quinta-feira, 18 de abril de 2019

Sistema vigente é uma oligarquia

Texto de A. Santos Martins






«"Não é possível sintetizar toda a riqueza do texto Constitucional contido nesta obra de O. Vitorino. A sua Constituição não emerge da opinião aleatória, fugaz, temporã e ideológica de um consenso parlamentar e partidário, mas é deduzida de princípios transcendentais e filosóficos (…) articulando-se segundo um pensamento ordenado aos valores de verdade, de bem, de liberdade, de justiça e de beleza. (…) É uma Constituição religiosa, aristocrática e teleológica, essencialmente doutrinária, que visa a integração dos Portugueses na Pátria sublimada, expressão do mais individual e excepcional de cada um".

Baseia-se em seis Princípios:

- o de que a existência de Portugal tem uma realidade transcendente e seu destino está contido nos desígnios de Deus;

- o de que Portugal é, simultaneamente, uma Nação, uma Pátria, uma República e um Estado;

- o de que a Nação é o conjunto das gerações, passadas, presentes e futuras;

- o de que a República, ou coisa pública, reúne o que é comum interesse material de todos os Portugueses;

- o de que o Estado é a efectivação do Direito segundo a Verdade, a Liberdade e a Justiça».

António Quadros («in "Tempo", 18/1/85).


«"Há muito pouco tempo, publicou O. Vitorino dois livros fundamentais para o desenvolvimento do pensamento político nacional, nos quais explicita as coordenadas do seu pensamento político. Suponho eu, todavia, que a política só realmente interessa a O. Vitorino como a disciplina cultural que, não se aprendendo na Universidade, só se aprende com a prática e só se pratica sofrendo e meditando. A sua anunciada candidatura deixou indiferente o vulgo e fez sorrir políticos e jornalistas. É, no entanto, um acontecimento cultural transcendente, tanto que, por um lado, vem de um senhor que sabe ler e escrever (o que é politicamente raríssimo) e, por outro lado, se afasta radicalmente da praxis política consuetudinária. Não deve, por isso, ser esquecida no meio do tumulto provocado pelas imprecações nem minimizada pelo silêncio dos chamados órgãos da comunicação social.

Antes de mais, comparando-a com as outras candidaturas anunciadas e por anunciar, pode dizer-se o seguinte: o pensamento de O. Vitorino é perfeitamente conhecido por quem seja minimamente letrado; duvida-se muito que, por exemplo, a Eng. M. L. Pintassilgo, o Dr. Soares e o Professor Freitas saibam pensar fora do beco estreito do sistema actual, longe dos conluios e intrigas de bastidores e restaurantes, para além da estrumeira partidária que nos envolve e abafa…"».

Manuel Múrias (in "O Diabo", 14/5/85).


«"O. V. começa por fazer a descrição crítica do nosso actual ensino (…) subordinado a uma visão colectivista, marxista e reducionista (…) e que fomenta uma igualização ou uniformização pelo inferior destinada a forjar inferiores ou escravos (…) Depois da crítica, O. V. propõe, não só a extinção da Universidade, o reconhecimento de todas as formas de ensino livre e o abandono do predomínio do Estado na organização do ensino, mas também o primado da filosofia do ensino, entendendo-se que todo o ensino depende, não de uma filosofia, mas da filosofia (…) Seguindo a ideia, já defendida por Leonardo Coimbra e Delfim Santos, de que as reformas não conseguirão nada, o autor faz a proposta de um ensino completamente diferente…"».

António Quadros (in "Tempo", 18/1/85).


«Extinção da Universidade

"Temos apresentado e repetido - em folhetos, em artigos, em conferências e em livros - todos os argumentos que concluem pela necessidade de extinguir a Universidade. No entanto, desde o Magnífico Reitor da Universidade de Coimbra até ao caloiro da Faculdade de Direito e seus aflitos pais, todos nos pedem a explicação dessa proposta. Estou cansado de a repetir para, em todos os casos, acabar por obter a concordância de quem a pede. A extinção tem inúmeras razões, desde o estabelecimento da autonomia do ensino superior, autonomia sobretudo científica, até ao facto de a Universidade, estatizada há dois séculos e marxizada há uns quarenta anos, condicionar e determinar toda a organização do ensino, que é, como se sabe, caótica e insusceptível de reforma. É preciso extingui-la para, em vez dela, criarmos escolas privadas de ensino superior.

Como lhe observássemos que já existem entre nós escolas de ensino superior - a Universidade Livre e a Universidade Católica - Orlando Vitorino esclarece:

Essas Universidades só administrativamente são privadas. O seu ensino, a sua didáctica, os seus métodos, os seus cursos, até os seus professores são os mesmos da Universidade do Estado que lhes serve de modelo, modelo imposto como condição para que os respectivos cursos sejam reconhecidos pelo Ministério da Educação, todo ele infiltrado de comunistas nos lugares-chave"».

