Escrito por Gilbert Keith Chesterton
«Um brilhante erudito hindu, um homem de ciência, disse-me uma vez: “Não há senão uma coisa: a unidade e a universalidade; os pontos em que as coisas divergem pouco importam; a única coisa que importa é o ponto em que se unem.” E eu respondi: “O acordo que nos falta, de facto, é o acordo entre o acordo e o desacordo; é o sentimento de que as coisas realmente diferem, apesar de serem unas.” Muito mais tarde encontrei o que quero dizer mais bem formulado por um escritor católico, Coventry Patmore: “Deus não é infinito. Ele é a síntese do finito e do infinito”».
G. K. Chesterton («Autobiografia»).
«Os verdadeiros iniciados são os filósofos.
Não chega dizer, como José Marinho o fez, que toda a filosofia é iniciática, mas sim que só a filosofia é
iniciática. Se há filosofia que o não seja é, como ele também diz, a livresca
ou cultural, a que se aprende nos livros e só neles e se transmite e perpetua
nos liceus e na universidade.
Os alquimistas, que designavam a
iniciação por arte régia (é moderno e de origem cultural o termo de ciências
ocultas) não consentiam que o nome de filósofo fosse dado a quem não conhecesse
os régios segredos da sua arte. Os sufis, que não são místicos, como
confusamente se escreve e diz, mas sábios iluminados que atingiram os mais altos
graus de iniciação, exigiam dos discípulos uma profunda preparação de sete anos
nas sete disciplinas filosóficas, antes de os lançarem nas experiências subtis
que conduzem gradualmente à epoptia, a perfeita contemplação de Deus. Tal o
caso, no supremo exemplo, de Ibn Arabî. É muitas vezes lembrada a sua
advertência, onde o mais venerável dos mistagogos muçulmanos afirma que filosofia sem iniciação a nada conduz e
iniciação sem filosofia leva à imbecilidade, advertência que, se não
identifica uma com a outra, as necessita mutuamente.
O
engano neste ponto essencial teve o seu início, no Ocidente, na oposição que o
Renascimento, sobretudo italiano, criou entre Platão e Aristóteles, com a
intenção mais ou menos velada de atacar a Igreja Católica que adoptara o segundo
como o filósofo de apoio à sua dogmática teológica; e os ocultistas românticos
do século XVIII e XIX chegaram ao extremo de afirmar que o discípulo grego
representa perante o mestre grego a oposição ao ocultismo. Em termos menos secretos tal oposição surge
constantemente na filosofia livresca e cultural marcando toda a diferença entre
misticismo e racionalismo. José Marinho escreve longas páginas no intuito de
desfazer o engano, mostrando demoradamente como o racional e o irracional são
limites moventes, cuja profunda relação se dá onde quer que o espírito se assume
como verdadeiro pensamento.
A oposição que se diz existir expressa nos textos de Aristóteles não é entre os dois filósofos, mas entre platónicos e aristotélicos. Decorreu a cisão, que vimos comentando entre mestre e discípulo de uma exegese dos textos dos dois filósofos sem inspiração hermética ou, como dizia José Marinho, sem assumir a qualidade de hermenêutica: "Hoje se tornou de novo possível, pela adequada hermenêutica dos textos, vermos filósofos, tais como Parménides e Heraclito ou ainda até Platão e Aristóteles, pensarem o mesmo de diversos modos." A teologia católica, fazendo da teologia de Aristóteles sua serva, ditou a separação, quando os seus adversários recorreram a Platão para, contrapondo-o ao discípulo, proporem formas de actividade espiritual onde o conhecimento pela fé e pela imaginação dispensa o dogma e se assume como filosofia.»
António Telmo («Platão e Aristóteles ou o Mesmo e o Outro», in «Congeminações de um Neopitagórico»).
«Vladimir Soloviev – o mais lúcido pensador da
Rússia, sem deixar de ser uma estranha natureza profética – mostra claramente o
caminho de Bizâncio para um sentido islamita, de modo que a conquista de
Constantinopla estava feita em espírito antes da vitória dos Turcos
conquistadores.
O arianismo é bem tratado pelos imperadores
Constâncio e Valente. O arianismo era um cristianismo incompleto, dando-nos um
Cristo sem divindade autêntica: deixando, pois, a natureza humana à mesma
infinita distância, numa impossível deificação do homem.
Assim o humano se desprendia do divino e
a autoridade sem fundamentos de serviço divino, podia ser um capricho absoluto
pesando sobre possíveis escravos.
O nestorianismo é protegido por Teodósio
II.
O nestorianismo faz, do Cristo homem,
uma pessoa completa, deixando assim a natureza humana, sem contacto possível
com Deus, oferecida ao absolutismo da autoridade, que a governe.
O
nestorianismo é vencido, e Teodósio II acompanha da sua simpatia a nova heresia
do monofisicismo.
Com esta heresia a humanidade de Cristo
é dissolvida na divindade. A redenção não pode assimilar a humanidade, e esta
fica, outra vez, sem o valor infinito da sua possível deificação. De novo a
autoridade poderá levantar-se, absoluta, diante de um homem irremediavelmente
contingente e desamparado.
