", ou a da "perda desonrosa do Império" (cf. M. Real, Agostinho da Silva e a Cultura Portuguesa, Quidnovi, 2007, p. 81).

Enfim, um rol de baboseiras e parvoíces que intoxicam o mercado livreiro e vão ao encontro da mentalidade triunfante instalada nas escolas e nas instituições universitárias. Porém, Franco Nogueira diz-nos o que mais importa, nomeadamente quando afirma que os conferencistas se mostraram simplesmente sensíveis à unidade nacional perante a ameaça proveniente do cerco mundialista a Portugal:

"E mesmo alguns de novas gerações mostram-se sensíveis ao problema. Um grupo que se intitula de jovens intelectuais – António Quadros, Fernando Morgado, Francisco Sottomayor, Fernando Sylvan, Jorge Preto, outros ainda – sugere mesmo uma política ultramarina integracionista, um esquema de povoamento, uma reparação de injustiças, uma revisão de alianças" (in Salazar, Livraria Civilização Editora, Vol. V, 1984, p. 249).

Não há, por conseguinte, uma identificação das teses do 'Movimento do 57' com a cultura oficial e situacionista do Portugal de Salazar. Quando muito, há tão-só uma consciência, por parte daquele Movimento, da crescente hostilidade do internacionalismo invasor contra o Portugal pluri-continental e pluri-racial defendido pelo regime de Salazar até ao limite das suas forças. E tudo isto não obstante a manifesta traição da Universidade no seio do próprio regime salazarista, que, como escreveu António Quadros, lá ia convertendo as novas gerações "ao marxismo comunista, ao socialismo internacionalista ou ao catolicismo progressista de simpatias marxistas" (in A Arte de Continuar Português, Edições do Templo, 1978, p. 24)».

Miguel Bruno Duarte


«Não escondo (...) a minha opinião de que a geração dos "capitães de Abril", considerando esta a da grande maioria dos oficiais que participaram activamente no Movimento das Forças Armadas, se inscreve na geração dos anos sessenta.





Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre e Che Guevara em Cuba (1960).













Ver aqui e aqui



Maio de 68






Ver aqui


















































Pela idade, pelos valores, pelos comportamentos, pelos objectivos, o aparecimento dos "capitães de Abril" na ribalta da vida nacional e mesmo europeia, rapidamente projecta uma imagem que os identifica com os jovens que nos anos sessenta, por toda a Europa, gritando "é proibido proibir" e "faz amor não faças a guerra", abalaram as estruturas culturais, políticas e sociais instituídas. E o percurso da sua vertiginosa politização é bem a cadência de uma geração que pensava não ter um minuto a perder.

A geração dos anos sessenta desenvolve-se, na Europa e em Portugal, num ambiente que tinha como principais pontos de referência o "Maio de 1968" em França, a "Primavera de Praga", no mesmo ano, que terminou com a intervenção militar do Pacto de Varsóvia, as manifestações pacifistas contra a guerra do Vietname e as lutas pelos direitos cívicos nos Estados Unidos e, no nosso país, as lutas estudantis.

Foi um período dominado pela constatação de uma juventude que tudo punha em causa, arvorando como bandeira a recusa, mesmo humilhação das estruturas estabelecidas no poder, na escola, na empresa, na igreja, na família. Juventude cujos heróis eram os símbolos da rebeldia libertária, entre os quais Che Guevara era o expoente máximo, que rompeu com os valores tradicionais, com os paradigmas de comportamento, com os tabus de relacionamento entre gerações, entre sexos, entre classes, entre hierarquias.

Os jovens "capitães de Abril", muitos dos quais aproveitavam os intervalos entre as comissões, na metrópole, para frequentarem as universidades, eram dessa geração e não podem deixar de ter sido sensíveis às suas influências».

Pedro Pezarat Correia («Questionar Abril»).


«Spínola regressa à Metrópole com o seu inacabado livro debaixo do braço e muitas ideias na cabeça alimentadas pela sua determinação. À sua chegada avista-se com o Presidente do Conselho e, após uma longa reunião, concluem que as suas posições são inconciliáveis.

Silva Cunha


(...) A estratégia definida pelo PCUS e implementada no terreno pelo PCP começava a dar os seus frutos. O divisionismo que se verifica ao mais alto nível, desde as posições antagónicas de Spínola e do Presidente do Conselho, a polémica levantada com a nomeação de um civil - Silva Cunha - para Ministro da Defesa, a aparente apatia das cúpulas das Forças Armadas, a multiplicidade de acções postas em prática condenando a guerra em África, etc., etc., conduzem à morte de uma das principais armas que possibilitaram o êxito conseguido no Ultramar: a coesão da retaguarda.

Portanto o polvo continuava activo e através dos seus tentáculos a exportar o vírus revolucionário para os outros TOs onde se constituem comissões coordenadoras que, em Angola, é liderada por Pezarat Correia, coadjuvado essencialmente por oficiais milicianos marxistas e, em Moçambique, por Aniceto Simões com o célebre Major Tomé, então capitão, e os progressistas milicianos. E o segundo trunfo que conduzira à vitória, a coesão das Forças Armadas, começava a desagregar-se, explorando as frustrações de alguns, cobardia de outros e oportunismo e traição de tantos mais, inerentes ao clima psíquico criado pelo prolongamento de uma guerra cujo fim não se vislumbrava.

O chamado "Movimento dos Capitães" depressa foi contaminado pelo vírus revolucionário, onde a política ultramarina e a forma de pôr fim à guerra passaram a ser temas dominantes nas múltiplas reuniões que por toda a parte iam tendo lugar. Na reunião de Óbidos foi criada a comissão executiva (...) para a qual foram eleitos Vítor Crespo, Vasco Lourenço e Otelo Saraiva de Carvalho. Ignora-se quais tenham sido os critérios que presidiram a esta escolha. Não foi certamente o seu grau de profissionalismo ou valor militar, mas sim a sua grande permeabilidade ao vírus revolucionário, que lhes serviu de justificação ideal para traírem todos os juramentos que haviam feito ao escolherem a carreira das armas».

General Silva Cardoso («25 de ABRIL DE 1974: A REVOLUÇÃO DA PERFÍDIA»).







«Os cravos do 25 de Abril, que muitos, candidamente, tomaram por símbolo de uma Primavera, fanaram-se sobre um monte de esterco».




«... tive a honra de conhecer e de contactar numerosas vezes com o Senhor Contra-Almirante Pinheiro de Azevedo. Tive então ocasião de perguntar ao Senhor Contra-Almirante a que tinha obedecido a alteração do programa das FA e da legislação então publicada, em relação ao Ultramar, isto é, porque não se tinha aguardado uma nova Constituição para então dar cumprimento às resoluções da ONU.

O Senhor Contra-Almirante informou-me então que o que levou a alterar o compromisso assumido pelo MFA perante a Nação, tinha sido uma resolução tomada em reunião do Conselho de Estado. Disse-me que estivera várias vezes para denunciar publicamente este facto, mas que sempre hesitara com o receio de aumentar ainda mais, com a sua revelação, a grande confusão então existente.

Que se passara em tão importante reunião do Conselho de Estado, mantida tão secreta pelos seus membros num País onde não é possível guardar segredos?

Logo me assaltou a suspeita de que só a má consciência dos seus membros poderia conseguir um tal milagre neste País de linguareiros.

O Senhor Contra-Almirante confirmou-me essa suspeita! Na verdade informou-me que em determinada reunião daquele órgão de soberania, o Prof. Freitas do Amaral defendera, numa extensa exposição, que não seria necessário esperar por uma nova Constituição para se dar início ao processo de descolonização, pois que a legislação em vigor permitia que se lhe desse início. 

O Senhor Contra-Almirante, ainda a propósito do Prof. Freitas do Amaral, disse-me que após a sua exposição, os militares, embaraçados, se entreolharam, surpreendidos, mas naturalmente sem argumentos para combater os da tese apresentada e que, os restantes membros do Conselho que poderiam ter argumentado dada a sua formação académica, logo se manifestaram em calorosos elogios à proposta apresentada, tendo ficado desde logo decidido dar-se início à descolonização.

Estava dado o primeiro passo de uma grande tragédia.

Tendo, mais tarde, procurado informar-me de quem tinha acesso às actas do Conselho de Estado, para me certificar da exactidão da informação que o Senhor Contra-Almirante me tinha dado, constou-me que o Senhor General Eanes, logo após a tomada de posse da Presidência da República, tendo querido chamar a si aquelas actas e as da Comissão da Descolonização foi informado do seu desaparecimento. Será verdade? Não me surpreende que o seja. Haverá alguém que se surpreenda?».

Fernando Pacheco de Amorim («25 de Abril. Episódio do Projecto Global»).






«Quais foram na verdade, para muitos, as consequências da "Revolução dos cravos"?

A instauração da liberdade e da justiça, o que se está em vias de obter mau grado os incidentes do percurso, dirão os seus defensores incondicionais.

Não falta no entanto quem - e até intelectuais responsáveis - considere ter sido o 25 de Abril uma data catastrófica da história portuguesa, senão aquela que veio colocar o país num lugar de parente subalterno da Ibéria ou da Europa.

Para o malogrado e insuspeito Amorim de Carvalho, por exemplo, ela trouxe o fim histórico de Portugal, título do seu livro póstumo, recentemente publicado; o mesmo parece pensar Jaime Nogueira Pinto, no seu "Portugal, os anos do fim", ao escrever que "a grandeza parece ter-se perdido de vez, neste suicídio colectivo que hoje começamos a compreender"; pensa por seu turno Orlando Vitorino, embora por razões diferentes, na sua "Refutação da Filosofia Triunfante", que "o povo onde tudo isto aconteceu pode dar-se, com o que aconteceu, por dissolvido em sua existência histórica".

Quanto aos iberistas, a principiar por Oliveira Marques, que o vem repetindo insistentemente, só o Ultramar permitia ainda a independência portuguesa. "Com os seus 89.000 Km2, situado nos confins da Europa", pode ler-se no "Manifesto ao País", da Liga Iberista Portuguesa, divulgado em 1976, "Portugal deixou de ser um Estado visível no mundo civilizado moderno".

Será preciso continuar a fazer citações no mesmo sentido? "Portugal acabou", "Portugal está dissolvido", "Portugal não é viável": a falta de consenso sobre o significado histórico do 25 de Abril, de tão flagrante, nem careceria aliás de demonstração».

António Quadros («A Arte de Continuar Português»).


«1 - Em 28 de Setembro de 1974, aconteceu uma convulsão política da qual resultou uma série de actos dirigidos contra a liberdade de muitos cidadãos portugueses, contra os seus direitos individuais e a sua própria segurança.

(...) A partir de 28 SET 74, o COPCON surge com poderes ilimitados sobre a segurança e a liberdade das pessoas, arvorando-se até no direito de decidir pleitos, dirimir questões civis, resolver problemas de habitação, embora sem atribuição legal de competência e sem a organização necessária para a realizar, como o declara frontalmente o seu Comandante.
















O mesmo diz ainda que, uma vez presos, o COPCON deixava de se ocupar dos indivíduos-vítimas, pois não tinha meios humanos para efectuar interrogatórios ou organizar processos.

O COPCON efectuava ainda apreensões de bens e congelamentos de contas bancárias, e decretava medidas limitativas da liberdade, tais como interdição de saída para o estrangeiro, residência fixa, etc.

É precisamente no dia 28 SET 74 que o COPCON inicia a sua actividade como corporação policial.

Já fixámos o traço original dessa competência, a qual lhe foi atribuída numa reunião extraordinária realizada a 27 SET 74 na residência oficial do Primeiro Ministro, referida no capítulo anterior.

A partir dessa reunião o COPCON passa a ordenar prisões por inspiração própria ou a rogo de outras entidades. Verifica-se que em muitos casos a sugestão para o COPCON agir, limitando a liberdade e os direitos individuais, se radicou em organizações partidárias que gradualmente se procuraram apoderar da máquina repressiva do Estado, pondo-a ao serviço dos seus interesses políticos e por vezes até de simples vinganças pessoais ou locais.

2 - A dificuldade em esclarecer os factos relativos ao 28 de Setembro é quase intransponível. Desse conjunto de actividades políticas da direita e do planeamento da manifestação ao Chefe de Estado, o Relatório procura extrair a demonstração da existência dum plano para tomada do poder por meios subversivos — ilegais ou violentos.

Porém, essa demonstração é apenas uma dedução e não assenta em factos nem documentos. De resto, em toda a actividade investigatória ou policial conhecida, determinada pelo 28 de Setembro, não existe traço de indicação de actos subversivos ou violentos.

(...) 3 - Na noite de 28 SET 74, depois de ter sido cancelada a manifestação da maioria silenciosa, inicia-se uma acção que, continuando por vários dias, conduz à prisão de muitas pessoas. Não é possível determinar o seu número exacto, mas julga-se que deve andar à roda de 300.

