sexta-feira, 11 de agosto de 2023

O humanismo científico português da época dos Descobrimentos

Escrito por António Sérgio




«A.S. – (...) O que é que acontece no Mundo – e isto é a nossa experiência de todos os dias... – para que a maior parte das pessoas não chegue a desabrochar na vida? São plantas que não se cumprem a si próprias e quando uma planta não se cumpre a si própria é porque foi mal plantada, ou o terreno é ingrato, ou não levou adubo suficiente, ou não caiu chuva bastante.

Temos de nos voltar, imediatamente, para as condições físicas que não permitem que a flor desabroche. Ora nós sabemos, perfeitamente, que na vida – e tem sido uma luta quotidiana do Homem para ver se vence isso – as condições materiais em que na maior parte das vezes temos vivido, as condições educacionais, as condições sociais, políticas, filosóficas, têm impedido uma porção de gente de desabrochar. Têm sido obrigados a ser aquilo que, num determinado momento, podiam ser e vamos ter de considerar quase como heróis aqueles que, para se cumprirem, arriscaram a vida e a morte tiveram.

Um deles é o próprio Camões.

Todas as aventuras que viveu, todo aquele longo Amor para o qual ele achava a vida curta se fez à custa dele próprio. Andou de aventura em aventura, sempre pobre, sem um Norte fixo na vida, sem a possibilidade, pelo menos, de uma reforma e Diogo de Couto teve de lhe pagar a passagem da Ilha de Moçambique de onde o “desgraçado” não sairia, pois nem dinheiro tinha para comer.»

Victor Mendanha («Conversas com Agostinho da Silva»).


«Solidário com os problemas nacionais, Sérgio tornara-se um solitário. Teve consciência da solitude, quando escreveu, acerca da sua intervenção pública: “Em certa altura da campanha a que me arrojei em Portugal – em livros, em artigos, em conferências, na Pela Grei – caí na tristeza insuperável de ver a impossibilidade de entender-me com a grande maioria dos meus patrícios”. Ele considerava a endémica situação do país: um povo mal governado e mal tratado, oprimido por uma carapaça de políticos, cujo perfil era por demais o de comedores, e por de menos o de servidores do povo, ou, como descreveu João Perestrelo, um povo vivendo na “escravização geral do país, como feudo político, do poder central”. Este perfil de submissão babilónica veio ainda expresso nas palavras sangrantes de uma personalidade moral: “O lavrador é o País, o Estado o seu Senhor e cobrador da renda”. Glosando a visão de Sampaio (Bruno) era a consciência de que Portugal sempre fora um povo infeliz, dominado, na expectativa do Príncipe Perfeito que o libertasse e redimisse. Para Bruno, esse Príncipe teria de ser o Povo, e o mesmo se dirá do pensamento de Sérgio, que via todas as tentativas de salvação nacional afundadas no pego da negligência e da traição. Inspirado no livro de Lysis, L’Erreur Français, escreveria sobre a impossibilidade democrática quando os regimes assentam no “vício da centralização”, que, bem vistos os fenómenos, foi opção ditatorial da Revolução Francesa, que proibiu os nacionalismos locais, perseguiu as próprias línguas regionais e, antes da trilogia Liberté, Egalité, Fraternité, houve o cuidado de antepor o lema Unité de L’État.

Olhando a condição portuguesa, e sem queda num juízo irremediável, há lugar para admitir que o melhor das ideologias se corrompeu. A generosidade teórica do Socialismo deu, em Portugal, um fruto: o egoísmo, de tal modo que muitos colhem a ideia de que em Portugal só é socialista quem invejar os bens do outro, ou quem se puser numa situação ostensiva de receber. Quem não inveje e esteja em posição de dar, não carece de ser socialista.»

Pinharanda Gomes («A “Escola Portuense”»).




«(...) V.M. – Eu próprio sinto-me um prisioneiro no meu país.

A.S. – Parece ser esse o pensamento de Manuel Bandeira e, se o português tem de ir para o Brasil para ser um português à solta, é porque há reformas necessárias e urgentes a fazer, para Portugal deixar de ser uma cadeia.

Portugal tem, todo ele e em todas as partes do Mundo, de rumar para uma liberdade em que o Homem se possa interessar pelo aspecto dos fenómenos para si mais atraentes, seja da Física, seja da Pintura ou da Mística, sentindo-se atraído, simultaneamente, para o intemporal e para o não-espacial.

Por isso me parece serem Os Lusíadas, para além de um poema narrativo, histórico e épico – por relatar acções heróicas – também um poema profético, tendo Camões uma ideia do heróico muito curiosa.

Por exemplo, é heróico Afonso Henriques quando diz a Deus “que estais vós a animar-me a mim? Ide pregar aos infiéis”; ou a pobre Inês de Castro, abatida pela razão de Estado quando, para ela, o que imperava era o afecto e lá aguenta aquela morte como pode.

Camões mostra esse Povo heróico na Terra e heróico no Mar, capaz de heroísmo no Céu.

