quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

A Universidade, a nova Idade e o futuro governo universal em Agostinho da Silva

Escrito por Agostinho da Silva





«De Agostinho da Silva reuniu e publicou agora o universitário Paulo Borges, os escritos dispersos nos quais o discípulo, malgré lui, de Leonardo Coimbra tem deixado dito o seu recado que, de outros modos além dos escritos, andou transmitindo pelos quatro cantos do mundo consoante lho deixaram transmitir os baldões da sorte em que tem feito viver seus vivíssimos 82 anos. Porque Agostinho da Silva não é manifestamente, e ele o diz, um escritor embora tenha passado grande parte da vida a escrever. Tão pouco é, também ele o diz, um político, embora a iluminar políticos tenha em vão terçado suas armas. Não é, abrenúncio, um divulgador, embora se haja dedicado, com fama e excelência, a fazer saber ignorados clássicos e outros. E insiste, com suspeita insistência, em negar que seja o filósofo que muitos vêem nele e lhe chamam. Agostinho da Silva é o que não é. Quer dizer: para sabermos quem é Agostinho da Silva torna-se necessário saber o que ele não é. Estamos, pois, perante um exemplo vivo da “razão bastarda” que Platão cultivou, com e sem ironia socrática.

Relendo, mas agora em grosso volume, os seus escritos dispersos, algumas constantes encontramos nos desvarios (em sentido clássico) do nosso Homem. Primeiro, uma constante hoje vulgaríssima por ter passado, de pedra de toque de gente superior, a pasto de toda a canzoada institucional: a admiração sem limites por Fernando Pessoa que Agostinho sempre razoadamente bastardo, diz não ser admiração pelo poeta, menos ainda pelo pensador, mas pelo homem que, como ele mesmo Agostinho, entregou a vida aos baldões da sorte não aceitando emprego certo com inscrição sindical, medicina para a doença e pensão para a velhice. Se assim na verdade fosse, quanta gente teria então de admirar Agostinho, desde os ricaços que vivem além dos empregos certos, como aqueles com quem Agostinho tão bem se entende, até à multidão de auto-marginais e auto-segregados, uns e outros, em geral, bem pobres de espírito. Os paradoxos nem sempre são felizes, e a verdade é que o que Agostinho admira em Pessoa é a riqueza de espírito que o fez ver, como a ele Agostinho, os símbolos da Pátria. Os símbolos, não o pensamento deles porque isso, desconfia Agostinho, já seria filosofia. E é conveniente anotar aqui que, em verdade ou em erro, só Sampaio Bruno pensou seriamente os símbolos da Pátria.»

Ernesto Palma («Agostinho da Silva, filho pródigo»).


