terça-feira, 2 de novembro de 2010

"Vocês argumentam muito!" (i)

Entrevista a Garcia Domingues








Conversar significa, muitas vezes, converter, conversão. Os que nela participam expõem argumentos persuasivos, tentando que todos cheguem a um mínimo entendimento indispensável ao convívio e ao diálogo. Nesse trânsito, o pensamento detém-se, não raras vezes, na oposição entre premissas e na contradição entre conclusões, com objectivo de prosseguir na vereda mais adequada à sua finalidade: a verdade. Por conseguinte, não são de estranhar que algumas contradições poisem nestes diálogos.

Numa tarde cinzenta, Garcia Domingues recebeu-nos em sua casa (o João Luís Ferreira, o Elísio Gala, o Paulo Perloiro e o Francisco Moraes Sarmento), lá para os lados da Av. Almirante Reis. Levávamos connosco bons motivos de conversa: o nosso anfitrião é, entre nós, uma autoridade no domínio do pensamento árabe. Por outro lado, queríamos saber do homem que introduziu em Portugal a filosofia germânica contemporânea. Sem embargo, a estas razões, sobrevinha uma outra: a conversão de Leonardo Coimbra ao Cristianismo, assunto que tem gerado alguma polémica entre os discípulos do seu magistério filosófico.

Garcia Domingues é autor de várias obras sobre a filosofia alemã e o pensamento árabe, entre as quais se destacam os seguintes títulos:
A Filosofia da Angústia em Martinho Heidegger (1938), O Pensamento Alemão (1942), A História Luso-Árabe (1945), A Influência Árabe-Islâmica no Ultramar (1955), Filosofia e Mística dos Luso-Árabes (1960) e O Garbe Extremo do Andaluz e “Portugal” nos Historiadores e Geógrafos Árabes (1960).

O nosso interlocutor conviveu, ainda, com Miguel Asín Palacios, tido como a maior figura do arabismo peninsular e com o filósofo existencialista, Gabriel Marcel. Deste último, recorda-nos a visita que fez a Lisboa: “Quando Gabriel Marcel chegou a Lisboa organizou-se com intelectuais portugueses. Lá estava, entre outros, o Almada Negreiros. Sentámo-nos no chão em círculo ao modo islâmico. Assim, ficámos toda a tarde a conversar.

Durante o diálogo que mantivemos com Garcia Domingues os árabes estiveram sempre presentes. Surpreendeu-nos a refutação que fez da influência árabe em Portugal. Surpreendente porque sempre ouvimos aos nossos mestres estas palavras: «existem três tradições, a cristã, a hebraica e a islâmica». E a sua contribuição para a formação da nossa Pátria; e na gesta das Descobertas? Questões que de imediato expusemos ainda enlevados de espanto. Perante a nossa reacção Garcia Domingues rematou: “Sou arabista e pareço anti-árabe”. Outro aspecto que nos remeteu para o islamismo foi a apologia da guerra como factor determinante da evolução das sociedades. Mais tarde emendámos a conclusão. A divulgação do pensamento germânico em Portugal muito deve ao nosso anfitrião, recordámo-nos. Sobre este assunto ainda uma última advertência ao leitor: para a geração da Leonardo a guerra nada diz. Dela só temos as imagens brutais da história e os episódios contados em serões de família.

Silves















Durante três horas, as perguntas sucederam-se e o diálogo correu sem pausas, nem silêncios. Razões houve para que assim acontecesse. Garcia Domingues não é um defensor do positivismo. Sem embargo, durante a conversa recorreu a argumentos e ideias positivizantes, o que muito nos admirou. Depois, no sossego das nossas casas, arriscámos uma explicação: Garcia Domingues tem vocação de historiador. Recorre a factos e usa-os contra os argumentos. Trata-se, por assim dizer, de um artifício que faz resvalar o historiador para a positividade do passado perfeito. O vício positivizante, que exerce algum fascínio nos divulgadores da cultura, é uma muleta e, na maioria das vezes, uma espécie de âncora que impede o pensamento de viajar até às causas finais.