Nesta situação, costumo lembrar-me do monumento aos Descobrimentos que está virado para o Tejo, junto ao Mosteiro dos Jerónimos, no qual podemos ver aquela gente a elevar-se da Terra como se elevou Portugal. Eles vêm do solo, vão subindo por aquelas duas rampas, vão a caminho já do Mar e, subitamente, param.

Não há mais nada porque falta construir o resto da rampa.

Falta continuar o resto dessa rampa que iria chegar, espero que vá chegar, ao que nós chamamos Céu e que seria o verdadeiro destino de Portugal.

Mas chegar ao Céu não é ir, como os americanos e os russos, instalar fábricas no espaço.

V.M. – Haverá possibilidade de continuar a rampa?

A.S. – Espero que sim, pois fizemos coisas mais difíceis do que Ser. O que existe de mais fácil à pessoa é Ser, só que o terrível são as circunstâncias que, à volta dela, a impedem de Ser.

V.M. – Essas circunstâncias poderão ser afastadas?

A.S. – Havia uma tribo no Amazonas que gostava das crianças com a cabeça cúbica e, quando elas eram pequenas, punham-lhes umas talas na cabeça para obrigá-las a crescerem cúbicas.

Afinal de contas, é o que sucede a todos nós, pois no fundo, a nossa cabeça é cúbica visto as circunstâncias externas obrigarem a isso. Mas quando a Sociedade não nos colocar as suas talas, para nos impedir o crescimento normal, será possível que cheguemos ao mais pleno de nós próprios.

Então aí, como cada homem nasce diferente mesmo em cinco biliões de homens, teremos possivelmente uma pluralidade extraordinária no Mundo e faremos algo quase impossível de fazer hoje, que é amarmos a diferença.

Ainda gostamos muito de amar as semelhanças, damo-nos muito bem com aqueles que se parecem connosco, quando o nosso gosto também devia ser por aquilo que é diferente.

Quando se diz ter sido Camões um platónico, e isso mostra-se bem quando ele afirma atingir-se a beleza geral através da particular beleza, digo sempre existir aí um defeito por ele não nos referir o que acontecia à fealdade particular a conduzir-nos, tanta vez, à fealdade geral.

É necessário, igualmente, pôr esse ponto: ver no diferente o que existe de fundamental e dirigirmo-nos a esse fundamental.

Só quando o homem se dirigir ao seu fundamental é que se cumpre.» 

Victor Mendanha («Conversas com Agostinho da Silva»).




«A República teve o condão de mover o Povo contra o Povo, é imoral negar este facto. Havia um regime, mas, na ideia de Sérgio, o problema do Regime era no fundo o problema do bem e do mal da comunidade portuguesa, sendo necessário actuar a nível suprapartidário, em liberdade, na pesquisa de novos caminhos, com recusa das forças políticas históricas, com ordem e trabalho. A Guerra e a Pneumónica contribuíram para a geral degradação do tecido social e das fracas economias de um povo já de si pobre, explorado por gente de baixo coturno, elevada a donatária do Reino. Muitos segmentos sociais procuravam caminhos: católicos, monárquicos, republicanos sérios, independentes e necessitados. Até se colhia a percepção de que na verdade se procurava a mãe, a Mátria, como se infere dos títulos de algumas publicações que, diferentes nos modos, eram convergentes na causa final: Alma Portuguesa (1913), Nação Portuguesa (1914), Pela Grei (1918), Seara Nova (1921). Pela Ley e Pola Grey, lema do Príncipe Perfeito, não era o lema do Integralismo Lusitano? A própria beatificação de Fr. Nuno de Santa Maria (Beato Nuno) em 1918, não foi um modo de animar o povo, cujos segmentos mais populares se moviam desde 1917 em busca das maravilhas de Fátima? O mesmo primeiro Modernismo, o de Orpheu, não consegue ocultar uma forte apetência nacional-messiânica, conforme escritos de Augusto Ferreira Gomes, Raul Leal e, sem dúvida, Fernando Pessoa. A perda do Ultramar não se consentia...».

Pinharanda Gomes («A “Escola Portuense”»).


«(...) os portugueses conservadores no século XVIII são aqueles que receberam todo o país modificado pelas ideias europeias, mas as dos séculos XV ou XVI. Simplesmente, no resto da Europa essas ideias tinham proliferado, tinham avançado, tinham conseguido adiantar-se até, curiosamente, servindo-se do que fora trazido pelos portugueses e pelos espanhóis. A Europa adianta-se exactamente com os Descobrimentos. Eles haviam parado em Aristóteles e estavam bem contentes com isso. Simplesmente, o nosso amigo Aristóteles tem pelo menos duas coisas na sua filosofia: a metafísica e a física. A metafísica poder-se-ia discutir sempre e as grandes discussões nas universidades eram sempre à volta dela. Mas a física é de difícil discussão, porque há a experiência, o visível, o observável e ele está certo ou não, ou está de acordo ou não com o que diz Aristóteles. E o que aconteceu com os Descobrimentos é que o mais analfabeto, o mais inculto dos marinheiros portugueses era capaz de encontrar nas viagens, testemunhos, factos reais que liquidavam completamente o que Aristóteles havia afirmado. Porque ele raríssimas vezes havia feito uma experiência pessoal. É muito frequente encontrar na obra de Aristóteles uma expressão que de uma forma ou de outra quer dizer que alguém viu mas não ele, “dizem”, “sabe-se”, etc. Não “eu vi”, “eu afirmei”. E coisa curiosa, quando lemos, por exemplo, Camões, os seus marinheiros dizem “eu vi”, “vi claramente visto!”, diz um deles. E o que é que eles viram claramente visto? Uma porção de coisas que Aristóteles declarava que não existiam. Assim, o que primeiro se desmanchou foi a física de Aristóteles. E se há uma metafísica que se baseia numa física, o que acontece é que a metafísica começa a ser abalada.»

