sábado, 27 de fevereiro de 2010

O socialismo não é o único caminho (ii)

Entrevista a Orlando Vitorino








Cooperativismo e direito de propriedade


D.M.– Que pensa o sr. dr. sobre o Cooperativismo?

O.V. – O Cooperativismo é uma forma de associação. Todas as formas de associação podem ser possíveis e são legítimas. O que se não pode é transformar um modo de associação particular no tipo de associação universal.

Não se pode admitir que, por exemplo no caso da economia, a iniciativa particular seja proibida e a iniciativa cooperativa seja autorizada.

D.M.– O sr. dr. defende a iniciativa privada...

O.V. – Completamente. De acordo, aliás, com os sistemas económicos neoliberais, o direito de propriedade ou a propriedade é a categoria essencial da qual depende todo o desenvolvimento da economia e toda a propriedade dos povos.

D.M.– Esse direito de propriedade que defende é limitado ou ilimitado?

O.V. – Considero que o direito de propriedade pode ser absoluto e pode ter limites.

Há três graus no direito de propriedade:

O primeiro é a propriedade absoluta, que é a propriedade que cada um de nós tem do nosso corpo.

Esse direito é o que explica e justifica o direito de sermos fisicamente livres. De não podermos estar sujeitos a torturas.

Um segundo grau, que será o da propriedade perfeita, é a propriedade da terra.

Um terceiro, que é o mais imperfeito grau do direito de propriedade, é o da propriedade industrial.

Pode e tem de haver limites quanto à propriedade industrial. Não pode haver limites quanto à propriedade do corpo.

D.M.– E quanto à propriedade da terra?

O.V. – Quanto à propriedade da terra é difícil pôr-lhe limites.

Todos os limites que se ponham à propriedade da terra levam à diminuição dessa relação de propriedade entre o homem e a terra, e conduzem a uma deficiência da produtividade e da contribuição que a terra dá para a economia.



D.M.– O sr. dr. aceita que, em certas circunstâncias, seja legítima a expropriação e justificável a existência de empresas estatizadas?

O.V. – Acho que não deve haver empresas estatizadas.

O Estado só pode ter empresas com carácter supletivo, só quando não existam particulares que tomem a seu cargo a realização de funções ou a prestação de serviços que são necessários à comunidade. Só nessa altura o estado, transitória e supletivamente, pode formar as empresas para isso.


Sindicalismo e greve


D.M. – Que pensa o sr. dr. sobre o Sindicalismo?

O.V – O Sindicalismo é outro tipo de associação, perfeitamente justo. Todos os trabalhadores devem ter o direito de formar sindicatos e de defender os seus interesses através de sindicatos.

O que não se deve permitir, e deve-se impedir aquilo que existe, é a utilização do sindicalismo para finalidades políticas.

Geralmente essa utilização é feita através das centrais sindicais que, como toda a gente sabe, são, no dizer corrente, correias de transmissão. A UGT é correia de transmissão de um Partido, a CGTP aparece como correia de transmissão de outro Partido. São, portanto, imposições políticas aos sindicatos e, através dos sindicatos, aos trabalhadores.

D.M.– E sobre a greve?

O.V. – A greve é um direito que assiste aos trabalhadores mas dentro de um certo tipo de negociação.

A existir tem que ter, como contrapartida, o lock-out.


Liberdade de ensino


D.M. – Há bocado falámos de ensino. Defende a liberdade de Ensino...

O.V – Defendo completamente a liberdade de ensino e até entendo que todo o ensino deve ser privatizado.

A privatização do ensino começa por aparecer na Universidade, no plano do Ensino Superior, e é aí que as pessoas, geralmente, oferecem mais resistência a admitir que o ensino universitário seja privatizado. Há gente que vê com dificuldade que não seja o Estado a organizar a Universidade. No entanto, essas pessoas esquecem-se de que: primeiro, é possível privatizar o Ensino Superior; em segundo lugar, existem instituições imediatamente aptas a criar um ensino universitário completo de carácter privado.

Estão neste caso, como é evidente, a Igreja, que já tem uma universidade, embora essa universidade esteja um tanto condicionada ao plano de ensino do Estado.

Também seria fácil, e uma das grandes funções para essa instituição, a criação de uma universidade pela Fundação Gulbenkian.




D.M. – Quem lhe parece que é o primeiro responsável pela acção educativa?

O.V. – Iria dizer-lhe que o primeiro responsável, em termos gerais, seriam os responsáveis pelos destinos da Pátria. Em termos institucionais, os primeiros responsáveis seriam, de um lado, os que representam o pensamento, a cultura, o espírito português; ao lado desses, a Igreja.

D.M. – Não entende a Igreja, o Estado e as outras estruturas educativas como supletivas da família...

O.V. – Acho que devem ser prolongamento da família.

D.M. – Substituindo a família?

O.V. – Nunca substituindo a família.

A família tem que ser primacial.

