terça-feira, 20 de abril de 2010

O Despertar dos Mágicos (v)

Escrito por Louis Pauwels e Jacques Bergier




V-2


Os engenheiros alemães, cujos trabalhos estão na origem dos foguetões que expulsaram para o céu os primeiros satélites artificiais, foram obrigados a atrasar o acabamento dos V-2 pelos próprios chefes nazis. O general Walter Dornberger dirigia as experiências de Peenemünde onde nasceram os engenhos teleguiados. Suspenderam essas experiências para submeter os relatórios do general à apreciação dos apóstolos da cosmogonia horbigeriana. Tratava-se, antes de mais nada, de saber como reagiria, nos espaços, o «gelo eterno», e se a violação da estratosfera não desencadearia qualquer desastre sobre a Terra.

O general Dornberger conta, nas suas memórias, que os trabalhos foram de novo suspensos por dois meses, um pouco mais tarde. O Führer sonhara que os V-2 não funcionariam ou então que o céu se vingaria. Como esse sonho se produziu num estado de transe especial, teve maior influência nos espíritos dos dirigentes do que as opiniões dos técnicos. Para além da Alemanha científica e organizadora, o espírito das antigas magias estava alerta. Esse espírito não morreu. Em Janeiro de 1958, o engenheiro sueco Robert Engstroem dirigia um memorial à Academia das Ciências de Nova Iorque para precaver os Estados Unidos contra as experiências astronómicas. «Antes de proceder a tais experiências seria conveniente estudar de uma maneira nova a mecânica celeste», declarava esse engenheiro. E prosseguia, em tom horbigeriano: «A explosão de uma bomba H sobre a Lua poderia causar um pavoroso dilúvio sobre a Terra». Nesta estranha advertência torna a encontrar-se a ideia paracientífica das alterações de gravitação num Universo em que tudo se repercute sobre tudo. Essas ideias (que no entanto não são inteiramente para desprezar se se pretende manter abertas todas as portas do conhecimento) continuam, na sua forma ingénita, a exercer um certo fascínio. No final de um célebre inquérito, o americano Martin Gardner calculava, em 1953, em mais de um milhão de discípulos de Horbiger na Alemanha, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Em Londres, H. S. Bellamy prossegue há trinta anos a organização de uma antropologia que tem em consideração a derrocada das três primeiras luas e a existência dos gigantes secundários e terciários. Foi ele que pediu aos russos, depois de guerra, autorização para dirigir uma expedição ao monte Ararate, onde contava descobrir a Arca da Aliança. A agência Tass publicou uma recusa categórica, por os soviéticos terem proclamado a atitude intelectual de Bellamy como fascista e serem de opinião que tais movimentos paracientíficos são de natureza a «revelar forças perigosas». Em França, Denis Saurat, universitário e poeta, tornou-se o porta-voz de Bellamy e o êxito do trabalho de Velikovsky demonstrou que muitos espíritos continuam sensíveis a uma concepção mágica do mundo. É quase escusado dizer, finalmente, que os intelectuais influenciados por René Guénon e pelos discípulos de Gurdjieff concordam com os horbigerianos.







Em 1952, um escritor alemão, Elmar Brugg, publicava um volumoso trabalho em honra do «pai do gelo eterno», do Copérnico do nosso século XX». Escrevia ele:

«A teoria do gelo eterno não é apenas uma obra científica considerável. É uma revelação das ligações eternas e incorruptíveis entre os cosmos e todos os acontecimentos da Terra. Ela junta aos acontecimentos cósmicos os cataclismos atribuídos aos climas, as doenças, as mortes, os crimes, e desta forma abre portas completamente novas ao conhecimento da marcha da humanidade. O silêncio da ciência clássica a seu respeito só é explicável pela conspiração dos medíocres».

(...) O nosso espírito recusa admitir que a Alemanha nazi encarnasse os conceitos de uma civilização sem relação com a nossa. E no entanto é isso, e mais nada, que justifica essa guerra, uma das poucas da história conhecida cujo objecto foi realmente essencial. Era necessário que uma das duas visões do homem, do Céu e da Terra, triunfasse, a humanista ou a mágica. Não havia coexistência possível, ao passo que se pode facilmente imaginar o marxismo e o liberalismo coexistindo: eles assentam sobre a mesma base, pertencem ao mesmo universo. O universo de Copérnico não é o de Plotino; ambos se opõem fundamentalmente, e não apenas no plano das teorias, como no da vida social, política, espiritual, intelectual, passional.

O que nos constrange, para admitir essa visão estranha de outra civilização estabelecida em tão pouco tempo para além do Reno, é que conservamos uma concepção infantil da distinção entre o «civilizado» e aquele que o não é. Precisamos de capacetes de plumas, de tantãs, de choças para sentir essa diferença. Ora seria mais fácil fazer um «civilizado» de um feiticeiro banto do que ligarmos Hitler, Horbiger ou Haushoffer ao nosso humanismo. Mas a técnica alemã, a organização alemã, comparáveis, se não superiores às nossas, ocultaram-nos esse ponto de vista. A formidável novidade da Alemanha nazi foi que o pensamento mágico se uniu à ciência e à técnica.