Agostinho da Silva («Vida Conversável»).


«Aristóteles foi, também, durante séculos, a primeira autoridade em física. Os livros aristotélicos não são, porém, livros de mera exposição e demonstração de doutrinas, mas, pelo contrário, exemplos e exercícios do orgão lógico para a indagação da verdade. Do uso que durante a Idade Média foi feito dos livros aristotélicos, muitas vezes discutidos sem prévio recurso à observação e à experimentação, não há que inculpar o pensamento de Aristóteles.»

Álvaro Ribeiro («Apologia e Filosofia»).


«(...) assim como o ser humano nasce para o espírito, também as sensações, por génese natural podem não ter sido em nós predestinadas ao conhecimento da matéria, pois nunca nos disseram se a matéria é “isto ou aquilo”. O que nos falam e dizem, isso sim, e desde logo radicalmente, é sobre as substâncias com as suas qualidades e atributos, pelas quais a matéria se torna por elas cognoscível. Esta noção é fundamental, porque aponta para a revisão da dogmática do “a priori” e insinua a confiança na conscientização gradual das nossas potencialidades empíricas. As sensações não são pois de genitura feitas para a matéria, cujo sentido desde os Gregos, vem a sofrer muitos ajustamentos de conveniência apenas científica, mas sim para a ordem das substâncias, em inerência às qualidades dos movimentos e atributos naturais. Mesmo numa abstracção pura, o empirismo deveria enfim revelar-se para a metafísica, como uma verdadeira teologia da experiência.»

Luís Furtado («Do Conceber para o Lugar do Conceber. Ensaio de Hipotipose»).


«Graças a um homem superior, que não tinha os olhos voltados para a Europa Central, os Portugueses distinguiram-se na aventura do descobrimento, na arte de tornar visível o ainda não visto mas previsível, o Novo Mundo. Contrariando a lei dos três estados, o saber dos Portugueses era menos positivo do que metafísico, e menos metafísico do que teológico, porque foi principalmente haurido na tradição representada pela cruz da Ordem de Cristo. Cruz que, pelo simbolismo da cor e da forma, representa na vela, e na caravela, um problema humano, um segredo natural e um mistério divino.»

Álvaro Ribeiro («Apologia e Filosofia»).


«(...) coisa curiosa, se eu falo n’Os Lusíadas, é exactadamente como parece: que Camões achou que a construção de Portugal, e depois a navegação, até se chegar a Oriente, até esse primeiro ponto do Oriente que foi Calecute, que não se poderia ter feito nada disso sem o culto da virtude. Quase se diria o seguinte: Camões seria confucionista, se eu aceitasse que era por causa da sua estada para os lados do Oriente que ele tinha conhecimento da doutrina e tinha dito, ele próprio, coisa curiosa, como os portugueses do lado de lá, sentiam a mesma coisa que sentiu Confúcio do lado de cá, que não se pode atingir o empreendimento que se tem em vista senão pelo culto da virtude em todos os seus aspectos: pela lealdade ao compromisso, pela obediência a quem manda, etc. Mas logo que essa empresa está concluída, logo que os marinheiros voltam com a consciência de que fizeram tudo o que havia a fazer pelo tal culto da virtude para se poder alcançar a Índia, Camões os põe numa outra colectividade, em que eles não têm que ser mais nada senão o que são, e que n’Os Lusíadas aparece com a designação dada pelos seus leitores de “A Ilha dos Amores”. Ali, os marinheiros que desembarcam deixam de ser marinheiros, são apenas as pessoas que nasceram com toda a sua plenitude humana, e se revelam apaixonados por tudo o que é fenómeno. Mas, curiosamente, Camões avança com alguma coisa que os gregos não descobriram: os gregos sentiram também, que eles pelo amor que tinham à vida eram gente presa do fenómeno. Mas Camões disse sem o dizer, os gregos não descobriram como é que isso pode ser ultrapassado, e na Ilha dos Amores os portugueses ultrapassam, livram-se dessa prisão, sabemos todos muito bem que os portugueses aprendem na Ilha dos Amores que podem saber o futuro e que podem estar também livres do espaço. Podem saber o futuro quando uma deusa lhes vem dizer como vai ser Portugal, sentem-se livres do espaço quando a mesma deusa lhes mostra ao longe toda a máquina do mundo fora da qual não existe nenhuma espécie de espaço. Então, o que é que ele diz como remédio aos gregos? Diz o seguinte: os gregos pensaram, parece, que todas as ideias que têm são fabricadas pela própria cabeça, nunca lhes surgiu a ideia, talvez, de que as ideias talvez pairem no mundo e entram na cabeça das pessoas quando elas deixam de ter tanta credibilidade em si próprias, quando elas põem em dúvida que seus cérebros sejam tão poderosos que podem fabricar essas ideias, e aceita que elas pairam, e, como às vezes eu digo, até cheguem à ideia de que é bom não pensar muito pela própria cabeça, estar disponível para que entrem nelas as ideias que andam à volta, que podem ser muito mais interessantes, muito mais plenas, muito mais amplas, do que aquelas que podemos fabricar com o nosso próprio conteúdo dos crânios.


