domingo, 27 de novembro de 2022

O intelecto e a intelecção

Escrito por Aristóteles




«A “física” aristotélica não se limita a investigar a natureza em geral e os seus princípios, o universo físico e a sua estrutura, mas também estuda os seres que estão no universo, os inanimados, os animados que carecem de razão, e os seres animados e providos desta (o homem). Aos seres animados o Estagirita dedica uma atenção especial, escrevendo uma grande quantidade de tratados, entre os quais sobressai pela sua profundidade, originalidade e valor especulativo o célebre tratado Da Alma...

Os seres animados distinguem-se dos inanimados porque possuem um princípio que lhes confere a vida, e este princípio é a alma. Mas, que é a alma?

Para responder a esta pergunta, Aristóteles remonta à sua concepção metafísica hilemórfica da realidade. Todas as coisas, em geral, são um composto de matéria e forma, sendo a matéria potência enquanto a forma é enteléquia ou acto. Não há dúvida de que isto se aplica também aos seres vivos. Ora, observa o Estagirita, os corpos vivos têm vida, mas não são a vida e, portanto, são como um substracto material e potencial de que a alma é forma e acto. “Assim, pois, escreve Aristóteles, a alma é necessariamente substância, entendida como forma de um corpo natural que tem vida em potência. Mas a substância (entendida como forma) é acto perfeito. Assim, pois, a alma é acto perfeito de um corpo do género especificado”. E continua: “(...) a alma é acto perfeito primeiro de um corpo natural que tem vida em potência”; “visto que temos de dar uma definição geral válida para toda a alma, tal definição poderia ser o acto perfeito primeiro de um corpo natural orgânico”».

Giovanni Reale («Introdução a Aristóteles»).


«Não dizemos que a alma, onde o intelecto se encontra, supere de tal maneira a matéria corporal que não exista no corpo, mas que o intelecto, a que Aristóteles dá o nome de “potência da alma”, não é o acto de um corpo. Com efeito, a alma não é o acto de um corpo mediante as suas potências, mas é por si mesma o acto do corpo que dá ao corpo o seu ser específico. Mas algumas das suas potências são o acto de certas partes do corpo, aperfeiçoando-as com vista a certas operações: é assim que a potência em que o intelecto consiste não é o acto de nenhum corpo, pois a sua operação não se realiza através de um orgão corporal.»

São Tomás de Aquino («A Unidade do Intelecto Contra os Averroístas»).


«O acto intelectivo é análogo ao acto perceptivo; o primeiro é uma recepção ou assimilação das formas inteligíveis, tal como o acto perceptivo consiste na assimilação da forma sensível, mas difere profundamente da faculdade perceptiva, porque não está misturado com o corpo nem com algo corpóreo.»

Giovanni Reale («Introdução a Aristóteles»).


«Os livros de Aristóteles De Anima, com os tratados que contêm quanto aos aspectos e estados particulares da alma, são, hoje e sempre, a melhor obra, talvez a única com interesse especulativo, que há a esse respeito. O fim essencial de uma filosofia do Espírito, só pode ser o de introduzir de novo, no conhecimento do Espírito, o conceito, e também, por consequência despertar a compreensão daqueles livros aristotélicos».

Hegel («Lições da História da Filosofia»).





«O pensamento lógico consiste, essencialmente, de coerência entre esquemas. Ele é uma vasta estruturação de relações de contigüidade, sucessão, pertinência, oposição, semelhança, diferença, escalaridade hierárquica, etc. etc. Como poderia realizar estas operações diretamente sobre a variedade inesgotável dos dados sensíveis? Se estes não estivessem previamente selecionados, resumidos e simplificados na memória e imaginação, seria preciso a força de um pensamento divino para conter toda a multiplicidade inabarcável do que nos chega pelos sentidos. Mas o pensamento lógico não opera direto sobre o percebido, e sim somente sobre a parte selecionada e simplificada que se deposita e permanece na memória, sob a forma de esquemas ou espécies.