Da entrevista a Orlando Vitorino (in "A Capital", de 4/11/85).








«A cultura socializada

" - Como não há dinheiro, a cultura tem sido ignorada. Planos seus para o sector?

- Afirma V. que o Estado não tem dinheiro. Permita-me que lhe diga que não é bem assim. Nunca, entre nós, o Estado dispôs de tanto dinheiro; o do ouro e reservas esbanjados, o dos impostos que não há memória terem subido a taxas tão altas, o dos contínuos empréstimos do estrangeiro, o dos juros exigidos pela banca nacionalizada que quadruplica o que sempre foi considerado agiotagem, etc. O que acontece é que nunca o Estado alargou tão longe os tentáculos da sua intervenção e não há dinheiro bastante para cobrir os erros que sempre a intervenção do Estado comete.

Afirma, depois, que o Estado ignora a cultura. Permita-me que, também aqui, lhe diga que não é bem assim. O Estado nunca conheceu ou interveio tanto na cultura. Nunca, com tanto afinco, perseguiu o estabelecimento de uma cultura oficial, uma cultura inteiramente institucionalizada, subordinada à orientação, à ideologia e aos interesses dos políticos e abafando todas as manifestações que possam aparecer fora dela, muito especialmente as de natureza individual. Nunca, por isso, se deram tantas bolsas de estudo, se instituíram tantos prémios literários e científicos, se concederam tantos e tão elevados subsídios ao cinema, ao teatro, aos museus, à edição de livros, à investigação científica, ao jornalismo. O proteccionismo, o subsídio, o prémio prende quem o recebe e quem espera recebê-lo. Prende e cala. O servilismo atrai as mediocridades e instala-se.

Ora a obra de arte, de ciência, de pensamento, sempre que original ou criadora, é uma obra puramente individual; e a intervenção do Estado, formando uma cultura oficial, absorvente e monopolizadora, impede, senão destrói, toda a manifestação original e independente do talento individual e faz da vida intelectual de um povo uma desolação de repetições e psitacismos. É o que está acontecendo entre nós, é o que acontece em toda a parte onde o socialismo se instala. Isso explica que, observando esta desolação, muita gente se iluda, como V. se iludiu, julgando que o Estado ignora a cultura. Isso explica também que um grande artista francês, ao observar igual fenómeno no seu país, tenha concluído que il faut décourager les arts.

Veja V. - para só considerarmos um caso - o que está acontecendo com o cinema. Nunca o Estado distribuiu tanto dinheiro aos produtores cinematográficos e nunca o nosso cinema desceu a um nível tão baixo. Os filmes que chegam a realizar-se (muitos dos subsidiados com muitos milhares de contos não chegam, com total impunidade, a ser produzidos) são, sem excepção, obras de puro infantilismo mental e esquematizadas, ainda por cima, como obras de propaganda política, em especial a do primário marxismo (…) Questiona-me V. sobre planos da minha candidatura,.O quadro que lhe descrevi é indesmentível e eloquente. Dele resulta que só pode haver um plano: que o Estado deixe a cultura em paz, que a deixe entregue a quem ela pertence, aos que a fazem, aos que a vivem, aos que a actualizam. E acabar com todos os proteccionismos e financiamentos do Estado…"».

Da entrevista a Orlando Vitorino (in "Comércio do Porto", conduzida por Jorge Alpoim, e publicada em 10/5/85).



«Cálculos eleitorais: as "ideias" deles

Avaliados os 4 ou 5 milhões de votos que o sistema assegura aos seus quatro candidatos, tratamos de determinar e avaliar as "ideias" que cada um dos quatro oferece aos eleitores.

Sabemos como lhes é comum a defesa do socialismo, uma vez que o socialismo é o mesmo sistema que representam. Sabemos - e eles próprios no-lo dizem parecendo com isso justificarem as respectivas candidaturas - como, nos últimos doze anos, o socialismo conduziu o país de crise em crise. Sabemos como o socialismo sempre foi um amontoado de erros e como, ao fim de um século de prática um pouco por todo o mundo, conduziu os povos que governou à pobreza e à servidão. Sabemos, finalmente, como, assim posto a nu, frustrado e vazio, o socialismo não passa hoje de uma organização agarrada ao poder político e tentando salvar a face com a adopção, para cada caso, das "soluções" do liberalismo que odeia de morte. Todavia, por mais estranho e paradoxal que seja, os nossos valentes 4 candidatos do sistema apresentam-se como campeões do socialismo. Esta a primeira determinação das suas "ideias".

