domingo, 15 de agosto de 2010

Presidenciais 86

Escrito por Orlando Vitorino




Introdução


Daremos doravante a conhecer alguns episódios das Presidenciais 86 delineados pela pena de Orlando Vitorino, num meio dominado por candidatos do sistema socialista. No seu caso, tratava-se de um candidato verdadeiramente independente, além de um filósofo com conhecimento de causa sobre a filosofia portuguesa, e, por isso mesmo, com ideias substanciais no plano político, económico e sapiencial. Depois, era ainda alguém muito especial na forma espontânea como revelava o seu pensamento, a ponto de fazer ver que o verdadeiro intelectual não é quem escreve livros sem pensar, ou quem, decaindo na mais enfatuada exibição, vai perdendo o seu tempo em colóquios, conferências e orações de tagarelice oca e infindável.

Orlando Vitorino era uma personalidade única capaz de fazer valer a filosofia portuguesa no âmbito da realidade vivida, de modo que, nos antípodas do intelectual universitário, ou do político infiltrado na máquina do Estado, pugnava pelos princípios da Justiça, da Liberdade e da Verdade numa sociedade ignorante da fisionomia espiritual da Pátria portuguesa. Tal, porém, não o impedira de reconhecer, num sentido profundamente platónico, como a acção decorrente da filosofia resulte inconclusiva e até mesmo pouco ou nada edificante por não ter quaisquer fins no tempo. Em todo o caso, foi ele o filósofo português que mais se impôs pela lealdade professada para com os princípios de uma filosofia inteiramente desconhecida da maioria dos Portugueses, e por virtude da qual se bateu até ao fim.

Mas, entretanto, perguntar-se-á por que daremos nós a conhecer uma série de episódios sobre um passado já morto? Porque aí se manifestam os princípios de uma sabedoria que transcende a linha circunstancial do espaço e do tempo
, e que dão azo a que melhor se compreenda, de um ponto de vista superior, aquela que foi e, em muitos e variadíssimos aspectos, continua sendo a existência dos Portugueses sob o peso de uma oligarquia detentora dos poderes do Estado, ou de uma existência não menos subjugada ao monopólio da informação, ao proteccionismo da cultura, à estatização ideológica do ensino, enfim, isto e muito mais segundo os factos descritos, indiciados e averbados por Orlando Vitorino.

Miguel Bruno Duarte





BREVE RESUMO CRONOLÓGICO DOS ACONTECIMENTOS QUE COMPUSERAM AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 1985/86. PARA QUE DELES FIQUE MEMÓRIA, A INSIGNIFICÂNCIA DAS PERSONAGENS OS NÃO FAÇA ESQUECER E O LEITOR POSSA SABER DE QUE E DE QUEM SE FALA NESTE LIVRO


"Em nome da liberdade, conquistam o poder. Conquistado o Poder, negam a liberdade".

Tácito


1. Ao abrir o ano de 1985, estavam já dados como candidatos à Presidência da República nas eleições que se viriam a realizar em Fevereiro de 1986, os Srs. Mário Soares, Freitas do Amaral e Maria de Lurdes Pintasilgo. Todos três preparavam a sua candidatura desde havia quatro ou cinco anos. Cada um deles tinha já assegurado, ou pronto a negociar, o apoio de um ou alguns partidos políticos. M. Soares, o do PS; F. do Amaral, o do CDS; M. L. Pintasilgo, o dos partidos Comunistas. São os candidatos do sistema, os que, sem quaisquer credenciais de comprovada autoridade pessoal, aparecem como instrumentos do sistema político dentro do qual fizeram a sua carreira dando-lhe uma colaboração directiva (todos três foram chefes do Governo) com resultados que são agora os primeiros a, paradoxalmente, condenar.

2. No que é, de momento, o partido com mais eleitores, o PSD, multiplicam-se as manobras para a designação de um candidato. Proença de Carvalho e Cavaco e Silva mexem-se para serem eles os designados; um pequeno grupo que, na babugem do êxito internacional de Reagan e Tatcher, se apressa a dizer-se neo-liberal, lança o nome de Alberto João Jardim; o economista João Salgueiro, tendo como certa a sua próxima eleição para Chefe do Partido, pede ao Gen. Altino de Magalhães que aceite ser designado pelo PSD. Contra todas as expectativas, o Congresso deste partido elege Cavaco e Silva, que depressa é catapultado para Primeiro Ministro, assim se anulando todas as projectadas designações presidenciais. Quem, mais tarde, virá a ser escolhido é Freitas do Amaral.

