Orlando Vitorino era uma personalidade única capaz de fazer valer a filosofia portuguesa no âmbito da realidade vivida, de modo que, nos antípodas do intelectual universitário, ou do político infiltrado na máquina do Estado, pugnava pelos princípios da Justiça, da Liberdade e da Verdade numa sociedade ignorante da fisionomia espiritual da Pátria portuguesa. Tal, porém, não o impedira de reconhecer, num sentido profundamente platónico, como a acção decorrente da filosofia resulte inconclusiva e até mesmo pouco ou nada edificante por não ter quaisquer fins no tempo. Em todo o caso, foi ele o filósofo português que mais se impôs pela lealdade professada para com os princípios de uma filosofia inteiramente desconhecida da maioria dos Portugueses, e por virtude da qual se bateu até ao fim.
Mas, entretanto, perguntar-se-á por que daremos nós a conhecer uma série de episódios sobre um passado já morto? Porque aí se manifestam os princípios de uma sabedoria que transcende a linha circunstancial do espaço e do tempo, e que dão azo a que melhor se compreenda, de um ponto de vista superior, aquela que foi e, em muitos e variadíssimos aspectos, continua sendo a existência dos Portugueses sob o peso de uma oligarquia detentora dos poderes do Estado, ou de uma existência não menos subjugada ao monopólio da informação, ao proteccionismo da cultura, à estatização ideológica do ensino, enfim, isto e muito mais segundo os factos descritos, indiciados e averbados por Orlando Vitorino.
Miguel Bruno Duarte
BREVE RESUMO CRONOLÓGICO DOS ACONTECIMENTOS QUE COMPUSERAM AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 1985/86. PARA QUE DELES FIQUE MEMÓRIA, A INSIGNIFICÂNCIA DAS PERSONAGENS OS NÃO FAÇA ESQUECER E O LEITOR POSSA SABER DE QUE E DE QUEM SE FALA NESTE LIVRO
"Em nome da liberdade, conquistam o poder. Conquistado o Poder, negam a liberdade".
Tácito
1. Ao abrir o ano de 1985, estavam já dados como candidatos à Presidência da República nas eleições que se viriam a realizar em Fevereiro de 1986, os Srs. Mário Soares, Freitas do Amaral e Maria de Lurdes Pintasilgo. Todos três preparavam a sua candidatura desde havia quatro ou cinco anos. Cada um deles tinha já assegurado, ou pronto a negociar, o apoio de um ou alguns partidos políticos. M. Soares, o do PS; F. do Amaral, o do CDS; M. L. Pintasilgo, o dos partidos Comunistas. São os candidatos do sistema, os que, sem quaisquer credenciais de comprovada autoridade pessoal, aparecem como instrumentos do sistema político dentro do qual fizeram a sua carreira dando-lhe uma colaboração directiva (todos três foram chefes do Governo) com resultados que são agora os primeiros a, paradoxalmente, condenar.
2. No que é, de momento, o partido com mais eleitores, o PSD, multiplicam-se as manobras para a designação de um candidato. Proença de Carvalho e Cavaco e Silva mexem-se para serem eles os designados; um pequeno grupo que, na babugem do êxito internacional de Reagan e Tatcher, se apressa a dizer-se neo-liberal, lança o nome de Alberto João Jardim; o economista João Salgueiro, tendo como certa a sua próxima eleição para Chefe do Partido, pede ao Gen. Altino de Magalhães que aceite ser designado pelo PSD. Contra todas as expectativas, o Congresso deste partido elege Cavaco e Silva, que depressa é catapultado para Primeiro Ministro, assim se anulando todas as projectadas designações presidenciais. Quem, mais tarde, virá a ser escolhido é Freitas do Amaral.