É assim que se torna possível a conquista suprema do pensamento lógico: o conceito. O conceito abarca numa só operação mental não somente espécies de entes, e espécies de espécies, isto é, gêneros. E de gênero em gênero pode ir subindo, para abarcar as relações mais gerais e universais até conceber as relações meramente possíveis e as gradações de possibilidade que hierarquizam e relacionam as possibilidades entre si.

Mas o conceito é nada mais que um esquema puramente verbal (ainda que inexpresso), que simplifica ainda mais o esquema sensível com que a memória por sua vez resumia toda uma espécie de seres. Isto quer dizer que o pensamento só age desde um certo nível de generalidade para cima. Daí a importância estratégica da imaginação: para os cinco sentidos, só existe o aqui e agora, o caso concreto, o dado imediato; para o pensamento, só existe o conceito, o geral, o esquema de esquemas, cada vez mais rarefeito e universal. Sem a mediação imaginativa, essas duas faculdades cognitivas estariam separadas por um abismo. O homem teria talvez sensações como um coelho; e talvez por dentro até pensasse alguma coisa, como um computador; mas não poderia pensar sobre o que sente de fa[c]to, isto é, raciocinar sobre a experiência vivida; nem poderia, de outro lado, orientar a experiência pelo raciocínio, buscando novos conhecimentos. Seria tão eficiente quanto um computador operado por um coelho, e tão vivo quanto um coelho desenhado na tela de um computador.»

Olavo de Carvalho («Aristóteles em Nova Perspectiva»).


«A imaginação é aquele factor de conhecimento, ou factor gnósico, a que mais devem os estudos humanísticos. Se a razão é, efectivamente, o que distingue e separa a humanidade da animalidade, a imaginação é o factor divinizante. A gnosiologia positivista reduziu o conhecimento a meras interpretações de sinais, tomando por tipo a percepção animal, mas a gnosiologia transcendente prova que a interpretação depende da relação de espírito a espírito.

Erram e enganam todos quantos confundem imaginação criadora com a fantasia delirante. A distinção dos dois fenómenos psíquicos, designados por fantasma e por imagem, era já conhecida pelos filósofos da Antiguidade, mas tornou-se clássica, isto é, elementarmente escolar, desde que Coleridge a expôs e defendeu na Biografia Literária (1817). Combatendo a gnosiologia cartesiana, que postula a separação abissal entre a matéria e o espírito, conseguiu o célebre poeta inglês redescobrir, ou descobrir, a doutrina esotérica de Aristóteles.»

Álvaro Ribeiro («A Razão Animada»).

 

«Uma lógica que fosse a repetição da gramática, como erradamente a supõem alguns em Álvaro Ribeiro dizendo que ele não fez mais do que pensar uma filosofia da linguagem, é logo superada pela proposição de que os tropos é que realizam a relação da língua com o pensamento. Assim explica que entre a língua e o pensamento não há uma relação unívoca mas de convergência e de divergência. Esta afirmação implica que há pensamento sem palavras, como se verifica entre os amantes. Também aqui o pensamento aparece como mediação. O amor entre o homem e a mulher não é só o amor entre dois corpos distintos, mas entre duas imaginações que podem atingir o êxtase.

O pensamento é do domínio angélico. O que é próprio do homem é a razão que movimenta as relações de convergência e de divergência com a língua por meio de silogismos em que o termo médio é um tropo. Pelo tropo, sobretudo pela metáfora, a razão compõe-se com a imaginação. A imaginação é, porém, do domínio da alma, porquanto é ela que faz a relação da sensação com a razão, que é o espírito do homem. Seria interessante verificar neste momento como, pela actividade da mediação, as tríades se encadeiam umas com as outras em escada, o que poderá fazer-nos julgar que haja em Álvaro Ribeiro uma adesão ao emanatismo, gnóstico ou neoplatónico.

O homem foi criado por Deus, mas a criação não cessou com a queda do homem na história, depois do pecado original. (...) O pecado original é um pecado de imaginação ou, se preferirdes por ser mais claro, um pecado de magia. Álvaro Ribeiro insurge-se contra as explicações do pecado original que nele vêem a relação carnal entre o homem e a mulher. Já Adão tinha conhecido Eva quando se deu o pecado de que temos notícia pelo Génesis.