Tétis mostra a Vasco da Gama a Máquina do Mundo.

Então, talvez pudéssemos ter a ideia de que nesta gente portuguesa existam as duas maneiras de ser nítidas, disciplina absoluta, obediências completas, culto total da virtude, enquanto se tem que atingir um determinado fim de empresa que, no nosso tempo, é fazermos que o capitalismo em que vivemos de tal maneira se desenvolva que nos dê a possibilidade de depois descobrirmos esse Calecute novo, de ser a vida gratuita, como pensaram os portugueses e acreditaram os portugueses no século XIII, para que nós possamos abandonar-nos à ideia de ser nosso único dever, sermos na vida aquilo que realmente somos quando nascemos. Por outro lado, é extremamente interessante, quanto ao presente, vermos se estamos mais perto ou não desse ideal dos homens do século XIII, se os 600 anos que nos separam deles já nos dão garantias, que com uma multiplicação maior ou menor desses 600 anos para diante de nós, possamos atingir aquele fim que eles tiveram como ideal. Que nos libertemos da ideia de que o divino é para mandar em nós, é para nos limitar, e tem que ser assim, enquanto estamos na guerra, e exactamente como o oficial comandante tem de limitar com a disciplina aquilo que os soldados normalmente faziam e fariam se ele os deixasse em plena vontade própria.

Por outro lado, é importante que se tenha também a ideia de que o ideal não é ficar continuamente nisso. Não é ir para diante no mesmo tipo de economia, mas que o ideal de todo o homem economista verdadeiramente de dentro deve ser o de que essa economia acabe por desaparecer do mundo.

Então, o que me parece interessante fazer é pegar em cada um dos actos da festa e examinar se nesse sector estamos mais adiantados que os homens do século XIII ou não, e se estamos, portanto, com possibilidade de ter maior animação para que cheguemos no futuro, senão na totalidade, pelo menos muito perto daquilo que foi o ideal deles.»

António Escudeiro («Agostinho da Silva – Ele Próprio»).





O humanismo científico português da época dos Descobrimentos


Enorme, incalculável, foi o concurso dos Descobrimentos para o surto do espírito europeu moderno, para o desenvolvimento do humanismo, para a criação do senso crítico, para a queda do princípio da autoridade na ciência e na filosofia, para os lentos progressos do Homo sapiens em frente da tirania do Homo credulus. Levar-nos-ia muito longe o apresentar o problema no aspecto europeu: limitemo-nos a Portugal. Os descobridores recorriam constantemente, nos seus trabalhos, aos cosmógrafos e naturalistas da Antiguidade, que eles conheciam minuciosamente; ora, a visão assídua dos espectáculos novos, da realidade exótica, mostrava-lhes a cada instante os erros enormes desses autores, a cujas afirmações se prestara fé como a revelações do próprio Deus. Ao tratar-se de coisas dos nossos climas (coisas familiares, por isso, ao espírito dos seus autores) eram os textos da Antiguidade suficientemente verdadeiros; ao descreverem, porém, os produtos ultramarinos, os erros dos textos acumulavam-se, imediatamente verificáveis para quem pudesse conhecer as coisas por sua directa observação. Essa visão da realidade exótica tinham-na os Portugueses nas navegações: notaram os enganos das autoridades, e perderam portanto perante os textos a atitude da superstição. Discutindo ideias dos autores antigos que a experiência da navegação mostrava falsas, diz Duarte Pacheco no seu Esmeraldo: «a experiência é madre das coisas, e por ela soubemos radicalmente a verdade». «A experiência nos tem ensinado» (acrescenta ele); «a experiência nos faz viver sem engano das alusões e fábulas que alguns dos antigos cosmógrafos escreveram acerca da descrição da terra e do mar; ... que a maior parte do saber de tantas regiões e províncias ficou para nós, e nós lhe levámos a virgindade... e nestas coisas a nossa nação dos Portugueses precedeu  todos os antigos e modernos em tanta quantidade, que sem repreensão podemos dizer que eles, em nosso respeito, não souberam nada.» A verdade, para a elite Portuguesa daquela época, já se não busca radicalmente pelo estudo e comentário dos autores antigos: vai procurar-se na indagação do real. Garcia da Orta, o naturalista, foi ao Oriente, e pôde comparar as drogas indianas, que seus olhos viram, com as descrições das autoridades; e então a experiência, «madre das cousas», mostra-lhe que os textos também erravam: e cai o critério da Autoridade, base incontestada da sabedoria medieval. As principais personagens dos seus Colóquios são o doutor Ruano e o doutor Orta. O doutor Ruano é o homem dos textos, medieval e comentarista, que sabe de cor as autoridades: o seu Dioscórides, o seu Plínio; o doutor Orta, por outro lado, é o navegante e quinhentista, que opõe às autoridades um simples vi: «vi, claramente visto;», como diz Camões. [passou da autoridade para a visão clara o critério do verdadeiro.]

