Escrito por Oliveira Salazar
«São os fins de Agosto, e apesar disso as noites
estão inusitadamente frias; mas Salazar não desiste dos seus passeios a pé, por
Santa Comba ou no Caramulo. Em 26 de Agosto o ambiente turva-se: naquele dia
recebe de Lisboa informações graves, e até Sebastião Ramires, que se encontra
na Alemanha, telefona de Hamburgo a exprimir a sua preocupação perante as
notícias que lhe chegam. Efectivamente, o chefe da polícia telefona a prevenir
de possíveis alterações de ordem pública: e dá conta dos preparativos de uma
revolução. Salazar não se alarma, e depois de jantar sai em passeio a pé com
Jerónimo Lacerda e Guilherme Possolo. Pelo país tudo decorre calmamente. Nos
últimos dias de Agosto Bissaia Barreto vem passar vinte e quatro horas, e
Emídio Mendes traz notícias de Lisboa; e Salazar convida para almoçar Armindo e
Lúcia Monteiro e Teixeira de Sampaio, e depois o ministro dos Estrangeiros
transmite as suas impressões da reunião da Liga de Genebra. Duarte Pacheco passa
um dia completo com Salazar, e todo o plano de obras públicas, em execução ou a
executar, é minuciosamente discutido. Entra Setembro. No dia 1, Salazar sai
cedo do Vimieiro para uma larga digressão. Vai a Tondela e ao Buçaco. E passa
em Coimbra, aqui demora-se em conferência com Agostinho Lourenço, que fora ao
seu encontro: e o chefe da polícia põe o Presidente do Conselho a par de quanto
tem apurado sobre os manejos revolucionários. Tranquilamente, Salazar segue para
Castanheira de Pêra, Figueiró dos Vinhos, inspecciona em Cernache de Bonjardim
o Colégio das Missões; pára uns instantes em Penela; percorre as escavações
arqueológicas em Condeixa; e de novo por Coimbra regressa às suas paragens,
para jantar no Caramulo. Nos dias imediatos sente-se indisposto, enfermiço.
Deixa-se estar pelo Caramulo, com idas rápidas a Santa Comba. Não recebe
ninguém; entrega-se à leitura de jornais e à sua correspondência particular. Mas
a 8, de manhã, aparece Assis Gonçalves, seu antigo secretário e devoto fiel:
traz boatos, notícias alvoraçadas. E no dia seguinte, uma segunda-feira,
Agostinho Lourenço telefona de Lisboa a comunicar que os revolucionários
fixaram o golpe para a madrugada de terça-feira.
Salazar não se perturba. Dá ao chefe da polícia as suas instruções. E pouco depois as autoridades prendem em Lisboa os conjurados, que haviam planeado reunir-se no quartel da Penha de França, e o comandante Mendes Norton, que ao tentar sublevar o Bartolomeu Dias é detido pelo comandante Correia da Silva; e em Cascais são surpreendidos e presos os que se deviam avistar com o Presidente Carmona, para lhe impor a aceitação do golpe revolucionário. Ao fim da manhã de terça-feira, dia 10, Salazar abandona então o Caramulo e dirige-se a Santa Comba. Ao almoço tem por conviva Teixeira de Sampaio, com quem trata de minúcias do Ministério dos Estrangeiros. Mas pela tarde toma o comboio para Lisboa. Na Pampilhosa junta-se-lhe o ministro da Marinha, que interrompera as suas férias em S. Martinho do Campo. E na chegada a Lisboa reúnem-se imediatamente com o Ministro do Interior e o chefe da polícia. Era já seguro que fora evitado o golpe, e o país não se apercebera de coisa alguma. Naquela noite, com Agostinho Lourenço e Costa Leite, Oliveira Salazar redige então uma nota oficiosa. Publicam-na os jornais do dia 11. Dá o chefe do governo conta ao país da rede de conspiradores e demonstra como desde há muito as actividades eram seguidas pela polícia; atribui a tentativa a indivíduos dos antigos partidos, a militares demitidos, a elementos da direita afins do nacional-sindicalismo, a membros de organizações secretas da Confederação Geral do Trabalho; e, depois de esclarecer como foi abortado o golpe, informa que além do comandante Mendes Norton e do tenente-coronel Manuel Valente foram presos outros envolvidos na trama revolucionária. Do documento a opinião pública fica com o sentimento da força do governo, da serenidade do seu chefe, da eficiência da polícia. Nesse dia 11, pela manhã, Salazar avista-se em Cascais com o Presidente Carmona e informa-o dos acontecimentos; e depois, durante cinco horas, está reunido em S. Bento o Conselho de Ministros. Salazar revela então um novo episódio: Paiva Couceiro fizera circular uma carta acusando o governo de negociar a entrega de Angola. Na manhã seguinte, a 12, Salazar convoca nova reunião do Conselho. São decididas as prisões de todos os revolucionários, e seu julgamento; a Couceiro é proibida, por seis meses, a residência em território nacional “mais como protesto do que como penalidade”. Carmona aprova as resoluções do gabinete. E em nova declaração o governo repudia com indignação as alegações de Couceiro quanto ao Ultramar. Depois Salazar dá as suas directivas ao chefe da polícia quanto ao prosseguimento das averiguações. E a 14 à noite segue para o Caramulo a retomar as suas férias interrompidas. [Henrique de Paiva Couceiro. Recorde-se a sua carreira: fizera parte, com Mousinho, Galhardo, Aires de Ornelas, Caldas Xavier, Eduardo Costa, do grupo de oficiais que acompanharam António Enes em Moçambique na campanha que levou à destruição do Gungunhana; governou depois Angola; bateu-se heroicamente na defesa da Monarquia; tentou, nos primeiros anos da República, derrubá-la com incursões organizadas em Espanha. Era lendária a sua bravura pessoal].»