Pelos depoimentos do Comandante do COPCON e do responsável pelo Serviço de Justiça do Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e LP [Legião Portuguesa], e pelos dados conhecidos, podemos distinguir quatro tipos de pessoas vítimas dessa operação:

a) Elementos ligados à organização da manifestação malograda;

b) Elementos cuja prisão tinha sido anteriormente prevista dentro do âmbito da actividade do Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e LP;

c) Elementos políticos do antigo regime e dos partidos e jornais situados à direita depois do 25 de Abril;

d) Elementos de destaque da vida financeira e social.

As prisões são efectuadas com base em mandados de captura emitidos pelo COPCON e pelo SCE da PIDE/DGS e LP.





O motivo indicado nos mandados é o de prática de crime de associação de malfeitores. Essa incriminação fora sugerida numa reunião efectuada algum tempo antes, como fórmula possível para instaurar procedimento criminal aos agentes da PIDE/DGS ou seus informadores, contra os quais não fosse possível a incriminação por outro tipo de crime.

O SCE da PIDE/DGS e LP resolvera, pois, subsequentemente à referida reunião que tivera lugar na Cova da Moura e à qual assistiram, entre outros, o Almirante Rosa Coutinho e o Ministro da Justiça Salgado Zenha, adoptar, até fixação de definitiva doutrina jurídica sobre o problema criminal dos agentes da PIDE/DGS, o critério de incriminação por associação de malfeitores aos elementos ligados à PIDE/DGS e a determinados serviços da Legião Portuguesa.

Ao começar a sua actuação no 28 de Setembro, o COPCON, sem qualquer justificação plausível para emissão dos mandados de captura, adoptou a incriminação utilizada por aquele Serviço. Subsequentemente, salvo raras excepções, essa fórmula da "associação de malfeitores" generalizou-se como fórmula-chapa, sendo universalmente utilizada pelo COPCON durante mais de um ano, nos mais variados casos e para as pessoas mais diversas.

As prisões foram efectuadas por forças militares do COPCON, mas também por grupos civis ou pelo menos orientados por civis. É de registar sobretudo a intensa actividade desenvolvida por um médico, membro do PCP. Assim, tem-se conhecimento de ter sido esse médico quem participou nas prisões do Dr. António Maria Ferreira, de Francisco Hipólito, de José Raposo e de vários outros.

As prisões foram efectuadas por vezes de forma incorrecta e grosseira, acompanhadas de insultos e ameaças, de buscas nem sempre autorizadas com mandado para tal fim e do desaparecimento de objectos de valor e dinheiro.

- Uma queixosa, Maria Júlia Loureiro Rebelo, diz que foi presa por oito indivíduos armados, sem mandado de captura, que ameaçaram de a matar se não os acompanhasse.

- O professor de liceu José Gonçalves Narciso queixa-se de ter sido feita, por um oficial de Marinha à frente de uma força militar, uma busca à sua casa sem qualquer mandado e, pelo mesmo oficial, ter sido preso em Caxias e colocado incomunicável numa cela de reduto norte, onde esteve dez dias sem que lhe fosse dada qualquer justificação nem apresentado mandado de captura. Foi posto em liberdade no dia 6 OUT 74 por se averiguar, segundo declara, que fora vítima de uma denúncia falsa. Não lhe foi comunicado nem o teor nem a autoria dessa denúncia.

- Carlos Rodrigues Machado, estando ausente em férias desde 26 SET 74, na Galiza, soube telefonicamente que o procuravam para ser detido, tendo-se apresentado no final das férias, a 14 OUT 74, na Rua António Maria Cardoso. Foi imediatamente levado para Caxias. Esteve oitenta dias preso, quarenta e cinco dos quais incomunicável. Não existe processo nem nos arquivos do COPCON nem dos Serviços de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e LP.

- O Eng . José Joaquim Pedroso Santos foi preso a 27 SET 74, parece que por denúncia falsa relativa a um carro que vendera tempos antes, mas que ainda se encontrava em seu nome. Muito doente de uma úlcera no duodeno, sofreu uma hemorragia interna na cadeia de Caxias. Mal tratado, teve que ser sujeito a uma operação, depois da sua libertação, em 17 OUT 74, e morreu a 3 DEZ 74.









Foi transportado do RAL 1 para Caxias num carro aberto, guardado por soldados com metralhadoras apontadas, sendo no percurso, ele e os outros presos, vaiados pela multidão, fotografados e filmados. O seu nome foi publicado em jornais de parede e num comunicado em papel verde do MDP/CDE afixado nas ruas de Lisboa e intitulado Relação dos fascistas presos.

- O General Arnaldo Schulz, Ministro do Interior no antigo regime, foi preso em condições de ultraje degradantes perante uma pequena multidão, provavelmente alertada pelos comunicados do MDP/CDE, que já publicara o seu nome em listas de detidos. A força militar que o foi deter era constituída por um subalterno e três praças. O próprio Comandante dessa força denunciou a forma desnecessariamente humilhante como decorreu a prisão.

Estes casos que apontamos, entre os detectados, servem de exemplo dos métodos seguidos.

4 - Arbitrariedade das prisões

- Verifica-se que na maior parte das prisões de que esta Comissão tem conhecimento, elas foram efectuadas com arbitrariedade manifesta, sem sequer terem relação com os factos ocorridos no 28 de Setembro, algumas sobre denúncias sem fundamento e quase todas de acordo com listas fornecidas ao Comandante da COPCON. Já vimos que a proveniência dessas listas foi, relativamente aos elementos ligados à Legião Portuguesa, o SCE da PIDE/DGS e LP. Quanto às outras, há dados que permitem atribuir um papel decisivo ao MDP/CDE, quer pela extraordinária actividade desenvolvida por essa organização durante toda a crise, quer pela publicação dos jornais de parede, das folhas volantes e cartazes, da sua responsabilidade.

5 - Violências no acto da prisão

- Verificaram-se arrombamentos de casas, com roubos de objectos e valores, prisões efectuadas durante a noite, ameaças aos detidos e detenção em condições insólitas.

- Luís Manuel Caldeira Castelo Branco Cordovil afirma ter sido levado para o RAL 1 vestido apenas com umas calças de pijama, pois era assim que se encontrava na cama e para o que era não precisava de mais. A sua prisão é significativa: altas horas da noite, murros na porta e intimação de abrir em nome das Forças Armadas. À sua exigência de identificação respondem com tiros. Como tinha uma pistola, atirou também através da porta. Depois abriu na presença da GNR. Foi acusado de ter ferido ou morto alguém, mas nunca tal acusação foi concretizada. Esteve rigorosamente incomunicável muitos meses e só foi solto em DEZ 75. Não existe processo.

- Quase todas as queixas apresentadas à Comissão referem a prisão durante a noite.

- As buscas efectuadas foram quase sempre sem mandado.

6 - Incomunicabilidade e negação de assistência judiciária

- Em muitos casos, a incomunicabilidade prolongou-se durante meses, sem sequer ser consentida a visita de familiares mais próximos.

Mesmo depois de autorizadas as visitas da família, continuou a ser negado o direito aos advogados de verem e falarem com os seus constituintes. Por vezes, essa autorização foi dada, como favor pessoal e excepcional, pelo Comandante do Forte de Caxias e sempre na presença de estranhos. O direito à intervenção de advogados chegou a ser negado em termos desagradáveis e descorteses para os próprios advogados. O caso mais flagrante foi o do General Kaúlza de Arriaga, a quem a visita do advogado foi negada - em termos definitivos por despacho do Comandante do COPCON.






Em nenhum caso foi permitida, contra a lei, a assistência de advogados aos interrogatórios.

7 - Ilegalidade do processo do 28 DE SETEMBRO 

- Apesar de terem sido presas cerca de 300 pessoas, não foi, ao que parece, instaurado um único processo criminal, e nem sequer foi entregue qualquer queixa ou acusação a algum serviço regular ou especial de Promotoria de Justiça.

Trata-se, pois, dum acto de violência, colectiva, cuja amplitude delineada era aliás muito maior, pois centenas de pessoas fugiram e muitas outras não foram encontradas em casa, o que fez com que fossem naturalmente esquecidas. O motivo geral da perseguição foi ideológico. Como já se disse, muitas prisões foram determinadas pelo que as pessoas tinham sido, outras pela sua ligação com o acto político da manifestação e outras ainda não se inserem em qualquer contexto, resultando ou de denúncias irresponsáveis ou da inclusão do nome em listas.

Bernardino Mendes de Almeida, cuja prisão durará até DEZ 74 para depois se renovar de 11 MAR 75 a OUT 75, e Manuel Gonçalves, detido durante 20 dias, representam simbolicamente, no 28 de Setembro, o ataque, depois generalizado, a todos os chefes de empresa e dadores de trabalho.

8 - Outras violências paralelas

À maioria dos detidos, e nomeadamente em todos os casos de queixa apresentados à Comissão, foram congeladas as contas bancárias por determinação do COPCON ou da Comissão ad hoc. Ainda existem alguns casos de contas congeladas, que assim se mantêm, já passados quase dois anos, e apesar de todas as exposições e requerimentos apresentados, nomeadamente ao Conselho da Revolução.

Para os detidos militares, foi sistematicamente cometido o vexame da prisão à margem do preceituado pelo Código de Justiça Militar e, normalmente, em condições particularmente humilhantes.

Todo o processo do 28 de Setembro foi uma violência colectiva e continuada, assente num procedimento ilegal e arbitrário e no desprezo pelo direito das gentes.

Neste contexto, a correspondente responsabilidade é compartilhada desde os mais altos escalões do Poder até àqueles que ordenaram ou executaram os procedimentos directos sobre as vítimas.

A Comissão é do parecer que essa responsabilidade seja apurada no processo e foro próprios».

EXCERTOS DO RELATÓRIO DAS SEVÍCIAS ACERCA DO 28 DE SETEMBRO DE 1974







«Cinco horas da tarde.

Houve agora mesmo mais uma rendição de sentinelas. Acabara de me levantar da cama, sobre a qual me deitara vestido, depois de ingerir dois "Saridon",

Doía-me a cabeça. E as dores eram muito fortes. Talvez por ter hoje pensado demais. Nem sequer lera muito. Apenas dois pequenos contos da "Antologia Policial", de Dick Haskins. E uma vista de olhos pelos jornais da manhã.

Foram os jornais, aliás, que me estragaram o dia. Mais propriamente uma notícia, baseada em nota emanada do Gabinete do Ministro da Justiça, deixara-me um tanto ou quanto perturbado. Estupidamente - talvez. Mas um homem - por mais força moral que tenha, por mais coragem que consiga armazenada - nem sempre consegue furtar-se a certos estados de alma que o abatem. Que o desanimam profundamente. Que fazem dele um revoltado. Contra ninguém, em especial, mas contra os factos - contra as circunstâncias.

Hoje tem sido, realmente, um dia mau para mim. Em que tanto me faz que sejam oito da manhã, como três da tarde, como... onze da noite.

Um homem até chega a pensar que deixou de existir. Mas, depois, sabe que nasceu e ainda não morreu. Porque se move. Porque pensa. Porque fala. Porque sofre. E só quem está vivo é que se move, pensa, fala e sofre.

Saltei, há momentos, da cama, depois de ter tido uma longa conversa (mais uma) comigo mesmo. E enquanto falava, olhava o tecto branco da minha cela. E o armário de madeira, onde tenho as minhas coisas. E a porta de madeira, com o postigo metálico, pintado de preto.

Aquela notícia deixara-me confuso - mais do que já estava.

Um título a três colunas - "Não há presos políticos depois de 26 de Abril". A seguir, o esclarecimento do Ministério da Justiça, rectificando a expressão usada pelos jornais, em relação àqueles que, como eu, se encontram detidos. Lembro-me que, ainda há dias, ao escrever um dos capítulos deste livro, referi a expressão "preso político". Pelos vistos, impropriamente. Erro que cometi involuntariamente.

A nota é bem clara: "sobre os que foram detidos após o 25 de Abril - funcionários das organizações militarizadas e policiais que mantinham o aparelho de Estado fascista - recaem acusações de crimes comuns, assassínios, abuso do poder, maus tratos físicos, etc."

Diz mais a nota que "simultaneamente encontram-se privados de liberdade, alguns suspeitos de participação na tentativa de sublevação da legalidade democrática, verificada em 28 de Setembro".

"A incriminação - acrescenta a nota - referente a estes casos também é de direito penal comum, dado que, como é do conhecimento geral, na base dos acontecimentos ocorridos na madrugada de 28 de Setembro, encontrava-se uma tentativa de alteração da ordem, através de meios violentos, entre os quais se pode citar, a título de exemplo, a preparação do assassínio do senhor primeiro-ministro".

