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sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Fernão de Magalhães

Escrito por Fernando Pessoa



No vale clareia uma fogueira.

Uma dança sacode a terra inteira.

E sombras disformes e descompostas

Em clarões negros do vale vão

Subitamente pelas encostas,

Indo perder-se na escuridão.

 

De quem é a dança que a noite aterra?

São os Titãs, os filhos da Terra,

Que dançam da morte do marinheiro

Que quis cingir o materno vulto –

Cingi-lo, dos homens, o primeiro –,

Na praia ao longe por fim sepulto.

 

Dançam, nem sabem que a alma ousada

Do morto ainda comanda a armada,

Pulso sem corpo ao leme a guiar

As naus no resto do fim do espaço:

Que até ausente soube cercar

A terra inteira com seu abraço.


Violou a Terra. Mas eles não

O sabem, e dançam na solidão;

E sombras disformes e descompostas,

Indo perder-se nos horizontes,

Galgam do vale pelas encostas

Dos mudos montes.


Mensagem




Floresta Subpolar de Magalhães


Parque Nacional Torres del Paine (Chile).





sexta-feira, 18 de agosto de 2023

D. Sebastião: Rei de Portugal

Escrito por Fernando Pessoa



AS QUINAS

QUINTA


Louco, sim, louco, porque quis grandeza

Qual a Sorte a não dá.

Não coube em mim minha certeza;

Por isso onde o areal está

Ficou meu ser que houve, não o que há.

 

Minha loucura, outros que me a tomem

Com o que nela ia.

Sem a loucura que é o homem

Mais que a besta sadia,

Cadáver adiado que procria?


Mensagem



sábado, 5 de agosto de 2023

D. João o Segundo

Escrito por Fernando Pessoa


D. Afonso V armando D. João II como cavaleiro, na cidade de Arzila, por Domingos Sequeira.


UMA ASA DO GRIFO

 

Braços cruzados, fita além do mar.

Parece em promontório uma alta serra –

O limite da terra a dominar

O mar que possa haver além da terra.

 

Seu formidável vulto solitário

Enche de estar presente o mar e o céu.

E parece temer o mundo vário

Que ele abra os braços e lhe rasgue o véu.

 

Mensagem


Ver aqui e aqui




terça-feira, 20 de junho de 2023

O Marte Português

Escrito por Fernando Pessoa





Suposto retrato de Afonso de Albuquerque, por autor desconhecido do séc. XVI.


                A OUTRA ASA DO GRIFO


           De pé, sobre os países conquistados

           Desce os olhos cansados

           De ver o mundo e a injustiça e a sorte.

           Não pensa em vida ou morte,

           Tão poderoso que não quer o quanto

           Pode, que o querer tanto

           Calcara mais do que o submisso mundo

           Sob o seu passo fundo.

           Três impérios do chão lhe a Sorte apanha.

           Criou-os como quem desdenha.


         Mensagem   

   



Brasão de Armas do Duque de Goa.

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Ocidente

Escrito por Fernando Pessoa



 
 
 




Com duas mãos - o Acto e o Destino -
Desvendámos. No mesmo gesto, ao céu
Uma ergue o facho trémulo e divino
E a outra afasta o véu.

Fosse a hora que haver ou a que havia
A mão que ao Ocidente o véu rasgou,
Foi alma a Ciência e corpo a Ousadia
Da mão que desvendou.

Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal
A mão que ergueu o facho que luziu,
Foi Deus a alma e o corpo Portugal
Da mão que o conduziu.

Mensagem







   

domingo, 21 de junho de 2020

Ascensão de Vasco da Gama

Escrito por Fernando Pessoa








Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra
Suspendem de repente o ódio da sua guerra
E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos céus
Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os véus,
Primeiro um movimento e depois um assombro.
Ladeiam-no, ao durar, os medos, ombro a ombro,
E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões.

Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta
Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovões,
O céu abrir o abismo à alma do Argonauta.

Mensagem




sexta-feira, 29 de novembro de 2019

D. Filipa de Lencastre

Escrito por Fernando Pessoa













Que enigma havia em teu seio
Que só génios concebia?
Que arcanjo teus sonhos veio
Velar, maternos, um dia?

Volve a nós teu rosto sério,
Princesa do Santo Gral,
Humano ventre do Império,
Madrinha de Portugal!

Mensagem




Cruz de Aviz



Núpcias de D. João I e D. Filipa de Lencastre


Mosteiro de Santa Maria da Vitória


Capela do Fundador - o Repouso dos Infantes

Brasão de Aviz



terça-feira, 29 de outubro de 2019

O Desejado

Escrito por Fernando Pessoa










Onde quer que, entre sombras e dizeres,
Jazas, remoto, sente-te sonhado,
E ergue-te do fundo de não-seres
Para teu novo fado!

Vem, Galaaz com pátria, erguer de novo, 
Mas já no auge da suprema prova,
A alma penitente do teu povo
À Eucaristia Nova.

Mestre da Paz, ergue teu gládio ungido,
Excalibur do Fim, em jeito tal
Que sua Luz ao mundo dividido
Revele o Santo Gral!