3. Há sinais de que as principais personalidades das Forças Armadas procuram um militar que seja candidatável. Terão sido discutidos três generais: Firmino Miguel, Lemos Ferreira e Altino Magalhães, com manifesta preferência para o último. Inconformados, Firmino Miguel primeiro, Lemos Ferreira mais tarde, anunciam as respectivas candidaturas, tal como Altino de Magalhães. Aqueles, tão depressa a anunciam logo a retiram, o que revela não disporem da concordância da instituição militar.
4. Apesar de abandonado pelo PSD, Altino de Magalhães mantêm-se como candidato. Em Março, o grande escritor Santana Dionísio apresenta, no Porto, a candidatura de Orlando Vitorino. Pouco depois, o industrial António Champalimaud dá início à organização da sua candidatura. São, os três, os candidatos independentes, os que apresentam como suas credenciais uma afirmada e reconhecida autoridade pessoal e, longe de serem apoiados pelo sistema, antes são hostilizados por ele. Estão, pois, frente a frente, três candidatos do sistema e três candidatos independentes.
5. O sistema põe em acção, contra os candidatos independentes, uma primeira manobra. Lança três candidatos-fantoches: um advogado ligado ao gabinete de Almeida Santos, dirigente do PS; um simplório negociante de queijo da Serra que, mal ensaiado, logo manifesta a sua simpatia pelo PC; e um pobre astrólogo de feira. Lançando-os como "independentes", o sistema tem em vista iludir o eleitorado levando-o a confundir com essas figuras, que ele mesmo ridiculariza, os verdadeiros candidatos independentes. Tem também em vista desacreditar o processo eleitoral. A Rádio Renascença denuncia a manobra.
6. Em Abril, o sistema põe em acção uma segunda manobra: embora a dez meses de distância da data em que a Lei a permite, os seus candidatos dão começo à propaganda das respectivas candidaturas, a qual irão prosseguir sem descontinuidade e sem punição. Esse começo assinala-se por uma série de entrevistas, de hora e meia para cada candidato, na RTP.
7. Em declaração assinada pelo Presidente e atropelando todas as determinações da Lei Eleitoral, a RTP recusa aos candidatos independentes o mesmo tratamento que está dando e continuará a dar aos candidatos do sistema. A mesma cumplicidade com as ilegalidades em que se instalam estes candidatos, é adoptada pelos orgãos de informação estatais e confirmada, em declaração assinada, pela direcção da "Empresa Pública dos Jornais Diário de Notícias e Capital".
8. O Conselho da Comunicação Social, que tem por funções assegurar o comportamento legal dos orgãos de informação, denuncia em comunicado público a ilegalidade da propaganda eleitoral que está sendo feita, em especial na RTP, pelos candidatos do sistema, prevenindo que tal propaganda vicia o processo eleitoral e falseia o resultado das eleições. Ao mesmo tempo, o C.C.S. declara-se desprovido de meios para fazer punir, ou sequer cessar, tal ilegalidade.
9. A Comissão Nacional de Eleições, que se destina a garantir a legalidade de todo o processo eleitoral, reconhece, em carta dirigida a um dos candidatos independentes, que não existe aquilo a que os candidatos do sistema têm vindo a chamar pré-campanha eleitoral e à sombra da qual dizem fazer a propaganda ilegal que têm vindo a fazer. Como o C.C.S., também a C.N.E. se declara desprovida de meios para cumprir a missão a que se destina.
10. À propaganda realizada nos orgãos de informação estatais, os candidatos do sistema juntam uma intensa publicidade paga, que também é proibida pela Lei: anúncios, cartazes afixados por empresas comerciais em lugares que lhes são próprios, grandes festas com artistas profissionais, comícios com fogo-de-artifício, etc. Além de proibida por ser paga, os dispêndios com essa publicidade ultrapassam infinitamente a verba máxima fixada pela Lei para ser dispendida por uma candidatura presidencial.
11. Silenciados, impotentes, sujeitos a tentativas de descrédito e manobras de humilhação, desdenhados pelas instituições do Estado indiferentes às suas legítimas reclamações, os candidatos independentes verificam ser-lhes impossível disputar as eleições. O Gen. Altino de Magalhães deixa publicar que desistiu e António Champalimaud retira-se para o Brasil.