«A Universidade, (...) a partir do século XVI se arrasta num esforço de sobrevivência que é aquele a que assistimos com todas as crises possíveis, porque é um organismo superado pelo próprio evoluir do tempo. (…) A Universidade em muitos países é o único organismo que se conserva inteiramente mudo quando se levantam os problemas de organização da comunidade. A Universidade passa a ser apenas alguma coisa que se frequenta para ter um diploma para poder exercer legalmente a profissão mas não alguma coisa que se frequenta para adquirir uma capacidade plenamente humana. Naturalmente é esse defeito geral das universidades no mundo que preocupa todos os educadores mas que os tem preocupado sobretudo como fenómeno de estatística, tem preocupado sobretudo como um fenómeno de verificar que a máquina já não funciona mas que tem preocupado a muito poucos no sentido de saber que máquina se pode pôr a funcionar que substitua aquela, de que maneira é que efectivamente vamos resolver este problema da criatividade no homem. A crítica que se faz, portanto, à Universidade é que ela está por vários motivos não contribuindo para formar o homem. Esse problema preocupa todos os educadores e naturalmente preocupará mais os educadores brasileiros e preocupará mais o Brasil onde vêm defeitos particulares, defeitos locais, juntar-se aos defeitos da Universidade em geral. Quando os Portugueses são criticados porque não criaram uma Universidade no Brasil possivelmente eles são criticados por um dos grandes benefícios que prestaram ao Brasil, o de não trazer para um país novo, que tinha a obrigação de criar caminhos novos, uma Universidade que já ao tempo da descoberta era uma Universidade envelhecida em Portugal. Ao passo que os Espanhóis cometeram realmente o erro de trazer as suas universidades para os países de língua espanhola e isso se compreende porque as classes espanholas que vieram para a América, hoje Latina, eram as classes para as quais a Universidade significava realmente um apoio estrutural; para o Brasil, para o qual veio sobretudo o povo, a Universidade de Coimbra, em Portugal, não tinha importância absolutamente nenhuma. Era uma coisa que podia ser dispensada inteiramente porque estava à parte da nação. Nenhum esforço vivo da nação portuguesa saiu jamais da Universidade de Coimbra, a não ser nos primeiros períodos da sua existência medieval. O Brasil, portanto, viveu sem Universidade – felizmente – e a grande desgraça para o Brasil foi não ter esperado o tempo suficiente para criar um organismo seu, próprio, que exprimisse a psicologia brasileira e sobretudo preparasse o Brasil para a missão que tem de desempenhar no mundo; mas por circunstâncias especiais, quis à pressa adoptar modelos que já estavam efectivamente superados nos países de origem. E o triste é que continuamos no Brasil, de cada vez que se fala em reforma de Universidade, a procurar imitar um modelo novo em lugar de se esperar o suficiente, de se pensar o suficiente na maneira pela qual se poderia realizar alguma coisa que respondesse mais perfeitamente àquilo que é o Brasil, no que é diferente e no que tem de ser diferente dos outros povos do mundo. Então, há no Brasil, a juntarem-se aos defeitos gerais da Universidade, todos os defeitos que vêm duma implantação não bastante pensada em relação com as responsabilidades do Brasil, todos os defeitos que vêm duma imitação e naturalmente todos os outros que decorrem não da própria estrutura da Universidade mas da própria estrutura do país. Não podemos ter de maneira nenhuma, e em parte alguma, Universidade separada daquilo que seja a estrutura do país.»

Depoimento de Agostinho da Silva à Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar, entre outras coisas, a estruturação actual do sistema de ensino superior no país, abrangendo universidades federais, estaduais, particulares, bem como faculdades isoladas. Documento inédito, dactilografado, de 46 páginas, papel timbrado «Câmara dos Deputados», com carimbo «Cópia para Depoente», datado de 23 de Maio de 1968, Brasília. (Cf. Agostinho da Silva, Textos Pedagógicos II, Âncora Editora, 2000).




«Alheia às vicissitudes da cultura universitária, onde se deforma quando se reflecte, tem sido quase sempre inspirada por um espírito subtil e desconhecido a filosofia portuguesa.»

Álvaro Ribeiro («Apologia e Filosofia»).


«Dá-nos Agostinho da Silva uma imagem de si que é a imagem do filho pródigo antes de regressar a casa de seus pais. A casa que abandonou é a escola de Leonardo Coimbra, a Renascença Portuguesa, a mitologia de Pascoaes, a filosofia portuguesa de Álvaro Ribeiro e José Marinho. Sempre a casa lhe esteve e está aberta, com o lume aceso e o pão na mesa. Amuos de Menino – ele é que é o Menino dos “Impérios” – prendem-no lá fora ao frio de um cientismo que deu o que não tinha a dar, à secura de um racionalismo sergista de que já se não vê o que ficou e coisas semelhantes que são o que mais há por esse mundo das universidades, das academias, das instituições, das teocracias sem Deus onde Agostinho parece dizer que gosta de fazer figura.

Da casa o viram a andar pelo Brasil e alegraram-se. Como os caminhos do Brasil passam perto da casa, esperam-no prestes, puseram mais um pão na mesa, mais uma acha ao lume. Em vão. Já velho, admirável velho, várias vezes passou à vista da casa, ouviu as vozes, parou, mas os amuos de menino foram mais resistentes. Álvaro Ribeiro ainda lhe demonstrou que o V Império, a ser coisa de Portugueses e do Espírito e se algum sentido tem, só pode ser a “filosofia portuguesa”. Inútil. Todavia, para ficar a meio caminho e ainda lhe chegar algum calor do lume, agarrou-se a Pessoa. Mas Pessoa está atirado à fama como um osso aos cães e é preciso esperar que, envenenados pelo osso, os cães o larguem. Teimou em retomar o blá-blá socializante da sua juventude sergista e, contentes, os dos poleiros dos galinheiros do Estado cobrem-no de flores, mostram-no na televisão, põe-no na capa de revistas, plebeízam-no.