No «Colóquio do benjoim», por exemplo, Ruano opõe uma objecção, derivada das autoridades; e Orta responde: «Não me ponhais medo com Dioscórides nem Galeno: porque não hei-de dizer senão a verdade, e o que sei.» No «Colóquio da pimenta» o doutor Ruano, assustado, pretende salvar a intangibilidade dos textos, observando: «Parece-me que destruís todos os escritores, antigos e modernos!», – e passa a comentar os dizeres de Plínio, de Dioscórides, e de muitos mais. O doutor Orta, obtido esse efeito, não diz que sim, nem diz que não: limita-se a seguir como se nada fosse, e a contar o que viu no Malabar – coisa que divergindo do texto das Autoridades, ele sabia (palavras suas) «muito bem sabidas, como testemunha de vista». Repetindo, sem o saber, Duarte Pacheco, a certa altura exclama ele: «sabe-se mais em um dia agora pelos Portugueses do que se sabia em cem anos pelos Romanos,» – quer dizer: mais em um dia de observação directa que em cem anos de leitura e comentários das autoridades; e quando Ruano, no «Colóquio da maçã», adverte que Serápio citava os Gregos a propósito de noz-moscada, vemos o doutor Orta responder-lhe: «Fez isso porque havia medo de dizer cousa contra os Gregos; e não vos maravilheis disto: porque eu, estando em Espanha, não ousaria de dizer, cousa alguma contra Galeno e contra os Gregos.» [Havia, como se vê, nesses homens, a consciência da revolução que operaram neles as navegações: «que eu, estando em Espanha, não ousaria dizer coisa alguma contra Galeno e contra os Gregos.»] Garcia da Orta, se não tem saído do ambiente europeu (ele o confessa) não teria ousado desenvencilhar-se da superstição das autoridades, e passar da atitude do Homo credulus para a atitude do espírito crítico. Os seus Colóquios são o índice, portanto, de uma nova orientação [do génio europeu]; são um livro de «inquiridor de verdades» segundo a frase do mesmo Orta; um livro feito (empregando ainda palavras dele) «para desencovar a verdade não sabida de todos». A revelação do mesmo espírito se encontra nos Lusíadas de Camões. Se não interviesse depois a Contra-Reforma; se este germe fecundo de humanismo [científico] se tivesse podido desenvolver, sem compressões teocrático-políticas, – a meta natural do pensar português seria o experimentalismo que caracterizou os Ingleses, pelo que toca propriamente ao método; e, na metafísica, alguma coisa semelhante ao espiritualismo científico de Spinoza.

Comprimido pela Contra-Reforma, porém, o pensar crítico morreu sufocado, em Portugal, para só ressuscitar com Luís Verney.

O humanismo moral português culmina no discurso do «Velho do Restelo» (Lusíadas). Camões, quando descreve a partida de Vasco da Gama, faz condenar pela boca de um velho (a quem confere a máxima venerabilidade, pelo carácter, pela ancianidade e pela experiência) a própria façanha que se propôs celebrar. É que, para o poeta, há dois planos no mundo moral: o moral ou ordem das capacidades humanas de energia, de valor, de saber, de faculdades de realização, que permitem acometer as grandes empresas, como o descobrimento da Terra pelos Portugueses; e, acima desse plano, o dos mais altos fins da consciência (paz interior, bondade, [liberdade], fraternidade perfeita), bens a cujo atingimento, sob um ponto de vista absoluto, aquelas mesmas capacidades se deveriam aplicar.

Um dos fenómenos mais característicos da revolução intelectual determinada pelas Navegações é o sentimento de que a Natureza entranha um poder divino, sentimento que Duarte Pacheco manifesta com insistência nas suas reiteradas frases sobre «a majestade da grande Natureza», a qual (acrescenta ele) «usa de grande variedade em sua ordem e no criar e gerar as coisas». Tal ideia não é ainda no espírito dos homens das Navegações, aquilo que virá a ser para os racionalistas posteriores; mas a maneira como falam dela um Duarte Pacheco e um Camões manifesta a tendência a ver na Natureza uma «Majestade» imanente e autónoma, que irá suceder à Providência e ao transcendente na função de «criar» e «ordenar» as coisas. A nova concepção desponta e robustece-se ao lado da concepção teológica cristã sem ainda a empanar: essa justaposição pacífica das duas ideias caracteriza aquela época.