Há uma degeneração na carne que serviu de carro ou de veículo ao amor de Adão por Eva quando ele a conheceu. Os cinco sentidos ou sensos, como prefere dizer Álvaro Ribeiro, puras irradiações do sentido interno, o sensorium communis dos escolásticos, pelo pecado original emergiram na carne e a imaginação passou a confundir-se com a sensação. Com efeito, sem a imaginação não seríamos capazes de reconhecer uma rosa. Sem a imaginação nunca a sensação seria percepção.

Deixemos, porém, este assunto que é o mais difícil e misterioso da obra de Álvaro Ribeiro, mas retenhamos a ideia de que o homem é uma tríade vivente composta de corpo, alma e espírito. A alma é mediadora entre o corpo e o espírito em analogia ou correspondência da imaginação entre a sensação e a razão.»

António Telmo («Teoria da Imaginação em Álvaro Ribeiro», in «Álvaro Ribeiro e a Filosofia Portuguesa», Ciclo de Palestras).


«Se a imaginação e a sensação fossem realmente idênticas, seria a imaginação efectivamente possível em todos os seres vivos - tal parece não ser o caso: não se verifica existir imaginação alguma na formiga, na abelha ou na larva. Mais uma vez, são verdadeiras as sensações enquanto que, pelo contrário, falsa, a maior parte das imaginações. Nem tão pouco poderemos afirmar "eu imagino que isto seja um homem", funcionando os nossos sentidos com precisão acerca desse mesmo objecto, unicamente, então, poderemos dizer que o será quando não conseguirmos apreendê-lo distintamente. E assim, tal como dissemos anteriormente, até as visões podem aparecer ao homem quando tem os olhos fechados.»

Aristóteles («De Anima»).

 

«Uma das coisas mais difíceis para a mente moderna compreender sobre as condições do ambiente na Atlântida é que a própria natureza dos elementos e a forma como estes se combinavam era completamente diferente na altura. Podemos dizer de forma totalmente justificada que a água, nessa fase da evolução terrestre, era muito mais rarefeita do que a água de hoje, e o ar, da mesma forma, era muito mais denso.

Para a percepção sensorial contemporânea, a Atlântida surgira como se estivesse oculta por neblinas densas. No entanto, os atlantes não eram de forma alguma prejudicados por esta situação, porque não obtinham a sua experiência do mundo dos sentidos através de uma percepção sensorial directa. Viviam numa espécie de consciência visual nítida, em que imagens coloridas reflectiam com exactidão as realidades do mundo sensorial.

A distinção mais acentuada entre o homem contemporâneo e o atlante antigo tem a ver com as tremendas alterações, na evolução da consciência humana, que ocorreram desde essa altura.

O homem moderno é mais consciente quando está acordado no mundo dos sentidos, e vive uma total eliminação da autoconsciência durante o sono. Mas os atlantes viviam uma diminuição de consciência durante o dia, enquanto trabalhavam no mundo dos sentidos. À noite, viviam uma grande intensificação da consciência, na qual tinham uma visão consciente directa das hierarquias celestiais no Macrocosmo, com as quais tinham meios de comunicação mágicos.»

Trevor Ravenscroft («A Lança do Destino»).


«Os homens são incapazes de se aperceberem do que fazem, quando estão acordados, precisamente como esquecem o que fazem quando a dormir.»

Heraclito de Éfeso


«Admitindo sem discussão, e em conformidade com a opinião corrente nos meios de cultura greco-latina, que a noção de alma seja anterior e inferior à noção de consciência, para admitir também a hipótese de que nem todos os animais são conscientes, teremos de reconhecer na fala, e mais ainda na razão, a característica da consciência humana. Assim interpretamos, aliás, que na obra de Aristóteles a Psicologia prepare a Retórica e esta por sua vez o Organon. Efectivamente só a palavra nos adverte, e só o discurso nos assegura, de que somos consciências em convívio com outras consciências.