Foi, por isso, que me encontrei a falar sozinho, a meia-voz, deitado sobre a cama da minha cela.

Sou, afinal, suspeito de ter participado (ou tentado participar) numa alteração da ordem, através de meios violentos, entre os quais um assassínio.








Suspeito de ser um fora-da-lei - eu que sempre tive a preocupação de a respeitar. Que sempre a respeitei.

Suspeito de ser um desordeiro, um agitador e - quem sabe? - um assassino em potência!

Repeti estas palavras, vezes sem conta. Indignado e - confesso - também estupefacto. Percebi que tinha os olhos dilatados e acabei por fixá-los, apenas, num ponto do tecto branco da cela.

Eu, suspeito de delito comum?

Eu, que nada fiz de condenável em toda a minha vida. Cujos "crimes" se resumem em ter sido, tantas vezes, iludido na minha boa-fé? Que tenho tido problemas - alguns bem graves - por ter sido enganado por certos senhores muito respeitáveis. Eu, que não roubei, que não matei - que sempre abominei actos de violência, prepotências e injustiças. Eu, que sempre procurei contribuir para o bem dos outros, na medida das minhas possibilidades. Eu, que me recusei, sempre, a tirar qualquer proveito de situações menos claras.

E, preso como suspeito de prática de delito comum!

Aqui, metido numa cela, privado da liberdade que tanto amo - com a consciência de que estou inocente - enquanto lá fora se pavoneiam alguns dos que iludiram a minha boa-fé. Que me enganaram miseravelmente. Que, afirmando-se "senhores muito respeitáveis" me prejudicaram com a maior das sem-cerimónias.

Mas então como é isto possível?

E já não falo dos que roubaram e continuam roubando. Dos que assaltaram e continuam assaltando. Dos que exerceram prepotências e continuam a exercê-las - agora talvez mais cautelosamente. Dos que cometeram - e continuam a cometer - injustiças. Dos que se entregaram à violência e são capazes de voltar a fazê-lo.

Quantos desses andarão, tranquilamente, a passear pelas ruas de Lisboa, como pessoas de bem? A frequentar os bons restaurantes e alguns "tascos", onde certa "gente bem" gosta de exibir a sua... democracia?

Quantos continuarão a "assinar o ponto", regularmente, nos bares e boites, não dispensando o seu tão apreciado whisky velho - pago, muitas vezes, com o dinheiro com que não pagaram as suas dívidas?

Quantos desses andarão agora a apregoar os seus ideais que dizem que sempre tiveram, mas que não podiam revelar? Quantos se utilizarão dos meios de comunicação social para se tornarem arautos dos... "princípios pelos quais - dizem - sempre lutaram"?

Os mesmos que não se eximiam a "conviver", intimamente, com figuras destacadas do antigo regime e que não tinham o menor pejo em lhes solicitar constantes ajudas ou subsídios. Que nunca se esqueciam de convidar essas figuras destacadas, para almoços e jantares, ou para um simples drink em qualquer recatado bar de primeira categoria. Isto sem falar dos cartõezinhos de cumprimentos, a propósito de mais um aniversário da sua posse, ou de bons presentes na quadra natalícia.

Mas esses continuavam a ser livres como as andorinhas na Primavera. A ser pessoas muito respeitáveis e. nalguns casos, muito... influentes.

E eu? Eu continuo aqui, enjaulado, a falar sozinho e a olhar o tecto branco que não tem nada para ver... Eu, continuo aqui como um incriminado de "direito penal comum".

A "apodrecer" ou a tirocinar para... louco!

O mundo é, de facto, uma coisa maravilhosa...».

Artur Agostinho («Português sem Portugal»).










«De facto, uma vez ultrapassado e minimizado o fenómeno eleitoral [eleições para a Constituinte], como se o Povo Português não tivesse inequivocamente demonstrado o que queria e o que não queria - o Partido Comunista e os orgãos por ele controlados ou simplesmente influenciados, com o indisfarçável apoio dos militares "progressistas", iniciaram nova escalada, como se nada se tivesse passado, em ordem a recuperarem do fragoroso desaire registado nas urnas, tanto na reunificação e reforço moral dos seus militantes - no plano interno do Partido - como na reafirmação ou demonstração, perante o resto do País, de que o PC continuava a constituir a verdadeira vanguarda da "revolução socialista" iniciada em 25 de Abril de 1974. No desencadear de novas e cada vez mais aceleradas actuações de tipo "revolucionário", não estaria ausente, por certo, a preocupação de restabelecer no plano externo (União Soviética e bloco socialista, PCs da Europa Ocidental) a ideia de que o Partido prosseguia, no processo em curso em Portugal, na efectivação segura e vitoriosa do projecto de "democratização popular", cuja estratégia fora estabelecida e viria a ser orientada por Álvaro Cunhal.

A violenta ofensiva contra o Partido Socialista (e os esforços desesperados que intentaria para desacreditar a sua chefia perante as bases); a insistência na marginalização do PPD e na ilegalização do CDS, atribuindo-lhes pseudo-actividades conspirativas; os termos em que vem a ser preconizado o maior reforço da unidade das massas trabalhadoras, impondo-lhes a subordinação a cúpulas sindicais não eleitas e ao controlo da Intersindical de exclusiva direcção comunista; a contribuição que continua a ser dada ao aniquilamento das estruturas da economia, provocando uma autêntica situação de "terra queimada" - ao mesmo tempo que, a nível de Governo, é lançado o grito de alarme a favor de uma "batalha da produção", que não passa de um "slogan" sem sentido, puramente demagógico; sabotada essa mesma batalha da produção pelo surto de nacionalizações selvagens, maciças, das maiores empresas nacionais para a administração das quais o Estado não dispunha de sistemas de gestão adequados, confiadas desse modo ao chocante amadorismo de indivíduos ignorantes; a intensificação de formas de apoio e interferência a acções de carácter subversivo em Espanha, assim como a virulência crescente da campanha contra a NATO, a CEE, as democracias do Ocidente Europeu e, em especial, os Estados Unidos e o Brasil; a pressão exercida a favor da neutralização da base aérea dos Açores, bem como a subtracção a qualquer influência ocidental dos territórios de Cabinda em Angola; a manutenção de grupos populares fortemente armados, no continente, e bem assim as cada vez maiores disponibilidades oferecidas à actuação da KGB soviética em Portugal - tudo isso, adicionado ao domínio por assim dizer total dos orgãos da Imprensa, Rádio e Televisão, tornava cada dia mais grave a ameaça que pesava então sobre o Povo Português, e sobre a Península Ibérica, da instauração de um regime ditatorial de opressão e miséria de controlo pró-soviético.

Minoritário e sem expressão nem dimensão nacional, o Partido Comunista e seus aliados activos ou passivos, pretendia a todo o custo reeditar neste extremo ocidental da Europa formas de efectivação do domínio comunista já experimentadas, com sucesso, no centro e no leste do Continente. As Forças Armadas portuguesas, na altura expurgadas dos seus quadros mais válidos e conscientes, deixaram-se tornar presa fácil dos oficiais "progressistas" que, corrompendo as estruturas da hierarquia e da autoridade, agiam em obediência a Álvaro Cunhal e seus assessores, nacionais e estrangeiros.

Apesar do insucesso clamoroso das eleições para a Constituinte, nem mesmo assim o Partido Comunista desistiu dos seus claros intentos de bolchevização do País. Meses antes, com apoio do sector esquerdista das Forças Armadas, e por forma a "criar" um rosto humano contrário à sua vocação totalitária, mas através do qual pretendia cobrar dividendos para as eleições de Abril - havia sido estudada e montada a operação celebrizada com o nome de código "Nortada". Sabe-se como, por reacção espontânea das populações da região, foi ali agressivamente recebida a "embaixada humanitária" para a promoção das classes mais desfavorecidas. Não duraria muito a experiência pedagógica, porque em muitos casos os filantropos" foram corridos à pedra...







Em fins de Maio, já depois do acto eleitoral, voltaram à carga e montam, em moldes sensivelmente idênticos, a operação agora denominada de "Maio-Nordeste", com vista a "emancipar" os povos de Trás-os-Montes. Representantes simulados das Forças Armadas para ali se deslocaram, em regime de voluntariado, a fim de construir a sua dinamização interna, fundindo-a no esclarecimento e dinamização das populações. Eles o disseram, na sua "extrema bondade" e acção desinteressada em favor dos desfavorecidos: "Por tudo isto (por todas estas aldeias, sem águas correntes, sem energia eléctrica, sem estradas, sem escolas, sem médicos) veio o MFA. Por tudo isto vai ficar. O tempo que for preciso, para modificar de forma rápida e acentuada a situação socioeconómica das populações, sem esquecer que o problema deste 'País real' se insere noutro mais lato - o da pátria portuguesa"... Ainda segundo o aspirante Mateus - um dos "reformadores" de Trás-os-Montes - "O MFA, não pretende realizar uma acção esporádica de resultados duvidosos, mas proporcionar às populações uma ajuda concreta, dando-lhes capacidade de iniciativa capaz de vivificar a dinâmica da organização popular. Seguindo esse rumo, os militares têm fomentado a eleição de assembleias e comissões de aldeias e de utilizações de terrenos baldios, preparando o terreno para uma reforma agrária"... Este "benemérito aspirante", com ideias tão preclaras sobre como alterar rapidamente complexas situações socioeconómicas, de uma zona extremamente pobre, acrescenta que nestes e noutros aspectos vive-se, por exemplo, em Vinhais, como se vivia na Idade-Média, em pleno século XII. Mesmo assim vivendo, com um atraso de quilómetros da civilização dos países comunistas do leste europeu - a verdade é que durou pouco, também, esta tentativa de manipulação das populações transmontanas e o aspirante Mateus e a "cowboiada" do MFA foram dali corridos e enchotados a pau... E assim acabou, em pouco tempo, mais uma "dinamização cultural", perdendo-se o ensejo de uma ridente "reforma agrária", que tão promissora se mostrava. Uma pena...

Continuava, apesar de tudo, a escalada do PC e dos grupúsculos esquerdistas, com penetração ao nível dos Quartéis, por meio dos SUVs (soldados unidos vencerão), através dos quais se procurava veicular para as unidades do exército e da marinha um completo ideário de subversão, aliás fácil de instalar onde era já por então visivelmente patente a degradação da disciplina e máximo da libertinagem. Pretendia-se desse modo quebrar, a nível militar, o único elemento capaz de se opor a um eventual golpe de força para repor a autoridade do Estado que se achava praticamente inexistente. Com efeito, o que restava de Forças Armadas dignas desse nome era bem pouco. O exemplo dos oficiais, sem o mínimo de dignidade e brio, nivelando-se praticamente com os soldados, desmobilizava as unidades, tornando-as inoperantes e inofensivas.

A acção dos SUVs, neste contexto, arrastava os trabalhadores e outras camadas da população para uma prática sistemática de contestação, o que se repercutia ao nível das empresas por um índice de produção assustadoramente baixo, quer pelo tempo útil perdido em plenários, nas horas de trabalho, quer pela taxa de absentismo cada vez mais elevada. Às reivindicações irrealistas, não raro se sucediam, num ritmo alucinante, greves selvagens cujo objectivo era destruir o aparelho económico, elevando o clima de agitação social até um ponto de ruptura. Um pouco mais tarde, o 25 de Novembro, daria a explicação deste tumulto e desta anarquia. A complacência e a cobardia dos agentes do Poder, cobririam todos estes desmandos, estimulando-os mesmo, nalguns casos...

(...) Em 18 de Junho de 1975, manifestantes católicos que se propuseram dar o seu apoio ao Patriarcado, na questão que se arrastava na Rádio Renascença, viram-se subitamente cercados e atacados por contra-manifestantes da esquerda revolucionária, tendo que procurar abrigo no edifício do próprio Patriarcado. Algumas pessoas ainda conseguiram ser evacuadas, em "carros abertos" do exército, por forças do COPCON, enquanto várias centenas, encurraladas, só puderam deixar as instalações do Patriarcado pelas 11 e 30 do dia seguinte. Ninguém nem nenhuma autoridade responsável deste País teve possibilidade de intervir ou de impedir tão desagradável ocorrência. O que se passava no Patriarcado de Lisboa, em plena capital, era a denegação pura e simples da autoridade constituída: o saque, a libertinagem, o fim de uma Nação que até há pouco preservava os valores supremos como expressão de um Povo, de uma ideia, de uma Pátria, de uma Religião. Era o começo da peça final, dum fim próximo!