No fundo, porém, ainda o têm por suspeito. Por isso o querem atirar agora para os confins da África perdida. O que lhes é suspeito é “aquela luzinha no alto dos céus” que ele um dia nos disse ser donde lhe vem toda a filosofia. É o que o fez dizer que “Portugal é um dos nomes de Deus”. É o patriotismo e a Pátria que nele dá pelo nome de V Império. É o que fez dele um dos nossos mestres…».

Ernesto Palma («Agostinho da Silva, filho pródigo», in Leonardo, Ano I, n.º 4, Dez. de 1989).


«Para sair da Escolástica não é indispensável entrar no iluminismo. Se o pensamento português nunca assimilou o essencial do pensamento de Descartes e de Kant, facto é para explicar e não para condenar. A aceitação do positivismo em Portugal e a influência perdurável dessa doutrina na nossa literatura possuem um significado digno de interpretação especulativa.

Fácil é verificar, pela análise do ensino público e das obras dos publicistas, que a doutrina dominante em Portugal já não é a Escolástica, mas tão só uma flexível modalidade de positivismo para uso de crédulos e incrédulos. A escolástica, propriamente dita, eleva a inteligência humana até ao nível da Revelação Cristã. Abandonámos a Escolástica de tal modo que sofremos uma decadência de pensamento filosófico, e nessa queda houve dois momentos fatídicos: a instituição do Curso Superior de Letras de Lisboa, que veio a ser foco de radiação do positivismo, e a extinção da Faculdade de Teologia da Universidade de Coimbra por inevitável conclusão de ordem política. Não tivemos em Portugal reforma cartesiana nem revolução kantiana, - é certo -, mas tivemos no século passado, e infelizmente continuamos a ter no século que vai já em meio, a equivalente revolta das Letras contra o Espírito.

A influência do positivismo explica, pois, que o ensino universitário da história da filosofia tenha obedecido à lei "dos três estados" ou a outra ficção análoga; não devemos, por isso, estranhar que tal programa didáctico suscite, entre os estudantes, a credulidade no advento de uma fase definitiva da humanidade e que, ao mesmo tempo, vá gerando o descontentamento dos pedantes contra o povo português que, durante séculos, permaneceu indócil às lições de europeísmo vulgar. A ser julgada pelo critério da "lei dos três estados", a História da Filosofia em Portugal merece severa condenação, - sem recurso possível, porque nem vale de atenuante a laboriosa hipótese de ter havido alguns precursores.








Ver Teorema de Tales









Tudo quanto de injusto se tem escrito contra o passado (e até contra o futuro!) do pensamento português, assenta na admitida falsidade de que a filosofia se desenvolve como um só fio que teve origem em Tales de Mileto, por exemplo, e que termina actualmente nas mãos de determinado professor universitário cujo renome é mundial.

A verdade é-nos dada, porém, numa figura mais complexa do que a recta intelectualidade. Vemos que todos os povos superiores - e o povo grego nos oferece o mais nítido exemplo - desenvolveram esforços diferentes para atingirem a sabedoria a raros acessível. Poderemos também ver, quando a isso colectivamente nos dispusermos, que o povo português lutou e tem lutado pela expressão de um pensamento original. Não sabemos, porém, quando chegará a manhã de lucidez nacionalista…».

Álvaro Ribeiro («A História da Filosofia e o Ensino Universitário», in Atlântico, nova série, n.º 5, Lisboa, 1947).


«Portugal, o grande, o todo, o de amarelos, brancos, pretos e vermelhos, o de islamitas, cristãos, judeus, animistas, budistas, taoistas, o da América, Europa, Ásia, África, Oceânia, o dos municípios, tribos e aldeias, o de monarquias e repúblicas, o dos grandes espaços conhecidos e o dos espaços ignotos ainda, dentro e fora do homem, o Portugal núcleo de formação de uma União Internacional dos Povos para o desenvolvimento, a liberdade e a paz, Portugal, que tem actualmente a sorte de ter universidades que nada valem, nada se perdendo, portanto, se se fecharem, deve, audaciosamente, preceder os outros povos, estabelecendo ensino ou aprendizagem superior que estejam já encaminhados a uma certa era em que o homem seja plenamente criador e deixe como traço de sua passagem na vida esse aproximar-se cada vez mais da essência da criação divina.»