A autognose mais séria, obrigando-nos à intuspecção, logo nos propicia o conhecimento de uma dualidade no íntimo do nosso ser. A palavra consciência (latim conscientia, grego suneidesis) designa muito bem essa dialéctica, esse diálogo interior a que sempre estamos mais ou menos atentos, diálogo que nos momentos dramáticos de interesse moral nos obriga a apreciar o nosso passado e a projectar o nosso futuro. A fala da alma, o logos da psique, que é o verdadeiro e restrito objecto da psicologia, determina o lugar desta ciência no seu respectivo grupo científico, o qual, abrangendo a biotipologia, a fisiognomia e a caracterologia, adquire a designação geral de antropologia.»

Álvaro Ribeiro («A Razão Animada»).


O intelecto e a intelecção


Quanto àquela parte da alma, a qual lhe permite conhecer e pensar, seja ela separável de si mesma ou, ainda, não separável de si mesma segundo a sua extensão respectiva, podendo, aliás, sê-lo segundo a respectiva noção – é uma situação que é necessário examinar: ver qual será o carácter que a pode distinguir assim como precisar o próprio processo de intelecção. Se é a intelecção análoga à sensação, deverá ela constituir, nessa eventualidade, ou uma espécie de paixão sob o efeito da acção daquilo que é inteligível ou, então, ser qualquer outra coisa semelhante.

O princípio da intelecção deve, portanto, ser inalterável, tendo, por outro lado, a capacidade de receber a forma ou algo enquanto forma (por isso, não pode ser idêntico a esta mesma) e, além disso, deverá ele proceder em relação aos objectos inteligíveis do mesmo modo que assim procede a faculdade dos sentidos em relação aos objectos sensíveis.

Por conseguinte, será necessário que assim seja precisamente, em virtude de, em tudo aquilo que pensa, ser “sem mistura alguma” – segundo o diz realmente Anaxágoras – a fim de poder “dominar”, isto é: para poder conhecer. É que, se porventura manifesta ele a sua forma que lhe é própria perante uma que lhe é estranha, apresentará consequentemente em relação a esta última um obstáculo que se interpõe no meio; do mesmo modo, também não evitará ele a natureza propriamente dita para além do ser em potência.

Por conseguinte, aquilo que é denominado “intelecto da alma” (digo “intelecto” quando me refiro àquilo pelo qual a alma pensa discursivamente e pode conceber) não poderá, nos seres, ser outra coisa senão em acto antes de pensar. Eis, pois, a razão por que já não é possível afirmar-se que um princípio se encontra como que “mesclado” com o corpo: apresentaria, neste caso, uma tal qualidade, como, por exemplo, o quente ou o frio, ou, então, seria munido de um orgão, tal como sucede com a faculdade sensitiva – mas, pelo contrário, isso não se verifica. Além disso, existe alguma razão em se afirmar que a alma é o domicílio das formas, conquanto se ressalve não ser toda a alma mas apenas a alma intelectiva e, ainda, não serem as ditas formas em enteléquia mas, antes, em potência.




Que a impassibilidade da faculdade sensitiva e a inalterabilidade da faculdade intelectiva não possam ser da mesma natureza, tal constitui um facto evidente, em relação a isso também assim se considerando os orgãos corporais e o sentido propriamente ditos.

A sensação não é por si só capaz de captar coisa alguma depois de um estímulo muito forte dos sentidos: não somos nós capazes de, por exemplo, nos aperceber de quaisquer sons depois de um som intenso, o mesmo se verificando com os odores ou as cores muito fortes – não nos é possível sentir ou ver. O intelecto, pelo contrário, sempre que pensa um objecto claramente inteligível, não será totalmente incapaz de conhecer os objectos inteligíveis inferiores – torna-se, sobretudo, ainda maior a sua capacidade de o fazer. Com efeito, a faculdade sensitiva não é independente de um orgão sensorial, o intelecto pode, no entanto, sê-lo plenamente. Assim sendo, no momento em que este se torna em cada um dos seus objectos, naquele sentido preciso de disso ter o completo conhecimento, sendo aquele enquanto acto (que é, afinal, aquilo que acontece sempre que transitamos para os actos propriamente ditos), permanecerá ele, então, em potência, todavia, de uma maneira diferente daquela que se verificava antes de ter intuído ou ido ao encontro do objecto, podendo, por isso, dizer-se que lhe é possível pensar em si próprio.

