Escrito por Gustave Le Bon
«Portugal
é uma Raça, porque existe uma Língua portuguesa, uma Arte, uma Literatura, uma
História (incluindo a religiosa) – uma actividade moral portuguesa; e,
sobretudo, porque existe uma Língua e uma História portuguesas.
A faculdade que tem um Povo de criar uma forma verbal aos seus sentimentos e pensamentos, é que melhor revela o seu poder de carácter, de raça.
Por isso, quanto mais palavras intraduzíveis tiver uma Língua, mais carácter demonstra o Povo que a falar. A nossa, por exemplo, é muito rica em palavras desta natureza, nas quais verdadeiramente se perscruta o seu génio inconfundível.
(...) Basta falar nas Descobertas que não foram uma obra
peninsular, mas exclusivamente portuguesa, filha da nossa iniciativa aventureira,
do nosso poder de raça em actividade. Para demonstrar isto, não precisamos de
recorrer à Cronologia nem à porção de mundo descoberto pelos nossos
marinheiros.
As Descobertas foram uma obra
essencialmente portuguesa, porque o génio português, encarnado em Camões, lhe
deu forma espiritual, sublimada e eterna.
Não devemos ao acaso a glória imortal de
Os Lusíadas...
Temos ainda a História do reinado de D.
Dinis, D. João I e a História de D. Sebastião, principalmente depois da sua
morte; isto é: o Sebastianismo.
Sim: quase toda a nossa História religiosa, política e jurídica, apresenta factos característicos da Raça, como a primitiva Igreja lusitana, a organização municipalista do País, a sua representação nas cortes e o carácter da nossa antiga monarquia.»
Teixeira de Pascoaes («Arte de Ser Português»).
«E a nossa grande Raça
partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são
constituídas "daquilo de que os sonhos são feitos". E o seu
verdadeiro e supremo destino, de que a obra dos navegadores foi o obscuro e
carnal ante-arremedo, realizar-se-á divinamente.»
Fernando Pessoa («A
Nova Poesia Portuguesa»).
«(...) a geografia prefigura a história e a estirpe vital dos povos afunda as raízes na leiva em que nasceram.
Da estreita penetração entre a Terra e o Mar vai, pois, nascer o Português com os seus modos de vida típicos, o seu carácter, o seu idioma, a sensibilidade religiosa e as expressões artísticas, flor suprema de uma espiritualidade própria.»
Jaime Cortesão
(«Os Factores Democráticos na Formação de Portugal»).
«Não coube Portugal no berço “onde o corpo nasceu”, ainda que então lhe sobrasse mantimento dentro dele [Torga (...) o reconhece, nos “Poemas Ibéricos”: "Terra de pão e vinho (a fome e a sede só virão depois, quando a espuma salgada for caminho...")]. Se não caber foi “destino”, uma das causas partiu do próprio instinto vital, pois não conseguiria que o deixassem sobreviver em tão reduzido torrão; e esta causa, este risco, acicatou uma outra, – a tendência expansionista, congénita, prestes desperta, que afinal o salvou.»
Francisco da Cunha Leão («Ensaio de Psicologia Portuguesa»).
«A contradição do
universalismo abstracto
- Um dos grandes
argumentos - recentemente invocado em afirmações culturais de diversa origem contra a existência das filosofias nacionais e, consequentemente da filosofia portuguesa, é o de que o pensamento é universal... O que diz o Sr. Dr. sobre
este tema?
- Compreendo e respeito o ponto de vista, mas
não me é possível perfilhá-lo. A simples experiência quotidiana ensina que o
universal é recebido pelo espaço e pelo tempo. Além dessas limitações naturais,
históricas e geográficas, existem hoje limitações técnicas, artificiais, como o
falso ideal de um absurdo humanitarismo abstracto, que alguns querem impor pela
força, para substituir o ideal da fraternidade universal. Ora repare que até os
irmãos são diferentes.
- E quem diz irmãos...
- ... diz raças. Para
os que perfilham um abstracto universalismo, será uma contradição existirem as
raças humanas e as raças serem diferentes umas das outras, o que implica
necessariamente uma distinção entre superiores e inferiores ou, o que é o
mesmo, mais atrasadas e mais adiantadas. E dentro das raças há os povos, com as
suas características étnicas. Sabe qual é o melhor processo de combater a
resistência das raças e dos povos, em vista a um qualquer totalitarismo?