Agostinho da Silva («Educação de Portugal» in Textos Pedagógicos II, Âncora Editora, 2000).


«O José Hermano Saraiva também foi Ministro da Educação, quando era homem de confiança de Marcello Caetano, e ainda se não popularizara como historiador da RTP. Logo se me dirige na minha qualidade de candidato presidencial, assumindo ele a de um especialista "blasé" na política e na história da política, de mãos habituadas a fazer e desfazer revoluções, ministros, reis e presidentes da República, coisas que lhe são tão familiares e sem surpresa que deixa adivinhar enfadarem-no. Com a boca traçada em arco como a das personagens trágicas, numa voz metálica que a televisão popularizou, logo me atira, de dedo apontado e a cabeça reclinada para trás, tentando olhar-me de cima: "V. propõe a extinção da Universidade. Como se a Universidade não estivesse há muito extinta... É só fechar-lhe a porta e dar a volta à chave. Lá dentro, não há nada!"».

Orlando Vitorino («O processo das Presidenciais 86»).


«(…) a vida dos portugueses, na sequência da revolução comuno-socialista de 1974, continua a ser, no geral, politicamente esmagada e asfixiada pela esquerda socialista e totalitária que já fez do Estado um instrumento de servidão contra a Pátria, a Nação e a República. Derrotar uma tal esquerda, assestar-lhe um golpe definitivo, exige a intervenção, assaz complementar, de uma já existente e activa coligação de objectivos estratégicos transnacionais contra o que se nos afigura ser o conjunto autocrático de instituições-chave da nova ordem mundial. Realizá-lo, concretizá-lo, exige, pois, a concorrência simultânea do pensamento categorial susceptível de operar a inadiável refutação do revisionismo histórico financiado e organizado pela cultura oficial triunfante.

Com isto não queremos, de modo nenhum, dizer que toda a experiência, por alguns inteligentemente vivida e adquirida no desenrolar do processo revolucionário, sobretudo na forma como "foi rapidamente conduzido sem que a massa do povo português se apercebesse do que se passava", não deva, simplesmente, ser tida em linha de conta. Até porque, neste aspecto, a experiência portuguesa, quando bem lida e interpretada, nos poderá ajudar a compreender como "a revolução começou por ter um âmbito muito restrito quanto à sua origem e objectivos, que se diriam quase disciplinares e de grupo", para, por fim, ser posteriormente cooptada sob a coordenação clandestina de forças políticas e ideológicas exteriores. Um exemplo, capaz de clarificar uma parte do perfil ideológico oposicionista que antecedeu o 25 de Abril, encontra-se na acção subversiva do Partido Comunista nas Forças Armadas, como relevantemente o procurou analisar e descrever Jaime Nogueira Pinto. Assim, desde os agentes operacionais adormecidos em que o Partido Comunista apostara, entre eles Vasco Gonçalves, Melo Antunes e Rosa Coutinho, até ao despontar de protagonistas analfabetos e "desejosos de ribalta", tais como Vasco Lourenço, Otelo Saraiva de Carvalho e Victor Alves, eis como Portugal caíra abruptamente na órbita criminosa, e até terrorista , da inqualificável cambada a soldo e serviço da revolução mundial socialista.






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Eis, portanto, um gravoso e gritante processo que, em termos de genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade, passara então completamente impune, e assim continuaria até à actualidade mediante a articulação e a conivência de três instâncias dominantes de extorsão, propaganda e desinformação em Portugal: a estatização da economia, o controlo da informação e a adulteração criptocomunista do ensino e de todas as formas livres e independentes de criação cultural. Ora, tudo isso seria infelizmente possível em função daquilo que o socialismo revolucionário tornaria, entretanto, perfeitamente patente, a saber: uma oligarquia apoiada no monopólio da representação popular pelos partidos políticos, a que ainda sobreviria o caciquismo invasor nas autarquias e o regime clientelar nas empresas públicas do Estado. Enfim, um sistema aparentemente democrático, advogando a liberdade, embora, na realidade, constituindo-se como o maior inimigo dessa mesma liberdade.