Entretanto, em 25 do mesmo mês, o quinzenário "Movimento", boletim pró-comunista informativo das Forças Armadas, dirigido pela Comissão Coordenadora do Programa do MFA, que nos textos publicados e na doutrina expendida pouco se diferençava do orgão do PC "Avante!" - escrevia: "Os verdadeiros problemas do País são os problemas da construção do socialismo. Assiste-se em Portugal a uma luta muito dura e difícil entre as camadas exploradas e os estratos que pretendem manter essa exploração". E, para apaziguar os ânimos, acrescentava: "Sabemos bem que os que pretendem manter os privilégios e a exploração, utilizam todos os meios para conseguir os seus fins, desde o subtil boato, até à opressão armada, passando pelo tenebroso aproveitamento de todas as divergências surgidas entre nós". Terminava a sua arenga sobre os verdadeiros problemas do País, declarando, como sempre, a sua isenção, nos seguintes termos: "O MFA reafirma a sua posição suprapartidária, a intenção de caminhar com o povo português para o socialismo, que não será no entanto possível em Portugal sem os Partidos Comunista e Socialista"...

(...) A situação, no entanto, no Verão quente de 1975, degradava-se de forma assustadora. Os grandes matutinos de Lisboa e Porto inseriam títulos em 1.ª página como "UM PAÍS DE OPERETA", "UM PAÍS DE DOIDOS", "UM PAÍS EM SALDO". Um soldado do Regimento de Cavalaria de Santarém, falava para um jornal diário e dizia, referindo-se ao comandante do COPCON: "esse general de merda do OTELO"... Outro, por seu lado, em relação ao comandante da Região Militar do Centro, desabafava: "esse corrupto lambe-botas do Charais"...».

João M. Da Costa Figueira («25 DE ABRIL: A REVOLUÇÃO DA VERGONHA»).


«Quer fazer um juízo sobre o Estado Novo à luz da História?

Um juízo sobre o Estado Novo à luz da História? Mas a História é uma mão-cheia de interpretações de factos que existiram ou que se supõe terem acontecido.

Eu considero este período, de quase quarenta anos, como um dos poucos em que houve ordem em Portugal, onde se conseguiu trabalhar eficazmente. Foi o único período desde D. João V em que não obedecemos a pressões dos credores e batemos o pé às grandes potências. É que nós andávamos muito atrasados e não me parece que os passos na Primeira República tivessem avançado muito...

Nos principais anos da minha longa vida fui duas dezenas de vezes intimado a voltar para casa por uns senhores com cartucheiras e espingardas às costas, que exerciam a profissão de revolucionários civis: "Hoje não há escola", "Hoje não há liceu"... Já professor de liceu, via as aulas do Pedro Nunes interrompidas por outros profissionais que já ostentavam petardos nos cintos. O Rato era o local interdito nesses tempos em que não existia a Avenida Álvares Cabral. Como passar para as Avenidas Novas? Lá ia eu, chapéu de coco e bengala, distribuir garotagem que morava para lá do Parque Eduardo VII. Outros professores chefiavam outros grupos. De vez em quando encontrávamos patrulhas, ora de revolucionários civis, ora de "outros" revolucionários. Obrigavam-me a gritar "Viva a República" ou "Abaixo a militança!".

Viveram-se assim dezoito anos! Não venham com "teorias" os que os não sofreram!. Não evoquem o mito da liberdade! Não tínhamos Armada, não tínhamos Marinha Mercante, não tínhamos Exército! Teimámos em ir à guerra contra o parecer da nossa Velha Aliada, que sabia que nada iríamos fazer à Flandres.






Durante três ou quatro anos vi as ruínas das "régions devastées", como um turista que visitasse as ruínas de Pompeia. Havia mesmo comboios especiais com horários diários. Com o coração amargurado só ouvi falar da intervenção da nossa tropa em Armentières e em La Couture. Vi as ruínas de Espanha. Vi ruínas novamente em França, na Alemanha, em Inglaterra, na Bélgica, na Holanda.

O Estado Novo conseguiu equilibrar-se numa neutralidade que permitiu acolher crianças austríacas e gentes em fuga temerosa. Numa terra de solo paupérrimo e de subsolo desconhecido, iniciámos uma marcha para a prosperidade que ia impante por sermos dirigidos pelo único Homem de Estado surgido em Portugal desde os começos do século passado. Um homem honrado, não egoísta, missionário da ideia de que qualquer sociedade tem de ser hierarquizada para poder trabalhar com método na execução de um plano. Do que aconteceu depois da revolução de 1974, pouco sei. Nestes últimos anos passei a França e daí ao Brasil, onde fui encontrar duas centenas de milhar de Portugueses fugidos da Europa e de Angola. Alguns milhares de fugitivos conseguiram transportar consigo móveis, tapeçarias, loiças, pratarias, quadros, livros, obras de arte... Como foi isto possível, não sei... Portugal ficou imensamente mais pobre, mas deu ensejo à formação de fortunas de antiquários portugueses nascidos da competição.

(...) Desde a Revolução Francesa que Portugal sempre obedeceu aos seus credores ou às potências poderosas no mar. Salazar não obedeceu aos credores porque acabou com eles. "Orgulhosamente só", conseguiu poupar Portugal à guerra que destrói choupanas e monumentos, museus e bibliotecas, florestas, pomares e prados; que mata gado e populações que surgem amalgamadas num número e sob a designação de "mortos de guerra".

Ficam heróis, ficam mitos, renascem ódios. Espera-se que o tempo esfarele essas realidades momentâneas. Ficarão Histórias e historietas, que são tentativas de interpretação, convicções de historiadores!».

Francisco de Paula Leite Pinto (in «Salazar visto pelos seus próximos - 1964-68»).


«Despedia-se o embaixador Senghor, do Senegal. Já se sabia que era uma fatalidade encontrar no "cocktail" do "Altis", como noutros do género, algumas das figuras degradantes do PREC [Processo Revolucionário em Curso].

(...) Entra, a certa altura, com a mesma cara e a mesma disposição com que numa certa noite o vi nos "écrans" da Televisão anunciar que nos iria mandar a todos para o Campo Pequeno, com a mesma cara e a mesma disposição com que um dia nos anunciou que, sim senhor, "as armas roubadas estavam em boas mãos", o ex-general (o que já deveria ser ex-major) Otelo Saraiva de Carvalho.

Entra a personagem e encosta-se a uma mesa. Encosta-se e espera. Sempre o julguei tolo, mas quando cumpre à risca o programa traçado pelos seus mentores, parece menos do que na realidade é. A jogada foi perfeita, quando perante a quase incredulidade de muitos, algumas pessoas se foram aproximando do Saraiva para o cumprimentar.

Eu tremia de indignação. O mesmo se passava com os oficiais que comigo estavam. Revoltados, diziam que isto já não era um País do "terceiro mundo", mas sim do quarto. O melhor estava para chegar. Ou o pior. Aquilo que me faz escrever esta nota desiludida, magoada, humilhada e ofendida.

Gosto muito de brincar. Mas aquilo era a sério. Estava ali o responsável por um rol de crimes ainda por julgar (quando? quando?): assaltos a casas e pessoas, torturas e sevícias físicas e morais horrorosas, prisões às centenas e sem culpa formada, etc., etc. Estava ali o responsável pelos chamados GDUP's grupos aventureiristas que em tantos casos têm agido marginalmente (à Lei). Impunemente, quando não com a benção de certas autoridades. Mas nesta tarde eu ia ter explicação para tudo isso e para muito mais...


Otelo e Ana Maria Caetano







Mário Soares e Otelo Saraiva de Carvalho











Pois bem, depois dos admiradores que eu desconhecia (ou se conhecia, não tinham significado), surge afectuoso e rindo com todos os dentes (tem muitos) o PPD Marcelo Rebelo de Sousa. Entendi. Era um jornalista e Otelo, apesar dos seus crimes, é notícia. Já entendi menos quando se aproximou - e o abraçou - Francisco Pinto Balsemão, que, apesar de tudo, também é jornalista. Também sorriu (com o bonito sorriso que tem), também sorriu largamente e deixou que o fotografassem. Comecei a sentir-me mal. Mas pior haveria de sentir-me quando, logo a seguir, entra Mário Soares. Sim, o primeiro-ministro, o homem que tem neste momento, uma das maiores responsabilidades neste País tão achincalhado por Otelo. Pois Mário Soares afastou-se com ele, também rindo e conversando larga e afectuosamente. Com fotógrafos e tudo. Nesta altura já eu estava escondida atrás de uma coluna para não continuar a ver aquilo que, afinal, não poderei esquecer.

Foi nessa altura que me disseram: "Se já está tão incomodada, não olhe. Porque chegou a vez de Firmino Miguel".

Não. Não desmaiei. Junto a mim, um capitão daquilo que resta do Exército português, dizia-me: "Eu não irei. Eu não falo com porcos. O meu nome é tal. Ponha no jornal, se quiser". Mas eu não ponho. Porque não estou segura, depois disto, do que lhe poderia acontecer. Aquele desabafo consolou-me um pouco do que acabava de ver. Mário Soares e Firmino Miguel conversarem em público, numa festa, com Otelo Saraiva de Carvalho, depois de tudo?

Já não quis ver mais. Continuei escondida. A pensar na "mulher de César". Dali saí depois de Mário Soares e de Firmino Miguel, PARA NÃO OS ENVERGONHAR.

Depois dos mandatos de captura em branco, depois das entregas de armas, depois das responsabilidades nas torturas, etc., o que queria dizer aquela afectuosidade?

À porta, ouvi de Caetano Cunha Reis: "Isto nunca foi uma revolução marxista. Foi uma revolução freudiana".

Concordei. E aqui está o que eu considero um fim de tarde inquietante».

Vera Lagoa («A CAMBADA»).


«Retomo (...) a ideia que já tinha defendido em Londres em 1984, na conferência cujo texto introduz este livro, quando, a encerrar, considerava que os orgãos de soberania, em vez de se empenharem na defesa e aprofundamento da Constituição, que acolhia os avanços revolucionários verificados, foram, pelo contrário, todos eles, uns com mais responsabilidade do que outros, mas todos com a sua quota-parte, coniventes nas violações à lei fundamental, acabando por conferir ao processo político-constitucional uma orientação que nada tinha a ver com o sentido programático da Constituição de 1976.

Quis instalar-se a ideia de que a Constituição era utópica, desajustada à realidade. A verdade é que tudo isso ficou por provar porque, afinal, o seu projecto nunca chegou a ser testado [isto é: a sociedade rumo ao socialismo].







É exemplar a declaração de um constitucionalista e político, crítico da Constituição, em conferência num local oficial, muito antes da abertura legal da primeira revisão constitucional que ocorreria em 1982, mas quando a revisão era já uma bandeira agitada pelos sectores conservadores. Dizia o conferencista não estar nada preocupado com a revisão constitucional, porque: "Todas as revisões das constituições em Portugal têm sido inconstitucionais. As constituições têm sido sempre subvertidas, ao longo da sua existência, por leis anticonstitucionais" [Marcelo Rebelo de Sousa - Conferência no Curso de Defesa Nacional, 1980, Instituto de Defesa Nacional, Lisboa, 20 de Março de 1980]. E acrescentava, com mal disfarçado triunfalismo, que o mesmo estava já a acontecer com a Constituição então em vigor.

Já sublinhei que, depois do 25 de Abril, os processos revolucionário e contra-revolucionário se desenvolveram em simultaneidade. Acrescentarei agora que conviveram no seio do próprio Conselho da Revolução, e a componente contra-revolucionária teve um forte apoio no aparelho militar.

Só que ao contrário do golpe militar de 25 de Abril e do processo revolucionário que se lhe seguiu, abertamente assumido, frontal, franco, cara descoberta e coluna direita, com rostos e nomes de responsáveis, o processo contra-revolucionário foi insidioso, subserviente, traiçoeiro, anónimo, terrorista, desresponsabilizado, não assumido. Talvez estes condimentos tenham sido a receita do seu êxito.

O certo é que foi com a entrada em vigor da Constituição que vingou, o que tinha sido tentado, sem êxito, com o chamado "golpe Palma Carlos", com o 28 de Setembro, com o 11 de Março.

A nível dos jogos de poder, Maquiavel sabia do que falava».

Pedro Pezarat Correia («Questionar Abril»).


«A política aqui em Portugal não é o povo, porque eu vou à Baixa e ouço e vejo muita gente a dizer mal do Guterres e do Sampaio, deste e daquele, olhe que é raro ouvir dizer bem do Guterres.

Veja o caso de Salazar. Morreu pobre, não tinha casa no Algarve, nem apartamento em Lisboa ou vivenda em Cascais. Não sou salazarista, mas vivi a vida dele, andei com ele [estivera um ano e tal como trintanário do Presidente do Conselho]. A casa dele em Santa Comba Dão é modesta, a campa dele é uma campa rasa, só lá está escrito Dr. António de Oliveira Salazar, não tem mais nada. Um homem que viveu para o povo. Mas os políticos de agora...!