Quando se deu por finda a nossa conversa, Garcia Domingues aditou: «Foi a minha entrevista mais filosófica. Vocês argumentam muito!». Para terminar esta introdução, que já vai longa, evoquemos os tempos em que Garcia Domingues participava, mais como ouvinte do que aderente dos ideais dos nossos filósofos, nas tertúlias da filosofia portuguesa. Tudo começou, quando ainda estudante de filosofia conheceu Leonardo Coimbra no Porto. O acaso levou-o a encontrar-se com este pensador após a sua primeira comunhão, uma conversão que tem provocado alguma polémica entre os discípulos do magistério leonardino. Foi pela recordação desses tempos que começámos a nossa conversa…


Leonardo – O senhor conheceu Leonardo Coimbra. Que recordações guarda deste pensador português?

Garcia Domingues – Ainda era estudante de filosofia, quando o ouvi pela primeira vez. Foi na inauguração da estátua de Antero de Quental, no Jardim da Estrela, ocasião em que discursou perante uma “multidão enorme”. Observei, admirado, que Leonardo Coimbra dominou toda a assembleia constituída por alunos de filosofia. Feito difícil, pois eram pessoas que não eram ignorantes nos assuntos versados, nem se deixavam envolver por um discurso qualquer.



Garcia Domingues



Lembro-me de um grupo de estudantes de esquerda, chefiados por Agostinho Fortes, que se preparou para o assobiar e apupar. Às tantas, o professor exclamou para a sua rapaziada: “Com este diabo não fazemos nada. Vamos embora, vamos embora!”

Efectivamente, não se podia fazer nada: todo o ambiente estava enlevado pelo discurso de Leonardo. Até ele próprio… Com grande elevação poética proferia uma oratória astral com astros, sois e luas. De facto, era um orador exímio. Na minha vida, ouvi muitos discursos famosos, mas o de Leonardo Coimbra foi um dos mais empolgantes.

Mais tarde, um amigo comum levou-me ao escritório do Ângelo César, no Porto, onde lhe fui apresentado, assim como ao Teixeira de Pascoaes. Durante a conversação, a minha impressão de juventude foi confirmada.

L – O senhor encontrou-se com Leonardo Coimbra logo após a sua conversão ao Cristianismo, assunto que tem provocado acesa polémica entre os seus discípulos. O que nos pode dizer sobre isso?

GD – É verdade. Por acaso, encontrei-me com o filósofo portuense após a sua primeira comunhão. Era de manhã, por volta do meio-dia, quando nos cruzámos na Av. dos Aliados do Porto.

Creio que Leonardo estava inquieto com alguma coisa… Desde início manifestou a sua alegria e regozijo por ter comungado. Disse-me logo: “Sabe, vim agora de comungar na Igreja”.



Leonardo Coimbra



Durante o diálogo convenci-me de que se tratava de uma acção sincera, Aliás, não foi de estranhar. O pensamento leonardino evoluía no sentido do Cristianismo como indicavam as suas conversas, apesar de se desconhecerem as suas intenções quanto a uma real conversão.

L – Para além de Leonardo Coimbra, conheceu alguns elementos do grupo da filosofia portuguesa e, até, chegou a frequentar as tertúlias. Como foram esses tempos?

GD – Foi o Eudoro de Sousa que me introduziu na tertúlia da filosofia portuguesa. Ao tempo reunia-se no café situado na esquina da Av. da Liberdade com a Praça da Alegria. Nessa altura, conheci o José Marinho, que tinha acabado de ser demitido das funções que desempenhava no Liceu de Viseu.

O nosso interlocutor refere-se à demissão de José Marinho provocada por um texto que escreveu a propósito de um telegrama de felicitações a Salazar enviado pelos professores daquela escola por causa do atentado que sofreu e do qual saiu ileso. Nesse trecho, assinado por mais dois colegas, formulava-se o desejo de que a governação do Chefe de Estado não desse motivo a acções terroristas. Garcia Domingues deixava-nos, entretanto, a sua opinião sobre aquele filósofo português:

GD – O Marinho era professor de Latim, mas a sua preocupação era a filosofia. Se aprofundasse as ideias elementares que concebia viria a ser um verdadeiro filósofo.

Mais tarde conheci Álvaro Ribeiro. Este pensador já defendia a existência de filosofias nacionais e empenhava-se no esclarecimento da refutação das teses positivistas. Álvaro Ribeiro era um idealista? Talvez não. Digamos antes, que era um espiritualista.

