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Enquanto em França um dos nossos melhores sociólogos chora sobre Le Travail en miettes, título de uma das suas obras, os sindicatos americanos estudam a semana de vinte horas. Enquanto os intelectuais parisienses, supostamente de vanguarda, perguntam a si próprios se Marx deverá ser ultrapassado, ou se o existencialismo é ou não um humanismo revolucionário, o Instituto Sternfeld de Moscovo estuda a implantação da humanidade na Lua. Enquanto Eugénio Varga aguarda o desmoronamento dos Estados Unidos anunciado pelo profeta, os biólogos americanos preparam a síntese da vida a partir do inanimado. Enquanto o problema da coexistência se continua a pôr, o comunismo e o capitalismo estão prestes a ser alterados pela mais poderosa revolução tecnológica que possivelmente a Terra jamais conheceu. Estamos com os olhos colocados na parte de trás da cabeça. Seria altura de os pormos no seu devido lugar.
O último sociólogo poderoso e imaginativo foi talvez Lenine. Definiu com clareza o comunismo de 1917: «É o socialismo mais a electricidade». Já passou cerca de meio século depois disso. A definição continua válida para a China, a África, a Índia. Mas para o mundo moderno é letra morta. A Rússia aguarda o pensador que venha a descrever a nova ordem: o comunismo mais a bomba atómica, mais a automatização, mais a síntese dos carburantes e dos alimentos a partir do ar e da água, mais a física dos corpos sólidos, mais a conquista das estrelas, etc. John Buchan, depois de assistir ao funeral de Lenine, anunciava a chegada de outro Vidente que criaria um «comunismo com quatro dimensões».
Se a URSS não tem a sociologia que merece, a América não está mais bem fornecida. A reacção contra os «historiadores vermelhos» do final do século XIX provocou, por parte dos observadores, o elogio declarado das grandes dinastias capitalistas e das organizações poderosas. Há qualquer coisa de saudável em tal franqueza, mas a perspectiva é pequena. Os críticos do american way of life são raros, literários, e procedem da forma mais negativa. Nenhum parece incitar a imaginação ao ponto de ver surgir, através dessa «multidão solitária», uma civilização diferente das suas formas exteriores, até sentir uma crepitação das consciências, a aparição de novos mitos. Através da abundante e espantosa literatura chamada de «ficção científica» sobressai no entanto a aventura de um espírito quase adolescente ainda, que se desdobra à medida do planeta, se empenha numa reflexão à escala cósmica e situa, de maneira diferente, o destino humano no vasto Universo. Mas o estudo de semelhante literatura, tão comparável à tradição oral dos narradores antigos, e que dá provas dos profundos movimentos da inteligência em marcha, não é coisa séria para os sociólogos.
Quanto à sociologia europeia, continua estritamente provinciana, com toda a sua inteligência empenhada em longas discussões a respeito de ninharias. Nestas condições, não é de admirar que as almas sensíveis se refugiem no catastrófico. Tudo é absurdo e a bomba H pôs um ponto final na história. Esta filosofia, que parece simultaneamente sinistra e profunda, é mais fácil de manejar que os pesados e delicados instrumentos de análise do real. É uma passageira enfermidade do pensamento dos civilizados que não adaptaram as noções herdadas (liberdade individual, pessoa humana, felicidade, etc.) à alteração dos fins da civilização que se inicia. É uma fadiga nervosa do espírito, no momento em que esse espírito, preocupado com a suas próprias conquistas, deve, não só soçobrar, como mudar de estrutura. No fim de contas, não é a primeira vez que na história da humanidade a consciência é obrigada a passar de um plano para outro. Qualquer modificação é dolorosa. Se há um futuro, merece ser examinado. E, neste presente apressado, não é em referência ao passado mais próximo que a reflexão deve ser feita. O nosso próprio futuro é tão diferente daquilo com que acabamos de tomar contacto como o século XIX era diferente da civilização Maia. Portanto, é por meio de incessantes projecções através do tempo e do espaço que devemos proceder, e de forma alguma por meio de comparações minúsculas numa fracção ínfima, onde o passado recentemente vivido não possui qualquer das probabilidades do futuro e onde o presente, logo que toma forma, é tragado por esse inutilizável passado.
A primeira ideia verdadeiramente fecunda é que há diferença de alvos. Um cavaleiro das cruzadas que regressasse para junto de nós perguntaria imediatamente por que motivo se não utiliza a bomba atómica contra os Infiéis. De sentimentos firmes e inteligência aberta, no fim de contas sentir-se-ia menos assombrado com as nossas técnicas do que pelo facto de os Infiéis ainda possuírem metade do Santo Sepulcro, estando a outra, aliás, nas mãos dos Judeus. O que ele teria maior dificuldade em compreender seria uma civilização rica e poderosa, cuja riqueza e poderio não são explicitamente consagrados ao serviço e à glória de Jesus. Que lhe diriam os nossos sociólogos? Que estes imensos esforços, batalhas, descobertas, têm como objectivo único elevar o «nível de vida» de todos os homens? Isso parecer-lhe-ia absurdo, pois a vida apresentava-se sem objectivo. Eles falar-lhe-iam ainda de Justiça, de Liberdade, de Pessoa Humana, recitar-lhe-iam o evangelho humanista-materialista do século XIX. E o cavaleiro sem dúvida responderia: mas Liberdade para quê? Justiça para quê? A pesssoa humana para dela fazer o quê? Para que o cavaleiro encarasse a nossa civilização como uma coisa digna de ser vivida por uma alma seria necessário não utilizar a linguagem retrospectiva dos sociólogos. Seria necessário utilizar uma linguagem prospectiva. Haveria que mostrar-lhe o mundo em marcha, a inteligência em marcha, como a formidável vibração de uma cruzada. Trata-se, uma vez mais, de libertar o Santo Sepulcro: o espírito retido na matéria, e repelir o Infiel: tudo o que é infiel ao infinito poder do espírito. Continua sempre a tratar-se de religião: tornar manifesto tudo o que une o homem à sua própria grandeza e essa grandeza às leis do Universo. Seria necessário mostrar-lhe um mundo onde os ciclotrões são como as catedrais, as matemáticas como um cântico gregoriano, onde as transformações se operam, não apenas no centro da matéria, mas nos cérebros, onde as massas humanas de todas as cores se agitam, onde a interrogação do homem faz vibrar as suas antenas nos espaços cósmicos, onde a alma do planeta desperta. Então talvez se sentisse aqui como em sua casa, apenas colocado noutro nível. Talvez se lançasse a caminho do futuro, como outrora se lançava a caminho do Oriente, depois de se ligar novamente à fé, mas num grau diferente.
Vede portanto o que vivemos! Fixai o olhar nos vossos próprios olhos! Fazei luz nestas trevas! (in O Despertar dos Mágicos, Bertrand Editora, 1987, pp. 55-58).
International Space Station (ISS). |
Continua
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