Os imperadores tentam ainda compromissos depois de vencida esta heresia.
Uma nova heresia, protegida pelo poder durante mais de cinquenta anos, é o monotelismo.
Não há vontade humana em Cristo: a vontade do homem fica, pois, absorvida na invencível propulsão do querer divino – e aqui começa claramente o parentesco com o Islão.
Mal é vencida esta heresia, surge a heresia
dos iconoclastas.
O corpo do homem e o mundo físico, que
este pode dirigir, são incapazes da inserção espiritual, que os faça expressões
do espírito, valores também de vida viva, de vida de eternidade.
A fúria iconoclasta significa o corte
radical do espírito e da matéria. É o islamismo triunfante. Neste particular o
protestantismo ocidental, filho dum pensamento que separou a alma e o corpo,
revelou também lógicas tendências iconoclastas.
O próprio jansenismo não se furtou às tendências antiescolásticas e às suas longínquas solicitações maniqueístas.
Todas estas heresias, sempre mais ou menos apoiadas pelos imperadores, revelavam um sentido incompleto da verdade cristã, e tinham uma lisonjeira aceitação pelas razões justificativas que traziam aos teimosos desejos do absolutismo autoritário.»
Leonardo Coimbra («A Rússia de Hoje e o Homem de Sempre»).
Ναός της Αγίας του Θεού Σοφίας (Igreja da Santa Sabedoria de Deus). |
Igreja de Santa Sofia com o mosaico da Virgem e o Menino ao fundo. |
«Aristóteles foi, também, durante séculos, a primeira autoridade em física. Os livros aristotélicos não são, porém, livros de mera exposição e demonstração de doutrinas, mas, pelo contrário, exemplos e exercícios do orgão lógico para a indagação da verdade. Do uso que durante a Idade Média foi feito dos livros aristotélicos, muitas vezes discutidos sem prévio recurso à observação e à experimentação, não há que inculpar o pensamento de Aristóteles.
Em questões que não podiam, ou não podem, ser resolvidas pela observação e pela experimentação, preconizava Aristóteles o método de autoridade. Não há, efectivamente, outro método de estudo senão a recensão das opiniões de vários autores, entre as quais o estudante escolhe a melhor, por preceitos de ordem lógica, e não por preconceitos à indagação da verdade. O uso de citações, corrente em trabalhos universitários, demonstra que continua acima da crítica o método de autoridade.»
Álvaro Ribeiro («Apologia e Filosofia»).
«Regra de ouro da "Filosofia Portuguesa" é a de não haver Filosofia sem Teologia, nem Filosofia substante sem Teologia que a justifique».
Pinharanda Gomes («A "Escola Portuense"»).
«O
senso comum respeita a linguagem abstracta dos matemáticos e dos juristas que
por convenção elaboram léxicos e vocabulários, válidos para todos os membros
das respectivas sociedades culturais, mas em relação aos filósofos o
senso-comum não tolera que usem verbos acroáticos, aliás raros no fio do
discurso, ou que imprimam às palavras correntes um desvio de significado. O
homem de senso-comum não quer pensar,
e defende a sua acídia natural acusando o filósofo de usar propositadamente uma
linguagem obscura, cifrada, hermética.
Tal acusação é injusta e falsa: injusta, porque corresponde a negar à filosofia
o direito que é concedido à matemática e à jurisprudência; falsa, porque os
filósofos não constituem sociedades com linguagens privativas, apenas ensinam,
e do seu ensino resultam escolas, dentro das quais as expressões dos mestres
são livremente assimiladas pelos discípulos.
Não há, não pode haver, para a
filosofia, um vocabulário que se fixe por maioria de votos em congresso e que
para todos os pensadores seja obrigatório por convenção. Cada filósofo tem de
fazer corresponder à liberdade de pensamento a liberdade de expressão, e por
isso vai elaborando o seu próprio vocabulário, ora inventando palavras novas,
ora dando novos significados às palavras existentes no léxico geral. O filósofo
nem sequer precisa de definir cada termo das suas proposições, porque sempre a
definição sobressai do contexto aos olhos do leitor capaz de relacionar a
palavra com a imagem, o conceito e a ideia.
(...) Ao estudante que quiser compreender as características de civilização em que vivemos, se aconselha a leitura imediata das obras de Aristóteles. Grande parte das críticas violentas que durante a Idade-Média foram dirigidas contra as escolas aristotélicas resultaram improcedentes, não atingiam propriamente a essência da doutrina do Liceu. Os detractores do aristotelismo pretendiam ferir, para além do Filósofo, a verdade oculta nos seus escritos acroáticos.
A autoridade de Aristóteles não foi, durante a Idade-Média, incompatível com a livre discussão de teses que caracterizava o ambiente das universidades europeias. S. Tomás de Aquino disse que o estudo da filosofia não tem por fim saber o que os outros pensaram, e afirmou também que em coisas humanas o argumento de autoridade é o mais débil. Todos os escritos são obras humanas, não podem ser comparados a escrituras sagradas ou canonizadas, pelo que neles é permitido distinguir “o que é vivo e o que é morto”, como a propósito de Hegel escreveu seu discípulo Benedetto Croce.