Ao longo do tempo mantive contacto com o grupo da filosofia portuguesa, onde apareciam outros rapazes, até o Orlando Vitorino que conhecia de outros lados, quando ele era funcionário do Secretariado Nacional de Informação. O Orlando preparava na altura uma tese intitulada Fenomenologia do Mal que nunca cheguei a conhecer.






Trata-se da tese apresentada, em 1951, às provas de licenciatura do Curso de Ciências Histórico-Filosóficas da Faculdade de Letras de Lisboa. A tese foi reprovada por um júri presidido por Vieira de Almeida e constituído por Délio Santos, Virgínia Rau e Mário de Albuquerque. Este chumbo deu origem a um inquérito nas páginas da revista Ler no qual participaram algumas das personalidades mais representativas da «geração de 50». Vitorino Nemésio disse a propósito: «É o nosso primeiro contestatário». A tese foi publicada em 1970 na Teoremas acompanhada por um prefácio a que o autor deu o título A Idade do Corpo. Após este curto esclarecimento, o nosso anfitrião continuou a recordar os tempos em que participava nas tertúlias:

GD – Lembro-me, também, do Amorim de Carvalho, discípulo de um dos maiores pensadores da Europa do tempo. Ele ofereceu-me a sua tese de doutoramento na Sorbonne que versava sobre o problema estético ou a ciência da estética.

Um dos últimos trabalhos do seu mestre Jankétévitch, La Philosophie Première, é bastante interessante, se bem que não concorde por completo com as suas teses. Este filósofo tenta uma filosofia primeira não ontológica.

Nas tertúlias encontrei-me, ainda, com António Quadros, cuja obra tenho acompanhado de longe com atenção e simpatia. O último livro deste pensador sobre filosofia da história é arrojada…

Neste lance, mudámos de rumo à conversa. A filosofia da história deu-nos o pretexto para abandonarmos as lembranças e entrámos no assunto que nos levou até Garcia Domingues. Um de nós atalhou:

L – Quais são os princípios que devem presidir a uma teoria da história?

GD – Essa é uma pergunta tremenda, não é? Julgo que é possível conceber uma filosofia da história. A história não existe sem o socorro de um pensamento que a estruture. Conceitos como o de tempo ou espaço participam sempre na história e são, por assim dizer, a sua garantia. Ora, estas noções são discutidas no domínio da filosofia.

L – Hegel afirmava que a história não é profecia, nem nos permite dizer o que vai acontecer às civilizações. Nunca podemos afirmar em que sentido se movimenta a história. Só depois dos eventos se realizarem será correcto dizer algo.




GD - No meu tempo de estudante, a filosofia da história estava eivada pelas teses evolucionistas. Hoje, já não é assim: como podemos conceber uma tese evolucionista se observamos que os povos evoluem independentemente uns dos outros, conflituando-se mutuamente e obtendo diferentes resultados? O evolucionismo não se pode aplicar à história: tanto pode haver uma evolução como uma involução. Diria que existem evoluções diferentes para cada povo e civilização.

A filosofia da história tem de ser uma interpretação que se aplique e resulte para todos os casos.

L – Portanto, o movimento dos povos não se sujeita aos determinismos?

GD – Isso mesmo. A evolução dos povos não se subordina a nenhum determinismo. A história depende de um poder conflituando, dos seus resultados. O futuro depende do conflito entre civilizações…

Estranhamos a concepção do mundo baseada na guerra e no conflito. O idealismo alemão é pessimista e defende o primado da violência, de luta e do conflito. Caminhos divergentes dos da filosofia portuguesa que é optimista e realista. Acredita no homem e faz da verdade a sua estrela polar. A valorização da violência afigura-se-nos primeiro, como anti-natural, e depois, como anti-social. De propósito lembramos os dizeres do nosso Sampaio Bruno: «o pessimismo é o motivo determinante da má filosofia». Perante o nosso espanto, Garcia Domingues, recorre a exemplos:

GD – Basta haver uma guerra ideológica e social para se extremarem as posições em confronto. Por exemplo, onde existe mais fé católica é na Alemanha e na Suiça, porque há um permanente conflito com os protestantes. O confronto torna a fé viva e acentua as diferenças, embora haja contágios.

Existe um aspecto na Igreja de hoje que revela uma influência do protestantismo que não corresponde a coisa alguma. É quando o padre diz: «Cumprimentem-se!», imperativo logo seguido pela assembleia.