- Diga, Sr. Dr. ...
- É negar-lhes o
direito à existência, negar que verdadeiramente existam, negar a evidência. Ora
a verdade é diferente deste paradoxo. Existem a etnografia, a etnologia e a
antropologia cultural a confirmar uma verdade que resiste a todas as
revoluções.»
Resposta a um Inquérito aos Pensadores Portugueses.
Introdução e entrevista conduzida por António Quadros. In 57, Ano I, números
3-4, Lx.ª, Dezembro de 1957.
«Exponhamos (...) antes
de mais nada e sucintamente, uma classificação das multidões.
O ponto de partida será
a multidão simples. A sua forma mais inferior apresenta-se quando constituída
por indivíduos pertencentes a raças diversas, tendo apenas como laço comum a
vontade mais ou menos respeitada de um chefe. São tipos desta espécie de
multidões os bárbaros de origens muito diversas que durante alguns séculos
invadiram o Império Romano.
Superiores a estas
multidões de raças diferentes, encontram-se as que, sob a acção de certos
factores, adquiriram caracteres comuns e acabaram por constituir uma raça.
Sempre que a ocasião o proporcione, apresentarão as características especiais
das multidões, muito embora essas características venham a ser mais ou menos
dominadas pelas da raça.
Essas duas categorias podem, sob a acção dos factores que já estudámos, transformar-se em multidões organizadas ou psicológicas. Destas multidões organizadas apresentamos a seguinte classificação:
Multidões heterogéneas
1.º
Anónimas (multidões das ruas, por exemplo)
2.º Não anónimas (júris, assembleias parlamentares, etc.)
B. Multidões homogéneas
1.º
Seitas (seitas políticas, religiosas, etc.)
2.º
Castas (castas militar, sacerdotal e operárias, etc.)
3.º Classes (classes burguesa, dos camponeses, etc.)».
Gustave
Le Bon («A Psicologia das Multidões»).
«Afigura-se-me que as
Nações Unidas se encontram num passo crucial da sua vida, não porque tenham
avançado no sentido da universalidade – foram criadas para albergar em seu seio
todos os Estados independentes – mas porque se vão afastando do espírito que
presidiu à sua criação, ao mesmo tempo que substituem os processos de trabalho.
É visível a tendência para converterem-se em parlamento internacional, a que
não faltam mesmo sessões tempestuosas, partidos ideológicos e rácicos, arranjos
de corredores. Para que a solução por que alguns anseiam se completasse, seria
no entanto necessário sobrepor-lhe um executivo responsável da confiança da
Assembleia, o que oferece dificuldades, na medida em que os Estados Unidos se
não disponham a custear a política aventurosa de alguns novos Estados ou a
Rússia não esteja resolvida a trabalhar com um parlamento que não seja
inteiramente seu, e esse não é ainda o caso. Mesmo sem governo e sem capacidade
de impor normas obrigatórias para os Estados membros, esse parlamento pode
criar – está já criando – através das suas tribunas e da ressonância que
emprestam às afirmações produzidas, vagas de agitação, ambientes subversivos,
estados de espírito que funcionam como meios de pressão sobre as nações
estranhas aos grandes clãs da Assembleia. E tendo sido instituídas para a paz,
já ali se ouvem em demasia vozes que a não pressagiam.
Muitos Estados
recém-vindos às Nações Unidas mostram-se convencidos de que só ali podem ter
apoio e defesa. O resultado é que, junta a essa convicção a deficiência natural
das suas representações diplomáticas, a via bilateral para a solução dos
problemas vai sendo abandonada e é fatal nas Comissões e na Assembleia a
tendência para a internacionalização de todas as questões e conflitos, mesmo
que em nada interessem ao resto do mundo.
A distância que vai do
direito de voto à capacidade de decisão, ou de uma maioria votante à força
efectiva das nações, faz que soem um pouco a falso as grandes objurgatórias,
mas não anula o seu perigo. Revela em todo o caso um desequilíbrio que ou
desaparecerá ou de alguma forma terá de ser compensado.
Para mim, sem o dom da
profecia, o carácter parlamentarista, excessivamente intervencionista e
internacionalizante das Nações Unidas marcará o próximo futuro, até uma crise
grave que as porá à prova. Temos de tê-lo presente, visto que não nos dispomos
a aceitar a intervenção abusiva de terceiros na nossa vida interna.»