12. Já quase liberto dos candidatos independentes, o sistema empenha-se, numa nova manobra, em contrariar a previsível e significativa percentagem de abstenções. A manobra consiste em empolar a ameaça de um triunfo comunista, certo como é que a generalidade dos Portugueses repudia o comunismo e a maioria dos eleitores só vota para o evitar. O empolamento dessa ameaça, que de facto não existe, destina-se a suscitar a convicção de que um candidato marxista tem muitas probalidades de vencer as eleições. O candidato escolhido para assim servir de espantalho é a Eng. Pintasilgo pois é ela, entre os candidatos do sistema, quem tem o apoio dos partidos comunistas e dos marxistas infiltrados na Igreja. O instrumento mais visível dessa manobra é a publicação frequente de sondagens que a dão por vencedora.
13. O Partido do Presidente da República [Ramalho Eanes] ainda em exercício, o PRD, apresenta o quarto candidato do sistema, o advogado Salgado Zenha, dirigente do PS onde, há alguns anos, se incompatibilizou com Mário Soares, tornando-se seu adversário pessoal e denunciando o controle policial que o partido exerce sobre a existência privada dos seus filiados. Em breve se verifica que o PRD não tem poder sequer para organizar uma candidatura, e é o PC que, tomando-a em mãos, organiza e, naturalmente, dirige a de S. Zenha.
14. Praticamente sós em campo, dominando os poderes do Estado, controlando todos os orgãos de informação, atropelando impunemente a Lei, dispendendo verbas económicas na sua propaganda, os quatro candidatos do sistema ultrapassam a "santa aliança" que os uniu contra os candidatos independentes, e lançam-se na luta pelas suas posições pessoais ou do sector, ou partido, que cada um representa.
15. Três candidaturas que não contámos nem entre as do sistema nem entre as independentes (pois duas delas são meras "jogadas" de pequenos partidos comunistas e a terceira, a do economista Ricardo Nunes, não passando de uma veleidade, acaba por se integrar na de Freitas do Amaral) vêem-se impugnadas pelo Tribunal Constitucional por não cumprirem um Artigo, o 13.º, da Lei Eleitoral. Orlando Vitorino faz depender a formalização da sua candidatura da impugnação, que requer ao Tribunal Constitucional, dos quatro candidatos do sistema por não terem cumprido 14 Artigos da Lei Eleitoral. O Tribunal recusa tal impugnação e Orlando Vitorino não formaliza a candidatura.
16. As votações realizam-se no dia 26 de Janeiro de 1986. A percentagem das abstenções é contada em relação ao número de eleitores. A percentagem dos candidatos é contada em relação ao número dos votantes. Desta diferença e critérios aritméticos, resulta que a percentagem de abstenções é apresentada como sendo de 21% quando é, na verdade, de 27%. Houve segunda volta de votações em 16 de Fevereiro. Pela escassa diferença de uns 130 mil votos em 7 milhões e meio de eleitores, vence Mário Soares. As abstenções são quase dois milhões.
17. Os serviços da candidatura de Orlando Vitorino fazem publicar o presente livro no qual se demonstra:
a) que o processo eleitoral foi viciado e seus resultados não exprimem, portanto, a "livre vontade popular", princípio da democracia;
b) que o candidato em tais condições eleito, não tem legitimidade para exercer a Presidência da República;
c) que o sistema político vigente constitui uma oligarquia fechada e despótica;
d) que o Povo Português possui um sistema político próprio, sistematizado e actualizado pelos seus pensadores e implícito na sua arte, seus costumes e sua história, não carecendo de importar (e desvirtuar para os aplicar) sistemas como o hoje estabelecido (in O processo das Presidenciais 86, Organizado e Publicado pelos Serviços da Candidatura de Orlando Vitorino, pp. 9-11).
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