Cada um dos quatro tem, porém, seus modos próprios de defender, conservar e prolongar o socialismo e é aí que se distinguem entre si. Vejamos como:

Salgado Zenha propõe-se moralizar e democratizar o sistema, moralização e democratização que exprime, não em termos afirmativos, mas em termos de crítica a Mário Soares, seu adversário ou inimigo pessoal, a quem acusa de, como Primeiro-Ministro e chefe do PS, ter montado uma máquina policial e secreta de devassa e ameaça à vida privada de cada indivíduo com as consequências persecutórias e corruptoras daí resultantes.

M. Lurdes Pintassilgo quer conservar o sistema fortalecendo-o com o marxismo que diz "professar como todos os intelectuais actuais" (sic) ao mesmo tempo que se mostra devotíssima militante católica.

Mário Soares propõe-se dar ao sistema o que entende que falta ao sistema: a estabilidade governativa ou do poder executivo. Afirma conseguir assegurá-la numa organização do Estado que é o domínio da instabilidade com o seu monopólio da actividade política pelos Partidos, com a sua subordinação dos poderes executivo e judicial ao legislativo ou parlamentar, com a sua oligarquia despudorada.




Ver aqui, aqui e aqui



Freitas do Amaral quer conservar o sistema aperfeiçoando-o: solução do problema prioritário do ensino com o aumento dos vencimentos do professorado universitário; consagração da "classe política" como "classe dirigente" cujos membros, previamente diplomados pela Universidade e curriculados nas sucessivas graduações da carreira política (só será ministro quem tiver sido deputado, só será deputado quem tiver sido vereador municipal, só será vereador quem tiver sido membro da Junta de Freguesia) formarão aquilo que o totalitarismo russo chama "nomenklatura"; transformação da actual economia estatizada ou socialista por uma mirífica "economia social de mercado" que ninguém pode saber o que seja.

Traçado este quadro das "ideias" dos nossos adversários, olhamos a nossa candidatura com mais confiança e tranquilidade. Se o sistema não impedir a discussão pública do nosso projecto em cotejo com os projectos dos seus quatro candidatos, será uma brincadeira de crianças mostrar aos eleitores a nossa incomensurável superioridade. Articulado sem contradições, fundamentado na singularidade da cultura portuguesa, com programas já elaborados para todos os domínios da existência social, desde o ensino à economia, radicalmente contrário a todo o socialismo, em nada se lhe podem comparar os ressaibos pessoais do Sr. Salgado Zenha, os infantis absurdos da Sra. M. L. Pintassilgo, o alegre fim da carreira do Sr. Mário Soares, a compostura de colegial do Sr. Freitas do Amaral. 


Freitas, alfa e ómega

(…) Deparo com a entrevista de um dos candidatos do sistema, o que é professor universitário, o de quem outro, M. Soares, virá a dizer que "já nasceu professor, professor chato, escrevinhador de sebentas bem feitinhas". Leio a entrevista e vejo-o declarar que os pensadores que mais influenciaram a sua formação doutoral foram Aristóteles, que viveu há mais de dois mil anos, e Karl Popper, dos nossos dias. Como quem declara: o alfa e o ómega. Como quem dá a entender: toda a sabedoria está comigo. E isto, a darmos fé a M. Soares, desde a nascença. Karl Popper, ainda vá. Mas Aristóteles, não se nota.


(…) Pintassilgo na berlinda, na berlinda ou na gaiola

(De uma toada popular)

(...) Tanto podia ser a candidata Pintassilgo ou qualquer dos outros do sistema, quanto a anedotário pitoresco como o que não resistimos a registar aqui. No entanto, pergunto-me que é que me ofende nesta candidatura de Pintassilgo que não me ofende nas outras? Entre as várias hipóteses de resposta, escolho esta por ser a que mais magoa os preconceitos dominantes.

O que de divino os pagãos atribuem às mulheres - a insaciedade nunca satisfeita, a possessão sem limites, a crueldade inesgotável - faz delas, ao exercerem poderes como são os da política, o pior dos flagelos. Exemplo: Indira Gandhi esterilizando os homens para travar o crescimento demográfico.

O que de divino os cristãos atribuem às mulheres - dádiva sem reservas, ternura sem descanso, dedicação sem fronteiras - faz delas, ao exercerem poderes como são os da política, vítimas flageladas. Exemplo: quantas Joanas d'Arc queimadas por bruxaria.

(…) Alguém me leva a observar que o nome da candidata Pintassilgo aparece sempre escrito só com um s. Diz-se, então Pintazilgo, como mandam as regras do português? Ou é para não ser nome de pássaro? Seja por que for, lembro a história daquela francesa que tirou um s ao poisson grelhado e envenenou o marido».

Orlando Vitorino («O processo das PRESIDENCIAIS 86»).