Os intelectuais difamadores da nossa civilização, virados para o espírito das antigas épocas, sempre foram inimigos do progresso técnico. Por exemplo, René Guénon ou Gurdjieff, ou os inúmeros hinduístas. Mas o nazismo foi o momento em que o espírito de magia se apossou das alavancas do progresso material. Lenine dizia que o comunismo é o socialismo mais a electricidade. De certa maneira, o hitlerismo era o guenonismo mais as divisões blindadas.

(...) É outro arquétipo o da assimilação do fogo à energia espiritual. Quem contém essa energia contém o fogo. Por muito estranho que pareça, Hitler estava convencido que ali onde ele avançasse o frio recuaria. Essa convicção mística explica em parte a maneira como ele conduziu a campanha da Rússia.

Os horbigerianos, que se declaravam capazes de prever o tempo sobre todo o planeta, com meses e mesmo anos de antecedência, tinham anunciado um Inverno relativamente suave. Mas havia outra coisa: como os discípulos do gelo eterno, Hitler estava intimamente persuadido de que contraíra uma aliança com o frio, e que as neves das planícies russas não lhe podiam retardar a marcha. A humanidade, sob a sua orientação, ia entrar num novo ciclo de fogo. Já estava a entrar. O Inverno cederia perante as suas legiões portadoras da chama.

Ao passo que, normalmente, o Führer prestava particular atenção ao equipamento material das suas tropas, apenas mandou entregar aos soldados da campanha da Rússia um suplemento de vestuário irrisório: um cachecol e um par de luvas.

Operação Barbarossa


E, em Dezembro de 1941, o termómetro descia bruscamente a quarenta graus negativos. As previsões eram falsas, as profecias não se realizavam, os elementos insurgiam-se, as estrelas, no seu percurso, cessam bruscamente de trabalhar para o homem justo. Era o gelo que triunfava sobre o fogo. As armas automáticas pararam, pois o óleo gelara. Nos reservatórios, a gasolina sintética separava-se, sob a acção do frio, em dois elementos inutilizáveis. Na retaguarda, as locomotivas gelavam. Sob o seu capote e com as botas do uniforme, os homens morriam. A mais ligeira ferida os condenava. Milhares de soldados, ao acocorarem-se sobre o solo para satisfazer as suas necessidades, caíam com o ânus gelado. Hitler recusou acreditar nesse primeiro desacordo entre a mística e o real. O general Guderian, arriscando-se a ser destituído e mesmo condenado à morte, foi de avião até à Alemanha para pôr o Führer ao corrente da situação e pedir-lhe para dar ordem de retirada.

«Quanto ao frio - disse Hitler -, o assunto é comigo. Ataquem!».

Foi assim que todo o corpo de batalhão blindado que vencera a Polónia em dezoito dias e a França num mês, os exércitos de Guderian, Reinhardt e Hoeppner, a formidável legião de conquistadores a que Hitler chamava os seus imortais, golpeada pelo vento, queimada pelo gelo, desapareceu no deserto do frio, para que a mística fosse mais real do que a Terra.







O que restava desse Grande Exército teve finalmente de renunciar e atacar em direcção ao Sul. Quando, na Primavera seguinte, as tropas invadiram o Cáucaso, realizou-se uma estranha cerimónia. Três alpinistas SS treparam ao cume do Elbruz, montanha sagrada dos arianos, importante local de antigas civilizações, vértice mágico da seita dos «Amigos de Lúcifer». Colocaram a bandeira com a suástica abençoada segundo o rito da Ordem Negra. A bênção da bandeira no alto do Elbruz devia marcar o início da nova era. Dali em diante, as estações obedeceriam e o fogo venceria o gelo por vários milénios. Houvera uma grave decepção no ano anterior, mas não passara de uma provação, a última, antes da verdadeira vitória espiritual. E, apesar das advertências dos meteorólogos clássicos, que anunciavam um Inverno ainda mais de recear que o precedente, apesar dos mil sinais ameaçadores, as tropas subiram em direcção ao Norte e Estalinegrado para cortar a Rússia em duas partes.

«Enquanto a minha filha cantava os seus cânticos exaltados, lá no alto perto do mastro escarlarte, os discípulos da razão mantiveram-se afastados, com os seus rostos tenebrosos...»

Foram «os discípulos da razão, com os seus rostos tenebrosos», que venceram. Foram os homens materiais, os homens «sem fogo», com a sua coragem, a sua ciência «judaico-liberal», as suas técnicas sem prolongamentos religiosos, foram os homens sem a «sagrada desmedida» que, auxiliados pelo frio, pelo gelo, triunfaram. Fizeram malograr o pacto. Venceram a magia. Após Estalinegrado, Hitler deixa de ser um profeta. A sua religião desmorona-se. Estalinegrado não é apenas uma derrota militar e política. O equilíbrio das forças espirituais foi alterado, a roda deixa de se mover. Os jornais alemães aparecem com banda preta e as descrições que fazem do desastre são mais terríveis que as dos comunicados russos. O luto nacional é decretado. Mas esse luto ultrapassa a nação. «Reparai bem!, escreve Goebbels. É todo um pensamento, toda uma concepção do Universo que sofre uma derrota. As forças espirituais vão ser destruídas, a hora do julgamento aproxima-se».