Oliveira Salazar («Portugal
e a Campanha Anticolonialista», 4.ª Edição, SNI, 1960).
«[Oliveira Salazar]
lança as bases do próprio estatuto
político que deveria enquadrar a nação: as suas linhas eram idênticas às
que expusera em entrevistas e declarações, e as suas raízes ideológicas
permaneciam imutáveis desde os tempos de Viseu e Coimbra. E aí estavam o
nacionalismo, a família, as corporações, a autoridade, o bem-comum: era uma
síntese da democracia cristã de Leão XIII, das doutrinas económicas de Le Play,
do princípio da vitória pela vontade de Gustave Le Bon, do historicismo de
Maurras. Além do mais, era uma afirmação de portuguesismo supremo: nada contra a Nação, tudo pela Nação.»
Franco Nogueira («Salazar, II, Os tempos áureos, 1928-1936»).
Ver aqui |
A consideração de que a
situação em Angola é susceptível de se tornar uma ameaça para a paz e para a
segurança internacionais, essa, sim, pode ter algum fundamento, mas só na
medida em que alguns dos votantes decidam a passar do auxílio político e
financeiro que estão dando, para o auxílio directo com as suas próprias forças
contra Portugal em Angola. Tudo começa a estar tão do avesso no mundo que os
que agridem são beneméritos, os que se defendem são criminosos, e os Estados,
cônscios dos seus deveres, que se limitam a assegurar a ordem nos seus
territórios são incriminados pelos mesmos que estão na base da desordem que ali
lavra. Não. Não levemos ao trágico estes excessos: a Assembleia das Nações
Unidas funciona como multidão que é e portanto dentro daquelas leis
psicológicas e daquele ambiente emocional a que estão sujeitas todas as
multidões. Nestes termos é-me difícil prever se o seu comportamento se
modificará para bem ou não agravará ainda para pior. Se porém virmos este sinal
no céu de Nova Iorque, é meu convencimento que estão para breve catástrofes e o
total descalabro da Instituição.»
Oliveira Salazar («O
Ultramar Português e a ONU», SNI, 1961).
Ver aqui, aqui, aqui e aqui |
A incessante criação de leis e regulamentos
restritivos, que vêm cercar com as mais bizantinas formalidades os menores actos
da vida, tem como resultado fatal o apertar cada vez mais a esfera dentro da qual
os cidadãos possam livremente mover-se. Vítimas da ilusão de que a igualdade e
a liberdade se acham mais bem asseguradas pela multiplicação das leis, os povos
aceitam todos os dias as mais pesadas peias.
Mas não é impunemente que as aceitam. Habituados
a suportar todos os jugos, acabam por procurá-los e chegam a perder toda a
espontaneidade e toda a energia. Então não passam de vãs sombras, autómatos
passivos, sem vontade, sem resistência, sem força.
E então também o homem vê-se forçado a
procurar fora de si a força que em si não encontra. Com as crescentes
indiferença e incapacidade dos cidadãos, o papel dos governos aumentará ainda forçadamente.
São eles que forçosamente hão-de ter o espírito de iniciativa, de
empreendimento e conduta que os particulares não têm. Será necessário que os
governos tudo empreendam, tudo dirijam, tudo protejam. O Estado será um deus
omnipotente. Mas a experiência ensina-nos que o poder de tais deuses nunca é
nem muito duradouro nem muito forte.
A progressiva restrição de todas as
liberdades em certos povos, não obstante a licença exterior, que lhes dá a ilusão
da posse dessas liberdades, parece ser consequência da sua velhice tanto como a
de qualquer regime. Constitui um dos sintomas precursores da fase de decadência
a que nenhuma civilização até hoje pôde escapar.
A avaliarmos pelas lições do passado e
por sintomas que por toda a parte se manifestam, algumas das nossas civilizações
modernas chegaram à fase da velhice extrema, que precede a decadência. Ao que
parece, são fatais em todos os povos fases idênticas, pois que as vemos muitas
vezes repetidas na História.
É fácil indicar sumariamente estas fases
da evolução geral das civilizações e com essa indicação terminaremos a obra. O
rápido quadro que vamos apresentar projectará porventura alguma luz sobre as
causas do actual poder das multidões.
