segunda-feira, 23 de março de 2015

O Caso de Timor (i)

Escrito por Oliveira Salazar




Pacto Anticomintern



«Em Novembro [de 1936], preocupado novamente com as intenções soviéticas na Ásia, o Japão assinou o Pacto Anticomintern com a Alemanha. A Itália juntou-se-lhes pouco depois. O pacto era basicamente um acordo de assistência mútua, por troca de informações, contra ao que consideravam o inimigo comum, a União Soviética.

No ano seguinte, o Japão entrou efectivamente em guerra com a China, a seguir ao incidente da Ponte Marco Polo de 7 de Julho de 1937. O incidente começou quando tropas japonesas, legalmente estacionadas em manobras perto de Pequim, afirmaram ter sido alvo de disparos por parte dos Chineses. A situação, que bem pode ter sido deliberadamente provocada pelos Japoneses, levou a um recontro local. No espaço de um mês, houve uma escalada para a guerra aberta, embora esta nunca tivesse sido formalmente declarada.

Mesmo que o recontro inicial tivesse sido acidental, não houve qualquer tentativa do governo ou do imperador japoneses para impedir a escalada. Longe disso, o primeiro-ministro Konoe Fumimaro (1891-1945) promoveu activamente uma atitude beligerante face à China. A china, por seu lado, com um revitalizado Chiang Kai-Chek, também não estava disposta a recuar.

O confronto alastrou a Xangai em Agosto, caindo a cidade em Novembro. Os Japoneses dirigiram-se então para a capital, Nanquim, que caiu em Dezembro, após apenas uns dias de luta. À queda da cidade seguiram-se assassinatos em massa, violações, torturas e pilhagens por parte das tropas japonesas, numa das atrocidades mais infames já praticadas no mundo. As baixas chinesas nunca serão conhecidas com exactidão, tendo sido estimadas entre 340 000 pelos Chineses e umas meras 30 000 pelos Japoneses. O que é certo é que muitos milhares de Chineses foram mortos, muitos deles civis.



Soldados japoneses invadem a cidade chinesa de Nanquim (1937).



Um soldado japonês de guarda na Grande Muralha da China depois de capturada em 1937 (2.ª Guerra Sino-Japonesa).


Algumas das atrocidades de Nanquim foram filmadas. Houve testemunhos públicos de remorso por parte de militares japoneses envolvidos pessoalmente no massacre. Nada menos do que uma figura como o príncipe Mikasa (n. 1915), o irmão mais novo do imperador, que estava estacionado em Nanquim, reconheceu numa entrevista a um jornal popular, muitos anos depois, que houve um massacre. Foram publicados alguns livros bem fundamentados com relatos com pormenores (e fotografias) horríveis, corroborados pelos que estavam presentes. No entanto, ainda hoje o Massacre de Nanquim é desvalorizado, ou mesmo negado, por alguns Japoneses, incluindo alguns com altos cargos. O mesmo se passa em relação à ideia de o Japão ter sido agressivo.

Para surpresa dos Japoneses, os Chineses não capitularam depois de Nanquim. Instalou-se uma espécie de impasse, com o Japão a obter alguns ganhos, mas sem progresso substancial. Os líderes japoneses começaram a preocupar-se que a campanha da China poderia revelar-se demorada e enfraquecer o Japão, expondo-o à União Soviética. Tais receios não careciam por inteiro de fundamento. Os Soviéticos tinham expresso abertamente o seu apoio à China. Havia também cada vez mais recontros entre a União Soviética e o Japão no final da década de 30 e os Japoneses estavam a ficar em inferioridade. Ficaram mais alarmados quando a Alemanha assinou um pacto de não agressão com a União Soviética, em Agosto de 1939, violando o espírito do próprio Pacto Anticomintern entre o Japão e a Alemanha.

O Japão sentiu-se traído por esta. Aliás, a sua fé naquele que fora até então o seu ídolo tinha diminuído, com a afirmação pública da superioridade da raça ariana por parte de Hitler e a sua descrição dos Japoneses como um "povo de segunda classe". Não foram poucos os Japoneses que temeram que a Alemanha pudesse ainda virar-se contra o Japão, por constituir um "perigo amarelo", e que outras potências ocidentais, como os Estados Unidos, pudessem aliar-se a ela nessa causa. Nunca iriam livrar-se dessas dúvidas.

Porém, os êxitos alemães nas fases iniciais da II Guerra Mundial, que começara no mês seguinte, em Setembro de 1939, levaram o Japão a pensar que uma política de apoio ao Eixo (a Alemanha e a Itália) ser-lhe-ia benéfica. Por isso, assinou o Pacto Tripartido em Setembro de 1940. As principais disposições do Pacto incluíam um acordo de ajuda mútua em caso de ataque por alguma potência que não estivesse naquele momento envolvida na guerra na Europa ou no conflito sino-japonês. Isto apontava, é claro, para os Estados Unidos.





Batalha de Shangai (1937)





















Foram também reconhecidos interesses do Japão na Ásia. Estes centravam-se na visão de uma Grande Esfera de Prosperidade Mútua do Leste Asiático (Dai Toa Kyoei-Ken) liderada pelo Japão. Era um conceito mal definido, mas nas suas versões mais irrealistas chegava a incluir países como a Austrália e a Nova Zelândia.