Paralelamente, o sistema em questão tem hoje uma dimensão externa intergovernamental, nomeadamente quanto ao que já hoje constitui o periclitante projecto globalista da União Europeia. Uma dimensão, como já Agostinho da Silva parcialmente vira, traduzida num "departamento económico", ou quando não mesmo confinada a "uma organização inútil, doente, que não se entende, que dificilmente resolve os seus problemas pois levou anos, até, para saber qual deveria ser a cor do passaporte europeu". Além de que, essa nova, suposta ou pretendida Europa, apostada que está na ilegítima transferência dos centros nacionais de decisão autónoma e soberana para a burocracia tentacular e centralizadora de Bruxelas, também se vai convenientemente esquecendo que a velha Europa muito ficou a dever à Península duplamente mediterrânica e atlântica, nomeadamente ao negócio da pimenta, como até ao açúcar, madeira, oiro e diamantes que de Portugal vieram através do Brasil em tempos idos.

Nesta óptica, encontramo-nos, sem dúvida, sob o renovado espectro do europeísmo invasor que já no século XVI eventualmente trouxera para Portugal, em contexto próprio e na sequência do que Agostinho da Silva chamara o capitalismo europeu, um governo centralista autoritário por oposição ao direito concelhio português autónomo e descentralizado. Seja como for, a verdade é que, num presente totalmente incerto, vingou por agora, e até ver, um super-estado europeísta de estrita e obsessiva concentração do poder político, financeiro e económico, a que já Agostinho da Silva, curiosamente, propendia a ver, na sua origem histórica, como um absolutismo real que até nós particularmente chegara, no reinado de D. João II, por via italiana. Uma relação, por conseguinte, potencialmente interessante, se para o caso justamente atendermos ao que, de facto, resultara do especial tratamento que os judeus, agravado por D. Manuel I e pelos reis que se lhe seguiram, receberam no contexto da civilização europeia, e que mais propriamente consistiu num judeu ressentido e em desespero a ponto dele fazer o agente prático da civilização germânica com a qual, através da diáspora judaica, se daria lugar à transferência da Europa industrial para a Rússia e para a América do Norte.

Ora, disto ressalta que o simulacro deveras sombrio de Europa que aí temos à vista, também por sinal hostil ao que de melhor Agostinho da Silva misticamente apreendera no espírito medieval português, está como que a impor não só um contra-sistema absolutamente desagregador de uma promissora constelação de nações, como ainda a preconizar, em termos de hegemonia tecnoburocrática, o oposto do que para nós, portugueses, sempre representou a pomba mística de Portugal. "Não queremos para nada essa porcaria de ser europeu", dissera, pois, o nosso Agostinho. E isso poderiam igualmente dizer todos os portugueses que não se revêm na aplicação sistemática de progressivas versões tecnocráticas especialmente saídas de um europeísmo precursor da administração aparentemente multipolar do planeta. Tudo, enfim, assaz consumado na esteira de partidos políticos com seus respectivos chefes e corifeus servilmente entregues ao zeloso cumprimento de directrizes globalizantes provenientes de tratados, programas e convenções internacionais.»

Miguel Bruno Duarte («Noemas de Filosofia Portuguesa». Versão especialmente revista).


«"- Olhe, eu [António Augusto Salgado Júnior] vou fazer o doutoramento, porque quero mesmo seguir a carreira universitária. Agora quanto a si, você é que sabe."

"- A mim não me interessa muito, porque quem deu cabo da Faculdade do Porto foi a Universidade de Coimbra e a Universidade de Lisboa, de maneira que quando eu puder rebentar com elas, rebento. Carreira também não tenciono seguir, sou contra injustiças...

De repente pensei melhor e disse para mim: "Quem sabe se um dia realmente um doutoramento até não me vai ser útil." E disse-lhe:

"- Também vou!"»

Agostinho da Silva («A Última Conversa», Editorial Notícias, 1998).