Tem que ser concebida como uma coexistência de três gerações: dos pais, dos filhos e dos netos ou, se quiser, dos avós, dos pais e dos filhos.

A família tem que ter o direito absoluto sobre tanto a educação dos filhos como pela protecção dos velhos, do que chamam assistência à Terceira Idade.

A educação e o ensino dos filhos deve ser da responsabilidade directa dos pais.

D.M. – Que pensa o sr. dr. sobre o divórcio?

O.V. – O divórcio é uma destas instituições que foram justificadas para evitar situações trágicas resultantes de certos conflitos entre as pessoas.

No entanto, a relação entre as pessoas é uma relação de vínculo transcendental e, nesse plano, o divórcio não tem acesso.


Comunicação social


D.M.– Que opinião tem sobre a Comunicação Social?

O.V. – Toda a Comunicação Social deve ser inteiramente privatizada.



A situação em que se encontra é uma situação de controlo pelo Estado da maioria dos Meios de Comunicação Social, o que leva a um controlo muito mais grave e muito mais apertado do que, por exemplo, uma censura oficial.

Aliás eu bati-me, logo por volta de 1977, por uma televisão independente e pude observar, pude sentir e pude sofrer o que era a feroz oposição dos meios políticos de todos os matizes, de todos os partidos, a uma televisão particular.

Os políticos estão interessados em ter enm suas mãos, em controlar e dominar o meio de comunicação que maior influência tem sobre a formação, já nem digo da opinião pública, mas sobre a decisão que as pessoas tomam ao votar.

Não querem perder esse meio.

Assisti a uma das contagens de votos de uma das eleições mais importantes que se fizeram e, em conversa com um jornalista americano, ao perguntar-lhe a opinião sobre os resultados, disse-me verificar que, na situação em que Portugal está, quem tiver a televisão nos últimos cinco dias, antes do dia das eleições, ganha as eleições.


Afastado de todos os partidos


D.M.– No actual quadro político, o sr. dr. situa-se no centro, na direita, na esquerda, na extrema-direita, na extrema-esquerda?

O.V. – Tudo isso são palavras. As palavras são o que há de mais importante até ao momento em que não forem transformadas em simples coisas, em simples instrumentos e em simples armas.

Já tenho sido considerado de extrema-esquerda como já tenho sido considerado de extrema-direita.

Todas essas considerações que me têm sido feitas são sempre completamente infundamentadas e não têm a mínima abonação em qualquer coisa do que eu tenha dito ou escrito. E eu tenho escrito muito. Sou um escritor. Tenho livros publicados sobre diversos assuntos que são fundamentais para a política. E nunca vi aplicarem-me um rótulo qualquer destes, abonando-se em alguma coisa que eu tenha escrito.

D.M.– O sr. dr. está ligado a algum dos actuais partidos, ou sente-se identificado com algum deles?

O.V. – Eu sinto-me, não digo igualmente afastado de todos os partidos, mas afastado e separado de todos os partidos.






D.M– Mas aceita a existência dos partidos...

O.V. – Os partidos estão nas mesmas condições, são também formas de associação, todas as associações devem ser livres de se formarem.

O que não posso admitir é que existam associações que gozam de privilégios que os cidadãos, em geral, não podem ter. Os partidos, por exemplo, têm o monopólio da representação popular. Isto é completamente ilegítimo, completamente antidemocrático e completamente anti-nacional.

D.M.– O sr. dr. aceita, portanto, todos os partidos.

O.V. – Só não aceito uma associação que se forme e tenha por actividade levantar obstáculos, seja à prosperidade económica dos portugueses, seja à liberdade dos portugueses, seja à vida espiritual dos portugueses.

Existem, efectivamente, partidos que, na opinião dos principais governantes que tem havido nos últimos anos, são partidos que se opõem, que contrariam, que criam obstáculos tanto à prosperidade, como à liberdade, como à vida espiritual dos portugueses.

É evidente que esse tipo de associações partidárias não pode ser legalizado.

D.M.– Se fosse convidado a apresentar-se aos portugueses, o que diria?

O.V. – Creio que é isso que tenho estado a dizer. Tenho estado a dizer o que penso e parece-me que o que define melhor um homem é o que ele pensa.

Evidentemente que todos temos uma existência em três planos: no plano físico ou corpóreo, no plano sentimental ou anímico e no plano espiritual.

Num homem que se candidata ou pretende exercer uma acção política, o importante para ele é o plano espiritual. É o plano onde se definem doutrinas, onde se fazem escolhas de carácter geral ou universal, e só daí é que pode depender a política.

D.M.– O sr. dr. profissionalmente o que é?

O.V. - Ganho o pão de cada dia como funcionário da Fundação Gulbenkian.

Além disso, tenho exercido muitas actividades, todas elas no domínio da Cultura e das Artes.

Escrevo. Estou permanentemente a preparar um livro.



Fundação Calouste Gulbenkian












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