O Pacto Tripartido deu ao Japão a confiança necessária para alargar as suas actividades no continente asiático. Quase em simultâneo com a sua assinatura em Berlim, as tropas japonesas entraram no norte da Indochina Francesa. Houve pouca resistência por parte de uma França incapacitada. Os Estados Unidos responderam, limitando as exportações para o Japão de produtos como combustível para aviões, aço e sucata de ferro, mas evitaram as acções militares. Havia uma indignação e um receio públicos consideráveis nos Estados Unidos, devido às acções do Japão na Ásia, tal como devido às acções germânicas na Europa e à assinatura do Pacto Tripartido, mas em geral o povo americano apoiava a política governamental oficial de não intervenção.

Em Junho do ano seguinte, 1941, a Alemanha renegou o pacto de não agressão e atacou a União Soviética. Com os Soviéticos agora envolvidos com a Alemanha, o Japão sentiu que as suas conquistas no Norte da Manchúria estariam seguras. Podia voltar a sua atenção para o sul. Em particular, o Japão queria garantir uma base a partir da qual pudesse invadir a Malásia e as Índias Orientais Holandesas, que eram ricas em recursos. Em 22 de Julho de 1941, movimentou-se mais para sul na Indochina, ciente de que iria provocar, provavelmente, uma reacção por parte dos Estados Unidos.



Ver aqui






Hitler (ao centro), estuda um mapa de guerra russo com o General Marshal Walter Von Brauchitsch (à esquerda) e o General Franz Halder (à direita). Foto de 7 de Agosto de 1941.











Divisão Azul


A resposta oficial americana foi congelar bens japoneses nos Estados Unidos e impor um embargo alargado às exportações de produtos americanos para o Japão. Nestes incluía-se esse bem essencial que era o petróleo. O Japão tinha de importar mais de 90% das suas necessidades de petróleo e mais de três quartos destas importações provinham dos Estados Unidos.

Não oficialmente, o presidente Franklin Roosevelt concordou de imediato com o plano irrealista de bombardear secretamente o Japão. O plano fora proposto aproximadamente sete meses antes por Claire Chennault, chefe de um grupo de pilotos americanos voluntários estacionados na China conhecidos como Tigres Voadores. Estes pilotos eram utilizados como mercenários pelo governo chinês na sua luta contra o Japão. Chennault era um entusiasta de que se fizessem bombardeamentos estratégicos preventivos no próprio Japão. Tinha abordado o governo americano para que lhe desse apoio secreto e recebera alguma ajuda financeira para o seu grupo, mas não a aprovação do seu plano. Então, em Maio de 1941, Lauchlin Currie, conselheiro de Roosevelt, visitou a China e, depois de regressar, recuperou o plano. Roosevelt e alguns dos seus colaboradores mais próximos, bem como os Britânicos, ficaram entusiasmados com a ideia, em teoria, mas pensaram que não era viável. No entanto, em 23 de Julho, um dia depois da movimentação dos Japoneses no Sul da Indochina, Roosevelt e oficiais de alta patente, como os almirantes Hart e Turner, apuseram as suas assinaturas no Documento JB 355 (Série 691), intitulado Aircraft Requirements of the Chinese Government (Necessidades em Aviões por parte do governo Chinês). Entre outras coisas, este documento autorizava a usar 66 bombardeiros Lockheed Hudson e Douglas DB-7 (outros aviões deveriam estar disponíveis mais tarde) com o seguinte objectivo claramente estabelecido: "Destruição de fábricas japonesas de maneira a prejudicar a produção de munições e artigos essenciais à manutenção da estrutura económica do Japão". De facto, houve atraso em assegurar os aviões e outros acontecimentos acabaram por se sobrepor ao plano, antes de se ter tentado qualquer raide de bombardeamento.

Talvez isso tenha sido o melhor, pois do ponto de vista operacional o JB 355 estava quase condenado à partida. A cerca de 2000 km das suas bases na China, estes lentos bombardeiros estariam fora do raio de acção dos seus caças de escolta e quase de certeza teriam sido prontamente destruídos pelos Zero da Mitsubishi, os modernos caças japoneses. Só a total frustração causada pelo comportamento do Japão pode explicar este momento de aparente loucura de militares e chefes políticos experientes concordarem com um plano tão improvável. Na altura, figura de topo como o secretário de Estado Cordell Hull e o próprio Roosevelt expressaram abertamente, mais de uma vez, de algum modo, tanto a sua ira em relação aos Japoneses como o seu desejo de lhes dar uma lição.





















O embargo petrolífero foi mais eficaz do que teriam sido os JB 355. Deixou o Japão com reservas petrolíferas muito limitadas. Obviamente, esta situação não era sustentável. Logo a 3 de Setembro de 1941, os líderes nacionais decidiram fazer guerra com os Estados Unidos se a situação relativa ao petróleo não pudesse ser solucionada até ao início de Outubro. (O prazo foi depois alargado até 30 de Novembro).

Ao mesmo tempo, um ataque a Pearl Harbor, que tinha sido proposto em Janeiro pelo almirante Yamamoto Osoroku (1884-1943), foi finalmente aprovado e ensaiado na baía de Kagoshima, no Sul de Kyushu. Havia ainda algumas pessoas no Japão, entre os quais o primeiro-ministro Konoe (apesar da sua beligerância face à China), que tinham esperança em que a diplomacia acabasse por prevalecer, mas Hull, sobretudo, continuava inflexível quanto à necessidade de o Japão mudar drasticamente a sua política, antes de poderem ser feitas quaisquer concessões. Queria que os Japoneses abandonassem não apenas a Indochina, mas também a China. Konoe demitiu-se em Outubro, sendo substituído como primeiro-ministro pelo ministro do Exército, o general Tojo Hideki (1884-1948).