A Universidade, a nova Idade e o futuro governo universal em Agostinho da Silva

(…) aqui chegamos, tocados pelos ventos do discurso, a este problema de Universidade, tão actual no mundo português e nos outros países; entre nós, porque se discute de que maneira se há-de reformar, entre os outros porque se pensa se, mesmo reformada, poderá servir para alguma coisa. Quanto ao que se passa connosco, bom seria que se reflectisse sobre o facto de que já várias reformas se tentaram, mobilizaram homens e recursos, vários nascimentos houve de novo, e o resultado foi sempre o mesmo: a Universidade serviu apenas para criar um falso escol e os que se comportaram de outro modo o conseguiram apesar da Universidade, não por ela. O que os portugueses fizeram depois no Brasil, não fundar Universidade alguma, era o que D. Dinis devia ter feito em Portugal; mas, depois do grande acerto de nacionalizar os Templários, tem de se ser indulgente para algum cansaço ou engano do rei; e se o comportamento português foi, no Brasil, o que devia ser, a razão é ter o Brasil sido feito pelo povo e não pelos dirigentes e saber muito bem o povo que a Universidade nunca lhe serviu para nada e ter o instinto de que, muito pelo contrário, só lhe tem sido prejudicial; prejudicial não quando forma médicos ou engenheiros ou qualquer outro técnico, mesmo aí com o atraso que tanto lhe tem sido reprovado; já, porém, discutível quando forma professores, que então começa ela a deixar de ser simplesmente escola técnica de terceiro grau, para principiar a não ser, como devia, o organismo que pensa a comunidade e seu lugar no mundo, e caminhando para resultados mais graves com os juristas e filósofos.

Quanto ao Brasil, bom fora que a visita do rei Alberto da Bélgica, que tinha no seu programa uma apresentação em Universidade brasileira, não tivesse levado o governo a criar uma à pressa, reunindo escolas que estavam felizmente separadas umas das outras, sem organismo central que as peasse, e iam fazendo o melhor que podiam, dentro das estruturas do país; não teve assim o Brasil tempo algum para pensar coisa alguma que correspondesse à sua real natureza: primeiro, ao alargamento, ao florescimento de Portugal que no melhor tem sido; à contribuição do africano e do índio, logo depois; finalmente, às invenções próprias a que o tem levado o desafio de seu imenso espaço e de seu papel actual e futuro. Copiou os vários moldes que iam sendo de moda, coimbrões, franceses, alemães, tentou ainda, com Brasília, aproximar-se da América, numa altura em que a validade da Universidade americana é seriamente contestada pelos próprios americanos, mas nunca tentou criar uma Universidade à sua própria imagem e semelhança, excepto quando São Paulo pôs a funcionar a Faculdade de Filosofia, destinada fundamentalmente a pensar filosoficamente as filologias, não a tomá-las como línguas ou literaturas, que se aprendem agora para ensinar, exactamente como um médico aprende biologia para curar, e a fazer o mesmo com as ciências e até com a filosofia. O que, porém, aconteceu foi que nem em São Paulo foi possível fazer com que funcionasse a contento, apesar do muito que conseguiu nos primeiros tempos; foi imediatamente travada, primeiro pelas escolas tradicionais, que os legisladores se esqueceram de extinguir ou de pôr definitivamente fora da Universidade, ao próprio termo extinguindo, depois do analfabetismo geral, grave sobretudo nos que sabem ler e não entendem o que lêem; o qual viu as Faculdades de Filosofia como se fossem apenas a junção de mais duas escolas de professores secundários, os de Letras e os de Ciências, porque até pela miséria mental e francesa de chamar Letras à Filologia se teve de passar; finalmente, acabando totalmente com elas a inovação de Brasília, com a sua criação dos institutos; de modo que reforma, no Brasil, não significou trocar o vinho, nem sequer a garrafa; mudou-se apenas o rótulo.