Ensinaram-me que era em Itália que existia maior fervor católico. Ora, penso o contrário. Do ponto de vista religioso é uma nação paganizada.

Reparem neste aspecto: o Papa quando chega à varanda a população bate palmas, à semelhança do que acontecia na antiga Roma com os Imperadores. Por outro lado, os cardeais usam as cores dos antigos senadores. A Igreja mantém, por conseguinte, as tradições da velha Roma Imperial.

Coliseu de Roma










L – A ideia que expôs não deriva de uma perspectiva dialéctica da história?…

GD – É uma perspectiva dialéctica, mas não é hegeliana.

Entendo a dialéctica ao modo dos gregos segundo o qual o filósofo vai de ideia a ideia até chegar a uma proposição conclusiva. A dialéctica é trânsito lógico e razoável, o que nada tem a ver com a teoria hegeliana, nem mesmo com a de Marx. Aliás, a chamada dialéctica marxista é algo que não se compreende. No marxismo não há dialéctica e a sua aplicação à realidade histórica é incompreensível. Em Hegel é tão-só fantasia. A ideia de tese, antítese e síntese defendida por este filósofo alemão é algo sem sentido, nem se entende.

No domínio da filosofia da história existem outros pensadores mais aceitáveis como Spengler a Toynbee.

L – Somos levados a concluir pelas suas palavras que só existe uma teoria da história a nível mundial. Por conseguinte, nega a cada povo uma filosofia da história, uma finalidade?

GD – A filosofia da história é uma filosofia universal. Agora, cada povo possui o seu próprio espírito, aquilo que os alemães designam Volksgeist.

O filósofo que está a filosofar tem de vencer o relativismo da interpretação do povo em que se insere. Senão a sua teoria não teria significado e ficaria diminuída na mera subjectividade.

L – Mas não é possível intuir nos acontecimentos históricos, literários, enfim, culturais, uma finalidade para cada Nação? É por acaso que os eventos se dão?

GD – Não, não acho. Há certas constantes em cada povo. A finalidade vêmo-la após os acontecimentos.

L – Segundo as suas afirmações, as Descobertas não tinham qualquer finalidade? Nem a da constituição do V Império?

GD – Há uma mistificação da história das Descobertas, à qual estão a associar conotações políticas para justificar certa política anti-patriótica desenvolvida pelo Estado. Actualmente, os nossos dirigentes políticos têm vergonha de afirmar que fizemos a expansão, porque estão a encolher Portugal. Nós, Portugueses, estamos a voltar a casa, perdido o Ultramar.



Infante de Sagres (quadro de Malhoa).




Brasão de Armas do Infante D. Henrique



Não descobrimos nada. Não partíamos para resolver este problema: o que existe para além do mar? Nunca fizemos uma coisa destas. O que houve foi a expansão, um fenómeno de expansão. A primeira acção consistiu na tomada de Ceuta, uma vez que tínhamos chegado ao Algarve. Só depois, o Infante D. Henrique se instalou em Sagres, dando início às navegações até aos Açores e Madeira. O desejo de ultrapassar o território que possuíamos deu origem à expansão do domínio político, religioso e económico. Fomos à procura da cana-de-açucar, à procura do ouro e dos produtos exóticos. O que não significa que não houvesse pessoas que contribuíram para a expansão com a preocupação das Descobertas que resultam da ambição.

É evidente que se fizeram algumas, mas foram sempre secundárias em relação às finalidades da expansão. As navegações determinaram o desenvolvimento das ciências naúticas e a invenção de instrumentos novos, como o nónio de Pedro Nunes.

A expansão é algo de muito natural aos povos. Principalmente se há uma explosão demográfica…

L – No entanto, os Portugueses de Quinhentos não eram assim tantos…

GD – Certo. Mas as possibilidades da criar fontes de riqueza eram menores do que existem nos nossos dias. A expansão era encarada como uma possibilidade de vida.

L – Esse movimento não tinha uma finalidade superior?…

GD – Sim, de acordo, há uma finalidade, mas só foi percebida posteriormente pela história. É com a história que se formam as ideias nacionais e os ideais de um povo que, porventura, podem indicar uma finalidade. Por assim dizer, os povos nascem, crescem e morrem. Criam uma espécie de força própria. Entre nós, foi a força expansiva. Mas essas ideias mudam, embora se verifiquem determinadas constantes. Já existiam povos no território antes da formação de Portugal, mas só no século XV surgiu a vocação da marinhagem.