O Japão fez a sua última concessão no final de Novembro, concordando em retirar do Sul da Indochina, mas não da China. Hull não aceitou. O Japão não esperava que o fizesse. Sob o comando do almirante Nagumo Chuichi (1887-1944), a sua frota já se deslocava das Curilas para o Havai. Era uma grande frota com uma missão mortífera, compreendendo seis porta-aviões, com mais de 400 aeronaves no total, dois couraçados, três cruzadores, nove contratorpedeiros e mais de 20 submarinos.

O imperador Hirohito deu o seu acordo formal à guerra a 1 de Dezembro, tendo dito mais tarde que, "[c]omo monarca constitucional, num sistema político constitucional, não tinha alternativa senão sancionar a decisão de iniciar a guerra tomada pelo governo de Tojo". Porém, o que é mais importante ainda, também afirmou que "provavelmente, eu teria tentado vetar a decisão de ir para a guerra se tivesse então antecipado o futuro" [itálicos meus]. Quer dizer, ele não se sentia totalmente impotente para agir, mas não quis tentar porque pensou, na altura, que o resultado da guerra seria favorável ao Japão.






Imperador Hirohito em 1928.






Hirohito pensou durante algum tempo que seria possível dar um golpe decisivo aos Americanos e depois prosseguir uma política de paz. Neste aspecto, partilhava a opinião da maioria. Só os Japoneses mais fanáticos acreditavam que poderiam derrotar completamente a América. Por outro lado, também não era prática tradicional dos Japoneses confrontarem-se directamente com um inimigo mais poderoso, arriscando-se a uma derrota humilhante. Contudo, havia a crença generalizada e algo fatalista de que era necessário uma qualquer acção contra os Americanos e a maioria pensava que tinham boas razões de conseguir um empate honroso, como sucedera com a Rússia. Ou seja, poderiam lutar com um inimigo mais poderoso, até que este se cansasse e estivesse disposto a discutir os termos da paz, termos esses que deixariam o Japão numa melhor posição do que a que tinha em 1941. Pelo menos, era o que pensavam.

(...) O primeiro ataque do Japão na Guerra do Pacífico não foi contra a América em Pearl Harbor. Foi contra a Grã-Bretanha na Malásia. Aproximadamente 90 minutos antes de Pearl Harbor, cerca de 5000 Japoneses atacaram com sucesso uma força britânica em Kota Bharu, no sultanato de Kelantan.

Os Japoneses sabiam que, em qualquer caso, a guerra contra a América significava também, quase de certeza, a guerra contra a Grã-Bretanha. Necessitavam de ter os recursos da Malásia o mais rapidamente possível para o seu esforço de guerra e sabiam que tinham pouco a temer dos Britânicos. Alguns meses antes, numa rara demonstração de apoio germânico ao Japão, um comandante alemão de um submarino tinha-lhes entregue um relatório secreto dos chefes do estado-maior britânicos para o Gabinete de Guerra, que tinham apreendido. O relatório afirmava que Singapura e outros territórios britânicos do Sudeste da Ásia eram considerados indefensáveis contra um ataque japonês e receberiam pouco ou nenhum reforço. Esta informação deu aos Japoneses não apenas a segurança de que necessitavam para atacar as posições britânicas, mas também afastou quaisquer reservas que pudessem ter quanto a disponibilizar tantos recursos no ataque a Pearl Harbor e às posições americanas.

O ataque a Pearl Harbor começou pouco antes das 8 horas da manhã (hora local) de 7 de Dezembro. A primeira ofensiva foi constituída por uma vaga de 183 bombardeiros. Uma segunda vaga de 176 bombardeiros atacou aproximadamente uma hora depois. As forças americanas estavam completamente desprevenidas. Sofreram cerca de 4500 baixas (das quais três quartos eram mortos ou desaparecidos presumivelmente mortos). A América também perdeu quatro couraçados, aproximadamente 180 aviões e três contratorpedeiros. Para além disso, houve danos em quatro outros couraçados, e em cerca de 80 aviões e cruzadores ligeiros. Do lado japonês, as perdas foram apenas de cinco submarinos, 29 aviões e cerca de 60 homens.





















Embora consideráveis, os estragos em Pearl Harbor poderiam e deveriam ter sido piores. O almirante Naguno foi criticado por alguns colegas seus por ter feito apenas duas investidas aéreas e por não ter destruído grandes reservas de petróleo, oficinas e outras instalações de reparação, hangares de aviões e muitos outros navios e aviões que ficaram incólumes ou foram apenas parcialmente atingidos. Militarmente, o ataque não teve tanto êxito como deveria ter tido. Era como se, de certo modo, os Japoneses não pudessem acreditar na sorte que tinham tido, ao serem capazes de infligir as perdas consideráveis que conseguiram, e tivessem retirado prematuramente.

O ataque não foi um modelo de eficácia operacional, mas foi suficiente para fazer entrar a América imediatamente em guerra para se vingar. O não-intervencionismo foi, de facto, neutralizado pela raiva da opinião pública contra o que foi considerado um ataque traiçoeiro e desonesto.