O mesmo sucederá em qualquer outra área do mundo português enquanto não houver remodelação de estruturas; de estrutura económica por deixar de passar mal o povo; de estrutura educacional quando não formos todos mais ou menos analfabetos, e me estou incluindo com muita consciência de causa; de estrutura política, quando não julgarmos que só uns poucos têm sabedoria de governo e dermos a todos a possibilidade de cumprirem o seu dever de ter opiniões sobre os rumos da vida colectiva; de estrutura mental quando pusermos de parte as saudades de não termos nascido em Paris ou Boston e pedirmos ao povo que nos ensine o que ele sabe muito mais verdadeiramente do que nós, - uma filosofia de sua vida pessoal, pois não sofre o povo das misérias da angústia falsamente filosófica, sofre do concreto, frio, fome e falta de respeito, sabe o que é positivo e negativo, luta por ter Fé, Esperança e Caridade, que oxalá tivéssemos nós todos; uma filosofia da vida colectiva, porque acredita na Criança, num futuro governo universal, já que provavelmente só em Paraíso nos poderíamos ver livres da fatalidade de ser governados, e na ressurreição dos mortos de Alcácer; uma filosofia do Universo inteiro, quando vive o mais possível no presente e declara que o passado passou, que ao futuro lá chegaremos, que tudo está escrito, e direito, embora sejam tortas as linhas, e que não é por muito madrugar que amanhece mais cedo; além de nos convidar a todos à meditação e ao silêncio quando diz que quem muito fala dá bom-dia a cavalo.

Esperando não correr esse risco, e depois de reafirmar que não esperemos nós êxito onde falharam o Infante, D. João II, o Marquês de Pombal e a República, conviria pensar se vale a pena tentar reformas que não sejam puramente técnicas, haver mais professores, mais salas de aula ou mais microscópios ou até mais escolas de nível superior, entendendo aqui superior no sentido em que se diz que está o terceiro andar por cima do segundo, e se não se tem, pelo contrário, que examinar em conjunto com os outros países e até indo à frente deles, - porque não se vê por que motivo intrínseco há-de Portugal continuar copiando, quando, não copiando, fundou uma religião, tornou o mar inteiro e continuou bandeirante por continentes vários -, se não se tem, pelo contrário, de ver em que termos se põe o problema da Universidade em todo o mundo e se não é ela incompatível com a nova Idade em que entra o Universo, aquela Idade a que chamam de Aquário astrólogos e hippies, de Internacional os revolucionários materialistas e, com seu sinónimo de «um só rebanho», os eclesiásticos melhores, finalmente de Império o nosso povo, não confundindo com os Impérios de teatro em que tudo é grande e a pequenez domina.

Academia de Platão


Antiga estrada que levava à Academia de Platão.


Local arqueológico da Academia de Platão.


O primeiro ensino superior que houve foi o dos gregos e, felizmente, nunca teve instituição que o destruísse até as datas fatais em que Platão se lembrou da Academia e de Liceu o Aristóteles; a descendência que tiveram os castigou bastante, mas a grande época foi a que se passou nos mercados e nos ginásios, com professores que ninguém nomeava, que não assinavam livro de ponto nem diplomavam ninguém, mas que procuravam cumprir a tarefa fundamental que a Grécia tinha por diante, a de descobrir e estabelecer como base de tudo a ideia geral; era o trabalho em que colaboravam mestres e alunos, numa comunidade de pesquisa, e em que era possível ao lado dos que iam na linha de Sócrates, estabelecendo os alicerces de uma política, de uma moral e de uma ciência, haver os que preveniam, com Heraclito, de que é mais larga a vida do que a mais ampla das filosofias e mais apontavam, como na China Lao-tsu contra Confúcio, a uma indiferença superior do que a um imediato e pragmático construir. No diálogo se juntavam as duas grandes artes da dialéctica e da maiêutica, servindo sobretudo a primeira para fechar os caminhos do absurdo, dando-se à segunda o papel de fazer que cada um, revelando o que era, parindo-se a si próprio, contribuísse com seu ímpar testemunho para o apuramento da verdade e, se verdade não há, para o trânsito livre nas teimosas jornadas do buscá-la.

Quando esta Universidade se acabou, estabelecera-se uma geometria, ciência que permite ao homem demonstrar que o real se compõe de irreal; uma filosofia, base do direito que habilita os mais fracos a ir sobrevivendo aos mais fortes; uma religião em que a Beleza era a divindade suprema e a um tempo se afirmava como transcendente e imanente; e, mais importante que tudo, demonstrara-se que nenhum esforço da razão faz mais do que chegar pelo avanço até as fronteiras do racionalmente explicável e que daí por diante se estende o terreno fundamental do mito.