Também a obra de Santo Tomás de Aquino,
que o Magistério eclesiástico manda ler, estudar e seguir no que for possível,
está sujeita a adaptações, a alterações e a interpretações que atenuam e anulam
a designação de “filosofia tomista”. A cosmologia, a antropologia e a teologia
do Doutor Comum da Igreja podem pelos crentes ser discutidas em todos os pontos
que não colidam com a fé católica. A obra de Santo Tomás de Aquino é, pois, muito
respeitada pelo que significa de mediação cultural, mas por isso mesmo não
desobriga do estudo de outros filósofos que, pela sua autoridade, facultaram a
adequação do pensamento à realidade.
Os textos são letra morta: para
ressuscitarem, precisam de ser lidos pela voz humana, e a vida das palavras
depende do espírito que as anima. Não podemos esquecer que o Verbo é mediador
entre a Letra e o Espírito. Não podemos esquecer que a tríade Letra-Verbo-Espírito corresponde a Espaço-Tempo-Eternidade.
A actualização do tomismo, com elementos de outros sistemas filosóficos que vão surgindo nos vários povos, tem sido trabalho árduo, e por vezes meritório, de escritores católicos. Entre a Encíclica Aeternis Patris (1879) e a Encíclica Humani Generis (1950) poderemos ver que o tomismo passa por um período de apologia perante o positivismo, tomando como linha de referência o trabalho propedêutico a que se dedicou o Cardeal Mercier enquanto esteve no Instituto Filosófico de Lovaina. A tentativa de relacionar directamente a razão com a fé, de conciliar o pensamento gnósico com o pensamento pístico, sem mediação do pensamento sófico, ensinada por Aristóteles, nunca desenvolveu as virtudes nem suscitou as graças que os crentes esperam da apologética religiosa.»
Álvaro Ribeiro («Apologia e Filosofia»).
A REVOLUÇÃO ARISTOTÉLICA
O que tornou a revolução aristotélica profundamente revolucionária foi o facto de ser religiosa. É ponto tão fundamental que julguei conveniente apresentá-lo nas primeiras páginas deste livro: que a revolta foi em grande parte uma revolta dos elementos mais cristãos da Cristandade. S. Tomás, exactamente como S. Francisco, sentiu no subconsciente que a massa da sua gente ia deixando a sólida doutrina e disciplina católica, gasta lentamente por mais de mil anos de rotina, e que a fé precisava de ser apresentada a uma nova luz e encarada por um ângulo diferente. Não tinha outro motivo senão o de desejar torná-la popular para a salvação do povo. Dum modo geral, é verdade que durante algum tempo ela fora demasiado platónica para ser popular. Precisava de algo como o toque sagaz e familiar de Aristóteles, para a transformar de novo em religião de senso comum. Quer o motivo, quer o método se manifestem na controvérsia de Tomás de Aquino com os agostinianos.
Primeiro devemos recordar que a influência grega continuou a fazer-se sentir, desde o império grego, ou, pelo menos, desde o centro do império romano que estava na cidade grega de Bizâncio e já não em Roma. Essa influência era bizantina em todos os sentidos, no bom e no mau. Como a arte bizantina, era severa, matemática e um pouco terrível; como a etiqueta bizantina, era oriental e levemente decadente. Devemos ao saber do sr. Cristovão Dawson muita luz sobre o modo como Bizâncio lentamente se cristalizou numa espécie de teocracia asiática, mais semelhante à do sagrado imperador na China. Mas até as pessoas incultas podem ver a diferença no modo como o Cristianismo oriental simplificava tudo, do mesmo modo que reduzia as imagens a ícones que melhor se poderiam chamar figurinos do que verdadeiros quadros com variedade e arte; e isso fez uma guerra decidida e destrutiva às estátuas.
Assim vemos esta coisa estranha, que o
oriente era a terra da cruz e o ocidente a terra do crucifixo. Os gregos
estavam a ser desumanizados por um símbolo radiante, ao passo que os godos iam
sendo humanizados por um instrumento de tortura. Só o ocidente fez quadros
realistas da maior de todas as histórias originárias do oriente.
Eis porque o elemento grego na teologia
cristã tendeu cada vez mais, para se converter numa espécie de platonismo seco,
uma coisa de diagramas e de abstracções, todas elas muitíssimo nobres, sem
dúvida, mas que não eram suficientemente tocadas por essa coisa imensa que, por
definição, é quase o contrário das abstracções: a Incarnação. O seu Logos era o
Verbo, mas não o Verbo feito carne. Por vias muito subtis, muitas vezes
escapando à definição doutrinal, este espírito espalhou-se pelo mundo da
Cristandade, a partir do lugar onde o sagrado imperador se sentava debaixo de
mosaicos dourados; e a civilização do império romano nivelou-se numa degradação
moral, que preparou uma espécie de caminho suave para Maomé. Porque o Islão foi
a realização final dos iconoclastas.[1]
Todavia, muito antes disso, já havia esta tendência para tornar a cruz
meramente decorativa como o crescente, transformá-la num símbolo como a chave
grega ou a roda de Buda. Mas há algo de passivo num tal mundo de símbolos; a
chave grega não abre porta nenhuma, enquanto a roda de Buda gira sempre e nunca
avança.