À luz destas considerações se deve ver, em nosso juízo, um problema muito debatido pelos críticos literários: o da coexistência do maravilhoso pagão e do maravilhoso cristão nos Lusíadas de Camões. A questão é mais funda que um mero problema de retórica. O sentimento da «majestade da grande Natureza», do seu poder autónomo, obriga o poeta a tratar a Natureza como reino independente, circunstância que se traduz, no campo artístico, pela adopção dos deuses pagãos, os quais vêm a ser, ao cabo de contas, essa mesma Natureza personificada[; isto porém, sem prejuízo da teologia cristã]. O puro naturalismo e o puro cristianismo, considerados separadamente, representariam [pois] com falsidade a [complexa] atitude mental produzida nos Portugueses pelas empresas de Navegação. Estes, sem deixarem de acatar ainda os «sábios da Escritura», antepõem-lhes os problemas novos:

 

«Digam agora os sábios da Escritura

Que segredos são estes da Natura...»

 

[Porém, se o sentimento do valor da experiência levava os homens como Garcia da Orta, como Duarte Pacheco, ou como Camões, a uma certa atitude de empirismo, não devemos esquecer que o trabalho das navegações lhes revelava do mesmo passo – pelo êxito prático da navegação astronómica – o da interpretação matemática das aparências. Pensa Camões que o recurso à experiência é necessário: mas faz-nos notar, ao mesmo tempo, que a simples comprovação das aparências, sem as construções inteligíveis do «puro engenho», só nos dá fantasmas «mal entendidos»:

 

Os casos vi que os rudos marinheiros,

que têm por mestra a longa experiência,

contam por certos sempre e verdadeiros,

julgando as cousas só pela aparência:

e que os que têm juízos mais inteiros,

que só por puro engenho e por ciência

vêem do mundo os segredos escondidos,

julgam por falsos, ou mal entendidos.

 

(Lusíadas, V, 17.)]


Camões lendo Os Lusíadas aos Frades de São Domingos, por António Carneiro.

São as navegações, outrossim, que conferem às letras nacionais o que têm de característico e de maior sabor. Já aludimos à grande epopeia, os Lusíadas, que tem por herói um ser colectivo: a própria nação que descobriu o mundo, ou, antes, a Ideia dessa Nação, tal como Camões a concebeu. Os efeitos sociais dos Descobrimentos inspiraram as páginas mais interessantes do poeta Sá de Miranda (1495-1558) que introduziu no País a escola clássica. Ele, Camões, António Ferreira (1528-1569), autor da tragédia Castro e dos Poemas Lusitanos, são exemplares dessa corrente de poesia, como o historiador [clássico] dos Descobrimentos, João de Barros (1496-1570) o é da prosa; o comediógrafo Gil Vicente (m. 1540) prende-se ainda à tradição medieval pelo que respeita à forma da sua arte. Entre os escritores de viagens, cumpre salientar Fernão Mendes Pinto, o da Peregrinação, de quem já falámos; na história, além de Barros, Frei Luís de Sousa (1555-1632), e, já menor que esses como estilista, Damião de Góis (1502-1574); os restantes historiógrafos têm menos mérito literário, e bem que valham mais, por vezes, como fonte de informação (Azurara, Pina, Resende, Castanheda, Couto, Gaspar Correia, [António Galvão,] etc.). Dos moralistas, todos místicos, mencionaremos Amador Arrais (1530-1600), Tomé de Jesus (1529-1582), [Heitor Pinto (?-1584),] Paiva de Andrada (1528-1575). Entre os poetas cumpre citar, além dos referidos, Bernardim Ribeiro (1500?-?), Cristovão Falcão (c. 1495- ?), Diogo Bernardes.

Na literatura popular, a obra-prima portuguesa é também criação dos Descobrimentos: a série de narrativas de naufrágios, que foram reunidas mais tarde com este título que as caracteriza: História Trágico-Marítima. A alma da Nação também naufragou, e andou separada desde então do seu ambiente natural, que é aquele espírito humanista – espírito revolucionário, de livre investigação e de livre crítica, – a que levavam as Navegações.

A ciência matemática [portuguesa], criada e desenvolvida pelas navegações, chegou ao seu zénite com Pedro Nunes (1492?-1577?), de quem foi discípulo D. João de Castro. A ciência característica dos Portugueses é a cosmografia, suscitada pelas Navegações. Há pouco, escreveu o francês L. Gallois, a propósito da obra l’Astronomie nautique au Portugal à l’époque des grandes découvertes, do português Joaquim Bensaúde: «Revela-se-nos com evidência que foi em Portugal que se praticaram pela primeira vez no Ocidente os processos de navegação pela observação dos astros, sem os quais teriam sido impossíveis tão aventuradas expedições.»