Quando estive em São Bento, à quinta-feira, era ver o que os pobres iam lá buscar... Do ordenado dele tirava um xis para dar aos pobres. Ele entendia que o comunismo na Europa era um mal para o mundo».

Entrevista a João dos Reis Pestana Pau Branco (in Dalila Cabrita Mateus, «Memórias do Colonialismo e da Guerra»).


«Estamos em fins de Agosto de 2002 e ainda há momentos ouvi na televisão um apelo angustiante para a dramática situação que se vive em Angola onde dezoito crianças morrem em cada hora por subnutrição, doença ou qualquer outra causa. Talvez há cerca de um mês, a presidente da Cruz Vermelha Portuguesa - Dr.ª Maria Barroso - se deslocou àquele país com uma comitiva da mesma organização humanitária para se certificarem, in loco, da real situação que ali se vive (como se as imagens e os relatos que nos chegam não fossem suficientes) e se as remessas de ajuda chegavam ao seu destino. Assisti à cena, absolutamente patética, de ver a senhora presidente beijar repetidamente as mãos de uma criança a qual, nas suas palavras, parecia que os ossos lhe pretendiam atravessar a própria pele. A criança, aparentemente moribunda, tinha o olhar parado como se nada se passasse à sua volta. Dizia a senhora que aquele ser, talvez duns cinco ou seis anos, estava carente, extraordinariamente carente, de carinho, de amor! Como é possível fazer tais afirmações quando era por demais claro e evidente que àquela criança já não interessavam carinhos, pois agora tão-só lhe restava morrer. Aquela criança não tinha passado, ou então o seu passado fora uma tragédia de fome e de doença num país à beira da agonia. Omitia a Dr.ª Maria Barroso que o seu marido é um dos grandes responsáveis pela tragédia que se abateu sobre aquele território após a chamada descolonização que ele começou por classificar de espectacular, depois de exemplar e, por fim, de possível. Como é admissível tal atitude quando o ilustre casal Soares sabia quem foram os seus compatriotas que transformaram um território cujo padrão de vida antes do 25 de Abril era o terceiro de toda a África sub-sahariana (sendo apenas suplantado pelo da África do Sul e pela, então, Rodésia) num país em que se estima estarem cerca de quatro milhões de pessoas ameaçadas de morrer de fome! Na revista Visão, de 1 de Agosto de 2002, num artigo intitulado "Vidas de Pesadelo", de Jorge Araújo, escrito durante a sua deslocação a Angola, pode ler-se: "Quando a paz chegou, a mata abriu-se e surgiram fantasmas por entre o capim. Eram sobretudo mulheres e crianças - muitas crianças - que desconfiavam até da própria sombra. Pareciam estátuas tristes e silenciosas colocadas em fila indiana, os pés descalços e inchados de tanto andar, pedaços de farrapo a embrulhar os corpos esqueléticos devorados por feridas, rostos definhados pelo sofrimento. Os olhos, despidos de qualquer sentimento, já nem sequer tinham alma para embalar uma lágrima".

Foi certamente a mão duma destas crianças que a Dr.ª Maria Barroso beijou num gesto de hipocrisia sem limites. Foi para isso que se deslocou a Angola a delegação da Cruz Vermelha? Que lucrou esta gente com tal visita? Posteriormente, ouvi num qualquer orgão de comunicação social que tinham enviado alguns meios e bolas de futebol! Incrível, afirmava alguém e eu corroboro totalmente. Para quê as bolas de futebol? Por acaso são comestíveis? Voou um C-130 da Força Aérea com estes meios, para uma região onde cerca de quatro milhões, quatro milhões, de seres humanos estão em vias de sucumbir à fome e à doença.

Mas não é só a trágica situação em Angola que me leva a concluir que este mundo está caminhando para a total insanidade. No âmbito nacional, tenho visto com regularidade, na SIC e RTP 2, as memórias e as crónicas do século XX que, por norma, me deixam num enorme estado de revolta por confirmarem a contínua e sistemática mistificação da nossa História. Basta! Apetece-me gritar para travar toda uma teia de mentiras e meias-verdades. O que se pretende que fique retido no meio de toda esta pantomina é o obscurantismo do Estado Novo e a gloriosa liberdade e democracia conquistadas com a revolução dos cravos vermelhos. O resto é circunstancial, poesia barata ou fantasia; mas sempre secundário e sem relevância digna de realce.




















Os signatários do Acordo de Lusaka






(...) Seguro das minhas convicções, elegi para objectivos desmistificar o que tem sido a mais insidiosa manipulação da nossa História entre 1933 e 1975, nomeadamente nas seguintes linhas de força:

- a guerra do Ultramar foi, principalmente, um episódio da guerra entre os EUA e a URSS e não uma luta de autolibertação e desenvolvimento dos povos;

- a guerra estava a ser ganha militarmente e a batalha do desenvolvimento atingia crescimentos sociais e económicos muito elevados;

- a subversão na retaguarda e a inoculação do vírus revolucionário nas Forças Armadas foi a solução que a URSS opôs à nossa vitória militar;

- os autores da traição e do descalabro têm nomes e são os que, conscientemente, fizeram o jogo da URSS, isto é, o PCP e seus "compagnons de route"».

General Silva Cardoso («25 DE ABRIL DE 1974: A REVOLUÇÃO DA PERFÍDIA»).


«Desde o fim da guerra na Europa em 1945, depois das fugazes experiências dos governos provisórios da coligação em França e Itália, nunca mais um país da Europa ocidental aceitara a participação de um partido comunista no poder. Portugal, um pequeno país da OTAN, ousara aceitar essa participação, e sem se dignar fazer uma consulta aos seus aliados.

Recorde-se que os Estados Unidos várias vezes afirmaram, sem grandes preocupações diplomáticas, que nunca aceitariam que o Partido Comunista Italiano (PCI) participasse no governo, mesmo em coligação, apesar da rotura do PCI com a União Soviética, do seu alinhamento com o Ocidente em questões de fundo como a OTAN e a CEE, da sua opção eurocomunista.

À revelia dessa "orientação", os Estados Unidos viam-se, em Portugal, perante o facto consumado de um governo com a participação do Partido Comunista Português, considerado o mais ortodoxo da Europa ocidental, fiel aliado da União Soviética, e apontado como responsável pela radicalização da dinâmica revolucionária portuguesa.

Este facto terá tido, na Europa, principalmente nos países da Europa do Sul, duas consequências. Por um lado, a preocupação dos partidos comunistas, nomeadamente o italiano e espanhol, mas também um tanto do francês, em se demarcarem do português, reforçando o seu empenhamento no eurocomunismo. Por outro lado, o reforço das campanhas anticomunistas nesses países, como prevenção para a emergência de situações semelhantes.

Digamos que a Europa se assustou com o processo revolucionário português.









Pedro Pezarat Correia



Émile Breton e André Gisselbrecht não têm dúvidas em afirmar que: "A campanha de imprensa orquestrada, internacional, de Inglaterra a Espanha, de França à África do Sul, não visa a esquerda portuguesa; pretende impedir a futura vitória da esquerda francesa (...) é a mudança democrática em França que se pretende impedir quando se fala do golpe comunista em Portugal como um modelo, do mal português que se estenderia por contágio até nós através de Espanha (...)".

Joelle Kuntz vê esta influência portuguesa num âmbito mais geral e não reduzida à dimensão da França: "(...) a importância política que os acontecimentos portugueses tiveram por toda a Europa (...). Portugal parecia então uma espécie de vitrina através da qual se podia constatar a capacidade da esquerda para dirigir, em 1974, ou seja, com todas as contradições políticas e económicas próprias da nossa época, um Estado (...) ".

O certo é que, apesar de toda esta campanha centrada contra a experiência portuguesa, no princípio da década de oitenta, com a vitória de Mitterrand em França, os comunistas voltariam ao governo, em coligação com os socialistas. Influência portuguesa ou não, um facto incontroverso é que Portugal a precedera nessa originalidade.

Frédéric Laurent conta, em pormenor, no seu livro L'Orchestre Noire, como, a partir de 1974, toda a organização neofascista internacional, a que ele chama precisamente "l'orchestre noire", se reorganiza, colocando Portugal e as suas colónias entre as suas prioridades. Diz o autor que "(...) o neofascismo passa então a ter um braço armado que vai servir, sem distinção, os governos reaccionários, os movimentos da contra-revolução, os serviços especiais ou os interesses das multinacionais. Para estes mercenários da reacção, os primeiros inimigos a abater serão os militares portugueses, que procuram liquidar o salazarismo. Contra eles, lutarão primeiro em Portugal, depois nos Açores, por fim em África".

Portugal passou a ser um ponto de atracção das atenções internacionais, muito em especial dos Europeus. Os países da OTAN viam com especial preocupação o que se passava no meio militar e, quando surgiram em Portugal os SUV (Soldados Unidos Vencerão), recearam os seus apelos para que se estendesse a nível europeu um movimento sindicalista dos soldados conscritos».

Pedro Pezarat Correia («Questionar Abril»).


«A Negra Democracia em Portugal, nascida em grande parte da Revolução Comunista do 25 de Abril de 1974, parece ter chegado a um perigosíssimo impasse, o que, aliás, já seria de esperar dada a hegemonia esquerdista nos últimos 40 anos. Nisto, os socialistas de direita (a coligação PSD-CDS), apesar de terem vencido, com "maioria relativa", as últimas eleições legislativas, estão a braços com o aparecimento de uma "frente comuno-socialista" (PS, PC e Bloco de Esquerda) que os quer varrer do mapa político dominante.

Ora bem: o alegado raciocínio da coligação PSD-CDS contra àquela "frente" é o de que esta não casa com os compromissos internacionais entretanto assumidos num contexto europeu dominado pelo Euro, pela Aliança Atlântica e por tudo aquilo que a dita "frente" condena e não aceita de todo. De resto, bem salienta a coligação que o PC e o Bloco de Esquerda são Partidos Totalitários que não perfilham a "democracia representativa" - não obstante fazerem o jogo desta (isto já a coligação não o diz explicitamente). Porém, todos aqueles que, sem excepção, representam esta coligação imediatamente adiantam não estar em causa a legitimidade do PC e do Bloco de Esquerda, porque o Parlamento considera todos os partidos como iguais, muito embora estes se apresentem com programas diversos e em variadíssimos pontos inconciliáveis. Quer dizer: a tão apregoada democracia em que formalmente vivemos, em vez de, à laia dos seus zelosos tribunos, se precaver contra os Partidos Totalitários que são, na sua essência, contra a própria democracia, abre-lhes a porta para que encontrem o momento oportuno para instaurar um sistema totalitário em nome da liberdade e da já malograda independência de Portugal.










É, pois, de ver como toda esta panóplia de comunistas, socialistas (de direita e de esquerda), trotskistas, maoístas, o diabo, são verdadeiramente um perigo para a vida e a liberdade dos Portugueses. E, neste contexto, também não é difícil de ver como a Revolução Comunista de 1974 está na origem da institucionalização do socialismo na vida económica, política e cultural dos Portugueses. Deste modo, a questão passa por saber como é que os Portugueses poderão, porventura, dar azo ao definitivo afastamento de toda aquela panóplia de dementados e criminosos que tudo fizeram para destruir Portugal, começando, para o efeito, por exigir e consolidar a primeira etapa do processo contra-revolucionário sem a qual já nada será possível fazer:

A imediata ilegalização do Partido Comunista em Portugal».


Miguel Bruno Duarte




«25 DE ABRIL»: A FATAL DERROCADA


A NEGRA DEMOCRACIA


Seria difícil, senão impossível, inventariar todos os crimes, roubos, protérvias, arbitrariedades, assaltos, toda a a série de infâmias de que o «libertador» 25 de Abril foi responsável, mergulhando o País durante meses e meses na anarquia e no caos. Muitos dos efeitos nefastos dessa onda de desordem inqualificável, são irrecuperáveis.

Mas valerá a pena recordar alguns aspectos e alguns casos, porque a memória das gentes é curta - e é bom ter sempre presente o que então aconteceu e que pode voltar a suceder.


CRIMES SEM PERDÃO


Recordemos alguns:

- O brutal assassínio de um cidadão, a 12 de Março de 1975, quando à porta do RALIS se afastava no seu automóvel, e o homicídio frustrado da sua acompanhante;

- O lavrador alentejano morto por José Diogo;

- O militante do MRPP Alexandrino de Sousa, morto por afogamento no Tejo por elementos da extrema-esquerda (UDP), porque andava a colar cartazes do seu partido numa campanha eleitoral;

- O homicídio frustrado do eng.º Toscano Rico, no «28 de Setembro», atingido por uma rajada de metralhadora disparada por fuzileiros navais, por não ter obedecido a uma barricada de civis;

- Em entrevista ao Jornal Novo (31/12/75), o advogado dr. Fernando Abranches Ferrão afirmou que logo após o «11 de Março» numa reunião do MFA foi proposto o fuzilamento dos vencidos por Varela Gomes, Dinis de Almeida e Rosa Coutinho. À reunião presidiu o «pacifista» Costa Gomes. A informação veio a ser desmentida, salvo erro, quanto a Rosa Coutinho.