Miniatura persa do século XV retratando a ascensão de Maomé ao céu. |
Em parte devido a estas influências negativas, em parte devido a um ascetismo necessário e nobre, que buscava rivalizar, com o padrão tremendo dos mártires, as primitivas idades cristãs haviam sido excessivamente anti-corpóreas e demasiado próximas da linha perigosa do misticismo maniqueu. Havia, porém, muito menos perigo em os santos macerarem o corpo do que em os sábios o desprezarem. Admitida toda a grandeza da contribuição de Agostinho para o Cristianismo, havia, de certo modo, perigo mais subtil no Agostinho-platónico do que no Agostinho maniqueu. Dela proveio uma mentalidade que, inconscientemente, levou à heresia de dividir a substância da Trindade. Pensava que Deus era, de modo demasiado exclusivo, um espírito que purifica ou um Salvador que redime, e muito pouco um Criador que cria. Eis porque homens como Tomás de Aquino entendiam dever corrigir Platão pelo recurso a Aristóteles, ele que considerou as coisas como as encontrou, exactamente como Tomás de Aquino as aceitou conforme Deus as fez. Em toda a obra de S. Tomás, o mundo de criação positiva está perpetuamente presente. Humanamente falando, foi ele quem salvou o elemento humano na teologia cristã, embora utilizasse, por conveniência, certos elementos da filosofia pagã. Mas, como já se disse, o elemento humano é também cristão.
O pânico pelo perigo aristotélico, que
passara pelos elevados postos da Igreja, foi provavelmente um vento seco do
deserto. Na realidade, vinha mais carregado do medo de Maomé do que de
Aristóteles, o que não deixa de ter sua ironia, porque na verdade [há] muito mais
dificuldade em reconciliar Aristóteles com Maomé do que em reconciliá-lo com
Cristo. O islão é essencialmente um credo simples para homens simples, e
ninguém pode, na realidade, converter jamais o panteísmo num credo simples,
porque é, ao mesmo tempo, demasiado abstracto e demasiado complicado. Há
pessoas simples, crentes num Deus pessoal, e há ateus de espírito ainda mais
simples do que os crentes num Deus pessoal. Mas poucos podem, com toda a
simplicidade, aceitar por deus um universo sem Deus. O muçulmano, comparado com
o cristão, ao mesmo tempo que tinha um Deus talvez menos humano, tinha um Deus
mais pessoal, se é possível.
A vontade de Alá era verdadeiramente uma
vontade, e não podia transformar-se em corrente de tendência. Em todo esse aspecto cósmico e abstracto, o católico era mais acomodatício do que o
muçulmano – até certo ponto. O católico podia admitir, pelo menos, que
Aristóteles tinha razão acerca das manifestações impessoais de um Deus pessoal.
Daqui, podemos dizer, de modo geral dos filósofos muçulmanos, que os que se
tornavam bons filósofos convertiam-se em maus muçulmanos. É natural, portanto,
que muitos bispos e doutores receassem que os tomistas se tornassem bons
filósofos e maus cristãos. E havia também muitos, da escola estrita de Platão e
Agostinho, que negavam terminantemente que eles fossem até bons filósofos.
Entre essas paixões bastante incongruentes – o amor de Platão e o receio de
Maomé – houve um momento em que a perspectiva da cultura aristotélica na
Cristandade pareceu realmente muito sombria. Dos postos elevados trovejaram
anátemas sobre anátemas e, na fúria da perseguição, como acontece muitas vezes,
pareceu um momento que apenas uma ou duas figuras continuavam de pé, no terreno
varrido pela tormenta. Ambos vestiam o hábito preto e branco dos dominicanos:
Alberto e Tomás de Aquino mantinham-se firmes.
Nesta espécie de luta há sempre
confusão, e as maiorias convertem-se em minorias, e vice-versa, como por magia.
É sempre difícil fixar a data da volta da maré que parece ser uma sucessão de
redemoinhos; as próprias datas parecem sobrepor-se e confundir a crise. Mas o ponto crítico, desde o momento em
que os dois dominicanos ficaram sós, até que toda a Igreja, por fim, alinhou
com eles, talvez se encontre cerca da ocasião em que foram, praticamente,
levados perante um juiz hostil, mas não injusto. Estevão Tempier, bispo de
Paris, era na aparência um belo exemplar do velho clérigo fanático, o qual
pensava que admirar Aristóteles era uma fraqueza que facilmente levava à
adoração de Apolo. Por má sorte, vinha a ser também um dos velhos conservadores
sociais, que sentira imensamente a revolução popular dos frades pregadores. Mas
era também homem honesto e Tomás de Aquino nunca pediu outra coisa que não
fosse dirigir-se a homens honestos. À sua volta havia outros revolucionários
aristotélicos, de espécie muito mais duvidosa. Estava ali Siger,[2] o
sofista do Brabante, que aprendera dos árabes todo o seu aristotelismo, e tinha
uma engenhosa teoria acerca de como um agnóstico árabe podia ser também
cristão. Havia milhares de jovens daqueles que tinham aclamado Abelardo,[3]
cheios do espírito juvenil do século XIII e embriagados do vinho grego de
Estagira. Contra eles, deprimente e implacável, estava o velho partido puritano
dos agostinianos, demasiado satisfeitos de poderem condenar os racionalistas Alberto e Tomás, juntamente com os equívocos metafísicos muçulmanos.