O facto de os Japoneses terem atacado antes de uma declaração formal de intenções era para muitos a prova clara da sua falsidade. Os Japoneses disseram que tal não se ficou a dever a uma omissão deliberada da sua parte, mas à incompetência diplomática do pessoal da Embaixada em Washington, de que resultou a notificação ter apenas chegado uma hora depois do ataque a Pearl Harbor, em vez de meia hora antes dele. Este assunto permaneceu um tema controverso durante algumas décadas, mas investigações recentes mostraram que fora uma manobra deliberada dos generais do estado-maior do Exército e da Marinha para adiarem e confundirem a mensagem e que o pessoal da Embaixada foi o bode expiatório. De qualquer modo, o problema é todo ele meramente académico, ao ignorar o ataque em Kelantan. Mesmo que a notificação tivesse chegado a tempo, meia hora antes de Pearl Harbor, ainda teria chegado uma hora depois de Kelantan, ataque que também não foi anunciado. Por outras palavras, apesar dos desmentidos oficiais japoneses, não há dúvida de que o ataque a Pearl Harbor foi deliberadamente executado sem o devido aviso formal, um comportamento sentido como vergonhoso por muitos militares importantes do próprio Japão, incluindo o seu principal piloto de combate, Sakai Saburo. Por outro lado, este "ataque de surpresa" não deveria ter surpreendido ninguém, dada a táctica anterior do Japão contra a China e a Rússia.

Para além da falha de entrega da notificação formal, a questão de saber se os dirigentes americanos foram realmente apanhados de surpresa é uma questão muito mais controversa. De um lado, há os que acreditam que Pearl Harbor foi uma conspiração de Roosevelt e dos seus colegas, que sabiam tudo acerca do ataque iminente, mas que permitiram, ou até encorajaram, que acontecesse, sacrificando vidas americanas para trazer a América para a guerra contra a Alemanha, a aliada do Japão. Do outro lado estão os que pensam apenas que a América foi apanhada desprevenida devido à sua complacência. Podem ser apresentadas provas nos dois sentidos, mas talvez nunca se chegue a ter um quadro definitivo do que aconteceu.


























Evidentemente, é indiscutível que houve muitos sinais de alarme quanto ao ataque, incluindo códigos interceptados, sinais de radar, avistamentos e informações dadas à América, não apenas pelos seus próprios agentes, mas também por outras nações, como a Holanda. A questão crucial é saber quantos destes avisos foram na altura reconhecidos como tal. Estes eram tempos em que um adido naval da Embaixada dos Estados Unidos em Tóquio, de quem se esperaria que soubesse alguma coisa sobre o Japão e a sua capacidade militar, falava em "limpar os Japoneses em 24 horas". Na Marinha, havia muitos que diziam querer "sacudir o irmãozinho castanho, numa altura qualquer" antes de entrar na Batalha do Atlântico, Tais atitudes não propiciavam que se levasse suficientemente a sério a ameaça militar japonesa e que se desse atenção a todos os sinais que iam chegando. Havia, sem dúvida, complacência.

Por outro lado, também é certo que aqueles que estavam ansiosos por um confronto, nos quais se incluíam alguns líderes americanos, tiveram os seus desejos satisfeitos com Pearl Harbor. Os Japoneses poderiam ter infligido um golpe bem pior do que alguma vez fora imaginado, mas, pelo menos, a luta tinha começado. Independentemente do que tenha acontecido, permanece o facto de o ataque ter por efeito que se ultrapassasse o sentimento não-intervencionista e a América se lançasse na guerra contra a Alemanha, auxiliando assim a Grã-Bretanha, como Churchill muito desejava. O próprio Roosevelt contou depois a Churchill e a Estaline que se não tivesse sido o ataque japonês, teria tido grande dificuldade em convencer o povo americano a entrar na guerra. Mas tratava-se da expressão de satisfação por ter cumprido um objectivo, ou apenas a constatação de um facto? É um caso típico da natureza ambivalente de muito do material envolvido na controvérsia infindável e labiríntica sobre Pearl Harbor, uma controvérsia que, embora seja fascinante e relevante para os que se interessam pelo Japão, deve ser sobretudo uma preocupação dos historiadores da política americana.

Do ponto de vista japonês, o facto é que estavam agora em guerra com a América. Apesar das críticas operacionais ao ataque a Pearl Harbor, houve grande satisfação no Japão, incluindo no Palácio Imperial. O sentimento de satisfação iria continuar com a série de êxitos japoneses que se deram nas primeiras fases da Guerra do Pacífico.









Douglas MacArthur (1880-1964)
















Apenas algumas horas depois de Pearl Harbor, o poderio aéreo americano foi severamente atingido por um ataque à sua esquadra aérea, que estava baseada nas Filipinas e era outro alvo fácil. Passada uma semana, mais ou menos, a Tailândia foi ocupada, cedendo diplomaticamente. A pequena frota naval britânica ao largo da Malásia foi gravemente atingida, permitindo aos Japoneses progressos militares naquela área. Guam caiu a 11 de Dezembro, com algumas ilhas do Pacífico a cair nos meses seguintes. Hong Kong foi capturada a 25 de Dezembro. O Bornéu rendeu-se a 19 de Janeiro. A 15 de Fevereiro, num dos piores e mais desmoralizadores momentos da história militar britânica, Singapura rendeu-se incondicionalmente, após um assalto inesperado por terra. Tinha sido considerada inexpugnável pela maioria dos Britânicos e tinha mais de 70 000 combatentes, mais do dobro dos Japoneses que a atacaram. No fim de Fevereiro, Samatra, Timor e Bali também tinham caído. Batávia rendeu-se a 6 de Março. Rangum, na Birmânia, caiu a 8 de Março e Java a 9. Nas Filipinas, Manila caiu a 2 de Janeiro de 1942, embora Bataan se tivesse mantido até ao início de Abril e a Ilha Corregidor até 7 de Maio. Em Março, o general Douglas MacArthur (1880-1964), o comandante americano das Forças do Extremo Oriente, deixou a sua base nas Filipinas e passou para a Austrália por ordem de Washington. As suas famosas palavras "Voltarei" tornaram-se um grito de guerra das forças aliadas na zona do Pacífico

Os êxitos iniciais do Japão ficaram a dever-se, em parte, ao facto de os Aliados estarem ocupados na Europa, mas também, em larga medida, à grande intensidade dos seus ataques. Isto era algo para que os Aliados não estavam realmente preparados. O comentário de Winston Churchill aquando da queda de Singapura, que a "violência, fúria, capacidade e poderio do Japão excederam em muito tudo aquilo que esperaríamos", teve a concordância de muitos. Os ocidentais tinham subestimado seriamente o Japão. Neles incluíam-se os aliados deste. Hitler ficou bastante incomodado com a facilidade com que os untermenschen ("homens inferiores") japoneses derrotaram tropas brancas, sobretudo em Singapura.

