quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Contos Proibidos: Memórias de um PS Desconhecido (i)

Escrito por Miguel Bruno Duarte









Intróito

Já cá mora o testemunho insuspeito de quem, à semelhança de Sá-Carneiro, se sentiu atraído pelo sistema socialista nórdico, ou, se quisermos, pela social-democracia dos países escandinavos. Falamos, pois, de Rui Mateus cujo livro Contos Proibidos: Memórias de um PS Desconhecido, constitui a revelação de como o socialismo, designadamente o soarista, logrou amordaçar a existência política, económica e cultural dos Portugueses. No mais, tudo se processa a par de um provincianismo que caracteriza o próprio autor e os seus compagnons de route, pois o modo como, por entre peripécias em que sobressaem os planos de controlo e subversão do Estado, partidos, fundações e Comunicação Social, se alude, num misto de inocência e desfaçatez, às férias passadas na Áustria a fazer esqui, ou ao contacto, no Japão, com «a componente da Trilateral» – de que, aliás, Rui Mateus fora membro entre 1987 e 1992, «juntamente com António Vasco de Mello, Francisco Pinto Balsemão, Ilídio Pinho e Jorge Braga de Macedo» –, não pode deixar cair no esquecimento aquela distinção que já Frederico Hayek preconizara nos seguintes termos: «no capitalismo, só os ricos são poderosos; no socialismo só os poderosos são ricos».

Nesse aspecto, o contraste com Oliveira Salazar permanece profundamente revelador se, para o efeito e a título de exemplo, atentarmos no que Franco Nogueira assentou a respeito da perda de Goa: 

«(...) Salazar tem no coração e na alma todas as dores de Portugal. Mas o chefe do governo vê e sente com clareza, sobretudo, a aridez da sua vida, a desolação de toda uma existência. Sente-o quando uma mulher ignorada lhe oferece, como dádiva moral pela perda de Goa, um pequeno cofre, rico exemplo de arte luso-indiana, com um emblema e uma chave de cristal e oiro. É objecto de preço, segundo Salazar julga, e não pode aceitá-lo. Para quê? Quem o cuidaria? Quem o estimaria? Na carta em que o devolve, Salazar diz: "Eu não tenho ninguém e depois de mim tudo se dispersará e perderá significado e valor". Apenas "gostaria de encontrá-la um dia e agradecer-lhe de viva voz tanta dedicação e tão elevado patriotismo"».

Um contraste, portanto, altamente significativo se procurarmos atender ao facto de, uma vez implantado o regime comuno-socialista em Portugal, ter conseguido Mário Soares, apoiado em organizações políticas e financeiras internacionais, organizar «uma "poderosa rede de influências" sobre o aparelho de Estado através da colocação de amigos fiéis em postos-chave». Assim, desde a «conta especial do Mário» no Bank fur Gemeinwirtschaft em Francforte, que, segundo apurara Mateus, «movimentaria somas consideráveis», passando pelos banquetes socialistas como aquele em que, na América Latina, o autor também participara com caviar do Irão servido «em quantidades incompatíveis com a miséria que se sentia por toda a parte daquele país [Peru]», até ao memorável repasto que, aquando da cerimónia do presidente recém-eleito (Mário Soares) na Assembleia da República, trouxera a Portugal Frank Carlucci, George Bush (pai), François Mitterrand, Lionnel Jospin, Felipe González, Betino Craxi e Willy Brandt, eis, pois, como os Portugueses foram cabalmente traídos sem que disso tivessem a menor e a mais funda consciência.

Enfim, nada melhor do que a expressão soarista para assim caracterizar a tão badalada democracia que aí temos, a saber: Portugal Amordaçado.



Sobre a organização socialista, totalitária e antidemocrática que se apoderou de Portugal






Pertinente é, sem dúvida, o testemunho de quem ousou revelar em livro, desde logo subtraído do mercado livreiro, o que foi e continua sendo a mais poderosa organização socialista largamente responsável pelo descalabro político, económico e espiritual dos Portugueses. Falamos, pois, de Rui Mateus, que, em Contos Proibidos: Memórias de um PS Desconhecido (Publicações Dom Quixote, 1996), relata-nos, com base no seu papel enquanto agente de “relações internacionais” ao serviço de «instruções superiores», nomeadamente as de Mário Soares (p. 151), o que verdadeiramente caracteriza o perfil alegadamente democrático do Partido Socialista Português. Logo, não obstante o que se afigura ser um ajuste de contas do autor com o ex-secretário-geral do Partido Socialista, a verdade é que, deduzidas as suas esperanças sobre o que chama de «generosa revolução» (p. 58), ou descartada a sua crença no «socialismo democrático», o relato de Rui Mateus é, ainda assim, a maior e a mais cabal prova que um socialista nos poderia facultar sobre os meios e os instrumentos que o socialismo dispõe para destruir, como efectivamente destruiu, Portugal.

