«... em Portugal, a classe mais estúpida é a dos intelectuais».
António Sérgio
Veio novamente a lume, num pasquim de somenos importância (JL), o escrito de mais um intelectual da lusofonia (um tal de "M. Real") a dar por finda a filosofia portuguesa. Trata-se de mais uma... só mais uma aleivosia vinda de um cangalho cangalheiro cangarilhado, capaz de se fazer de morto para assaltar o coveiro. De facto, na linha sinuosa e serpentina de Eduardo Lourenço, o parvoeirão vem escrevinhando contra a filosofia portuguesa sem nunca acertar no alvo. Porém, ao invés, a filosofia portuguesa acerta-lhe sempre.
Tal sanha ardilosa, tendo sempre quem a sugira e promova, fora bem documentada por Orlando Vitorino nas mais diversas ocasiões. A que se segue é uma delas.
Miguel Bruno Duarte
Quem tem medo da filosofia portuguesa?
A designação de "filosofia portuguesa" é a que foi dada, a partir de 1943 (data em que Álvaro Ribeiro publicou o livro "O Problema da Filosofia Portuguesa") à sistematização das teses dos grandes pensadores deste século, Sampaio Bruno, Leonardo Coimbra, José Marinho, Santana Dionísio e o mesmo Álvaro Ribeiro, bem como as dos poetas que pensam e lhes são afins: Pascoaes, Pessoa e Régio. Com esta sistematização, tornou-se evidente que a "filosofia portuguesa" constitui o movimento intelectual mais importante da cultura portuguesa e logo se verificou que as suas teses se opõem às diversas expressões da cultura oficial, isto é, da cultura que, formada por psitacismo e ignorante da realidade portuguesa, seus princípios, seus valores e seus fins, é transmitida através da organização do ensino, do controlo da comunicação social, das forças políticas dominantes, das instituições do Estado e dos ambientes literários e artísticos subsidiários desses meios de transmissão.Tornou-se, então, um caso de sobrevivência para a cultura oficial a hostilidade à filosofia e, com ela, o prolongamento daquela que se exerceu, antes de 1943 e desde o início do século, às obras e personalidades de Bruno, Leonardo, Pascoaes e Pessoa.
Leonardo Coimbra e Teixeira de Pascoaes |
A "filosofia portuguesa" resistiu, porém, a todas as aleivosias. E sempre resistirá enquanto perdurar a existência de Portugal, porque é ela que dá razão dessa existência. Não é a filosofia de um grupo, de um "movimento", de uma "escola"; é a consciência da Pátria e encontra-se difusa em todos os Portugueses que pensam. Assim acontece com ela o mesmo que aconteceu com aquela "filosofia alemã" que, ao surgir dando razão da existência da Alemanha nos "Discursos à Nação Alemã de Fichte, veio a ver esses "Discursos" saudados por N. Hartmann como "um dos maiores acontecimentos da história universal".
Orlando Vitorino |
Há dias, apareceu numa revista da Universidade de Lisboa ("Cultura", Vol. IV, 1985) mais um artigo contra a "filosofia portuguesa" de mais um candidato à docência universitária, um tal Onésimo Teutónio Almeida. Este senhor, embora mostrando ter do que fala pouco saber, até daquele parasitário saber erudito e monografista que é próprio dos doutores, lá vai escrevendo a sua prova de hostilidade à "filosofia portuguesa" que constitui uma boa recomendação curricular. O daimon da "filosofia portuguesa" pregou-lhe, porém, a partida soprando-lhe uma verdade que ele evidentemente não entendeu, essa mesma de a filosofia portuguesa se encontrar difusa em todos os Portugueses, e fazendo-o escrever que a "filosofia portuguesa é uma movimentação muito complexa de gente que entra e sai em grupos, forma revistas que desaparecem e se volta a reagrupar e a surgir em outras iniciativas e movimentos".
Resta-nos fazer notar, para instrução dos políticos pouco cultos e das pessoas que em geral se deixam ficar na servil quietude da ignorância, que entre as teses da "filosofia portuguesa" se contam algumas que, expressa ou implicitamente, contêm a refutação de todas as espécies de socialismo.
- a afirmação da singularidade irredutível de cada indivíduo ou pessoa, com a consequente refutação do igualitarismo socialista (tese demonstrada, em especial, por Leonardo Coimbra e Álvaro Ribeiro; este último chega a considerar o igualitarismo como o principal factor da degradação das sociedades);
- a refutação das doutrinas do evolucionismo natural (Leonardo), bem como da adaptação que delas faz o progressismo indefinido ou infinito (José Marinho), e com a demonstração de que só há evolução no domínio do espírito ou da relação de cada homem com o espírito (Álvaro Ribeiro);
- a exigência de compreensão omnímoda e universal (José Marinho), com a implícita anulação dos contrários e respectiva dialéctica platónica ou hegeliana (Álvaro Ribeiro), seja a da baixa política corrente;
- a refutação da sociologia, falsa e impossível ciência cujo ensino só pode conduzir ao ateísmo e ao agnosticismo (Leonardo, A. Ribeiro);
- a teorização da economia liberal como única economia científica, teorização cujos princípios ou conceitos essenciais se encontram em A. Ribeiro, Leonardo e Bruno e foram expressamente aplicados por F. Pessoa à organização do comércio (in O processo das Presidenciais 86, Organizado e Publicado pelos Serviços da Candidatura de ORLANDO VITORINO, pp. 29-30).
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