Pareceria que a vitória de Tomás era, na
realidade, uma vitória pessoal. Ele não retirou uma só das suas proposições,
embora se diga que o bispo reaccionário lhe condenou algumas, após a morte.
Todavia, no geral, Tomás de Aquino convenceu muitos dos seus críticos de que
era tão bom católico como eles. Houve uma série de disputas entre as ordens
religiosas, a seguir a esta crise de controvérsias. Mas pode, talvez, dizer-se
que o facto de um homem como Tomás de Aquino ter conseguido, mesmo
parcialmente, satisfazer um homem como Tempier, punha termo à disputa
essencial. O que já era familiar a poucos tornou-se familiar a muitos: que um
aristotélico podia na realidade ser cristão.
Outro facto acompanhou a conversão
geral, e assemelha-se curiosamente à história da tradução da Bíblia e à sua suposta supressão pelos
católicos. Por detrás da cena, onde o papa era muito mais tolerante do que o
bispo de Paris, os amigos de Tomás de Aquino tinham estado a trabalhar
intensamente em nova tradução de Aristóteles. Isso demonstrava que, em muitos
aspectos, a tradução herética havia sido uma tradução muito herética. Com a
conclusão final desta obra, podemos dizer que a grande filosofia grega entrou
finalmente no património da Cristandade. O processo fora definido, um tanto
humoristicamente, como o «baptismo de Aristóteles».
Todos nós temos ouvido falar da
humildade do homem de ciência, de muitos que eram genuinamente, e de alguns que
se sentiam orgulhosos da sua humildade. Neste breve estudo seremos obrigados a
repetir muitas vezes que Tomás de Aquino teve realmente a humildade do homem de
ciência, como variante especial da humildade do santo. É verdade que não
contribuiu, por si próprio, com nada de concreto para a experiência ou detalhe
da ciência física. Neste ponto, pode dizer-se, ficou até atrás da geração
passada, e foi muito menos cientista experimental do que o seu mestre Alberto
Magno. Mas, apesar disso, historicamente foi um grande amigo da liberdade da
ciência.
Os princípios que assentou, bem compreendidos, são talvez os melhores que se podem apresentar para proteger a ciência contra a perseguição obscurantista. Por exemplo: em matéria da inspiração das Escrituras ele fixou primeiro o facto óbvio, esquecido durante quatro séculos de furiosa luta sectária, que a significação das Escrituras está muito longe de ser evidente por si própria, e que devemos muitas vezes interpretá-la à luz de outras verdades. Se uma interpretação literal é, real e claramente, contraditada por um facto óbvio, então só podemos dizer que a interpretação literal deve ser falsa. Mas o facto deve, na verdade, ser um facto óbvio. E infelizmente os homens de ciência do século XIX estavam tão prontos a chegar depressa à conclusão que qualquer conjectura a respeito da natureza era um facto óbvio, como estavam prontos os sectários do século XVII a chegar à conclusão de que qualquer conjectura acerca das Escrituras era a explicação evidente. Assim, as teorias particulares a respeito do que a Bíblia devia significar, e as teorias prematuras a respeito do que devia significar o mundo, encontraram-se em larga e acesa controvérsia, especialmente na era vitoriana; e esta colisão grosseira, de duas formas de ignorância muito inquieta, ficou conhecida por controvérsia da ciência e da religião.
Mas S. Tomás possuía a humildade científica, no sentido muito vivo e especial de quem estava pronto a ocupar o lugar mais baixo para examinar as coisas mais humildes. Não fez, como qualquer especialista moderno, o estudo do verme. O seu aristotelismo significava simplesmente que o estudo do facto mais insignificante leva ao estudo da verdade mais elevada. Que para ele o processo fosse lógico e não biológico, que dissesse respeito mais à filosofia do que à ciência, isso não altera a ideia essencial: entendia que era melhor principiar pelo fundo da escada. Mas também deu, com a sua opinião sobre o problema das Escrituras e da ciência, e outras questões, uma espécie de documento para pioneiros mais puramente práticos do que ele. Em resumo, disse que se eles pudessem realmente provar as suas descobertas de ordem prática, a interpretação tradicional das Escrituras deveria ceder ante essas descobertas. Dificilmente se poderia exprimir com mais lealdade e clareza. Se lhe deixassem a resolução do problema a ele e a homens como ele, nunca teria havido questão entre a ciência e a religião. S. Tomás fez tudo o que pôde para delimitar claramente os dois campos e traçar uma fronteira justa entre eles.
