quarta-feira, 10 de março de 2010

O Caminho para a Servidão (iv)

Escrito por Frederico Hayek





Todavia, nos últimos anos, as velhas apreensões quanto às consequências imprevisíveis do socialismo emergiram de todos os lados e até dos pontos mais inesperados. Sucessivos observadores têm-se manifestado deveras impressionados com a surpreendente semelhança entre as condições de vida sob o domínio fascista e sob o domínio comunista, semelhança que acabaram por verificar ao fim de um estudo que, à partida, julgavam insusceptível de os levar a tal conclusão. Enquanto os «progressistas», em Inglaterra como noutros países, continuavam a querer convencer-se de que o comunismo e o fascismo representavam os extremos mais opostos, um número cada vez maior de pessoas começava a interrogar-se sobre se estas novas tiranias não seriam resultado das mesmas premissas doutrinárias. Terá havido até comunistas que se sentiram perturbados por testemunhos como o de Max Eastman, o velho amigo de Lenine, que se viu obrigado a admitir que «longe de ser melhor do que o fascismo, o estalinismo é ainda pior, mais rude, mais bárbaro, injusto, cruel, anti-democrático e impermeável a qualquer esperança ou escrúpulo», de tal modo que «melhor lhe caberia a designação de super-fascismo»; e as suas declarações adquirem um significado ainda maior quando conclui que «estalinismo é socialismo, no sentido de ser o companheiro inseparável, embora imprevisível, da nacionalização e da colectivização, instrumentos às quais confiou a execução do seu plano para construir uma sociedade sem classes» (9).

O caso do senhor Eastman, sendo embora dos mais significativos, não é de modo algum o primeiro nem o único que, a partir de uma observação compreensiva da experiência russa, formula semelhantes conclusões. Alguns anos antes, o senhor W. H. Chamberlain, que durante os doze anos que viveu na Rússia como correspondente americano viu despedaçarem-se-lhe os seus ideais, resumiu os resultados das suas observações, tanto daquele país como da Alemanha e da Itália, na seguinte afirmação: «o socialismo, pelo menos no início da sua implantação, é sem dúvida o caminho, não para a liberdade, mas para a ditadura e para a contra-ditadura, para a mais feroz das guerras civis. O socialismo alcançado e mantido por meios democráticos, é coisa que parece pertencer definitivamente ao mundo das utopias» (10). E o escritor britânico, senhor F. A. Voigt, depois de ter observado durante muitos anos os acontecimentos na Europa como correspondente estrangeiro, conclui de igual modo que «o marxismo conduziu ao fascismo e ao nacional-socialismo» (11). E o Dr. Walter Lippman chegou à convicção de que «a geração a que pertencemos está agora a aprender com a própria experiência o que acontece quando os homens revertem, da liberdade, para uma organização coerciva da existência. Embora prometam a si próprios uma vida de abundância, na prática têm de renunciar a ela. À medida que a organização se aperfeiçoa, a variedade de objectivos dá lugar à uniformidade. A sociedade planificada e o princípio autoritário são desse modo uma maldição para a existência da humanidade» (12).

Entre os publicados nos últimos anos, poderíamos seleccionar muitos outros testemunhos como estes, de pessoas que estão em posição para julgar, especialmente de homens que, como cidadãos dos países agora totalitários, viveram as transformações realizadas e se viram forçados a rever os seus ideais mais queridos. Limitamo-nos a referir um exemplo mais, de um escritor alemão, Peter Drucker, que de forma talvez mais correcta, chega à mesma conclusão dos já citados:

«A total frustração das convicções de que é possível chagar à liberdade e à igualdade através do marxismo e que levaram a Rússia a percorrer a estrada para uma sociedade sem liberdade, totalitária, puramente negativa e anti-económica, foi o que lançou a Alemanha no sentido que está seguindo. O comunismo e o fascismo não são rigorosamente a mesma coisa. Chega-se ao fascismo depois de o comunismo provar que não passa de uma ilusão, como o provou tanto na Rússia estalinista como na Alemanha pré-hitleriana» (13).



Mussolini e Adolf Hitler



Não é menos significativa a história intelectual de muitos dos chefes nazis e fascistas. Quem tiver observado a evolução destes movimentos em Itália e na Alemanha (14) não pode ter deixado de ficar impressionado com a quantidade de chefes, de Mussolini para baixo (sem excluir Laval e Quisling) que começaram como socialistas e acabaram nazis ou fascistas. E o que é verdadeiro para os chefes ainda é mais verdadeiro para os soldados do movimento. A facilidade com que um jovem comunista se podia converter em nazi, ou vice-versa, era, de um modo geral, bem conhecida na Alemanha, sobretudo pelos propagandistas dos dois partidos. Durante o decénio dos anos 30, muitos professores universitários, aqui, em Inglaterra, devem ter visto os estudantes ingleses e americanos regressarem do continente sem terem a certeza sobre se eram comunistas ou nazis e apenas convictos de que odiavam a civilização liberal do ocidente.