A intensidade japonesa, como os próprios Japoneses reconheciam, tinha uma base espiritual. Sentiam que a sua força de espírito era mais forte do que a dos ocidentais moles, enfraquecidos pelo materialismo e pelo egoísmo. Nela se incluía a determinação de lutar até à morte».

Kenneth Henshall («História do Japão»).





«In a previous book, Wall Street and the Bolshevik Revolution, (Arlington House, 1974), the association of Wall Street international bankers and the 1917 Bolshevik Revolution was traced in some detail. Wall Street and FDR is a sequel to this earlier volume. Bankers were also associated with Franklin Delano Roosevelt between 1917 and 1934, as well as with the promotion of Roosevelt's New Deal and the rise of corporate socialism in the United States.

The evidence based largely on FDR's own papers, suggests that there is nothing inevitable about the march of socialism. Socialism is the most inefficient, and certanly the most inequitable, way to run a society ever conceived by man. It has come to the United States only because it is very much in the interest of the Wall Street financial establishment to attain a socialist society.

How this was brought about in the Roosevelt era is the story of this book.

(...) Old  John D. Rockefeller and his 19th century fellow-capitalists were convinced of one absolute truth: that no great monetary wealth could be accumulated under the impartial rules of a competitive laissez faire society. The only sure road to the acquisition of massive wealth was monopoly: drive out your competitors, reduce competition, eliminate laissez faire, and above all get state protection for your industry through compliant politicians and government regulation. This last avenue yields a legal monopoly, and a legal monopoly always leads to wealth.

This robber baron schema is also, under the different labels, the socialist plan. The difference between a corporate state monopoly and a socialist state is essentially only the identity of the group controling the power structure. The essence of socialism is monopoly control by the state using hired planners and academic sponges. On the other hand, Rockefeller, Morgan, and their corporate friends aimed to acquire and control their monopoly and to maximize its profits through influence in the state political apparatus; this, while it still needs hired planners and academic sponges, is a discreet and far more subtle process than outright state ownership under socialism. Success for the Rockefeller gambit has depended particularly upon focusing public attention upon largely irrelevant and superficial historical creations, such as the myth of a struggle between capitalists and communists, and careful cultivation of political forces by big business. We call this phenomenon of corporate legal monopoly-market control acquired by using political influence - by the name of corporate socialism.

The most lucid and frank description of corporate socialism and its mores and objectives is to be found in a 1906 booklet by Frederick Clemson Howe, Confessions of a Monopolist.










Frederick Howe's role in the 1917 Bolshevik Revolution and its aftermath was described in Wall Street and the Bolshevik Revolution. Howe also emerges in Roosevelt's New Deal as consumer counsel in the Agricultural Adjustment Administration, So Howe's interest in society and its problems spans the early 20th century, from his association with Newton D. Baker, later Secretary of War, to communist Lincoln Steffens. As a special U.S. Commissioner, Howe made studies of municipal ownership of public utilities in England and in 1914 was appointed by the President Wilson as U.S. Commissioner of Immigration.

What is the secret of making great wealth? Howe anwers the question as follows: "Mr Rockfeller may think he made his hundreds of millions by economy, by saving on his bills, but he didn't. He managed to get the people of the globe to work for him..."

In brief, corporate socialism is intimately related to making society work for the few».

Antony C. Sutton («Wall Street and FDR»).


«... na tarde do dia 19 de Fevereiro, o ministro do Japão comunica a Teixeira de Sampaio que forças nipónicas se tinham visto "obrigadas" a empreender a expulsão das tropas holandesas e australianas do Timor português. Acrescenta o enviado japonês: trata-se de uma acção de legítima defesa, a integridade territorial portuguesa será respeitada enquanto Portugal se mantiver neutral, os exércitos imperiais retirarão logo que cumprido o seu objectivo. Não é disfarçado pela doçura das palavras e pelos propósitos o carácter de invasão que assume o acto japonês. Sampaio reage; e quando, às dez e meia da noite, o ministro de Tóquio entrega a Salazar a comunicação escrita, este não oculta a sua surpresa, a sua mágoa, o seu protesto. E acentua que o governo de Tóquio sabia que dentro em muito pouco aportariam a Timor forças portuguesas para restabelecer a soberania legítima: por nenhum título tem justificação o acto decidido pelo governo nipónico. E Salazar manda repetir em Tóquio o seu protesto. Determina que este seja feito com relativa moderação: não se esquece de que as forças japonesas no Sul da China cercam Macau.