Muitas vezes tem-se observado, com um
sorriso, que o Cristianismo falhou; com o que se quer dizer que ele nunca teve
aquela supremacia avassaladora, imperial e forçada, própria de todas as
revoluções, que foram falhando sucessivamente. Nunca houve momento algum em que
se pudesse dizer que todos os homens eram cristãos, como se pôde dizer, durante
muitos meses, que todos eram monárquicos, republicanos ou comunistas. Mas se
historiadores sensatos quiserem compreender o sentido em que o carácter cristão
triunfou, não podiam achar caso melhor do que a pressão moral de um homem como
S. Tomás, em apoio do racionalismo sepulto dos pagãos, que até então havia sido
desenterrado apenas para divertimento dos hereges. Foi, rigorosa e
exactamente, porque uma nova espécie de homem estava a levar a investigação
racional por um novo caminho, que os homens esqueceram a maldição caída sobre
os templos dos demónios mortos e os palácios dos déspotas mortos; esqueceram
até a nova fúria, provinda da Arábia, contra a qual lutavam em defesa das
vidas, porque o homem que lhes pedia para voltarem ao seu juízo, ou regressar
aos seus sentidos, não era sofista mas santo. Aristóteles descrevera o homem
magnânimo, que é grande e sabe que o é. Mas Aristóteles nunca teria recuperado
a sua grandeza aos olhos do mundo, se não fosse o milagre que criou o mais magnânimo dos homens: um homem que é
grande, e sabe que é pequeno.
Há certa importância histórica no que
alguns chamariam o peso do estilo empregado. Tem uma curiosa impressão de
sinceridade, que, segundo creio, exerceu considerável efeito nos seus
contemporâneos. Têm às vezes chamado céptico ao santo. A verdade, porém, é que
o toleravam como céptico, porque era manifestamente santo. Quando parecia
erguer-se como aristotélico obstinado, quase indiscernível dos hereges árabes,
creio seriamente que o que o protegia era em grande parte o prodigioso poder da
sua simplicidade, a sua bondade manifesta e amor pela verdade. Os que se
erguiam contra a altiva confiança dos hereges tinham de parar, vendo-se
obrigados a ficar de pé de encontro a uma espécie de gigantesca humildade
semelhante a montanha, ou talvez a esse imenso vale que é o molde da montanha.
Admitindo todas as convenções medievais, podemos ver que, com os outros
inovadores, isto não foi sempre assim. Os outros, desde Abelardo até Siger de
Brabante, nunca perderam, no longo decurso da história, certo ar de ostentação.
A própria monotonia da dicção, de que alguns se queixam, era grandemente
convincente. Ele podia ter apresentado graça e sabedoria; mas foi tão
prodigiosamente sério que apresentou a sua sabedoria sem a sua graça.
Após a hora do triunfo, chegou o momento
do perigo. Assim acontece sempre com as alianças, e em especial porque Tomás de
Aquino combatia em duas frentes. O seu principal objecto era defender a fé
contra o abuso de Aristóteles, e fê-lo ousadamente, defendendo o uso de
Aristóteles. Ele sabia perfeitamente que os exércitos de ateus e de anarquistas
se encontravam na sombra, a aplaudir a sua visão aristotélica sobre o que ele
mais estimava. Todavia, nunca foi a existência de ateus, nem a dos árabes ou
dos pagãos aristotélicos, que alterou a extraordinária compostura
controversista de Tomás de Aquino. O perigo verdadeiro, imediato à vitória que
alcançara em favor de Aristóteles, apresentou-se com toda a vivacidade no caso
curioso de Siger de Brabante, que vale a pena ser estudado por quem quiser
começar a compreender a história estranha da Cristandade. Caracteriza-se por
aquele fenómeno um tanto estranho, que tem sempre acompanhado a fé, apesar de
não ser notado pelos seus modernos inimigos, e raramente mesmo pelos seus
modernos amigos. É o facto simbolizado na figura do Anti-Cristo, espécie de
Cristo duplicado, ou no profundo provérbio de que o demónio é o macaco imitador
de Deus. É o facto de que a falsidade nunca é tão falsa como quando está próxima
da verdade. Quando o golpe chega mais perto do nervo da verdade é que a
consciência cristã grita de dor. Ora, Siger de Brabante, seguindo alguns
aristotélicos árabes, emitiu uma teoria que muitos leitores modernos de jornais
teriam imediatamente declarado ser a mesma de S. Tomás. Foi isso o que, por
fim, fez erguer o santo no seu último e mais veemente protesto.