O infante D. Henrique, que se consagrava aos estudos cosmográficos, criou uma cátedra desta ciência na Universidade de Lisboa em 1431[, e fez estudar pelos seus navegantes os ventos e correntes do oceano Atlântico (1425).] Deve-se a um deles a primeira determinação de latitude de que há notícia certa: a de Diogo Gomes, o qual, na sua viagem à Guiné em 1462, tomou, com o quadrante, a altura da Estrela Polar (a altura do pólo, como se sabe, é igual à latitude). À medida que se avançava para o equador, abaixava-se aquela estrela para o horizonte, amarando totalmente ao sul da linha, quando se entrava no hemisfério austral. De aí a necessidade de recorrer a outro processo: o da altura meridiana do Sol, a qual, conhecida a declinação do astro, permite achar a latitude. Tornou-se pois necessário construir tábuas de declinação do Sol. Isso se fez em Portugal; não, porém, com auxílio da ciência alemã de Regiomontanus, como por tanto tempo se afirmou, e sim por um judeu peninsular, chamado Abraão Zacuto. D. João II fez compor o Regimento do Astrolábio, manual de astronomia náutica para uso dos pilotos, o qual contém: instruções minuciosas para determinar a latitude pela altura meridiana, com 17 exemplos, correspondentes a diversos casos; um almanaque com as declinações do Sol durante o ano; um «regimento da Estrela Polar», com instruções para achar a latitude pela altura desta estrela; e um «regimento» para marcar na carta o caminho percorrido.

Promontório de Sagres. Ver aqui e aqui




O achado, feito recentemente em Munique, de um exemplar desta obra, revolucionou as ideias existentes sobre as origens da ciência náutica.

Por este livro estudaram, directa ou indirectamente, todos os navegantes daquela época. O já citado Gallois conclui por estas palavras o trabalho a que nos referimos: «De Portugal passaram a Espanha» (os métodos de navegação astronómica). «Na sua Suma de Geografia (1519), Fernández de Enciso copia trechos inteiros do Regimento de Munique. Um piloto português, Francisco Faleiro, escreveu para uso dos Espanhóis a mais importante obra de navegação que até então aparecera, o Tratado de la esfera y del arte de marear (1535). Ambos os livros contêm, como é natural, tábuas de declinação do Sol. Podemos acrescentar que os métodos portugueses haviam passado também a França, já que a Cosmografia de Alphonse de Saintonge (1544), pura e simples adaptação da obra de Enciso, reproduz as tábuas, calculadas para o ciclo de quatro anos, do Regimento de Évora» (outra edição do Regimento português).

[A Arte de Navegar de Medina (1545), tirada principalmente da obra de Faleiro, foi um dos livros pelos quais a ciência náutica portuguesa se difundiu na Europa. As investigações de Jaime Cortesão permitiram-lhe afirmar que o manuscrito chamado de Rouen (1545-1548), contém a maioria dos regimentos portugueses, literalmente traduzidos. Em Inglaterra, a difusão da ciência náutica portuguesa realizou-se por intermédio do Breve compendio da Sphera y de la arte de navegar, do espanhol Martin Cortes (1551), que copiou também os nossos regimentos. Traduzido em 1561 por Ricardo Eden, este compêndio teve em Inglaterra, segundo aquele historiador constatou, dez edições até 1609. O livro de Bourne, A regiment for the sea, reproduz largamente, por intermédio do de Cortes, a ciência dos pilotos de Portugal. O veículo mais importante da difusão dos conhecimentos contidos nos nossos roteiros foi o Grand Routier de la mer, de Jan Huygen van Linschoten (1596), o qual reproduz não menos de doze roteiros e descrições de viagens portuguesas entre a China e o Japão, segundo Jaime Cortesão verificou. A obra de Linschoten só apareceu publicada em 1595-1596, mas foi utilizada em manuscrito pela Companhia Van Verre para a instrução dos pilotos da primeira expedição holandesa até à Índia (1595).

Durante um século, o livro de Linschoten, compilação de roteiros portugueses, foi a única obra que guiou os navegantes nos mares do Oriente.]


Janela do Capítulo no Convento de Cristo em Tomar.

Nas artes plásticas, nota-se sobretudo a influência das Navegações nos motivos decorativos da arte «manuelina», manifestando-se particularmente na obra de João de Castilho, arquitecto do tempo de D. João III, e autor dos mais típicos exemplares da mesma influência. No Convento de Cristo em Tomar (diz um crítico dos nossos dias, o Snr. Reinaldo dos Santos), João de Castilho «exaltou a obsessão portuguesa do mar com um simbolismo exuberante». Cumpre sobretudo considerar, sob esse especial ponto de vista, a famosa janela daquele Convento. Dela disse o crítico francês Bertaux que, «semelhante às construções madrepóricas, dá a impressão de decorar um palácio submarino»; e Ramalho Ortigão: «As colunas da janela da sala do capítulo são pólipos de cristal, dos mais profundos recifes oceânicos... Os outros elementos decorativos são as ondas do mar, tal como se representam na heráldica... Sólidas cadeias e potentes cabos, donde pendem as bóias de cortiça, enlaçam a decoração, amarrando-a vigorosamente à parede por fortes argolas, como se amarra um navio ao cais de um porto.»