De novo se apresenta Salazar, a 21, perante a Assembleia Nacional. Está sereno, frio, nítido, impecável, formal no seu jaquetão preto e calça de fantasia; na sua frente, numa salva de prata, um cálice do vinho do Porto; e agora, para ler, usa uns óculos frágeis, que são apenas uma meia-lua em vidro. Expõe os factos descarnados: fora gratuito o acto japonês: o governo de Tóquio estava informado de que iam a caminho, já em pleno Índico, forças portuguesas: dentro de dias sairiam de Timor as tropas holandesas e australianas: e os termos correctos em que é feita a comunicação não invalidam a extrema gravidade dos factos. E no plano dos princípios há que condenar a acção japonesa: porque "não há direitos de estratégia contra a soberania das nações" e porque "a violação de um direito por uns não legitima a violação do mesmo ou de diverso direito por outros". E nem o Império Nipónico, com "a declaração de amigáveis sentimentos para connosco e dos seus propósitos de abandonar Timor, pode fazer calar o nosso protesto e abafar a nossa mágoa". Salazar é firme, digno, vivo no seu clamor contra a nova agressão: mas não é violento, nem mesmo duro: para além de Timor paira o espectro da tomada de Macau.

Por todo o país, na opinião pública, suscita-se um sentimento de pesar e de indignação: considera-se perdido o território: e alguns antevêem a próxima entrada de Portugal na guerra.









Afinal, fora inútil o desembarque holandês e australiano em Timor: havia sido violada a soberania de um aliado da Inglaterra, cabendo a esta a responsabilidade: e, chegado o ataque japonês, as forças que se supunham em pé-de-guerra não o evitaram, não o repeliram, e não haviam mesmo esboçado resistência séria, entregando-se ou fugindo. De um ângulo político e moral, não podia ser mais forte a razão de Salazar. Mas agora abre-se um outro problema: que destino se reserva à expedição militar portuguesa que navega no Índico? Fazê-la regressar? É desprestigiante. Fazê-la desembarcar em Timor? É o que parece indicado. E se os japoneses não se retiram, que decisão tomar? Coexistir em território português com tropas estrangeiras e parecer colaborar com estas? Teria então sido preferível aceitar essa situação com forças que ali se encontravam em nome do país aliado. E se os japoneses se opuserem e resistirem? É a guerra com o Japão. Salazar resolve estas interrogações; e o Foreign Office, por seu lado, considera que tem na situação alguma responsabilidade, pois "fomos nós que lançámos (os portugueses) nesta trapalhada". E um alto funcionário comenta: "Se houvéssemos insistido pela retirada dos australianos e dos holandeses, Timor não teria sido atacado; se o tivesse sido, seriam os japoneses os únicos agressores; e teríamos nós uma forte posição junto dos portugueses". Alguns criticam que Salazar não tivesse reprimido manifestações antibritânicas e evite agora manifestações antinipónicas. E a esses é respondido: "Talvez; mas não é surpreendente que os portugueses não desejem provocar os japoneses e assim perder conjuntamente Timor e Macau; e o nosso comportamento no Extremo Oriente dificilmente pode inspirar aos portugueses uma coragem temerária". Mas em Lisboa, Campbell aconselha Sampaio à firmeza perante Tóquio, e o mesmo diz Eden em Londres a Monteiro. Quando Salazar recebe o ministro da América, este diz-lhe, a sugestão de Campbell, que o corte de relações entre Portugal e o Japão seria muito popular nos Estados Unidos. Salazar pergunta: "Porquê?" E a pergunta embaraça o enviado americano, e Campbell comenta que a mesma revela quanto o chefe do governo português está "distante do mundo" (Tinha inteira pertinência a pergunta de Salazar. Era subtil: queria obrigar o ministro americano a confessar que a guerra popular nos Estados Unidos era contra o Japão e não a guerra contra a Alemanha). Mas quando Salazar exprime a sua surpresa, em forma que implica uma crítica, pela debandada das forças holandesas e australianas, tanto mais que a fuga para as montanhas se realizara antes da ordem de Wavell para retirarem, Campbell e o Foreign Office não compreendem a censura e justificam aquela por considerações globais. Entretanto, logo após a invasão japonesa, e depois de apresentado o protesto, Salazar procura negociar com Tóquio a retirada das forças nipónicas. Argumenta o gabinete japonês, porém, que não pode satisfazer Lisboa enquanto no interior das montanhas timorenses vaguearem armados holandeses e australianos. E então Salazar dá ordem à expedição militar portuguesa para se dirigir a Colombo, no Ceilão, e aí aguardar ulteriores directivas, e destas resulta a ida posterior para Mormugão».

Franco Nogueira («Salazar, III. As grandes crises -1936-1945»).


«Cercado pela dúvida quanto àquilo com que poderia contar, pressionado entre uma eventual invasão alemã e uma deslealdade britânica, Salazar reage solidificando os seus laços com a Espanha. A 12 de Fevereiro, encontra-se com Franco, o que viria a revelar-se decisivo. A diplomacia inflecte com o propósito de ganhar massa de sustentação.



Num lacónico e vago comunicado relatando o encontro, diz-se que nas conferências realizadas se abordaram assuntos relativos ao Tratado de Amizade e Não-Agressão existente entre Espanha e Portugal de 17 de Março de 1939 e seu protocolo adicional e conclui-se em termos públicos que...

"[...] foram examinados dentro do espírito de amizade e identidade de vistas que preside às relações dos dois países peninsulares, tanto os problemas políticos e económicos de carácter geral suscitados pela situação actual do mundo, como os problemas privativos dos dois Estados, tendo-se acordado manter de futuro o mais estreito contacto para a salvaguarda dos interesses comuns, dentro dos termos estabelecidos nos referidos convénios".

Em Londres percebe-se, no entanto, que, através desta manobra, os dois ditadores ibéricos se haviam amarrado a um destino comum. Doravante, a gestão do problema ibérico ganhava peso e complexidade. A Espanha não poderia alinhar com o Eixo nazi-fascista sem a concordância de Portugal, o que, atendendo, à Aliança luso-britânica, nunca seria concedido.