Ele ganhara a sua batalha para alargar
mais o campo da filosofia e da ciência. Desbravara o terreno para um bom
entendimento entre a fé e a investigação, entendimento que tem sido geralmente observado entre os católicos, e certamente
nunca abandonado sem desastre. Defendera que o homem de ciência devia continuar
a explorar e a fazer experiências livremente, enquanto não exigisse uma
infalibilidade e finalidade que era contra os seus próprios princípios exigir. Entretanto
a Igreja devia continuar a expor e a definir as coisas sobrenaturais, enquanto
não exigisse o direito de alterar o depósito da fé, o que é contra os seus
próprios princípios exigir. Depois de ter afirmado isto, apareceu Siger de
Brabante a dizer qualquer coisa de tão horrivelmente parecido e tão
horrivelmente diferente, que (como o Anti-Cristo) poderia ter iludido os
próprios eleitos.
Santo Tomás de Aquino confundindo Averroes, por Giovanni di Paolo. |
Siger de Brabante disse isto: teologicamente a Igreja tem certamente razão, mas pode não a ter cientificamente. Há duas verdades: a do mundo sobrenatural e a do mundo natural, que contradiz o primeiro. Quando falamos como naturalistas, podemos supor que o Cristianismo é asneira, mas depois, quando nos lembramos de que somos cristãos, temos de admitir que o Cristianismo é verdadeiro, mesmo que pareça loucura. Por outras palavras, Siger de Brabante rachou a cabeça humana em duas, como o golpe de que nos fala a velha lenda guerreira, e declarou que o homem tem dois entendimentos, com um dos quais deve crer totalmente, e com o outro pode totalmente descrer. Para muitos isto pareceria, pelo menos, uma paródia ao tomismo. De facto, era o assassínio do tomismo. Não eram dois modos de alcançar a mesma verdade; era um modo erróneo de pretender que há duas verdades. E torna-se muitíssimo interessante notar que foi esta a ocasião única em que o boi mudo saltou realmente como um touro bravo. Quando se ergueu para responder a Siger de Brabante, estava transfigurado por completo, e o próprio estilo das suas frases, que é como o tom da voz de um homem, alterou-se subitamente. Nunca se zangara com nenhum dos seus inimigos que discordavam dele; mas estes tinham tentado a pior das traições: tinham-no levado a concordar com eles.
Os que se queixam de os teólogos
estabelecerem distinções subtis, com dificuldade poderiam encontrar melhor
exemplo da sua própria sem razão. De facto, entre dois cambiantes subtis pode
haver contradição pura e simples. E assim era neste caso. S. Tomás queria que a
única verdade fosse atingida por dois caminhos, precisamente porque tinha a certeza de haver uma só
verdade. Porque a fé era a única verdade, nada realmente dela deduzido podia
vir a contradizer os factos.
Era, realmente, uma confiança
curiosamente ousada na realidade da sua religião, e, apesar de alguns
pretenderem disputá-la, tem sido até agora justificada. Os factos científicos,
que se supunha contradizerem a fé, no século XIX, são quase todos considerados
ficções anticientíficas no século XX. Até os materialistas abandonaram o
materialismo, e os que nos preleccionaram a respeito do determinismo em
psicologia, já nos falam do indeterminismo na matéria. Mas fosse justa ou não,
a sua confiança era, acima de tudo, uma confiança em que há uma só verdade, que
não pode contradizer-se a si mesma. E este último grupo de inimigos levantou-se
repentinamente a dizer-lhe que concordavam plenamente com ele, ao afirmarem que
há duas verdades contraditórias. A verdade, no dizer medieval, tinha duas caras
com um só capuz; e estes sofistas de duas caras atreviam-se praticamente a
sugerir que era o capuz dominicano.
Por isso, na sua última batalha e pela primeira vez, lutou como se estivesse munido de uma acha de armas. Nas suas palavras há um tinir metálico, que se sente por baixo da paciência quase impessoal que manteve no debate com tantos inimigos. «Vejam qual é a nossa refutação do erro. Não se baseia em documentos de fé, mas nas razões e afirmações dos próprios filósofos. Se há pois alguém que, orgulhando-se ostensivamente da sua suposta ciência, queira atacar o que escrevemos, não o faça em qualquer canto nem diante de crianças, impotentes para se decidirem em assuntos tão difíceis. Responda em público, se a isso se atrever. Encontrar-me-á a defrontá-lo, e não só a minha pessoa insignificante, mas muitos outros que só querem o estudo da verdade. Ou daremos batalha aos seus erros ou remédio à sua ignorância». O boi mudo está agora a mugir como quem se defende, e contudo mostra-se terrível e dominador contra a matilha que ladra e o persegue. Já acentuámos qual a razão por que, nesta polémica com Siger de Brabante, Tomás de Aquino soltou estes trovões de paixão puramente moral: era porque todo o trabalho da sua vida estava a ser atacado à traição, por aqueles que haviam aproveitado com as suas vitórias sobre os reaccionários. Esta é, talvez, a sua ocasião única de paixão pessoal, exceptuando uma simples chispa nas perturbações da sua juventude; e mais uma vez luta contra os inimigos, com um tição ardente.