As cordagens, as algas, a esfera armilar, a cruz de Cristo que levaram as naus em suas velas, são motivos constantes da decoração manuelina, que recordam as Navegações.


Mosteiro de Santa Maria de Belém.


A influência dos Portugueses no Oriente foi dilatada e duradoura. Heyligers, na sua obra Traces du Portugais dans les principales langues des Indes Orientales Neerlandaises, diz que «poucas nações se podem gloriar do seu passado como Portugal... O influxo do elemento português no arquipélago malaio foi de excepcional poderio, como o demonstra o facto de ainda hoje se encontrarem os seus vestígios na população indígena de ilhas que pertencem de há muito aos Holandeses». O português foi a «língua franca» do Oriente, e falava-se na Índia, na Malásia, no Pegu, em Bramá, em Sião, no Tonquim, na Cochinchina, na China, em Cormoram da Pérsia, em Meca da Arábia, em Bassorá da Turquia. Utilizavam-no os hindus e maometanos, judeus e malaios, e até os próprios europeus não portugueses para as relações entre si e com os indígenas. Serviam-se dele os missionários holandeses nos seus domínios e ainda hoje o empregam em Ceilão os pastores protestantes ingleses. «A história dos Descobrimentos e das conquistas portuguesas», escreve o doutor Schuchardt, «é também em geral a história da propagação da língua portuguesa». Esta fraccionou-se depois em numerosos «crioulos», que se perpetuaram até hoje fora dos domínios portugueses, facto que se não deu, pelo menos na mesma amplitude, com nenhum dos idiomas dos povos que dominaram mais tarde nas regiões orientais.

A flora oriental estudou-a, como dissemos, Garcia da Orta[, e os animais e plantas mais interessantes da África e da América foram descritos por cronistas, viajantes e missionários. Assim, por exemplo, Azurara descreveu o embondeiro em 1448, isto é, mais de trezentos anos antes de Adanson, de quem tirou a árvore o nome científico; frei João dos Santos, o autor da Etiópia Oriental (1609), dá descrições minuciosas do desdentado africano orycteropus (que Buffon, já no século XVIII, considerava ainda como animal fabuloso), do peixe eléctrico tremedor, do hipopótamo, etc. A flora e a fauna brasileiras foram especialmente tratadas pelo Padre Anchieta, por Pêro de Magalhães Gandavo, por Fernão Cardim, por Gabriel Soares de Sousa e pelo Padre Gaspar Afonso. Os Portugueses levaram o milho da América para a África, onde se adaptou de tal maneira que em fins do século XVI se dava ao milho americano o nome de «milho da Guiné». A laranjeira-doce (Citrus aurantium, L.) foi trazida para o País depois da viagem de Vasco da Gama, e no século XVI generalizou-se a sua cultura na metrópole e nas colónias. A laranja-da-china (Citrus aurantium sinensis, Gall) entrou em Portugal em 1635, e foi de aí difundida pelo Velho e Novo Mundo. Os Portugueses encontraram o tabaco na América, e espalharam-no pela África e pela Ásia no final do século XVI ou nos princípios do seguinte. Os exemplares desta planta que Nicot introduziu na sua pátria (França) descendiam dos do jardim do rei português. Do Brasil levaram os Portugueses a batata-doce para a África, e o ananás para a África e para a Ásia; para a América levaram da África a bananeira. A flora asiática, e, em particular, a indiana, deve aos Portugueses a introdução de muitas plantas, que hoje crescem espontaneamente, cobrindo vastas áreas. Há quem afirme, por outro lado, que deles tomaram os Japoneses o conhecimento da planta do chá].

Sir Richard Burton, nos seus comentários aos Lusíadas, reconhece a exactidão com que fala Camões nas coisas orientais, inclusas as matérias de religião. Dos sistemas religiosos da Índia disserta Diogo de Couto na quinta das suas Décadas da Ásia, com minúcia e precisão. Yule reconhece que foi Couto o primeiro que identificou a lenda cristã de Barlaam e Josaphat com a de Buda, identificação cuja prioridade atribui Müller a Laboulaye; e Robert Caldwell confirma o que diz o historiador português sobre os 1330 aforismos político-religiosos que compôs o «venerável» Valumar, e sobre os assuntos que neles tratou.

A literatura portuguesa de viagens e explorações é muito rica, e subministra uma massa valiosíssima de informações. Como escritor, Mendes Pinto é o maior dos autores portugueses de livros de viagens; mas outros há de grande mérito literário: assim, por exemplo, o Padre Manuel Godinho, a quem os críticos até hoje não prestaram a atenção que merece pelos seus dons de estilista.        

(In António Sérgio, Breve Interpretação da História de Portugal, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 14.ª Edição, 1998, pp. 84-93).


Navio-Escola Sagres




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