Entretanto no terreno, sabendo que vão atingi-lo os estilhaços destes raids policiais, que os ingleses chamam the Blitz, como se em rememoração dos bombardeamentos aéreos da Luftwaffe sobre o seu país, John Beevor está cada vez mais inquieto com a ausência de protesto firme por parte do embaixador do seu país junto das autoridades portuguesas. Mas pouco pode fazer senão lamentar-se. A questão ganhara uma dimensão muito para lá da sua pequena estatura. Estavam em causa as relações entre Portugal e a Inglaterra e agora a questão ibérica no seu todo, ou seja, a sorte da guerra numa das suas vertentes decisivas.

Deutsche Luftwaffe (Força Aérea Alemã).







A verdade é que Beevor pressentia que a associação com o sector político onde processava o recrutamento da sua rede poderia vir a ser melindrosa. Num relatório que viria a elaborar para o seu chefe, datado de 20 de Fevereiro de 1942, diria defensivamente: "No corrente momento não há prova de que eu possa ser considerado associado aos vermelhos ou a sabotagem".

Aberta esta frente no plano dos aliados, Portugal sofreria um grave revés vindo agora do lado do Eixo. No dia seguinte, a 21, forças japonesas desembarcaram na parte portuguesa de Timor. Em comunicado oficial, o governo de Tóquio garantia a integridade do território português, lembrando que em Dezembro Timor havia sido ocupado, apesar dos protestos do governador, por um continente anglo-holandês sem que até agora Portugal houvesse logrado a sua retirada. A situação tornava-se ainda mais delicada.

Traído pelos ingleses com a implantação da rede clandestina do SOE, Salazar tinha agora entre mãos uma invasão de uma das potências do eixo a um território português, sob a alegação cínica de que estava em causa libertar a zona de uma prévia ocupação britânica. Como gerir este nó górdio? Aproveitar a oportunidade e verberar a política externa britânica?

Discursando na Assembleia Nacional e lembrando o facto de Timor ter estado ocupado pelas forças inglesas, Salazar, hábil, diria, tentando conjugar com palavras escolhidas a racionalidade diplomática com o sentimento de humilhação:

"[...] coube-me a ingratíssima tarefa de apresentar a profunda mágoa do governo e de interpretar o sentimento da nação pela violência praticada, de que possivelmente o governo britânico não era inteiramente culpado, mas de que tinha de tomar inteira responsabilidade. É razoável que seja também eu a fazer deste mesmo lugar justiça à lealdade com que o governo inglês confessara termos cabal razão para protestar, à sinceridade com que sentiu o agravo feito e à amizade com que se empenhou em aceitar a fórmula capaz de restabelecer na ilha uma situação impecável"».

José António Barreiros («Traição a Salazar»).



Christopher Lee, in The Man With the Golden Gun (1974).























«I was presented to him once... a Most Amazing Man [Salazar]... one of the Greatest Historical Enigmas...».





O CASO DE TIMOR 


Exposição do Presidente do Conselho à Assembleia Nacional em 19 de Dezembro de 1941 (Edições SPN, Lisboa, 1941).


1. Não pedi a palavra hoje para fazer um discurso, mas só para ler à Assembleia uma exposição de factos. O Conselho de Ministros, em nota publicada na imprensa, aludiu a acontecimentos graves que se teriam dado na parte portuguesa da ilha de Timor. Com efeito, na manhã de quarta-feira um corpo de tropas, ao que parece australianas e holandesas, tinha desembarcado à força em Dili, com a invocada razão de defender a colónia de iminente agressão japonesa. O Governo não sente a menor hesitação em dar ao País, por intermédio desta Câmara, conhecimento completo dos factos verificados até este momento.

Deixa-se em silêncio a campanha feita em certos sectores da imprensa mundial há algumas semanas acerca de Timor e das preocupações que causava a política portuguesa de valorização da colónia - campanha entre interessada e ridícula, em que estão envolvidas pretensões a monopólios não obtidos e o pavor da infiltração japonesa, constituída por catorze súbditos nipónicos. Deixa-se tudo isso em silêncio e relatam-se apenas os antecedentes da questão.






2. Em 4 de Novembro findo o Secretário de Estado britânico para os Negócios Estrangeiros ocupou-se-se, em conversa com o Embaixador de Portugal em Londres, da posição estratégica fundamental de Timor em relação à Austrália, pelo que o Estado Maior Imperial era obrigado a preocupar-se com a defesa da ilha. O Foreign Office punha ao Governo Português as três questões seguintes:


a) Qual a atitude do Governo Português no caso de ataque japonês a Timor?

b) Está o Governo Português disposto a aceitar a ajuda britânica nesta hipótese?

c) Caso afirmativo, não haveria vantagem em fazer estudar um plano de acção comum?