O
que vemos, ao analisarmos nas suas grandes linhas a génese da grandeza e
decadência das civilizações que precederam a nossa?
Na
aurora dessas civilizações, há uma nuvem de homens de variadas origens,
reunidos pelos acasos das imigrações, das invasões e das conquistas. Estes
homens de diversos sangues, de crenças igualmente diversas, só têm como laço
comum a lei meio reconhecida de um chefe. Nestas confusas aglomerações
encontram-se no mais alto grau os caracteres psicológicos das multidões. Têm
destas a momentânea coesão, os heroísmos, as fraquezas, os impulsos e as
violências. Nada nelas é estável. São bárbaras.
Depois o tempo acaba a sua obra. A
identidade dos meios, a repetição dos cruzamentos, as necessidades de uma vida
comum, actuam lentamente. A aglomeração de unidades dissemelhantes começa a
fusionar-se e a formar uma raça, isto é, um agregado que possui caracteres e
sentimentos comuns, que a hereditariedade vai fixando cada vez mais. A multidão
fez-se povo e este povo vai ter a possibilidade de sair da barbaria.
Todavia sairá completamente quando, após
longos esforços, depois de lutas incessantemente repetidas e inumeráveis tentativas,
haja adquirido um ideal. A natureza deste ideal pouco importa; seja ele o culto
de Roma, o poder de Atenas ou o triunfo de Alá, será o bastante para dar a
todos os indivíduos da raça em via de formação uma unidade perfeita de
sentimentos e pensamentos.
Só então é que pode nascer uma
civilização nova, com as suas instituições, crenças e artes. Arrastada pelo seu
sonho, a raça adquirirá sucessivamente tudo o que dá brilho, força e grandeza.
Em algumas horas será ainda, sem dúvida, multidão, mas então, por detrás dos caracteres
móveis e mutáveis das multidões, encontrar-se-á o substracto sólido, a alma da
raça, que estreitamente limita a extensão das oscilações de um povo e vai
regularizar o acaso.
Depois de haver exercido a sua acção
criadora, o tempo começa, porém, a obra de destruição a que nada escapa, nem
deuses, nem homens. Chegando a um certo nível de poder e complexidade, a
civilização deixa de aumentar e, desde que isto se dá, está condenada a
declinar. A hora da velhice está prestes a soar para ela.
Esta hora inevitável é sempre marcada
pelo enfraquecimento do ideal que sustentava a alma da raça. À proporção que
este ideal empalidece, todos os edifícios religiosos, políticos ou sociais de
que ele era o inspirador começam a abalar-se.
Com a expansão progressiva do seu ideal,
a raça perde cada vez mais o que constituía a sua coesão, a sua unidade e a sua
força. O indivíduo pode crescer em personalidade e em inteligência, mas também,
ao mesmo tempo, o egoísmo colectivo da raça é substituído por um desenvolvimento
excessivo do egoísmo individual acompanhado pelo rebaixamento de carácter e
pela diminuição das aptidões para a acção. O que até então formava um povo, uma
unidade, um bloco, acaba por fazer-se uma aglomeração de individualidades sem
coesão, que ainda mantém artificialmente durante algum tempo as tradições e as
instituições. É então que, divididos pelos seus interesses e aspirações, não
sabendo já governar-se, os homens exigem uma direcção para os actos mais
insignificantes e o Estado exerce a sua absorvente acção.
Com a perda definitiva do antigo ideal,
a raça acaba por perder completamente a alma; esta já não é mais do que uma
nuvem de indivíduos isolados e transforma-se no que foi o seu ponto de partida:
uma multidão. Tendo desta todos os caracteres sem consistência e sem futuro. A
civilização deixa de ter fixidez e fica à mercê de acasos. A plebe é senhora e
os bárbaros avançam. A civilização poderá então parecer ainda brilhante, porque
possui a fachada exterior construída por um longo passado, mas, na realidade, é
um edifício arruinado que já não tem amparos e se desmoronará à mais leve
tempestade.
Passar da barbaria para a civilização, prosseguindo um sonho, depois declinar e morrer, fogo que esse sonho perdeu a força, tal é o ciclo da vida de um povo.
(In Gustave Le
Bon, A Psicologia das Multidões,
Bookbuilders, 1.ª edição, Janeiro de 2020, pp. 188-191).
Nenhum comentário:
Postar um comentário