E no entanto, até neste isolado apocalipse de cólera, há uma frase que podemos apontar, em todos os tempos, aos homens que se encolerizam por razões muito menos dignas. Se há frase que mereça gravar-se no mármore, como representativa da racionalidade mais calma e mais resistente da sua inteligência sem par, é a que saiu com o resto desta lava em fusão. Se há frase que fique na história como típica de Tomás de Aquino é a respeitante ao seu argumento: «Não se baseia em documentos de fé, mas nas razões e afirmações dos próprios filósofos». Oxalá que todos os doutores ortodoxos fossem, nas deliberações, tão razoáveis como Tomás de Aquino na cólera! Quem dera que todos os apologistas cristãos se lembrassem dessa máxima e a escrevessem em grandes letras nas paredes, antes de nelas afixarem quaisquer outras.
No auge da sua cólera, Tomás de Aquino compreende o que tantos defensores da ortodoxia não compreendem. Não é bom dizer a um ateu que é ateu, ou acusar o que nega a imortalidade, da infâmia de a negar, ou imaginar que se pode obrigar o adversário a admitir que está em erro, servindo-se de princípios de outrem e não dele para provar que erra. Depois do grande exemplo de S. Tomás, mantém-se o princípio, ou devia ter-se mantido sempre, de que ou não devemos discutir com homem algum, ou o devemos combater no seu próprio campo e não no nosso.
Podemos substituir a discussão por outra coisa na medida em que a nossa consciência no-lo permite. Mas se argumentamos, devemos argumentar «com razões e as afirmações dos próprios filósofos». Há muito bom senso num certo dito atribuído a um amigo de S. Tomás, o grande S. Luís, rei de França, que os levianos citam como modelo de fanatismo. Diz ele que, ou hei-de discutir com um infiel exactamente como um filósofo autêntico pode discutir, ou então meter-lhe uma espada no corpo, até aos copos». Um filósofo autêntico (até na escola antagónica) será o primeiro a concordar que S. Luís foi perfeitamente filósofo.
Portanto, na última grande crise de
controvérsia da sua campanha teológica, Tomás de Aquino conseguiu dar aos seus
amigos e inimigos não só uma lição de teologia, mas também uma lição de
controvérsia, de facto a sua última controvérsia.
Ele fora homem de enorme apetite pelas
controvérsias, o que se dá mais ou menos com toda a gente, quer santos quer
pecadores. Mas após o grande duelo vitorioso com Siger de Brabante, sentiu-se
esmagado de repente pelo desejo de silêncio e sossego, e acerca disto disse a um
amigo uma coisa estranha, que noutro lugar terá melhor cabimento. Regressou à
extrema simplicidade do seu ambiente monástico e pareceu não desejar mais nada
senão um descanso perpétuo.
Chegou então, da parte do papa, um pedido para ir tratar de certa missão diplomática ou de controvérsia, e preparou-se para lhe obedecer. Porém, não tinha andado ainda muitas milhas de distância nessa viagem, quando morreu.
(In G. K. Chesterton, S.
Tomás de Aquino, Braga, Livraria Cruz, 4.ª Edição, 1958).
[1] Seita herética do século VIII,
que não admitia as imagens nem a sua veneração. Os concílios de Niceia (787) e
de Constantinopla (842) condenaram estes hereges, que no entanto tiveram o
apoio dos imperadores bizantinos, Leão III, o Isáurio, Constantino IV, Coprónimo
e seu filho Leão IV, Chazara.
[2] Célebre professor, companheiro
de Roberto Sorbon, o fundador do colégio da Sorbonne, núcleo da Universidade de
Paris. Espírito irrequieto e combativo, encontrou-se envolvido em várias pugnas
de carácter filosófico ou meramente temporal, tendo de comparecer, acusado de
heresia, perante um tribunal de inquisidores. Foi adversário ardente do
tomismo, vindo mais tarde a reconciliar-se com a doutrina que combatera, ao
ponto de Dante (que se julga ter sido seu discípulo) pôr o seu elogio na boca
do próprio S. Tomás, no canto X do Paraíso.
Diz-se que o motivo da reconciliação com as doutrinas que atacara tão violentamente foi o ter sonhado que um seu discípulo, morto havia pouco, lhe aparecera queixando-se e lamentando-se por haver seguido seus ensinamentos, que o tinham levado ao inferno. Isto causou tal impressão no espírito de Siger, que os renegou. Morreu em 1300, ou pouco antes.
[3] Famoso filósofo francês
(1079-1142), conhecido principalmente pelos seus amores com Heloísa, sobrinha
do cónego Fulberto que o encarregara de a ensinar, e cuja vida acidentada é por
demais conhecida. Dotado de grande poder de dialéctica, espírito brilhante,
embora pouco profundo, Abelardo viu-se aclamado por uma multidão de estudantes,
jovens e entusiastas que, diz-se, eram em tão grande número que as aulas do mestre tiveram de passar a ser
dadas ao ar livre, por eles não caberem nas salas. Após o incidente ruidoso com
sua discípula Heloísa, retratou-se das suas opiniões erróneas, e morreu na
Abadia de Cluny, fazendo penitência. Entre outras obras, deixou uma considerada
notável e denominada Sic et Non (Sim e Não) em que procurou explicar as
contradições aparentes da Escritura Sagrada.
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