Leonardo Coimbra |
No entanto, também é verdade que José Marinho repudiara o nacionalismo a ponto de se referir ao «absurdo do nacionalismo-cristão». E dizia até que, dada «a falta de sentimento religioso profundo e a ignorância filosófica e histórica», falar «da eternidade da pátria é um belo tropo, mas (…) não tem, segundo o espírito, nenhuma realidade» (cf. Ensaios de Aprofundamento e outros Textos, INCM, 1995, p. 47). Porém, a Pátria é sempre mais do que um belo tropo, mesmo quando nos é dado conhecer o nacionalismo cósmico e cristológico de António Correia de Oliveira em cujos versos até falam e sentem as pedras, as fontes e as árvores.
Por conseguinte, contemplemos, ainda que a breve trecho, o nacionalismo do Poeta português:
O nascer é como a fonte;
Tanto que, na cristandade
Vem das águas do baptismo
O nascer à eternidade.
Tanto que, na cristandade
Vem das águas do baptismo
O nascer à eternidade.
Todas as pátrias são fontes
Na viva origem remota:
Umas abrindo em torrentes;
Outras, a andar gota a gota.
Na viva origem remota:
Umas abrindo em torrentes;
Outras, a andar gota a gota.
Às vezes basta uma fonte
No Deserto... Oh maravilha!
– Sem a Fonte Portuguesa
Quem ao Mar levara a bilha?!
No Deserto... Oh maravilha!
– Sem a Fonte Portuguesa
Quem ao Mar levara a bilha?!
Redondilhas
De nada vale, pois, haver quem se deixe levar e abater pelo senso crítico e condenatório do princípio das nacionalidades. Tudo depende, portanto, do modo como concebemos o nacionalismo para além da história e da sociologia, ou do modo como evitamos o preconceito académico que ignora o facto de que «todo o universalismo esconde nacionalismo e todo o nacionalismo tende a universalismo» (cf. Álvaro Ribeiro, «O Homem Português», in As Portas do Conhecimento, IAC, 1987, p. 299). De resto, o nacionalismo não é nativismo nem muito menos um vago sentimento patrioteiro empiricamente organizado, uma vez que ele é a expressão de uma cultura unificante, transcendente e universal no concerto internacional dos diferentes povos, culturas e civilizações.
Era, pois, neste sentido que Álvaro Ribeiro entendia o que já poucos entendem relativamente às raízes genuínas da fisionomia espiritual portuguesa. Assim, nas suas palavras:
«De encoberto a descoberto, o pensamento português, ou o modo português de filosofar, foi lido por alguns escritores da segunda metade do século XIX, cujos nomes figuram em qualquer história que não esteja maculada de feio sectarismo. Surgiu, porém, já no século XX um movimento doutrinal que se caracterizou pela notável superioridade sobre os nacionalismos estéticos, literários e políticos das gerações anteriores. Referimo-nos ao movimento cultural da "Renascença Portuguesa". Ele procedia da intuição segura de que ao homem é dado um segundo nascimento (ressurreição) e com um oportunismo tão justificável como explicável aplicava o símile à transição efectuada do Reino para a República. Este nacionalismo não postulava o regresso às leis, às instituições e aos costumes do passado, nem tomava por modelo qualquer reacionarismo que estivesse então a ser prorrogado no estrangeiro. Aconselhava, porém, os novos políticos a que respeitassem as tradições significativas da alma e do espírito nacionais no acto de reconstrução dos serviços públicos. Em vez da metodologia histórica, ou historicista, surgiu da Renascença Portuguesa uma metodologia filosófica que pouco a pouco ia dando expressão conceitual às intuições românticas de Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa e Leonardo Coimbra. A Arte de Ser Português é ainda hoje um breviário de nacionalismo a propor ao estudo das novas gerações. Lendo esse livro, capítulo por capítulo, e expurgando-o de alguns erros motivados pelo respeito da circunstância social em que foi escrito, todo o português sentirá renascer na sua alma o alento indispensável para julgar da crise da Pátria no tribunal das nações» (in «O Homem Português», p. 302).
Continua
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