sexta-feira, 27 de agosto de 2010

In memoriam de José Régio

Escrito por Henrique Veiga de Macedo





José Régio



Palavras proferidas na sessão da Assembleia Nacional, de 21.1.1970


Ainda bem que nesta Casa se evoca, com palavras trespassadas de justiça e emoção, a memória de José Régio e se presta eloquente homenagem à sua preclara figura de intelectual de eleição e à sua multímoda obra de poeta, de prosador, de educador.

Este meu sentimento não nasceu agora, andava já no meu coração. Há bem pouco chegou-me às mãos, com as palavras de uma honrosa e generosa dedicatória do autor, o último livro de Álvaro Ribeiro, esse extraordinário pensador que da vida tem feito sacerdócio todo votado à cultura, à «restauração do perene significado da filosofia» e à «demonstração de que existe uma filosofia portuguesa e, mais ainda, de que existe um modo português de filosofar».

Deixai-me ler, de modo a ficarem bem registadas, como merecem, na nossa inteligência e na nossa sensibilidade, estas afirmações da carta que acompanhou esse livro admirável, intitulado precisamente A Literatura de José Régio:

«Por este mesmo correio, tenho o gosto de oferecer a V. Exa. um exemplar do meu livro A Literatura de José Régio.

Poeta de alta estirpe intelectual, José Régio foi já comparado a Camões. Morreu, e creio que nenhum funcionário representativo do Estado compareceu ao funeral, aliás religioso. Em vida não foi mais do que um modesto professor liceal; em espírito uma glória da Pátria e um ferveroso servidor de Deus».

Álvaro Ribeiro tem razão, e é sob a impressão forte das suas palavras que ousei pedir licença para interromper a voz autorizada do ilustre Deputado que é a do professor Silva Mendes, velho amigo dos tempos, para mim inesquecíveis, da campanha de educação popular em que pudemos, um e outro, e muitos, muitíssimos mais, trabalhar pela expansão do ensino e pela ascensão cultural do povo português. Não podia de modo algum – agora que estou a retomar contacto com o pensamento e a arte de um dos nossos maiores escritores contemporâneos e me é possível avaliar, uma vez mais, a profundidade do seu espírito aberto e inquieto em busca da verdade –, não podia de modo algum, dizia, deixar de me congratular por ver esta Câmara dar público testemunho da respeitosa veneração e do vivíssimo apreço devidos pelos homens justos, quaisquer que sejam as sua crenças religiosas ou ideias políticas, ao poeta da Encruzilhadas de Deus, ao romancista de A Velha Casa, ao dramaturgo de Benilde ou a Virgem-Mãe, ao crítico, ao ensaísta, ao pedagogo, ao pensador.


Na verdade, «de braços abertos para os seus contemporâneos que se dedicaram a estudos especulativos» – atrevo-me a reproduzir outra afirmação de Álvaro Ribeiro – inscrita no prefácio do livro que o mesmo me ofertou –, na verdade, «de braços abertos para os seus contemporâneos que se dedicaram a estudos especulativos, e de inteligência compreensiva para os seus ensaios mais tímidos ou mais ousados, José Régio mereceu de todos os pensadores sérios a bendição que lhe tem sido recusada por aqueles que se ocupam apenas de literatura. A obra de José Régio anuncia o advento de uma nova arte poética, tal como significou em notável e brunino opúsculo o novel filósofo António Telmo.

Mestre de uma geração ingrata, avançado precursor de uma literatura que ascende para tributos divinos, José Régio contribuiu para o entendimento final de que a palavra vive da sua relação com o pensamento».

Até por isto, numa Assembleia como esta em que a palavra só se legitimará se servir um pensamento e se este servir a vida portuguesa e a dignidade do homem nos seus mais profundos e permanentes anseios e direitos, seria imperdoável não se exaltasse, como está a fazer o Deputado Manuel de Jesus Silva Mendes, o glorioso poeta que foi José Régio. Que foi e que é, pois o seu grito de beleza e de bondade há-de repercutir-se pelos tempos fora, a despertar nos homens de boa vontade aqueles sentimentos puros e aquelas ideias nobres sem as quais não haverá no Mundo nem compreensão, nem paz… nem poesia.


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