De resto, alguns aspectos inerentes ao socialismo do pós-25-de Abril também se devem, de certa forma, aos erros e contradições em que se deixara envolver o Estado Novo, quanto mais não fosse por ter alimentado, nas palavras de Álvaro Ribeiro, a «esperança de quantos pensavam que o equilíbrio financeiro antecedia o planeamento económico, precursor do socialismo» (16). Porém, não menos alarmante era o que já então sobressaía na forma atentatória de um internacionalismo dirigido contra a presença portuguesa em África, na Ásia e na Oceania. E, como tal, de um internacionalismo que, uma vez destruída a estrutura multirracial e pluri-continental da Nação portuguesa, passaria pelo apoio ideológico e financeiro da Internacional Socialista ao Partido Socialista Português, bem como pelo correspondente aval das sucessivas administrações americanas.

Quanto à ingerência EUA, é por demais conhecido o papel desempenhado por Frank Carlucci, que chegou a Portugal em Janeiro de 1975 para substituir, na Embaixada americana em Lisboa, o embaixador Stuart Nash Scott (id., p. 74). Não fora, portanto, pequena a sua acção em prol da implantação do socialismo em Portugal, pois, se bem que um antigo embaixador do nosso País em Washington, João Hall Themido, tivesse afirmado, em seu livro de memórias, Dez Anos em Washington, «que Carlucci terminou a sua missão em Portugal em finais de 1978 quando foi designado director adjunto da CIA», a verdade é que, consoante assinala Rui Mateus, «Carlucci seria de longe mais útil a Soares depois da sua nomeação para a CIA do que seria, de qualquer modo, a partir de 1978, à frente da embaixada de Lisboa» (p. 170).

Mário Soares na Internacional Socialista em Estocolmo, 22 de Agosto de 1975 (in Mário Soares, Uma Fotobiografia, Bertrand Editora, 1995, p. 115).


Porém, quanto à ingerência da Internacional Socialista, atentamente seguida pela política externa americana, convém relembrar aquele episódio em que Mário Soares e outros camaradas procuravam contribuir para a propagação do socialismo à escala internacional. Ora, um tal episódio, contado por Rui Mateus, consiste no seguinte: Mário Soares, designado em 1978 para chefe de várias missões da Internacional Socialista na América Latina, fora à República Dominicana para intervir no processo eleitoral a favor do candidato presidencial do Partido Revolucionário Dominicano, António Guzman, que havia sido convencido pelo secretário-geral do partido, José Francisco Peña Gomez, a candidatar-se contra Balaguer que era, curiosamente, um admirador de Salazar; nisto, Mário Soares, acompanhado de Rui Mateus e pelos delegados da Internacional Socialista, incluindo o seu secretário-geral, seria recebido no aeroporto pelo «Presidente da República com todo o seu governo e corpo diplomático ao fundo de uma carpete encarnada»; ora, Mário Soares, que aterrara como um agente da Internacional Socialista, via-se agora «tratado como primeiro-ministro de Portugal e a visita subitamente transformada numa visita oficial», sendo ainda recebido no palácio presidencial onde o presidente Balaguer «falaria do seu País, do apoio que o seu governo tinha dado na ONU ao governo de Portugal sobre a questão colonial, a troco da exportação de açucar para o nosso País»; de resto, Balaguer nunca perguntaria pelo propósito da visita de Soares e seus correligionários à República Dominicana, mesmo depois de lhe terem dito que estavam ali para apoiar o PRD, o partido que o pretendia derrubar.

Além do mais, uma parte significativa do relato dessa visita surge um pouco à semelhança do que já Aristóteles, relativamente à comédia, traduzira nos termos daquela espécie de vícios que, por defeito, assinalam o ridículo cuja natureza é ser apenas torpeza anódina e inocente:

