domingo, 17 de janeiro de 2010

Insubstancial substante

Escrito por Pinharanda Gomes




Paradoxal, porque unifica, em um termo único, dois termos opostos, insubstancial substante é, na teoria de José Marinho, «o que se diz como o que é, mas verdadeiramente não é, ou é só pela assumpção do Nada» (T.S.V., pág. 11). Diz-se insubstancial, porque não carece de substância alguma para ser, e diz-se substante, porque subsiste em si mesmo e por si mesmo (Id., pág. 118) e revela-se como «substância e forma substancial» (Id., pág 117). O conceito, que serve para apreender a verdade do ser e o ser da verdade como distintos, mas como unidos na mesma fonte, vem a significar, por antonomásia, o absoluto, que é separado de todas as coisas, mas está em todas as coisas.

José Marinho apreende aí, embora as modifique material e formalmente, as teorias de Leibnitz e de Duns Escoto sobre a substância e sobretudo sobre a forma substancial primeira. Noutra instância, podemos ainda advogar o que terá sido a tentativa de Marinho para conciliar os pensamentos opostos de Heraclito e de Parménides sobre o ser e sobre a verdade, de modo que, absorvida ou dissolvida a antinomia de Parménides, Marinho fixa a ideia de Heraclito - que o Espírito é todos os opostos - pela qual o Espírito nos foge enquanto insubstancial, e se nos mostra enquanto substante. No termo, o substantivo é insubstancial, o adjectivo sendo substante; então, o universal, que é o insubstancial, só o conhecemos pelo singular da mostração, o substante.

O termo carece do encadeamento de que Marinho se serviu para o atingir, sendo esse encadeamento formado pelas «noções decisivas»: interrogação fundamental, patente e secreto na cisão, liberdade divina, as quais conduzem à visão unívoca, à cisão e, por fim, ao insubstancial substante. Pela visão dizemos o que une; pela cisão, dizemos o que separa (Id., pág. 10), mas o que une e o que separa é um e o mesmo, pois só do insubstancial substante se pratica «todo o segredo de cindir e unir» (id., pág. 11). Ele é, portanto, a causa da visão e da cisão, sendo estes os modos pelos quais se revela, sem deixar de ser o cumulativo sentido de pensar e de existir. Cinde-se, e logo se revela e se oculta: revela-se como ser, oculta-se como verdade. O enigma permanece, então, para além do que se revela, sempre ávido de interrogação fundamental, que pode concluir pela visão unívoca, essa que vê o ser «como o que é» e «vê e sabe a verdade toda na verdade» (Id., pág. 19). O que pensa e o que existe, o que vê, cinde e une é, portanto, o Espírito, formulado como insubstancial substante (in Dicionário de Filosofia Portuguesa, Publicações Dom Quixote, 1987, pp. 129-130).




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