Mosteiro dos Jerónimos |
Esta é uma das conclusões que o leitor atento poderá retirar da abordagem de hoje, a última de uma trilogia subordinada ao tema «Em busca da identidade nacional através da Filosofia Portuguesa», abordagem que consiste na publicação da segunda parte da entrevista feita ao Dr. Orlando Vitorino, filósofo e candidato independente às últimas eleições para a Presidência da República.
Para quem não leu o trabalho anterior, aqui deixamos uma síntese das ideias expressas.
Desde sempre o Pensamento português teve inimigos, sendo um dos primeiros o próprio infante D. Pedro que pretendeu influenciar seu irmão, o Rei português D. Duarte, para que os Descobrimentos não se fizessem e Portugal se virasse para a Europa.
Outros «delegados» da «CEE desse tempo» insistiram na ideia europeia, como sucedeu com Damião de Góis, opositor ideológico de João de Barros, este representando a linha filosófica portuguesa e feitor da Casa da Índia.
Essa linha de ataque contra o Pensamento português desenvolveu-se durante a decadência de Portugal, iniciada no século XVI, com os «estrangeirados» do século XVIII e até António Sérgio, seu último representante.
Brasão do Infante D. Henrique |
Feita a síntese, entremos na última parte da entrevista [publicada a 6.12.86] ao dr. Orlando Vitorino, tão suculenta como a primeira...
Uma cabala bem urdida
Orlando Vitorino – Em primeiro lugar, o pensamento da actual acção política é, todo ele, socialista.
Como sabe, as doutrinas políticas exprimem-se, primeiro, através da Constituição e, segundo, através dos partidos.
Ora, a Constituição diz, claramente, que a política portuguesa é socialista. Quanto aos partidos, ou se dizem socialistas, que é o caso do Partido Comunista, do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata, ou não se dizem socialistas, como é o caso do CDS que, afinal, tem uma prática rigorosamente socialista, até mais eficaz para a implantação do socialismo do que os outros três partidos.
Lembro-lhe que o actual presidente do CDS sempre disse não ser liberal. E recordo-lhe que o fundador do CDS, ao candidatar-se à Presidência da República, este ano, fundamentou as suas propostas num livro em que diz ser sua finalidade aperfeiçoar o sistema socialista existente...
Durante as últimas eleições para a Presidência da República o sistema apresentou quatro candidatos: Freitas do Amaral, Mário Soares, Salgado Zenha e Maria de Lourdes Pintasilgo, todos eles afirmando-se como socialistas.
Orlando Vitorino |
O.V. – O socialismo exerce em Portugal, como em toda a parte onde se instala, um controlo muito grande da vida da população, tem nas mãos os poderes do Estado, não permitindo sequer o aparecimento de partidos ou candidatos que não sejam socialistas.
CM – Essa situação foi implantada no nosso país rapidamente. Antes do 25 de Abril o socialismo possuía pouca expressão política entre a população. Como se passou essa tomada de Poder?
O.V. – Durante o século passado existiu, em Portugal, um regime que se dizia liberal mas seguindo o modelo francês, o qual não foi mais do que uma preparação para o socialismo.
A partir de 1870 o socialismo introduz-se em Portugal pelas vias mais eficazes, as do ensino e as da cultura oficial, formando quadros mentais socialistas.
República das Janelas
O.V. – A Primeira República afirmou-se liberal mas insistiu no modelo francês, até nas coisas mais simples, como foi o caso do célebre imposto das janelas, copiado das leis francesas.
O imposto das janelas, extremamente ridículo mas claramente socialista, obrigava o cidadão a pagar determinada quantia por cada janela que a sua casa tivesse, a mais de um número determinado...
Mesmo esse falso liberalismo da Primeira República demorou, apenas, uns dezasseis anos.
Quando Oliveira Salazar subiu ao Poder continuou com esse falso liberalismo, por ver que era o sistema liberal que lhe podia dar melhores resultados económicos. Foi ao emprego do sistema liberal que ele ficou a dever a grande façanha da restauração das finanças.
Oliveira Salazar |
CM – Mas seria Salazar o dirigente absoluto dessa política dirigista?
Com um Estado forte e uma plutocracia a comandar esse Estado, temos uma situação análoga à da implantação do socialismo. A diferença consiste, apenas, na substituição dos plutocratas – portanto homens de negócios e não políticos – por homens políticos. Aliás, os homens políticos de hoje estão-se transformando em plutocratas.