«O entusiasmo era tanto que Soares "regressou" aos tempos do PREC e, perante o espanto do general do exército que Balaguer tinha colocado às suas ordens, tomou conta da situação, ordenando ao tímido António Guzman que erguesse o punho e gritasse as palavras de ordem. A principal, recordo-me como se fosse hoje, era "Peña, timón de la revolución", ou Peña, timoneiro da revolução. O grande comício, que duraria praticamente todo o dia, iria acabar num anfiteatro apinhado de gente em que foram produzidos os discursos mais revolucionários e mais cómicos que eu ouvira até então. O entusiasmo era indescritível e a desorganização também. No discurso final, Peña Gomez decidiu chamar os delegados internacionais, um por um, entregando-lhes medalhas e certificados do seu Partido agradecendo a nossa solidariedade. Cada um era recebido com tanto entusiasmo e barulho que o teatro parecia em risco de desmoronamento. Seria um acontecimento inesquecível e os membros da delegação não sabiam se acabariam por morrer esmagados pelo entusiasmo popular ou de riso. Ao sermos mencionados pelo orador, os nossos cargos políticos seriam todos inflacionados de tal maneira que era impossível conter as gargalhadas, que durariam durante todo o resto da viagem. Quando anunciaram Volkmar Gabert, deputado do SPD da Bavária, chamaram-lhe primeiro-ministro da Bavária, despromovendo completamente o conservador Franz Josef Strauss e nem o assessor diplomático de Soares escaparia, quando foi chamado à tribuna em último lugar para receber o seu diploma como "Francisco Knopfli, secretário-geral da juventude socialista portuguesa"! Diplomata de carreira que era, ia morrendo de susto e deu graças a Deus por não ter aparecido na TV portuguesa, quando timidamente retribuiu o estrondoso aplauso com o punho esquerdo no ar!» (pp. 155-156).




Mas a surpresa não se faria esperar, quando, «nessa madrugada, os militares dominicanos tomariam conta do poder, começando a prender dirigentes do PRD em todo o país», e, por isso, a considerar a «delegação soarista» como «persona non grata» na República Dominicana. Moral da história: Mário Soares, que andara mais de 24 horas de punho no ar a dar vivas ao PRD e a gritar «abaixo a ditadura», concluíra, com os seus compagnons de route, que o mais indicado era deixarem a República Dominicana, onde, chegados ao aeroporto, os esperava o avião do presidente da Venezuela, Carlos Andréz Perez, e «o presidente Balaguer, o Governo, os militares e o corpo diplomático a apresentar cumprimentos de despedida!» (p. 157).

Contudo, o mais espantoso é que António Guzman, no espaço de duas semanas, ganhara as eleições presidenciais, pese embora repudiadas pelos militares dominicanos. E se não fosse a intervenção favorável do presidente Jimmy Carter à revelia da política externa dos EUA no seu tradicional apoio às ditaduras sul-americanas, António Guzman nunca teria chegado a presidente da República Dominicana.

De facto, o socialismo, sob pena de trazer a ruína e a miséria aos diferentes povos e nações do mundo, não se afigura «uma opção política válida» tal como António Quadros admitira num horizonte teoricamente democrático, até porque, em certos e determinados casos, o socialismo só aparentemente surge desprovido de sua projecção totalitária e revolucionária (cf. A Arte de Continuar Português, Edições do Templo, 1978, p. 35). Logo, enveredar pelo socialismo equivale a uma dolorosa ilusão largamente exposta no livro de Rui Mateus que, segundo consta, «não aparece desde 28 de Janeiro de 1996» – «uns dão-no na Suécia, outros no Brasil – vendeu 30 mil livros num só dia. A quem? Nunca se saberá, porque a editora nunca o disse e nunca publicou nova edição. Hoje a Internet já disponibiliza o seu livro gratuitamente» (cf. «A censura democrática proíbe livros, pressiona editores e afasta incómodos», in O Diabo, 8 de Set. de 2009).















Ora bem: tentar hoje “repor a verdade” sobre o facto de ter sido e continuar a ser o Partido Socialista um dos principais partidos responsáveis pelo sistema partidocrático reinante (pp. 13 e 15), assim como, a par da Maçonaria e da Opus Dei (p. 20), ter também ele próprio minado a possibilidade de poder vir a existir um sistema democrático em Portugal, passa quanto antes por refutar e combater, sem tréguas, a organização universitária gerida, apoiada e sustentada pela engenharia esquerdista dominante. Fundações, centros universitários, imprensa económica, política e cor-de-rosa, meios de comunicação técnica e tecnologicamente emergentes, tudo funciona a título de reforço, branqueamento e extensão do que já André Malraux designara, olhando para o período pós-25 de Abril, como a «primeira vitória dos mencheviques sobre os bolcheviques» (p. 18). Deste modo, fiquemos então com alguns dos aspectos mais comprometedores que fazem do socialismo mais real e vivido uma «matéria de tráfico de influências e de corrupção» (p. 19).

Continua


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