Sabemos nós que uma coisa é a grandeza e outra, a essência formal da grandeza; a mesma observação vale para a água e a essência formal da água e para muitos outros casos, embora não todos, porquanto em certos casos se verifica uma identidade. Sendo assim, segue-se o facto de se julgar acerca da essência formal da carne, ou da própria carne em si, recorrendo-se às diferentes faculdades ou, então, a uma só faculdade de diferentes modos. A carne realmente não existe separada da matéria, implicando, porém, à maneira de um simulacro, uma forma definida numa matéria definida. Mais uma vez, é através da faculdade sensitiva que nos é possível julgar acerca do frio e do quente, assim como acerca de todas aquelas qualidades cuja proporção devida forma a própria carne. Contudo, é por intermédio de um sentido diferente (ou, então, razoavelmente distinto, ou ainda a ele relativo, naquela mesma maneira em que uma linha curva o é em relação a si mesma quando, depois de ter sido endireitada, se torna, ela própria, numa linha recta) que podemos julgar a essência da carne. Além disso, entre os objectos abstractos, a noção de “recta” implica a noção de “chato” – isto é: “plano” – porquanto se encontra sempre combinada com a extensão; sendo, todavia, a sua essência, quer “recta” quer o “facto de ser recta” não tenham obviamente que ser a mesma coisa, algo de diferente – chamemos-lhe, nesse caso, dualidade. Por conseguinte, será devido a uma diferente faculdade, ou, então, à mesma, ela própria, embora de modo diferente, que nos é possível julgar. De uma maneira geral, assim como as coisas são separáveis da matéria, assim também o será tudo aquilo que ao intelecto diz respeito.




Poderá, então, levantar-se a seguinte questão: se o intelecto é simples e inalterável, nada havendo que se lhe assemelhe absolutamente, como afirma, aliás, Anaxágoras, como poderá ele assim pensar, se pensar é uma forma de sofrer uma alteração? É que é efectivamente enquanto elemento de dois termos em simultâneo que ele age, por um lado, e sofre, por outro. Além disso, um segundo problema consiste na circunstância de o próprio intelecto poder possivelmente constituir o próprio objecto do pensamento. Na eventualidade de assim ser, ou o intelecto se encontra presente em todos os outros objectos (caso o intelecto e o objecto de pensamento o sejam em si, não em virtude de qualquer outra coisa, e, ainda, na hipótese de ser aquilo que é pensado sempre idêntico quanto à forma); ou, então, possuirá em si algum elemento comum que o há-de tornar objecto do pensamento, tal como sucede com todas as outras coisas; ou, ainda, temos de nos socorrer, por outro lado da explicação anteriormente referida “sofrendo uma alteração em virtude de um elemento comum”. O intelecto é, por conseguinte, potencialmente idêntico aos objectos do pensamento, nada podendo ser, porém, até àquele momento em que pensa. Aquilo que o intelecto pensa deve nele encontrar-se incluído, tal como as cartas contidas numa tabuinha: nelas coisa alguma pode encontrar-se inscrita enquanto enteléquia; ora, é precisamente isto aquilo que sucede com o intelecto. Além disso, é ele inteligível em si próprio, assim como todos os outros objectos do pensamento. No que diz respeito às coisas desprovidas de matéria, aquilo que pensa e aquilo que é pensado são o mesmo absolutamente, sendo o conhecimento teorético o mesmo que o seu objecto. (Em relação ao facto de não ser sempre possível pensar-se, convirá examinar a razão por que assim acontece). Naquelas coisas providas de matéria, cada um dos objectos do pensamento só poderá estar presente em potência. Assim sendo, enquanto os objectos materiais não podem em si mesmos incluir o próprio intelecto (porquanto é fora da matéria que o intelecto lhes é potencialmente idêntico), o intelecto, ainda assim, manterá a capacidade de poder ele próprio ser pensado.

(In Aristóteles, Da Alma (De Anima), Edições 70, pp. 100-104).






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