3. Há sinais de que as principais personalidades das Forças Armadas procuram um militar que seja candidatável. Terão sido discutidos três generais: Firmino Miguel, Lemos Ferreira e Altino Magalhães, com manifesta preferência para o último. Inconformados, Firmino Miguel primeiro, Lemos Ferreira mais tarde, anunciam as respectivas candidaturas, tal como Altino de Magalhães. Aqueles, tão depressa a anunciam logo a retiram, o que revela não disporem da concordância da instituição militar.





4. Apesar de abandonado pelo PSD, Altino de Magalhães mantêm-se como candidato. Em Março, o grande escritor Santana Dionísio apresenta, no Porto, a candidatura de Orlando Vitorino. Pouco depois, o industrial António Champalimaud dá início à organização da sua candidatura. São, os três, os candidatos independentes, os que apresentam como suas credenciais uma afirmada e reconhecida autoridade pessoal e, longe de serem apoiados pelo sistema, antes são hostilizados por ele. Estão, pois, frente a frente, três candidatos do sistema e três candidatos independentes.

5. O sistema põe em acção, contra os candidatos independentes, uma primeira manobra. Lança três candidatos-fantoches: um advogado ligado ao gabinete de Almeida Santos, dirigente do PS; um simplório negociante de queijo da Serra que, mal ensaiado, logo manifesta a sua simpatia pelo PC; e um pobre astrólogo de feira. Lançando-os como "independentes", o sistema tem em vista iludir o eleitorado levando-o a confundir com essas figuras, que ele mesmo ridiculariza, os verdadeiros candidatos independentes. Tem também em vista desacreditar o processo eleitoral. A Rádio Renascença denuncia a manobra.

6. Em Abril, o sistema põe em acção uma segunda manobra: embora a dez meses de distância da data em que a Lei a permite, os seus candidatos dão começo à propaganda das respectivas candidaturas, a qual irão prosseguir sem descontinuidade e sem punição. Esse começo assinala-se por uma série de entrevistas, de hora e meia para cada candidato, na RTP.

7. Em declaração assinada pelo Presidente e atropelando todas as determinações da Lei Eleitoral, a RTP recusa aos candidatos independentes o mesmo tratamento que está dando e continuará a dar aos candidatos do sistema. A mesma cumplicidade com as ilegalidades em que se instalam estes candidatos, é adoptada pelos orgãos de informação estatais e confirmada, em declaração assinada, pela direcção da "Empresa Pública dos Jornais Diário de Notícias e Capital".

8. O Conselho da Comunicação Social, que tem por funções assegurar o comportamento legal dos orgãos de informação, denuncia em comunicado público a ilegalidade da propaganda eleitoral que está sendo feita, em especial na RTP, pelos candidatos do sistema, prevenindo que tal propaganda vicia o processo eleitoral e falseia o resultado das eleições. Ao mesmo tempo, o C.C.S. declara-se desprovido de meios para fazer punir, ou sequer cessar, tal ilegalidade.

9. A Comissão Nacional de Eleições, que se destina a garantir a legalidade de todo o processo eleitoral, reconhece, em carta dirigida a um dos candidatos independentes, que não existe aquilo a que os candidatos do sistema têm vindo a chamar pré-campanha eleitoral e à sombra da qual dizem fazer a propaganda ilegal que têm vindo a fazer. Como o C.C.S., também a C.N.E. se declara desprovida de meios para cumprir a missão a que se destina.

10. À propaganda realizada nos orgãos de informação estatais, os candidatos do sistema juntam uma intensa publicidade paga, que também é proibida pela Lei: anúncios, cartazes afixados por empresas comerciais em lugares que lhes são próprios, grandes festas com artistas profissionais, comícios com fogo-de-artifício, etc. Além de proibida por ser paga, os dispêndios com essa publicidade ultrapassam infinitamente a verba máxima fixada pela Lei para ser dispendida por uma candidatura presidencial.




11. Silenciados, impotentes, sujeitos a tentativas de descrédito e manobras de humilhação, desdenhados pelas instituições do Estado indiferentes às suas legítimas reclamações, os candidatos independentes verificam ser-lhes impossível disputar as eleições. O Gen. Altino de Magalhães deixa publicar que desistiu e António Champalimaud retira-se para o Brasil.