O 'Almirante Vermelho'




PRESOS POLÍTICOS


Em 26 de Abril de 1974 foram soltos os presos políticos do antigo regime: 150. Pouco mais tarde chegaram a estar presos perto de 3 000!

Entre eles: um juiz-conselheiro e vários advogados, escritores, jornalistas, artistas, um general e até empresários, como Manuel Gonçalves, administrador da sua empresa têxtil, e Agostinho da Silva, administrador da Torralta.

As prisões foram efectuadas o mais atrabiliariamente que é possível imaginar:

- Mandatos de prisão e de busca domiciliária foram assinados em branco por Otelo Saraiva de Carvalho;

- Essas prisões foram realizadas por bandos de militares e civis;

- Ou só de civis. Assim foi preso, de madrugada, um juiz conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo;

- As listas das prisões foram em geral fornecidas pelo PC e pelo CDE; algumas saíram do gabinete do camarada Vasco;

- Não faltaram casos de sevícias e de tortura.

Provas de tudo isto encontram-se no Relatório Oficial das Sevícias e Tortura, em O Equívoco do 25 de Abril de Sanches Osório, em relatos feitos por presos políticos: Manuel Múrias na revista Resistência de 15/12/75; dr. António Maria Pereira em A Burla do 28 de Setembro; Artur Agostinho em Até na prisão fui roubado; Luís Arouca em Liberdade; jornalista Manuela Preto em Tortura depois do 25 de Abril, Pedro Manuel de Oliveira Reis em Oito meses nas prisões de Portugal democrático.

A pior destas espantosas arbitrariedades ocorreu sendo Costa Gomes Presidente da República, Vasco Gonçalves Primeiro-Ministro e Salgado Zenha ministro da Justiça (3.º governo provisório). Zenha - que no «fascismo» ganhava o que queria, pago pelos capitalistas e plutocratas, quando preso pela PIDE nunca foi maltratado, antes pelo contrário. Depois, como ministro da Justiça não apenas permitiu que colegas seus e muitas outras pessoas, inclusive um juiz conselheiro, fossem arbitrariamente presas - como se conformou com tudo o que se passava à margem dos mais elementares direitos humanos e das normas ditas democráticas, como teve o desplante, o impudor, o inaudito descaramento de afirmar à imprensa que não havia presos políticos, mas somente membros de associações de malfeitores!

Vem ainda a propósito lembrar o comunicado de princípio de 1976 da Associação Sindical da Magistratura e da Ordem dos Advogados:

«No programa do MFA contavam-se medidas tendentes a assegurar a independência e a dignificação do Poder Judicial e a dignificação do processo penal em todas as suas fases, tendo um Decreto de 15 de Maio habilitado o Governo a reformar o processo penal e a rever a legislação referente ao habeas corpus. Entretanto, a mais destacada medida tomada a prazo foi a de negar a providência do habeas corpus aos indivíduos sujeitos ao foro militar, o que inviabilizou a intervenção do Poder Judicial na quase totalidade das detenções ilegais, feitas com manifesto abuso do poder».

Comentários para quê?


SANEAMENTOS


Entre os crimes mais gritantes cometidos depois da «revolução dos cravos» devem contar-se os saneamentos, efectuados sem a menor base legal, ao arbítrio de quem quer que se arvorasse com poder para tal.

Nas empresas os operários «saneavam» os patrões e «saneavam» os colegas que bem lhes apetecia. Quem já esqueceu o saneamento no Diário de Notícias de 24 jornalistas?



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Nos Liceus e nas Universidades foram «saneados» alunos por colegas e professores por colegas e até por alunos...

Na função pública nem se fala: não tiveram conta os saneamentos, sobretudo nos ministérios da Justiça e do Trabalho, nos quais Zenha e Carvalhas como que competiram: chegaram a trocar comunicados nos jornais sobre quem tinha feito mais saneamentos... Honra seja feita a Mário Soares e a Almeida Santos que, quando ministros, não promoveram quaisquer saneamentos.


CASOS PARTICULARMENTE VERGONHOSOS


I - Os saneamentos nas Forças Armadas principiaram de acordo com o decreto-lei n.º 309/74, de 8 de Julho, segundo o seguinte processo: uma comissão de oficiais, por voto secreto, saneou camaradas que bem entendia, sem os ouvir e sem lhes facultar qualquer meio de defesa ou de recurso. Não houve sequer um processo ou uma acta! Nunca, no regime anterior, foi publicado um diploma tão frontalmente contrário à Declaração dos Direitos do Homem e à Declaração Europeia dos Direitos do Homem.

Esse decreto-lei mantém-se em vigor, apesar de contrário à actual Constituição. E apesar de o general Eanes, presidente da República e então chefe do EMGFA, haver afirmado em discurso de 10/1/77 que as Forças Armadas têm de ser penhor e garantia da democracia em Portugal... Democracia? Que democracia com tal legislação em vigor?

II - Quando Vasco Gonçalves foi primeiro-ministro e Salgado Zenha ministro da Justiça foi publicado o decreto n.º 123/75, de 11 de Março, que produziu os seguintes efeitos:

- Funcionários a quem já fora aplicada a pena de aposentação compulsiva em processos de saneamento, receberam depois segunda pena: a de demissão!

- Vários juízes foram sujeitos a processos de saneamento porque, quarenta anos antes, ainda estudantes, haviam pertencido à Legião Portuguesa...

III - Salgado Zenha, Raul Rego e mais outros três deputados socialistas submeteram à Assembleia da República o projecto de lei n.º 46/1, publicado no Diário da A. R. n.º 97, em que se propunham reeditar nova perseguição política nos casos de saneamento já encerrados - aliás, contra a letra e o espírito da Constituição - e em termos mais arbitrários e gravosos do que os vigentes no tempo do «gonçalvismo». Democratas «exemplares», estes figurões...


ASSALTOS E SEQUESTROS


Apenas a título de recordatória, alguns casos entre inúmeros outros, alguns até muito mais graves:

- Foi assaltada, saqueada e roubada a sede do CDS em Lisboa;

- Foi atacada à bomba a redacção de O Sol, de Vera Lagoa, antecessor de O Diabo;

- Foi assaltado o seminário de Évora pelo PC local, com sequestro de 24 pessoas que lá se encontravam em sessão de trabalho sobre assuntos religiosos (veja-se o livro de Martins dos Reis Farpas sem sangue na Revolução dos Cravos, pág. 88);

- Em 18/6/75 o edifício do patriarcado de Lisboa foi cercado, ficando sequestradas centenas de pessoas;

- Assalto, pilhagem e incêndio do Consulado e da Embaixada de Espanha, o que veio a custar ao Estado - ou seja ao povo português - mais de 2 milhões de contos;



 Acção contra a diplomacia de Espanha



- Sequestro do Palácio de Cristal, do Porto, durante o Congresso do CDS, a que estavam presentes numerosos delegados estrangeiros;

- Numerosos casos de sequestros de patrões, até estrangeiros, pelos «trabalhadores»;

- Vários casos de juízes sequestrados nos tribunais;

E, a culminar tudo isto, o sequestro de deputados, do governo e do primeiro-ministro no Palácio de S. Bento.


EXILADOS


Ao longo de cerca de quarenta anos, excluídos os desertores e os refractários fugidos ao serviço militar, terá havido um máximo de 1000 exilados, por motivo de conspiração contra o regime vigente.

Em menos de três anos, depois do 25 de Abril, exilaram-se mais de 30 000 técnicos e empresários dos mais válidos e competentes, que muita falta têm feito ao País. Este número foi indicado por Mário Soares na Assembleia da República, durante o debate sobre o Plano.


OCUPAÇÕES SELVAGENS


- De inúmeras propriedades no Alentejo, com criminosas e dementadas depredações; todo esse pandemónio teve o apoio de Pezarat Correia;

- Da Rádio Renascença e dos seminários de Castelo Branco, de Almada e do Funchal, além de incontáveis colégios e centros paroquiais;

- De numerosas fábricas e empresas comerciais, todas praticamente lançadas na ruína;

- Do jornal República, propriedade de sócios afectos ao PS - o que levou então esse partido a passar a combater o PC.


PERSEGUIÇÕES A JORNAIS E PARTIDOS POLÍTICOS


- Foram proibidos os jornais: Tempo Novo, Bandarra, O Sol, Tribuna Popular.

- Foram eliminados o Partido Liberal, o Partido do Progresso, o Partido da Democracia Cristã e outro da extrema-esquerda hostil ao PC.

- Alguns jornais foram vítima de sistemática perseguição. Por exemplo: o Conselho da Revolução, sem apoio em qualquer lei, suspendeu O Diabo, sem audiência nem possibilidade de recurso, a pretexto de um artigo de crítica ao «conselheiro» Vasco Lourenço; posteriormente Vera Lagoa foi absolvida - mas alguém pensou que teria direito a ser indemnizada pelos prejuízos sofridos?

- O caso do Jornal Português de Economia e Finanças também é paradigmático: foi suspenso por dois meses e obrigado a pagar pesada multa por ter publicado o seguinte suelto:

«Quando reabre a Bolsa de Lisboa? Sim, porque nem todos tiveram o dom adivinhatório do 25 de Abril».

Compreende-se a pena aplicada ao «JPEF» quando se lê o livro de Neves Anacleto A Inventona do 28 de Setembro (pág. 138) que afirma ter o «companheiro» Vasco Gonçalves, sócio da Casa de Câmbios Vítor Gonçalves, nas vésperas do 25 de Abril, vendido os seus milhares de acções e colocado na Suíça a grossa maquia assim realizada.

O diário República foi tomado de assalto por alguns trabalhadores «progressistas», que correram com o director Raul Rego e vários redactores. Meses depois, já em 1976, o jornal foi entregue aos donos. Então Raul Rego, o seu director, escreveu no novo jornal, A Luta, um editorial em que afirmou que nunca no regime anterior o República havia sido atacado com tanta violência, de dentro e de fora. A Luta, outra vez, no aniversário do assalto ao República (19/5/76) publicou vários comentários de idêntica índole sob o seguinte título na 1.ª página: O dia mais vergonhoso para a Imprensa Portuguesa.



OFENSAS À IGREJA CATÓLICA



Imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima.




Além dos assaltos, ocupações e sequestros já recordados, merecem ser citados aqui mais os seguintes factos.

Em cadernos editados pelo Ministério da Educação e Cultura, para difusão pelo País, foi repugnantemente injuriada a Virgem Maria, conforme A Rua noticiou. Esse texto infame foi reproduzido no livro A Revolução da Vergonha (pág. 18). Não o transcrevemos aqui por motivos óbvios.

O vexame a que foi sujeito o Arcebispo de Braga, D. Francisco Maria da Silva, no aeroporto de Lisboa, obrigado a despir-se completamente por elementos do COPCON. O caso foi referido nos jornais e está relatado na pág. 81 do referido livro de Martins dos Reis.


EXEMPLOS DO CAOS E DA ANARQUIA REINANTES


- Houve presos de delito comum que foram mandados pôr em liberdade por Salgado Zenha, por telegrama ou telefone!

- Civis faziam barricadas de «fiscalização dos automobilistas», com a protecção do MFA.

- Nos tribunais chegou-se ao ponto de sentenças serem impedidas de ter execução por forças militares (afirmação do Secretário de Estado dos Assuntos Judiciais na RTP em 26/3/76).Registaram-se várias pressões políticas em julgamentos: por exemplo, no de Jorge de Brito e no do estudante da esquerda de Coimbra, Fausto Cruz. Recorde-se a invasão do tribunal de Tomar a favor de José Bispo e do da 1.ª Vara Cível de Lisboa para subtracção de um processo de despejo.

- A destruição à bomba em Santa Comba Dão do monumento a Salazar não mereceu qualquer diligência policial - e na Assembleia da República nenhuma voz se ergueu contra o desacato, nem sequer a de Freitas do Amaral, filho do eng.º Duarte Amaral, um dos grandes amigos e colaboradores do antigo Presidente do Conselho.


CORRUPÇÃO - DESVIOS - ESCÂNDALOS


Neste capítulo deveria ser possível arrolar uma imensidade de casos. Mas muitos continuam por desvendar e outros, embora denunciados, nunca mereceram qualquer diligência no sentido de serem esclarecidos. É fácil compreender porquê, se se atentar na natureza de certos desvios. Aí vão alguns a título de exemplo.

Em poucos meses, só em dois organismos - o da Reforma Agrária e o IARN - os desvios ultrapassaram larguissimamente todos os registados em quase cinquenta anos do regime anterior. A Luta e o Tempo referiram-se com insistência ao assunto, mas os desvios são em tal número e neles estavam implicados tantos activistas da extrema-esquerda que ninguém se atreveu a tocar no caso.