Também é certo que, antes de 1933 na Alemanha e antes de 1922 em Itália, os comunistas colidiam muito mais facilmente com os nazis e os fascistas do que com os outros partidos. É que disputavam entre si o apoio do mesmo tipo de pensamento e entre si se dirigiam o mesmo ódio aos heréticos. Mas a sua acção mostrou bem como estavam intimamente ligados. Para ambos, o inimigo real, o homem com quem nada tinham de comum e que não podiam esperar convencer, era o liberal à maneira antiga. Enquanto que, para o nazi, o comunista, para o comunista, o nazi, e para ambos, o socialista, são recrutas potenciais feitos da mesma massa, transitoriamente diferenciados uns dos outros apenas por terem dado ouvidos a falsos profetas, todos eles sabem que não pode existir qualquer compromisso entre quaisquer deles e os homens que realmente acreditam na liberdade individual.

Para que esta verdade não seja posta em dúvida pelas pessoas que estão dominadas pela propaganda de qualquer dos lados, permito-me citar o depoimento de uma autoridade que não pode ser suspeita. Num artigo com o significativo título «A descoberta do liberalismo», o professor Eduardo Heinnam, um dos chefes do socialismo religioso alemão, escreve:

«O hitlerianismo pretende ser, e como tal se intitula, uma verdadeira democracia e um verdadeiro socialismo, e a terrível realidade é que há uma parte de verdade nessa pretensão, uma parte infinitesimal, é certo, mas suficiente para servir de fundamento a essa fantástica distorsão. O hitlerianismo vai até ao ponto de se atribuir o papel de protector do cristianismo, e a terrível realidade é que esta enorme falsidade é susceptível de causar alguma impressão. Mas no meio de tantas névoas, um facto se desenha com perfeita clareza: Hitler nunca pretendeu representar o verdadeiro liberalismo. O liberalismo tem, portanto, a particularidade de ser a doutrina mais odiada por Hitler» (15).






Importa acrescentar que tal ódio de Hitler ao liberalismo teve poucas ocasiões de se manifestar porque, quando Hitler subiu ao poder, o liberalismo estava para todos os efeitos destruído na Alemanha e havia sido o socialismo que o tinha destruído.

A muitos dos que observaram de perto a transição do socialismo para o fascismo, a relação entre os dois sistemas tornou-se demasiado evidente; mas aqui, em Inglaterra, a maioria das pessoas ainda acredita que socialismo e liberdade se possam combinar. Não há dúvida de que muitos socialistas acreditam profundamente no ideal liberalista da liberdade e recuariam com horror se se convencessem de que a realização do socialismo significa a destruição da liberdade. A questão está ainda tão mal esclarecida e defendem-se ideais incompatíveis com tanta facilidade, que é ainda possível vermos utilizar com toda a seriedade expressões tão contraditórias como «socialismo individualista». Se é este o estado de espírito que nos arrasta para um mundo diferente do que temos, nada será mais urgente do que examinarmos com a mais séria atenção o autêntico significado de uma evolução que, aqui preconizada, já foi realizada noutros países. Embora as nossas conclusões não venham senão confirmar os receios que outros já manifestaram, não podem os resultados, nos quais elas se fundam, ser considerados como acidentais, por razões que só surgirão depois de completado o exame profundo das transformações promovidas pelo socialismo. O chamado «socialismo democrático», grande utopia das últimas gerações, não só é irrealizável como lutar por ele leva a resultados tão radicalmente opostos aos prometidos que poucos dos que desejam agora o socialismo estariam em condições de aceitar as inevitáveis consequências em que recusam acreditar até ao dia em que elas se realizem e tornem evidentes (ob. cit., pp. 59-65).


Notas:

(9) Max Eastman, Stalin's Russia and the Crisis of Socialism, 1940, p. 82.

(10) W. H. Chamberlain, A False Utopia, 1937, pp. 202-203.

(11) F. A. Voigt, Unto Caesar, 1939, p. 95.

(12) Atlantic Monthly, Novembro, 1936, p. 552.

(13) The End of Economic Man, 1939, p. 230.

(14) Um depoimento lúcido da história intelectual dos chefes fascistas pode ser encontrado na obra de R. Michels - ele próprio ex-marxista fascista - Sozialismus und Faszismus, Munique, 1925, vol. II, pp. 264-266 e 31-312.

(15) Social Research - New York - vol. XXVIII, n.º 4, Novembro, 1941. Vale a pena recordar Hitler, quaisquer que fossem as razões que a isso o levaram, afirmou, num discurso pronunciado em Fevereiro de 1941, que «essencialmente, nacional-socialismo e marxismo são a mesma coisa» - cf. The Bulletin of International News, publicado pelo Royal Institute of International Affairs, vol. XVIII, n-º 5, p. 269.






Continua


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