Foi isto que efectivamente sucedeu com o 25 de Abril e essa substituição teve lugar com o predomínio do Partido Comunista e do Partido Socialista, este último a arrogar-se, na altura, também de marxista.
CM – Qual o papel histórico de Marcello Caetano? Teria sido uma charneira entre a plutocracia e o socialismo?
O.V. – Marcello Caetano nutria uma grande admiração pela União Soviética e pela organização soviética.
Houve, nos anos trinta, um congresso de certos monárquicos em Condeixa-a-Nova, no qual participou Marcello Caetano. Nesse congresso, disseram-me que por proposta de Marcello Caetano, saiu uma conclusão com a legenda ou «slogan»: «O Rei e os Sovietes».
Depois, Marcello Caetano abandonou a Monarquia mas não deixou de ter admiração pelos sovietes. Aliás, a reforma administrativa de Marcello Caetano, com o seu código, parece inspirada na organização soviética.
Temos aí o corporativismo
Henrique Veiga de Macedo (Ministro das Corporações e da Previdência Social - 1949-55). |
O.V. – Ainda há pouco tempo me disse um dirigente político, aí de um partido, que o corporativismo, não conseguido totalmente por Salazar, está hoje a ser realizado. Basta ver a existência dos chamados parceiros sociais.
CM – Considera o socialismo como uma doutrina ainda com força ou já esvaziada?
O.V. – Trata-se de uma doutrina falida em todo o Mundo. Aliás, existe um pensador liberal [Frederico Hayek] que marcou a data do fim do apogeu do socialismo no ano de 1946.
O socialismo dominou, durante um século, o Governo de grande parte dos povos, mas em 1946 estava completamente falido. Fracassara no desenvolvimento económico e na cultura, mas continuava dominando o Estado. Então, para sobreviver, passou a rodear as suas medidas de governação socialista de processos liberais.
Foi com esta mistura de aparente socialismo mas efectivo liberalismo – mas não de liberalismo total, pois isso iria destruir a aparência socialista – que conseguiu e consegue ainda hoje, perdurar.
CM – De que forma o socialismo tem sido funesto para a cultura portuguesa?
O.V. – Existe uma cultura oficial socialista, composta pelas universidades, onde dominam as ideias socialistas, e pela Comunicação Social, quase toda estatizada ou dominada pelo Estado, segregando uma cultura autenticamente portuguesa.
Poderá dizer-se que os elementos mais conscientes da cultura nacional, que são os filósofos portugueses, vivem como exilados no seu próprio país.
CM – Poderá dar-nos um exemplo dessa forma de procedimento anticultural?
O.V. – Ainda há pouco tempo existiam vinte e seis mil inéditos de Fernando Pessoa «escondidos» numa arca, guardados por «dragões» universitários que só vão publicando, de vez em quando, aquilo que entendem.
Depois fazem-se edições do Fernando Pessoa com textos seleccionados ao sabor de determinada pessoa que transitou de fervoroso salazarista para fervoroso socialista, uma delas com um prefácio no qual se chega ao ridículo de dizer que Fernando Pessoa era um grande conhecedor de literatura, mas seria melhor conhecedor se fosse marxista...
Vazio caracteriza vida dos portugueses
Sampaio Bruno |
Além dos documentos existentes sobre esta tentativa de assassínio pessoal, há o próprio testemunho de Fernando Pessoa.
CM – A maior parte dos que tentam destruir a cultura portuguesa age por ignorância ou por convicção?
O.V. – Existem os quadros mentais, formados desde há dois séculos, a levar essas pessoas a ter uma noção socialista dos problemas e da solução desses mesmos problemas.
Se colocarmos um problema à maioria das pessoas elas atribuem a sua origem e a necessária solução ao Estado. O Estado já surge, pois, como uma entidade vaga, abstracta mesmo, os «eles» indefinidos, mas que são uns eles muito concretos... isto demonstra, tipicamente, a existência de uma mentalidade socialista.
Semelhante forma de pensar cria uma inércia e uma irresponsabilidade total, um vazio a caracterizar a vida actual dos portugueses, pois ela não passa de oito horas de emprego, mais oito horas de cama e ainda mais oito de televisão, não possuindo, sequer, um momento de afirmação.
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