12. Já quase liberto dos candidatos independentes, o sistema empenha-se, numa nova manobra, em contrariar a previsível e significativa percentagem de abstenções. A manobra consiste em empolar a ameaça de um triunfo comunista, certo como é que a generalidade dos Portugueses repudia o comunismo e a maioria dos eleitores só vota para o evitar. O empolamento dessa ameaça, que de facto não existe, destina-se a suscitar a convicção de que um candidato marxista tem muitas probalidades de vencer as eleições. O candidato escolhido para assim servir de espantalho é a Eng. Pintasilgo pois é ela, entre os candidatos do sistema, quem tem o apoio dos partidos comunistas e dos marxistas infiltrados na Igreja. O instrumento mais visível dessa manobra é a publicação frequente de sondagens que a dão por vencedora.

13. O Partido do Presidente da República [Ramalho Eanes] ainda em exercício, o PRD, apresenta o quarto candidato do sistema, o advogado Salgado Zenha, dirigente do PS onde, há alguns anos, se incompatibilizou com Mário Soares, tornando-se seu adversário pessoal e denunciando o controle policial que o partido exerce sobre a existência privada dos seus filiados. Em breve se verifica que o PRD não tem poder sequer para organizar uma candidatura, e é o PC que, tomando-a em mãos, organiza e, naturalmente, dirige a de S. Zenha.

14. Praticamente sós em campo, dominando os poderes do Estado, controlando todos os orgãos de informação, atropelando impunemente a Lei, dispendendo verbas económicas na sua propaganda, os quatro candidatos do sistema ultrapassam a "santa aliança" que os uniu contra os candidatos independentes, e lançam-se na luta pelas suas posições pessoais ou do sector, ou partido, que cada um representa.






Assim entra o processo eleitoral em nova fase, uma fase conspícua, barulhenta mas vazia, caracterizada por insultos mútuos, na qual apenas são de assinalar episódios sem consequências. Um é o sacrifício da candidata M. L. Pintasilgo que se vê substituída, como espantalho comunista, pelo candidato S. Zenha: o chefe dos comunistas em Portugal recomenda-lhe que desista e a recomendação é feita em termos de tal modo imperativos que põem à mostra a dependência em que aquela candidata se encontra do PC; todavia, orgulhosa e ingenuamente iludida pelas sondagens que há meses lhe vêm prevendo a possibilidade de vencer, não obedece à "recomendação" e mantém a candidatura para vir obter uma percentagem de votos ridícula. Outro episódio é o lançamento pelo PC de um último candidato ("funcionário de partido", reza o seu requerimento ao Tribunal Constitucional), candidato fictício pois o seu lançamento é acompanhado da declaração pública de que desistirá das eleições; trata-se, pois, de uma candidatura apenas destinada a desacreditar, no mais baixo plano, o processo eleitoral em que se funda a democracia.

15. Três candidaturas que não contámos nem entre as do sistema nem entre as independentes (pois duas delas são meras "jogadas" de pequenos partidos comunistas e a terceira, a do economista Ricardo Nunes, não passando de uma veleidade, acaba por se integrar na de Freitas do Amaral) vêem-se impugnadas pelo Tribunal Constitucional por não cumprirem um Artigo, o 13.º, da Lei Eleitoral. Orlando Vitorino faz depender a formalização da sua candidatura da impugnação, que requer ao Tribunal Constitucional, dos quatro candidatos do sistema por não terem cumprido 14 Artigos da Lei Eleitoral. O Tribunal recusa tal impugnação e Orlando Vitorino não formaliza a candidatura.

16. As votações realizam-se no dia 26 de Janeiro de 1986. A percentagem das abstenções é contada em relação ao número de eleitores. A percentagem dos candidatos é contada em relação ao número dos votantes. Desta diferença e critérios aritméticos, resulta que a percentagem de abstenções é apresentada como sendo de 21% quando é, na verdade, de 27%. Houve segunda volta de votações em 16 de Fevereiro. Pela escassa diferença de uns 130 mil votos em 7 milhões e meio de eleitores, vence Mário Soares. As abstenções são quase dois milhões.






17. Os serviços da candidatura de Orlando Vitorino fazem publicar o presente livro no qual se demonstra:

a) que o processo eleitoral foi viciado e seus resultados não exprimem, portanto, a "livre vontade popular", princípio da democracia;

b) que o candidato em tais condições eleito, não tem legitimidade para exercer a Presidência da República;

c) que o sistema político vigente constitui uma oligarquia fechada e despótica;

d) que o Povo Português possui um sistema político próprio, sistematizado e actualizado pelos seus pensadores e implícito na sua arte, seus costumes e sua história, não carecendo de importar (e desvirtuar para os aplicar) sistemas como o hoje estabelecido (in O processo das Presidenciais 86, Organizado e Publicado pelos Serviços da Candidatura de Orlando Vitorino, pp. 9-11).


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