Batalha de Estalinegrado



Em Estalinegrado não é o comunismo que triunfa sobre o fascismo, ou antes, não é só isso. Analisando de mais longe, quer dizer, com a perspectiva necessária para abarcar o sentido de tão amplos acontecimentos, é a nossa civilização humanista que faz parar o desenvolvimento de outra civilização, luciferina, mágica, não feita para o homem mas para «qualquer coisa acima do homem». Não há diferenças essenciais entre as causas dos actos civilizadores da URSS e dos Estados Unidos. A Europa dos séculos XVIII e XIX forneceu o motor que ainda serve. Não faz exactamente o mesmo barulho em Nova Iorque e em Moscovo, e é tudo. No fundo, era de facto um mundo inteiro que estava em guerra contra a Alemanha, e não uma aliança momentânea de inimigos fundamentais. Um só mundo que acredita no progresso, na justiça, na igualdade e na ciência. Um só mundo que tem a mesma visão do cosmos, a mesma compreensão das leis universais e que reserva para o homem no Universo o mesmo lugar, nem grande nem pequeno demais. Um só mundo que acredita na razão e na realidade das coisas. Um só mundo que devia desaparecer completamente para dar lugar a outro de que Hitler se sentia o anunciador.

É o pequeno homem do «mundo livre», o habitante de Moscovo, de Boston, de Limoges ou de Liège, o pequeno homem positivo, racionalista, mais moralista que religioso, desprovido do sentido metafísico, sem apetite para o fantástico, aquele que Zaratustra classifica como um homem-fingido, uma caricatura, é esse pequeno homem saído da coxa do burguês médio que irá destruir o grande exército destinado a abrir o caminho ao super-homem, ao homem-Deus, senhor dos elementos, dos climas e das estrelas. E, por um curioso capricho da justiça - ou da injustiça - é esse pequeno homem de alma tacanha que, anos mais tarde, vai lançar para o céu um satélite, e inaugurar a era interplanetária. Estalinegrado e o lançamento do Sputnik são bem, como dizem os russos, as duas vitórias decisivas, e eles aproximam-nas uma da outra ao celebrar, em 1957, o aniversário da sua revolução. Foi publicada pelos jornais uma fotografia de Goebbles. «Eles acreditavam que íamos desaparecer. Era necessário que triunfássemos para criar o homem interplanetário».


A resistência desesperada, louca, catastrófica de Hitler, no momento em que, como era evidente, tudo estava perdido, só se explica pela expectativa do dilúvio descrito pelos horbigerianos. Se não fosse possível modificar a situação por processos humanos, restava a possibilidade de provocar o julgamento dos deuses. O dilúvio sobreviria, como um castigo, para a humanidade inteira. A noite ia de novo cobrir o globo e tudo ficaria sepultado por tempestades de água e granizo. Hitler, diz Speer com horror, «tentava deliberadamente fazer com que tudo morresse com ele. Já não era mais que um homem para quem o fim da sua própria vida significava o fim de todas as coisas». Goebbels, nos seus últimos editais, saúda com entusiasmo os bombardeiros inimigos que destroem o seu país: «Sob os destroços das nossas cidades aniquiladas estão enterradas as estúpidas realizações do século XIX». Hitler faz reinar a morte: prescreve a destruição total da Alemanha, manda executar os prisioneiros, condena o seu antigo cirurgião, manda matar o cunhado, pede a morte para os soldados vencidos, e desce ele próprio ao túmulo. «Hitler e Goebbels, escreve Trevor Roper, convidaram o povo alemão a destruir as suas cidades e as suas fábricas, a fazer ir pelos ares os seus diques e as suas pontes, a sacrificar os caminhos de ferro e todo o material circulante, e tudo isto em proveito de uma lenda, em nome de um crepúsculo dos deuses». Hitler pede sangue, envia as suas últimas tropas para o sacrifício: «As perdas nunca parecem bastante elevadas», diz ele. Não são os inimigos da Alemanha que ganham, são as forças universais que se preparam para destruir a terra, punir a humanidade, porque a humanidade preferiu o gelo ao fogo, as potências da morte às potências da vida e da ressurreição. O céu vai vingar-se. Ao morrer, resta apenas reclamar o grande dilúvio. Hitler oferece um sacrifício à água: manda inundar o metropolitano de Berlim, onde morrem 300 000 pessoas refugiadas nos subterrâneos. É um acto de magia iniciática: esse gesto provocará movimentos de apocalipse no céu e na Terra. Goebbels publica um último artigo antes de matar, no Bunker, a mulher, os filhos e de se matar a ele próprio. Intitula o seu edital de despedida: «E mesmo que assim fosse». Diz que o drama não se representa à escala da Terra, mas do cosmos. «O nosso fim será o fim de todo o Universo» (in ob. cit., pp. 337-339 e 350-357).







Continua


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