Mensagem



Galaaz descobre o Graal, por Edwin Austin Abbey (1895).



quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Do lugar inlocalizável do eu

Escrito por Fernando Pessoa








Brincava a criança
Com um carro de bois.
Sentiu-se brincando
E disse, eu sou dois!

Há um a brincar
E há outro a saber,
Um vê-me a brincar
E outro vê-me a ver.

Estou por trás de mim
Mas se volto a cabeça
Não era o que eu qu'ria
A volta só é essa…

O outro menino
Não tem pés nem mãos
Nem é pequenino
Não tem mãe ou irmãos.

E havia comigo
Por trás de onde eu estou,
Mas se volto a cabeça
Já não sei o que sou.

E o tal que eu cá tenho
E sente comigo,
Nem pai, nem padrinho,
Nem corpo ou amigo.

Tem alma cá dentro
'Stá a ver-me sem ver,
E o carro de bois
Começa a parecer.






sábado, 15 de dezembro de 2018

As ilhas afortunadas

Escrito por Fernando Pessoa







Que voz vem no som das ondas
Que não é a voz do mar?
É a voz de alguém que nos fala,
Mas que, se escutamos, cala,
Por ter havido escutar.

E só se, meio dormindo,
Sem saber de ouvir ouvimos,
Que ela nos diz a esperança
A que, como uma criança
Dormente, a dormir sorrimos.

São ilhas afortunadas,
São terras sem ter lugar,
Onde o Rei mora esperando.
Mas, se vamos despertando,
Cala a voz, e há só o mar.

Mensagem




sábado, 9 de dezembro de 2017

Padrão

Escrito por Fernando Pessoa




Réplica do Padrão colocado por Diogo Cão no Cabo da Cruz, actual Namíbia.



O esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.

A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.

E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.

E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma
E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.

Mensagem










sábado, 4 de novembro de 2017

A obra de arte é filha de pai...

Escrito por Fernando Pessoa







Meu querido Teixeira de Pascoaes:

Muito lhe agradeço o exemplar do seu Livro de Memórias, que ontem recebi mas só hoje pude ler. Dizer-lhe que o li com inteiro agrado seria mentira.

Aprecio, como ninguém, as suas altíssimas qualidades de intuição e de sentimento intelectualizado. Mostrei sempre, por palavras ditas e escritas, que as aprecio. Reconheço - mais - que dificilmente haverá hoje no mundo - dentro dos limites das literaturas que conheço, e dos autores que, a dentro delas, não ignoro - quem, como o Pascoaes, tenha tão interpenetradas as qualidades intelectuais e as emotivas, e pois tão espontaneamente sinta com o pensamento e pense com a emoção. Mas também não ignoro que essa faculdade andrógina da alma, sendo grande quando se possui ao nível em que a possui o Pascoaes, não é mais que a base, a mãe, ou, se preferir, a matéria, para sobre ela se fundar, nela fazer ou com ela se fabricar a obra de arte definitiva. E a obra de arte é filha de pai, ou de um pensamento formativo, que esculpe a matéria bruta da emoção (impensada ou pensada), ou de uma emoção intensa, que orquestra em unidade a dualidade essencial do pensamento.

São admiráveis as frases nascidas espontaneamente da sua admirável intuição; porém o Pascoaes di-las duas, três, quatro, cinco e mais vezes; repete-se e sobrerepete-se, e, sendo a essência da impressão estética produzida pela intuição e pasmo, não repara que, repetindo-se, o pasmo cessa, porque cessa a novidade.

Por isso os poetas passam e os artistas ficam. Ouso quase dizer que os artífices talvez fiquem mais que os poetas. Falo deste mundo, da glória que há nele, e da acção que nele se emprega. Não duvido de que a emoção do poeta possa viver mais do que a arte do artista em outras esferas, noutros mundos, em outros planos, como dizem os ocultistas menores (in Correspondência, 1923-1935, Assírio & Alvim, 1999, pp. 144-145).











Ver aqui



segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Mar Português

Escrito por Fernando Pessoa







Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem de passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Mensagem






domingo, 3 de abril de 2016

António Vieira

Escrito por Fernando Pessoa








O céu 'strela o azul e tem grandeza
Este, que teve a fama e à glória tem,
Imperador da língua portuguesa,
Foi-nos um céu também.

No imenso espaço seu de meditar,
Constelado de forma e de visão,
Surge, prenúncio claro do luar,
El-Rei D. Sebastião.

Mas não, não é luar: é luz do etéreo.
É um dia; e, no céu amplo de desejo, 
A madrugada irreal do Quinto Império
Doira as margens do Tejo.

Mensagem






quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

D. Afonso Henriques

Escrito por Fernando Pessoa







Pai, foste cavaleiro.
Hoje a vigília é nossa.
Dá-nos o exemplo inteiro
E a tua inteira força!

Dá, contra a hora em que, errada,
Novos infiéis vençam
A bênção como espada,
A espada como bênção!

Mensagem