Releia-se A Luta de 11/4/76:

«O relatório final sobre o inquérito aos desvios feitos com os fundos da famosa subscrição nacional "Um dia de salário para a Nação" está pronto e deverá ser tornado público em breve - ao que fomos informados por fonte próxima do Ministério do Trabalho.

Sabemos, por outro lado, que alguns dos desvios de fundos para fins estranhos aos da subscrição, que chegou a cerca de 80 000 contos, foram já repostos ou regularizados. Não é, no entanto, esse o caso de alguns "levantamentos" não justificados, como o do ex-ministro Costa Martins, aquando da sua viagem à União Soviética (um "vale" de 70 000 escudos), em que foi acompanhado por outros oficiais da Força Aérea, não se sabe bem a que título, e em nome dos quais foi igualmente levantado dinheiro do Fundo para a viagem.

O Estado-Maior da Força Aérea, entidade a quem foi solicitada recentemente a reposição deste segundo "vale", respondeu, ao que fomos informados, que não tinha conhecimento, não promovera tal viagem e não tinha em seu poder quaisquer documentos que permitissem a liquidação da respectiva importância».

Segundo O Diabo de 17/1/78, no Mensageiro de Leiria veio a notícia de que o Governo Português teria pago ao Governo de Argel qualquer coisa como um milhão de contos pelas despesas ocasionadas pela estadia do «Grupo de Argel» durante a «noite fascista». Como não vimos nenhum desmentido a esta notícia, gostaríamos de saber se se confirma ou não e, caso afirmativo, quem autorizou esse pagamento. De qualquer maneira, a ser verdade, o famoso «grupo» tratava-se bem.









Outros casos a relembrar:

- o de Palma Inácio, assaltante confesso, e condenado, a um banco, veio a ocupar alto cargo no Ministério do Trabalho;

- o de Edmundo Pedro; nunca foi esclarecido o enigma das armas que foram encontradas na sua posse;

- O de António Macedo; terá estado a habitar de graça uma sua antiga casa, depois de expropriada pela Câmara Municipal do Porto?

- o dos 7 000 contos colocados na Suíça por um ex-ministro do pós-25 de Abril (assunto levantado pelo Expresso, e nunca esclarecido);

- o de Melancia que nomeou de uma só vez 27 novos directores e subdirectores gerais;

- o de António Campos (MAP) que utilizou dinheiros para subsidiar organismos do Partido Socialista (Uniões Distritais de Agricultores), assunto referido pelo Jornal Novo de 29/9/78.

No sector das Forças Armadas também não faltaram casos enigmáticos e escandalosos. Um dos mais gritantes foi o de ter passado a haver, na Marinha, mais almirantes do que navios - e no Exército mais oficiais generais do que regimentos!

Vale a pena lembrar a revelação do semanário Edição Especial de 17/7/74, segundo o qual a Manutenção Militar comprou por 14 000 contos uma pousada em Lagos, que logo «ocupou» não respeitando o contrato com o seu empresário, e obrigando os turistas estrangeiros a sair, impedindo a entrada dos que haviam feito contrato. Essa pousada foi para ser junta a outra, a fim de ambas proporcionarem férias no Algarve aos oficiais das Forças Armadas e suas famílias a preços incrivelmente baixos.

E as armas que foram roubadas do Exército? Assunto da maior gravidade - mas mais grave é que os superiores responsáveis não tenham actuado prontamente. Os seus autores foram punidos? Não. O Povo foi informado do que na realidade se passou? Não. Alguém sabe onde foram parar as armas da Legião? E as da PIDE? O Povo sabe apenas que tudo isso se passou na Região Militar de Lisboa e que o seu comandante, o «general» Otelo, declarou que estavam «em boas mãos». E nelas continuam, para o que der e vier.

Rememore-se ainda que o semanário Expresso de 20/5/78 narrou:

«Aconteceu numa das ruas da cidade de Lisboa que um condutor descuidado não conseguiu evitar um automóvel que seguia na sua frente.

Depois de uma amena troca de palavras, o condutor do carro de trás verificou que o seu interlocutor era nem mais nem menos do que o conselheiro Vítor Crespo. Foi então que se tornou necessário saber qual a documentação do carro que era conduzido pelo referido conselheiro, para efeitos de declaração do sinistro a fazer à companhia de seguros.


Nessa altura, o outro sinistrado verificou que, estranhamente, o carro conduzido pelo conselheiro Vítor Crespo era propriedade do sr. Jorge de Brito. À surpresa do condutor acima referido, respondeu Vítor Crespo que se tratava apenas da viatura que lhe houvera sido destinada e que os bens de Jorge de Brito se encontravam congelados, o que levou o interlocutor a perguntar-lhe se a utilização do veículo não é uma estranha forma de proceder aos descongelamentos dos mesmos».

O Expresso poderia ter aproveitado a ocasião para perguntar ao conselheiro Vítor Crespo se também teria sido distribuída aos conselheiros da revolução a garrafeira de Jorge de Brito.

Quanto ao Fundo Militar do Ultramar, terão sido aplicadas verbas para fins não esclarecidos ao público, nem depois do ataque de Sá Carneiro.

Depois de todo este estendal de vilezas dá vontade de gritar:

Viva a seriedade do velho Estado Novo!







Pavilhão da Fundação na Exposição do Mundo Português (1940). Ver aqui




Porta da Fundação, principal entrada no recinto.









A FATAL DERROCADA


Portugal tinha uma das maiores reservas mundiais de ouro e divisas. Ao fim de oito anos passou a ter, proporcionalmente à sua capacidade económica, uma dívida gigantesca - e está a viver à custa dos credores, sobretudo dos americanos que, quinzenalmente, lá vão mandando, «a fiado», o barco das rações, para homens e animais não morrerem de fome...

Últimas notícias:

1 - Do «Tempo» de 3/6/82

«Só a dívida externa é de 800 milhões de contos e o ouro vale 630 milhões de contos. Falta inquirir: E a dívida interna? E os avales do Estado?

Os compromissos financeiros assumidos internacionalmente não são apenas os derivados do "empréstimo" contraído pelo Governo de Mário Soares para se "vencer a crise e salvar a revolução". Eles dizem também respeito a outros recursos ao crédito externo de que são responsáveis governantes do pós-25 de Abril, tendo o primeiro dos empréstimos sido obtido nos primeiros tempos do "gonçalvismo" (era Costa Gomes chefe do Estado, no Outono de 74). Só em juros dos empréstimos, contraídos antes de a AD [Aliança Democrática] subir ao Poder, Portugal tem de pagar agora anualmente qualquer coisa como cerca de 100 milhões de contos, valor a que importa acrescentar as verbas resultantes da importação de matérias-primas e de bens alimentares (metade do que consumimos é importada)».

2 - Discurso do Presidente da República, de 10/6/82:

«São muitas, são profundas e têm-se agravado as dificuldades económicas e políticas com que hoje nos confrontamos.

No domínio económico, em particular, vemo-nos confrontados com uma situação claramente preocupante; pela primeira vez, a dívida externa ultrapassa o total das reservas de ouro e divisas.

Em fins de Março, Portugal devia ao estrangeiro 128 por cento do total das nossas reservas, de ouro e divisas, segundo os preços do mercado de Londres com o ouro a 320 dólares a onça.

É, desta forma, patente a gravidade da situação económica».

Certamente o Presidente da República queria dizer «situação financeira» e não propriamente «económica».

3 - Resposta do Ministro das Finanças, no dia seguinte na televisão:

«Verdadeiramente preocupante é, sim, o ritmo do crescimento da dívida e isso tem apenas a ver com a falta de cobertura das importações pelas exportações».

4 - Com a sua habitual clareza comentou assim Miguel Teixeira de Melo em O Diabo, de 15 de Julho seguinte:

«O pagamento dos juros e amortizações da dívida pública não atingia sequer os três milhões de contos em 1973, mas em 1982 ficará pouco aquém de cento e quarenta milhões. Este valor representará cerca de 23 por cento do total das despesas do OGE, conforme recentemente reconheceu o dr. Alípio Dias. Entretanto, o peso relativo das despesas com a dívida pública no PIB, irá atingir este ano quase 8 por cento, quando dez anos atrás, pouco ultrapassava 1 por cento.

Ver aqui


Em termos de números índices, entre 1972 e 1982, o serviço da dívida pública (amortizações e juros) passou de 100 para quase 5 200; no mesmo período o crescimento do PIB foi de 100 para 760.

Isto significa que o Estado se tem endividado muito rapidamente nos anos mais recentes, a um ritmo que excede largamente o acréscimo do valor da produção nacional. No final deste ano a dívida pública total deve aproximar-se dos novecentos milhões de contos e não será pessimista admitir que a barreira do bilião de contos seja ultrapassada a curto prazo. Isto significa que a cada português caberá uma participação de quase 100 contos na dívida do Estado.

O aumento crescente da dívida pública tem sido uma das formas de que o Estado se tem servido para acorrer à cobertura das suas despesas. Ao mesmo tempo, a pressão fiscal, traduzida no peso relativo das receitas dos impostos no PIB, não tem cessado de crescer. Cabe perguntar o que é que o Estado tem realizado de positivo para todos nós, à custa de um maior endividamento e de uma mais elevada pressão sobre os rendimentos dos contribuintes».


A RESPONSABILIDADE DE TODOS OS GOVERNANTES ABRILINOS


A derrocada do País começou necessariamente com o tão proclamado «patriótico e glorioso 25 de Abril» - e cada ano se foi agravando; hoje, o País está numa situação sem conserto, seja para a AD ou para o PS: talvez só para o PCP, que instauraria o modelo polaco ou russo: censura e KGB - campos de concentração e clínicas psiquiátricas - cadeias... - e nem eleições nem sindicatos, a não ser do Partido Unificado. Portanto, desde o 25 de Abril, a culpa é de todos os que o têm apoiado: actuais e ex-governantes, actuais e ex-líderes dos partidos e das comissões de trabalhadores ou de moradores, e de ex-líderes do MFA ou actuais «conselheiros da revolução» e do actual e ex-presidentes da República, sim, de todos. Mas os que mais bagunçada criaram ou protegeram foram os do MFA, do PC e do PS.

Salvo raras excepções, o que antes do 25 de Abril estava mal, piorou; e o que estava bem, agora está mal.

Como adiante se verá, o povo vai a caminho da penúria e do racionamento, e do trabalho forçado, como, aliás, tem acontecido em todos os países de «via socialista». Por isso em Portugal é cada vez pior a situação económica, social e financeira.

Mas a responsabilidade é de todos aqueles que acima foram apontados - e nunca só, ou até principalmente, da AD.

Só que os líderes desta, mesmo em sua defesa, não têm coragem para revelar, tim-tim por tim-tim, as causas da derrocada.

Na verdade, esta começou por efeito do 25 de Abril, e nunca mais foi travada - antes tem vindo a crescer, de ano para ano.

O ritmo anual da derrocada é que tem sido diferente, e talvez mais ou menos assim:


- a 90 por cento, com o PCP e Vasco Gonçalves;

- a 80 por cento, com vários partidos e Pinheiro de Azevedo;

- a 70 por cento, com o PS e PS-CDS e Mário Soares;

- a 60 por cento, com Mota Pinto;

- a 90 por cento, com Pintasilgo;

- a 50 por cento, com a AD-Sá Carneiro;

- a 60 por cento, com Balsemão.


Vasco Gonçalves e Costa Gomes




Mário Soares, Pinheiro de Azevedo e Sá Carneiro. Ver aqui








Sá Carneiro e Pinto Balsemão










Pinto Balsemão e Mário Soares




Mas se os líderes da AD tivessem coragem, arrumavam os seus opositores: bastava publicar um resumo dos números da responsabilidade de cada um dos partidos, desde o 25 de Abril, isto é, em vez de palavras que às vezes dizem, deviam antes provar com números os pontos essenciais da derrocada em cada um dos sucessivos anos após o 25/4/74 - incluindo o confronto com as suas próprias responsabilidades.

Esse resumo deveria focar, pelo menos, os três seguintes capítulos:

1.º - Empobrecimento do Estado

A situação em 25/4/74 era a seguinte:

Ouro - havia 899 toneladas; agora 689. Mas quais os governos que o foram vendendo ou penhorando como garantia de empréstimos?

Divisas estrangeiras - havia 2 mil milhões de dólares; e agora? E quanto delapidou cada um dos sucessivos governos?

Circulação de notas: era só de 49 milhões de contos; e agora? E quanto imprimiu cada um dos governos?

Ora, somando-se estes 3 factores deve encontrar-se um empobrecimento de 400 milhões de contos nos 8 anos após-25 de Abril, ou seja 50 milhões/ano!

