Escrito por Orlando Vitorino
Este carácter socializante e, por fim, declaradamente socialista do salazarismo veio-se acentuando à medida que as forças do capitalismo se tornavam dominantes. Todos nós sabemos (ver «Escola Formal», n.º 3) como o capitalismo, através dos monopólios resultantes do domínio que exerce sobre o aparelho de Estado, prepara com o controle da produção e o planeamento da economia, o advento e a proclamação do socialismo. Quando se dá, por fim, o golpe do 25 de Abril, o país estava, em todos os sectores, entregue às estruturas socialistas. De tal modo que, para se proclamar socialista, o «novo» regime político nada, praticamente, estruturalmente, precisou de substituir ou sequer alterar. Apenas num ou noutro sector teve de gravar a legislação já existente: no da disciplina ou relações de trabalho, em que agravou as sanções sobre os trabalhadores; no controlo da expressão, em que está substituindo a abominável censura exercida por uma comissão oficial pelos condicionalismos de taxas alfandegárias, aquisição de papel, etc., que conduzem à mais abominável censura universal; no da organização do ensino, em que declara que toda a aprendizagem se deve subordinar à utilidade económica, anula o direito de ensinar condicionando de modo impeditivo o ensino «particular» ou livre, e aperta nos mais estreitos critérios - «numerus clausus», etc. - a selecção escolar.
O semanário «A Rua», que durante dois anos foi o valente e fiel defensor das «soluções» salazaristas, acabou por reconhecer, num dos seus últimos números, que o socialismo hoje instituído entre nós é, afinal, consequência e obra do salazarismo.
É, pois, este desenvolvimento - que a muitos, politicamente desprevenidos ou desarmados, se afigurará estranho - que o livro de Franco Nogueira não explica, embora contenha elementos para o fazer. Fundamentalmente:
- Como explicar que o salazarismo tenha sido inicialmente, no domínio das «finanças», um liberalismo contra o qual, conforme diz F. Nogueira, «a alta roda económica e financeira dos conservadores redobrava as discordâncias, os ataques, as queixas» (p. 36) ou do qual «a alta roda económica e financeira... hesitava em aplaudir um estado de coisas que vinha cercear os seus privilégios, contrariar os seus hábitos, retirar-lhe posições» (p. 50)?
- Como explicar que, restauradas liberalisticamente as finanças, o salazarismo passe a ceder à «alta roda económica e financeira» até se deixar dominar inteiramente por ela (F. Nogueira sabe como, a partir de certa data, os próprios ministros eram designados ou destituídos pela «alta roda») e fazer do aparelho do Estado um instrumento da monopolização e da planificação da economia?
-Como explicar que, simultaneamente com essa «capitalização» do país, se tenha procedido à sua integral «socialização»?
Por não haver, no minucioso livro de Franco Nogueira, traço algum ou vestígio de tal facto, do seguinte vamos dar aqui notícia.
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Charles de Gaulle
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Quando, em 1958 ou 1959 (citamos de lembrança), foi feito Presidente da República Francesa, o General Charles de Gaulle nomeou uma Comissão, presidida por Jacques Rueff, com todos os poderes para «restaurar as finanças». Jacques Rueff era, e é, um famoso economista de uma corrente muito contrária ao socialismo, corrente que, na época, ainda não tinha reconquistado a confiança que em nossos dias está reconquistando uma vez que se encontrava submersa pela onda do socialismo que, a partir de 1930 e, sobretudo, nos anos seguintes à guerra mundial, ocupava toda as posições de comando na Europa. Jacques Rueff foi, na altura, entrevistado pelo semanário «L'Express» que não era, então, lido em Portugal como é hoje e alinhava num «esquerdismo» que parece agora estar a abandonar. A entrevista foi naturalmente conduzida com patente hostilidade para com o entrevistado. Quando ele expôs as directrizes, de carácter liberalista, que se propunha seguir, os jornalistas manifestaram-lhe a estranheza de ele adoptar tais directrizes num mundo tão confiantemente entregue ao socialismo e perguntaram-lhe que mínimas garantias concretas e práticas ele poderia apresentar para a defesa do liberalismo que preconizava. Respondeu-lhes Jacques Rueff que ele próprio fizera a experiência em Portugal; que, em 1828, o Dr. Oliveira Salazar, ao assumir o Ministério das Finanças, lhe solicitara o que De Gaulle lhe solicitava, a restauração das finanças do seu país, o que ele fizera com os resultados conhecidos. Acrescentou ainda que todos os anos vinha a Portugal observar a evolução da sua obra e a acertar aquilo que naturalmente as circunstâncias obrigavam a acertar.
É deste facto, sem dúvida revelador, que o livro de Franco Nogueira não dá mínimo sinal. Devemos também dizer que, na época, dele se deu conhecimento, e até a Teutónio Pereira que era Ministro da Presidência, mas sem que disso se conheçam quaisquer consequências.
Longe de nós qualquer intuito de, com a lembrança da entrevista de Jacques Rueff, tirarmos a Salazar a sua glória ou, pelo menos, o mérito principal da sua acção de governante, a façanha que está na origem da autoridade que conquistou. Ele próprio - diz-nos Franco Nogueira - reconhecia que a restauração das finanças podia ser considerada a tarefa de um técnico, não de um político. E podemos admitir que, assim como Salazar recorreu a um economista estrangeiro, assim os actuais, sucessivos governantes socialistas que temos hoje recorram, para o mesmo fim, a técnicos estrangeiros fornecidos pelas «internacionais» a que pertencem. Há sinais disso. O que ficamos é a perguntarmo-nos: que coisa são, então, os políticos? Que coisa fazem eles da política? Que ciência é a sua? Que valor é o seu? Como justificam o exercício do poder? Que faz deles os senhores do nosso destino? (in
ob. cit.).
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Oliveira Salazar |
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