Franco Nogueira
(«Salazar, II, Os tempos áureos – 1928-1936»).
A «geração» de Mouzinho de Albuquerque. Os companheiros de África. Sentados da esquerda para a direita: Dr. Baltasar Cabral, Mouzinho de Albuquerque e Aires de Ornelas. De pé, da esquerda para a direita: Andrade Velez, Gomes da Costa, Eduardo Costa, João de Azevedo Coutinho, João Galvão e Baptista Coelho. Ver aqui |
Henrique Mitchell de Paiva Cabral Couceiro |
«(...) Este grupo de militares teve o condão de, pelas suas proezas nunca alcançadas nos anos recentes, despertar o país para a realidade colonial e de promover a afirmação de Portugal perante o exterior numa altura em que o prestígio nacional em África já tinha conhecido melhores dias. Os inimigos não eram as azagaias dos Vátuas, mas sim os apetites que a debilidade da presença portuguesa despertou nas potências europeias, nomeadamente na Grã-Bretanha e na rival Alemanha».
Paulo Jorge
Fernandes («MOUZINHO DE ALBUQUERQUE. Um soldado ao serviço do Império»).
Tentativa de Revolução
Nota oficiosa publicada nos jornais de 11 de Setembro de 1935 a propósito dos acontecimentos da véspera:
Desde há muito tempo vem o Governo seguindo, por intermédio dos seus orgãos de informação e vigilância, os trabalhos preparatórios de alteração da ordem prosseguidos por elementos inimigos ou apenas descontentes com a marcha política e administrativa do País.
Conheciam-se os locais das reuniões, os
dirigentes, os elementos de ligação, os futuros Ministros, os planos de acção e
o seu projectado desenvolvimento. Mais se conheciam os entendimentos
estabelecidos entre os indivíduos de antigos partidos, militares demitidos das velhas revoluções e elementos das chamadas direitas, alguns com serviços à
situação política actual e simpatizantes com os processos políticos do
nacional-sindicalismo já dissolvido.
Por falta de acordo, primeiro acerca da
distribuição das pastas, depois acerca da chefia do governo que cada um dos grupos
desejava para si, desavieram-se os principais dirigentes, mas os elementos de
uma e outra banda continuaram trabalhando de modo que pudessem no momento
decisivo usufruir sozinhos os proventos da vitória.
Convinha ao Governo desta vez não se
mostrar informado da conjura nem tomar prevenções que fizessem adiar o
movimento. E por isso o esperou para as seis da manhã de hoje em que devia
eclodir.
Estava no plano que o sinal fosse dado
do destacamento da Penha de França, tendo-se comprometido o capitão de mar e
guerra Mendes Norton a secundá-lo de bordo do Bartolomeu Dias. O Presidente do Conselho e alguns Ministros deviam
ser presos.
Como quer que a Polícia fosse prendendo,
à sua chegada à Penha, os conjurados e à espera destes se encontrasse o oficial
comprometido a revoltar a unidade, o sinal não foi dado. Por seu turno o
comandante Mendes Norton entrava abusivamente no Bartolomeu Dias e, não conseguindo fazer-se obedecer pela
guarnição, foi por esta preso.
À
mesma hora já se encontravam em Cascais dois conspiradores – um civil e outro
militar – os quais tinham tomado sobre si a missão de comunicar ao Chefe do
Estado a revolução e de convidar o Sr. Presidente da República a tomar o
movimento como expressão da vontade do País – o que pelos motivos referidos não
pôde sequer ser tentado.
Os elementos presos à sua chegada à
Penha de França, bem como os civis detidos em vários pontos da cidade, são
conhecidos revolucionários dos antigos partidos e das organizações secretas da
Confederação Geral do Trabalho com os quais deveriam colaborar oficiais de bem
diferente ideal. O mais categorizado destes presos é o tenente-coronel dentista
veterinário, Manuel Valente.
Está-se procedendo à prisão dos conspiradores
para aplicação das sanções legais, devendo reunir-se amanhã o Conselho de
Ministros para tomar conhecimento pormenorizado dos acontecimentos e adoptar as
medidas que se tornem necessárias para continuar assegurando ao País a
tranquilidade e ordem que mais do que nunca ele tem o direito de exigir, para
eficaz defesa dos seus maiores interesses.
Todos os actos se desenrolaram sem que o público tivesse conhecimento do que se passara, e sem se ter notado a menor alteração da ordem pública.
(In Oliveira Salazar, Discursos e Notas Políticas, II, 1935-1937, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1945, pp. 59-61).
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