Aumento da dívida pública - Em 25/4/75 a dívida pública, interna e externa, era insignificante. E fora contraída como factor de desenvolvimento do País. E agora? Só externa é de 800 milhões de contos! Se admitirmos que, com a dívida interna, o aumento foi de mil milhões de contos, temos um endividamento de 125 milhões de contos/ano!

E os avales do Estado a quanto montam? E qual a provável percentagem que o Estado terá de vir a pagar?

Em matéria de obras públicas deveria ser mostrado ao público quanto se estava a gastar em 1973 e quanto se gastou em cada um dos anos seguintes, levando em conta, evidentemente, a sucessiva desvalorização do escudo e os aumentos dos custos de construção e reparação. Supomos que neste sector se pode calcular um empobrecimento de pelo menos 20 milhões de contos/ano.

2.º - Degradação na agricultura, indústria e habitação

a) Agricultura

Antes do 25 de Abril todos os anos se investia em novos pomares, vinhas, adegas, cooperativas, vacarias, máquinas, aumento e selecção de toda a espécie de gado, florestação, etc. Qual o investimento feito de 1974 para cá, em cada um dos anos seguintes (levando em conta a sucessiva desvalorização da moeda)?

Antes do 25 de Abril florestava-se por ano mais do triplo do que ardia; depois baixou muito a florestação e subiram muitíssimo os incêndios. Actualmente arde por ano mais do que se floresta - e a nossa maior riqueza económica está precisamente na floresta.

Conclusão: nos vários sectores da agricultura, por falta de novos investimentos e por degradação da estrutura existente, deve ter havido desde o 25 de Abril um empobrecimento anual de muitos milhões de contos.

b) Indústria

Quantas novas fábricas, ou aumentos de fábricas existentes, houve em 1973? E depois, em cada um dos anos seguintes?

Qual o empobrecimento nesta área? E qual o investimento nesta área? E qual o investimento para a conservação e actualização tecnológica das fábricas existentes, no ano de 1973? E em cada um dos anos seguintes, contando com a sucessiva desvalorização da moeda?

Admita-se que a totalidade dos equipamentos industriais valia dois mil milhões de contos em 25/4/74: só para os conservar em bom funcionamento e substituir os inutilizados ou tecnologicamente ultrapassados, portanto sem aumentos, era preciso investir 10 por cento - ou seja 200 milhões de contos/ano - o que dá um empobrecimento anual de outros 100 milhões de contos.




c) Habitação

Em 25/4/74, em Lisboa e arredores, faltavam umas 20 000 habitações, o que a um preço então médio de 500 contos para 3 assoalhadas exigiria o investimento de 10 milhões de contos para resolver a falta de habitações.

Depois passou-se a construir muito menos por efeito da perseguição a todas as grandes empresas de construção civil. E a população aumentou...

Agora dizem que só em Lisboa e arredores faltam 150 000 casas e que uma habitação com 3 assoalhadas (mais pequenas do que as de outrora) custa 3 000 contos. Assim, para se construir o total necessário seria preciso dispor de 450 milhões de contos.

Conclusão: depois do 25 de Abril, só em Lisboa e arredores o atraso da construção de habitações para trabalhadores, em menos de oito anos, tem uma diferença negativa de 410 milhões de contos! Isto significa que o problema não tem solução, salvo no papel dos programas eleitorais de todos os partidos políticos, para iludir quem anda à procura de casa.

Saídas para o estrangeiro

Antes de fechar esta secção do nosso trabalho, valerá a pena lembrar que, a seguir ao 25 de Abril - e sobretudo ao 28 de Setembro - se registou um fenómeno de consequências gravíssimas:

- a fuga para o estrangeiro de valores incalculáveis, quer de capitais, quer de obras de arte (ouro e jóias, quadros, pratas, louças, etc);

- exílio de largos milhares de técnicos e de empresários válidos, que estavam a fomentar o progresso do País. É certo que alguns têm regressado, mas desmoralizados e desmotivados; muitos outros, todavia, nunca mais voltarão - a não ser em breves visitas.

3.º Crescimento de factores negativos

a) Baixa de produtividade

Seria interessante informar o povo a respeito dos seguintes pontos:


- qual o montante dos dias de «baixa por doença» em 1973 e em cada um dos anos posteriores;

- qual o número dos dias de greve desde Maio de 74 (segundo alguns jornais só em Dezembro de 1982 foram perdidas 8 milhões de horas por greves!);

- e, por exemplo, no último ano, qual a proporção de faltas em dias de trabalho por greves e «doenças», para o mesmo número de trabalhadores portugueses em Espanha e França.

b) Baixa de investimentos

Com tantas greves e baixas por doença, e comissões de trabalhadores a perturbar o rendimento de empresas que outros criaram, quem é que investe agora em Portugal? Apenas os pequenos oportunistas ou as multinacionais (porque têm meios de actuação e de defesa muito próprios) - ou um ou outro empresário, mas apenas por conta e risco dos bancos.

Alguém conhece algum líder político (da AD, do PS ou do PC), ou algum deputado de qualquer partido, ou actual ou ex-membro do governo, ou sindicalista, ou «glorioso capitão de Abril», ou «conselheiro da revolução», que tenha investido capital seu, para criar novos postos de trabalho? Ou para evitar a sua perda por falta de capital?

Não, ninguém, porque nenhum deles confia no progresso do País depois do 25 de Abril. Todos preferem pôr o seu dinheiro nos bancos (preferentemente na Suíça), ou comprar andares ou moradias de luxo. Seria muito interessante se os milhares de activistas do PS, do PC, da Intersindical e da UGT, se reunissem em grupos que montassem uma grande fábrica, para mostrarem duas coisas importantes:

- como se deve criar riqueza para o País, à custa de dinheiro próprio;

- e para que os «patrões capitalistas» vissem como se deve dirigir uma empresa industrial segundo o modelo dos seus respectivos programas políticos.

c) Aumento das despesas públicas

Quantos funcionários havia em 25/4/74, incluindo os do Ministério do Ultramar? E hoje? E nas autarquias locais? E na Madeira e nos Açores?




Perdeu-se o Ultramar que era grande e rico - e para o resto ficou - apenas 4 por cento - passou a haver:

- mais do dobro de governantes - e mais ainda os governantes da Madeira e dos Açores e os respectivos ministros da República;

- mais do dobro dos deputados - e mais ainda os da Madeira e dos Açores;

- os vereadores das câmaras municipais passaram a ter vencimento;

- aumentaram muito, de ano para ano, as despesas militares;

- e quanto custou a Presidência da República em 1973? E em cada ano dos posteriores a 1973?

- qual foi o saldo positivo do Orçamento Geral do Estado em 1973? E qual passou a ser o saldo negativo em cada um dos anos seguintes?

Disse Adriano Moreira que Portugal lembra uma empresa que tinha o escritório em Lisboa e amplos armazéns em África - e que, depois de perdidos os armazéns, passou a aumentar à bruta as despesas do escritório.

Conclusão

Com a perda do Ultramar e a «via para o socialismo» (uma desgraça nunca vem só), impostas pelos líderes do MFA, do PC e do PS, o resultado tinha forçosamente de ser o que atrás ficou sinteticamente expresso. As consequências são - e serão cada vez mais - a falência das empresas públicas, sustentadas à custa do dinheiro dos portugueses; a diminuição das exportações; o aumento do desemprego; o volume das taxas de inflação e o consequente aumento do custo de vida; os déficits anuais da Balança Comercial e da Balança de Transacções Correntes, que dantes chegavam a ter saldos positivos; e se, em fins de 1973, faltavam 5 anos para atingir o nível de vida da Espanha, agora faltam... 40 anos!

Segundo
A Tarde de 30/3/82, Freitas do Amaral afirmou que o art.º 83.º da Constituição (irreversibilidade das nacionalizações) já custara ao País mais de 300 milhões de contos. E esse artigo não pôde desaparecer da lei fundamental, na recente revisão, porque o PS se opôs. E quanto custou a chamada Reforma Agrária? Haverá quem possa e queira responder?


(...) O FIM HISTÓRICO DE PORTUGAL


Os apoiantes do 25 de Abril não provocaram só a derrocada material de Portugal, mas também a frustração histórica quer da juventude quer dos mais velhos - que, quando novos, tantas vezes, com vivo entusiasmo, cantaram o Hino Nacional («Heróis do Mar, Nobre Povo, Nação Valente e Imortal») e gritaram «Viva a Pátria».

Ora Portugal tinha dois milhões e trezentos mil quilómetros quadrados, e passou a ter só 92 000 Km2 - só 4 por cento!

Agora, como é ainda possível em Portugal, com um mínimo de entusiasmo e sinceridade, e sem revolta, cantar o Hino Nacional e dizer «Viva a Pátria»? Mataram-na em 96 por cento!

É que o 25 de Abril provocou também O Fim Histórico de Portugal - conforme título do recente livro de ataque ao 25 de Abril pelo entretanto falecido professor universitário, democrata patriótico e ex-oposicionista ao antigo regime, Doutor Amorim de Carvalho.

Igual livro teria agora escrito o general Norton de Matos; leia-se a sua obra Nação Una, com prefácio do Prof. Egas Moniz, Prémio Nobel, e com um discurso sobre esse livro do Prof. Barbosa de Magalhães. Eram patriotas, e portanto intransigentes defensores do Ultramar.






Diz-se naquele livro do Doutor Amorim de Carvalho, na pág. 58:

«Os governos de Salazar e de Marcello Caetano, defendendo os territórios portugueses de África, não fizeram, reconheçamo-lo (e quaisquer que sejam as nossas opiniões sobre esses dois homens políticos), senão continuar uma legítima missão, com a qual se identificava como uma nação tendo uma finalidade cultural, civilizadora e humana na história. Esta identificação explica a natureza específica da colonização portuguesa que parece ter sido a única que reproduziu, mutatis mutandis, a admirável colonização romana donde saíram as nações europeias, incluindo as nações que não falam uma língua latina».

A pág. 9, o Doutor Amorim de Carvalho escreveu:

«A minha pátria, que tinha uma existência histórica, feita e mantida pela vontade apenas dos seus heróis e dos seus grandes homens, foi destruída ao fim de quase mil anos, pela vontade dos seus pequenos homens, um bando de traidores - os militares de um exército podre que se recusaram a defendê-la e fizeram o jogo dos seus inimigos».

E, a encerrar este capítulo:

«Reduzindo abruptamente Portugal a um pequeno território da Península Ibérica, arrancando-lhe o mundo geográfico da sua missão cultural e civilizadora, os militares traidores provocaram o traumatismo nacional da sua demissão "histórica", o fim da sua existência "histórica", em duas palavras, "O Fim Histórico de Portugal". Vários partidos políticos portugueses associaram-se plenamente a esta traição: o partido comunista e o partido socialista. Eles devem ser devidamente estigmatizados. Outros partidos, praticamente calaram-se perante esta traição; devem ser também devidamente chamados ao julgamento da História».


(...) CADEIA OU MURO DA VERGONHA?


Por mim, acho que os responsáveis talvez não mereçam ser julgados e metidos na cadeia, porque isso lhes poderia dar a sensação de assim ter ficado reparado o seu crime de mutilação de 96 por cento da Pátria.

Será preferível a construção do muro da vergonha, a tapar os quatro grandes monumentos que na zona de Belém continuam a dar testemunho dos feitos heróicos dos Portugueses. Um muro a passar por fora do Mosteiro dos Jerónimos, da Torre de Belém, do Padrão dos Descobrimentos e da estátua de Afonso de Albuquerque.

Pelo lado de fora desse muro ficariam medalhões com as caras dos responsáveis pela entrega do Ultramar, à altura de uma cuspidela de repulsa de quem fosse visitar o local. E o muro deveria ter uma torre para do seu alto se verem aqueles quatro monumentos da antiga grandeza de Portugal.

Creio que esse Muro da Vergonha iria ter muito mais interesse turístico do que o Muro de Berlim, pois que muito mais espantoso é o crime que representa contra a Pátria - e até contra a Democracia, pois que os mesmos responsáveis fomentaram a criação de ditaduras sob o colonialismo russo.

Àqueles que os desculpam dizendo que só devem ficar sujeitos «ao futuro julgamento da História», é de objectar, por exemplo, que no final da II Guerra Mundial as vencedoras democracias não pensaram assim: trataram logo de julgar e condenar os alemães que consideraram responsáveis.

No nosso caso trata-se sobretudo de os milhões de vítimas do Ultramar e da Metrópole responsabilizarem os autores do mais vergonhoso e nefasto acontecimento de oito séculos da história de Portugal.

E isto é inadiável: ou cadeia, ou muro da vergonha com a cara deles! (ob. cit., pp. 61-95; 103-105; 110-111).



Mosteiro dos Jerónimos