A nossa convicção era que um ataque japonês à possessão portuguesa de Timor não devia considerar-se provável: não só se lhe opunham as nossas cordiais relações com o Império nipónico, como não se lhe via razão estratégica, pelo menos antes de terem sido dominadas as bases de Singapura, Batávia e Filipinas e livres os mares para o avanço japonês em direcção ao sul. Mas nessa hipótese não parecia que o Japão necessitasse do Timor português para atacar a Austrália. Em todo o caso, prevendo-se por excesso de prudência todas as eventualidades e dado o jogo da aliança inglesa, o Governo não teve dúvida em mandar dar as respostas seguintes:


a) O Governo Português, como em relação a qualquer outra parte do território metropolitano ou colonial e em relação a qualquer agressor, resistirá pela força a uma eventual agressão japonesa em Timor:

b) Dada a intenção de resistir, o Governo não só aceita a ajuda britânica, como espera, nos termos dos tratados de aliança, que a Inglaterra o auxilie na defesa da colónia, tanto mais que, não havendo da parte do Japão qualquer razão contra Portugal, o ataque, a dar-se, só poderia ser consequência da nossa situação de aliados da Inglaterra ou como meio de ulterior ataque de posições do Império Britânico;

c) O Governo considera vantajosa a troca de impressões ou estudo de qualquer plano de acção.


E como se revelasse impraticável ter em Londres as necessárias conversas, para a eventual prestação de auxílio, mudou-se de orientação.



Oliveira Salazar



3. Em 2 de Dezembro o Governo Britânico registava com satisfação a nossa resposta e comunicava que, tendo consultado sobre o assunto o Governo da Austrália, este recebera com o máximo agrado a notícia da atitude do Governo Português. Propunha-se que um oficial português fosse enviado a Singapura, para, em conferência com representantes ingleses e australianos, fazerem os estudos pormenorizados que se tornassem necessários no comando em chefe do Extremo Oriente. Além disso, em atenção ao interesse do Governo Holandês nas Índias Orientais, considerava-se desejável a presença e intervenção nas discussões de um representante neerlandês, se o Governo Português julgasse de aceitar a sugestão.

Dois dias depois, em 5 de Dezembro, o Embaixador de Portugal estava autorizado a comunicar que o Governo Português nenhuma objecção punha a enviar um oficial a Singapura «para discutir com os representantes do Alto Comando Britânico a questão da defesa de Timor para a eventualidade de um ataque japonês contra aquela colónia». Quanto ao representante holandês, visto que as actuais relações de aliança entre o Império Britânico e os Países Baixos não eram extensivas a Portugal pelo facto da nossa aliança com a Inglaterra, não parecia razoável tomasse parte nas nossas discussões, mas o oficial português não teria dúvida - para isso receberia instruções - de se pôr em contacto com o representante das Índias Neerlandesas e tratar com ele de eventualidades que pudessem afectar a parte holandesa de Timor e consequente repercussão no Timor português.

A mesma resposta se deu em Lisboa ao Encarregado de Negócios da Holanda, que naquele dia 5 apresentava idêntica pretensão ao Governo Português em nome do seu Governo, reforçado o pedido com o empenho pessoal do seu Ministro. (O sr. Van Kleffens fora recebido em Lisboa pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros com cordialidade e cortesia devida à sua categoria e alto valor pessoal).

4. Em 8 o encarregado de Negócios da Holanda exprimia o alto apreço do seu Governo pela nossa resposta. E ao mesmo tempo estimava saber se o Governo Português estaria disposto a aceitar, no caso de ataque ao Timor português, o auxílio das tropas australianas e holandesas concentradas no Timor holandês. A consulta porém não podia ter resposta imediata - primeiro, porque constituía uma antecipação sobre as aprazadas conversas de Singapura; segundo, porque se ignorava se o auxílio prometido pelo Governo Britânico seria exactamente constituído porque aquelas forças ou por outras. Para a hipótese porém de ataque tam rápido que não pudesse realizar-se as conversações de Singapura, seriam então necessárias conversas entre as autoridades locais. Era nossa intenção aceitar este auxílio, se em caso de ataque súbito não fosse possível receber outro do Governo Inglês ou por sua ordem.




5. O Governo Inglês foi informado daquela diligência e da posição tomada pelo Governo Português. O Governo Inglês não conhecia a diligência holandesa, mas, reconhecendo por um lado o bem fundado da posição do Governo Português e por outro a impossibilidade que poderia verificar-se de distrair, em caso de ataque súbito a Timor, outras forças britânicas do Extremo Oriente, inclinava-se para oferecer ao Governo Português, em cumprimento das suas obrigações de aliado, o auxílio de tropas holandesas e australianas concentradas na parte holandesa de Timor. Efectivamente, no dia 11 em Londres e em 12 em Lisboa, o F. O. e o Embaixador de Inglaterra comunicaram oficialmente que a ajuda britânica oferecida para a defesa de Timor, em execução da aliança e para o caso de ataque ou agressão súbita à nossa ilha, seria prestada por forças australianas e holandesas, retirando-se estas logo que a sua presença não fosse necessária. Pedia-se se enviassem instruções ao governador de Timor para se concertar com as autoridades locais e invocar tal auxílio ou aceitá-lo sem necessidade de instruções de Lisboa, caso se produzisse ataque súbito. Prometeu o Governo enviar imediatamente ordens para Timor no sentido desejado, mas, porque na conversa havida em Londres se notasse uma palavra de sentido pouco claro, avisou-se o Embaixador naquela Corte para que não deixasse subsistir no espírito do Governo Inglês a menor dúvida sobre que a colaboração de forças estranhas só se efectuaria em caso de ataque, não podendo ter carácter preventivo, como talvez in loco desejassem. E parecia ainda ao Governo Português que a questão, por sua importância e novidade, deveria constar de documento escrito, sem prejuízo de se proceder desde logo como se a oferta nos tivesse sido feita por aquela forma.

Ao fazer-se em Londres a comunicação de que o Governo havia já mandado instruções para Timor, foi participado ao Embaixador terem igualmente sido transmitidas ordens ao comando das tropas australianas para entrar em contacto com o governador de Timor.

Continua


Nenhum comentário:

Postar um comentário