Paralelamente, havia a estreiteza das cidades-estado, que o ímpeto de Alexandre não conseguira superar; uma democracia que o era apenas para raros, a escravatura como aceitado meio de produção; um sistema de comunicações incapaz de abranger grandes espaços, uma administração incompetente para o alargamento que a Humanidade exigia. Roma tinha de vir com o seu império de paz, os seus direitos de cidadania, a sua invenção do município, as suas estradas, os seus códigos, os seus funcionários, tudo pago, porém, pelo estagnar da criação na ciência, na arte, na filosofia, e por um resignar-se ao mesmo mal da escravatura e a uma religião de ritualismos e de contratos; mas o que importava era que houvesse possibilidade de se espalhar pelo mundo conhecido o que a Grécia inventara, com o desenvolvimento de algumas técnicas que o grego desprezara, por mais contemplativo do que activo, e que nas fronteiras do Império tivesse cabido o país inquieto e pobre dos judeus, donde ia surgir a palavra de que Deus tem Amor por Beleza, de que nenhum homem deve ser escravo e de que não haverá solução alguma para a convivência que não seja a do mundo inteiro como nação.

A esta Idade nova, pois que fora a de Roma intervalar apenas, correspondeu uma Universidade também nova, que infelizmente herdou de Roma sementes de tanto dano como o direito cesarista ou a inclusão de puras técnicas como a medicina, mas pôde, pelo menos nos primeiros tempos, ser basilarmente uma associação de homens interessados em estudar, sabendo alguns mais e outros menos, estudando uns a vida inteira, os professores, nome que uma etimologia de sentidos nos deveria fazer derivado de professar, e outros apenas uma parte da vida, os alunos, que esses, por filologia científica, são realmente particípio passado do verbo alimentar: na Universidade recebiam o alimento da vida inteira, o que tão pouco sucede hoje; alimento que lhes vinha de não ir a um dispensário de saber, mas a uma associação, a uma corporação de estudo; de encontrar homens de caridade que, por não haver livros para todos, liam os seus e lhes acrescentavam comentários, que também liam, de tudo isto se chamando lentes, de poder intervir nos concursos de professor, ajudando a barrar os incompetentes que sempre ascendem a cátedras por serem primos de primos; podendo igualmente eleger reitores, que hoje se elegem com tanta restrição que, sendo já tão poucos os chamados, ainda muito menos são os escolhidos.

É esta Universidade, que só tinha tal título quando também ensinava a teólogo, que mais é que filósofo, pois inclui o que Platão exprimira em mito e seu mestre Sócrates punha por conta do demónio interior ou de inominado deus, a Universidade que sobra ainda hoje, quando os espíritos fortes consideram a teologia um misto de crendice e de idiotia, quando há livros que chegam para todos e a caridade é talvez a mais rara das virtudes que se poderiam encontrar em recintos universitários, tanto do lado das reacções de uns como das revoltas de outros. Mas feita para tornar pensável e possível a fraternidade que Jesus pregava, mal sabendo que teria por seu infiel descendente tanto catedrático de hoje, conseguiu, apesar de tudo, cumprir o seu dever, tanto quanto as circunstâncias gerais lho permitiam; apesar de todas as pressões de Economias, Estados e Igrejas, sempre houve dentro delas quem defendesse acima de tudo o direito à pesquisa e à publicação e aproveitamento de seus resultados, quase sempre foi possível levar por diante o trabalho de construção científica, que, pela sua aplicação técnica, é a grande força que permitirá à Humanidade ser realmente fraterna se esse for o seu desejo, exactamente como na Idade Média a invenção de um novo arreio de cavalo deixou que se libertassem os servos da gleba, porque havia o ideal cristão de os ver livres. («Educação de Portugal», in Agostinho da Silva, Textos Pedagógicos II, Âncora Editora, 2000, pp. 120-125).







Jesus entre os doutores aos doze anos, por James Tissot.



Jesus expulsando os vendilhões, por El Greco.



Jesus Christo retratado como o Alfa e o Ómega nas Catacumbas de Roma (século IV d. C.)



"Taça mágica" ou "bojo de encantamento". Ver aqui


Maomé une em oração Jesus, Abraão e Moisés, entre outros.




Brasão do episcopado anglicano de Trinidad (Caraíbas).


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