L – Os árabes contribuíram para essa gesta?

GD – Essa influência foi diminuta. Os árabes preocupavam-se bastante com os limites geográficos dos territórios e da astronomia, e os seus conhecimentos foram úteis às navegações. A propósito recordo aos senhores, a famosa lenda dos Aventureiros de Lisboa segundo a qual navegadores árabes aventuraram-se no mar oceano, procurando o seu fim. É mentira.

No século XI após as invasões normandas, o Amir de Córdova ordenou a constituição de uma poderosa esquadra muçulmana, sediada em Sevilha, que começou a ser construída em diversos pontos da região compreendida entre Almeria e Huelva.

Mesquita de Córdova




Por essa altura, formou-se na Alfama de Lisboa um núcleo de resistência aos normandos. A sua acção consistia na vigilância costeira assinalando a passagem dos barcos que pretendiam atacar populações do Sul. É claro que nessas missões, digamos assim, de espionagem, alguns navios tanto se afastaram da costa que se perderam. Um desses almirantes deu com as Canárias. Deste modo, nasceu a ideia lendária de que os navegadores partiam para encontrar o mar com fim. Mas essa não foi uma preocupação real.

A ideia de expansão e de navegação surgiu mais tarde, já com o território português definido. Os Portugueses foram navegadores e marinheiros.

Quanto ao Quinto Império tenho a dizer o seguinte: um mito! Trata-se de uma magicação do Padre António Vieira que não corresponde a coisa alguma.

L – Por conseguinte, não concebe um reino do espírito?

GD – Não acredito num reino do espírito ligado à política. Fixar o espírito a uma nação é criar um messianismo à semelhança do povo hebraico. Trata-se de uma ideia que não corresponde a qualquer realidade religiosa.

L – Não terá sido no espírito que Portugal fundou o seu Império?

GD – A fé e o Império, diz Camões. Fé e Império andavam espalhando…

L – Camões não diz a política e o Império…

GD – Concordo. A expansão portuguesa é religiosa e a evangelização é, na verdade, um dos seus aspectos mais importantes. Podemos até afirmar que foi o motor deste empreendimento.

Nos navios viajavam sempre sacerdotes, frades, aliás, como acontecia com os espanhóis. O modo de actuar destes últimos foi brutal. De resto, Las Casas demonstrou num dos seus livros a obra destrutiva dos espanhóis em relação aos Maias e Astecas. É claro que os Portugueses também fizeram das suas, mas não era de forma sistemática. De uma forma geral, respeitávamos os modos de vida social, cultural e religiosa que encontrávamos.

L – A Igreja impediu a realização da obra missionária dos jesuítas portugueses no Japão. Não será isto um indício de que Roma interferia negativamente na expansão?


Fuji-san (Japão).


GD – Não creio. Muitos missionários no Oriente para conseguirem a conversão daqueles povos ao Cristianismo admitiam certos rituais e práticas. Tratava-se de uma questão política.

Ora, esta atitude era considerada pela Santa Sé algo de perigoso. Na verdade, podia-se subverter o Cristianismo e as ideias cristãs.

L - Qual a finalidade dos Portugueses nos nossos dias?

GD – Agora? Não creio que voltemos a lançar os barcos ao mar. Já não somos um povo de marinheiros.

Querem-nos fazer crer que a integração na Comunidade Económica Europeia é uma finalidade que não se resume a uma intenção política e económica, como se fosse a nova descoberta.

De modo nenhum se pode concordar com a unidade política da Europa ou com as teses defendidas pelo Sr. Delors e traduzidas para a língua portuguesa pelos nossos actuais políticos.

Não discordo com a adesão de Portugal à CEE, mas a criação dos Estados Unidos da Europa é uma ideia fatal para as tradições dos povos e dos pequenos estados. Um governo central na Europa fará desaparecer por completo as unidades culturais de todo o velho continente. A ideia dos EUE, se se concretizar, marca o início de a outra história, uma história de desastres (in Leonardo, Ano I, n.º 4, Dez. de 1988, pp. 25-31).













Continua


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