Sistema vigente é uma oligarquia 


Orlando Vitorino desmonta as Presidenciais de 86 


Candidato «contra o sistema», Orlando Vitorino foi «empurrado» para a corrida a Belém pela sua tertúlia de «café», formada sobretudo por jovens («os gajos vão apanhar um susto…»), mas acabou por mobilizar intelectuais de todas as idades, à frente dos quais se colocou, quase a fazer 83 anos, o decano dos escritores portugueses e também ele grande pensador, Santana Dionísio.

Convidado para presidir à candidatura que se propunha colocar a «filosofia portuguesa» em Belém, Santana Dionísio logo disse: «Claro que sim. A vida é exercício. Pensamento é exercício».

E sobre a maneira como se devia desenvolver a campanha sem dinheiro e outros meios que não faltariam aos «candidatos do sistema»: «Como eu fiz o Guia de Portugal. Correndo o país…

De comboio, de burro, a pé… olhando, escutando, falando… correndo o país».

A falta de estruturas e apoio logístico desta candidatura ressalta do livro com mais de cem páginas, em formato A4, que vai sair em Novembro. Mas isso é o menos importante, pois sobretudo o que o livro nos traz é uma mensagem de homens livres num país de escravos do sistema, de um sistema que denunciam com exemplos eloquentes da podridão em que mergulharam.

Vitorino cita («Em nome da liberdade, conquistam o poder. Conquistando o poder, negam a liberdade»), logo na introdução de um livro que pretende demonstrar: a) que o processo eleitoral foi viciado e seus resultados não exprimem, portanto, a livre vontade popular, princípio da democracia; b) que o candidato em tais condições eleito, não tem legitimidade para exercer a Presidência da República; c) que o sistema político vigente constitui uma oligarquia fechada e despótica; d) que o povo português possui um sistema político próprio, sistematizado e actualizado pelos seus pensadores e implícito na sua arte, seus costumes e sua história, não carecendo de importar (e desvirtuar para os aplicar) sistemas como o hoje estabelecido.


Atolados na farsalhada 


Depois da introdução, um breve (mais suculento) resumo dos acontecimentos entre Abril de 1985 e Fevereiro de 1986, surge um prelúdio com as anotações diárias de Orlando Vitorino ao longo dos dez meses da campanha eleitoral. Respiguemos algumas delas, ao acaso, penetrando assim nos bastidores de um processo que o vulgar cidadão apenas conhece superficialmente, apercebendo-se apenas daquilo que lhe querem mostrar.

Ao oitavo dia, Vitorino anota «um telefonema para a América», feito por um colaborador «internacionalista» que «conhece, de facto, gente em todo o mundo e estabelece ligações com jornais, instituições e personalidades da Inglaterra, dos EUA, da Alemanha».

«O interlocutor do outro lado da linha e do oceano – claro que li o programa da candidatura e o livro do candidato que me mandou.

Fiquei interessadíssimo. Já falei com uma empresa de marketing eleitoral. Estão de acordo em irem a Portugal fazer a campanha. E por um preço acessível. Metade do que é costume. Apenas 200 mil dólares.

O nosso homem – 200 mil dólares. Quarenta mil contos. Meu caro, nós não temos um tostão.

O interlocutor – então o caso é ao contrário: sou eu que vou tratar de vos arranjar dinheiro.

Encolho os ombros. Na verdade, não é só em Portugal que ninguém acredita na democracia».

Ao nono dia, o candidato reflecte sobre o apoio que lhe chega da «pérola do Atlântico»: «Sempre que ia à Madeira, encontrava-me com Alberto João.








Não vou à Madeira desde que Alberto João é presidente do governo regional. Mas vejo, com entusiástico agrado, que ele é o único político português com autêntica popularidade. Talvez isso se deva a uma lucidez que nenhum outro possui. Foi ele, por exemplo, quem fez a distinção entre sistema e regime: regime é democracia, e está bem. Sistema é a máquina asfixiante do socialismo, e está mal. Foi também ele que impediu a infiltração na Madeira dos professores do ensino secundário que funcionam como agentes de marxização. Foi ainda ele o primeiro a gritar alto que a comunicação social está sujeita ao controlo mais despudorado.

Ora é de Alberto João que recebo, logo que a minha candidatura se anuncia, o primeiro estímulo, o primeiro incitamento, os primeiros conselhos e advertências e, até, a consideração da possibilidade de uma posição política a assumir em meu favor».

Sobre um encontro que teve com o general Altino de Magalhães, que entretanto também anunciara a sua candidatura a Belém, Orlando Vitorino escreve do que o militar lhe disse: «antes de anunciar a sua candidatura, teve prévias conversações e, até, negociações, não por sua iniciativa, com representantes de uma das mais importantes forças políticas. Obteve a promessa de certo financiamento (que, mais tarde, me confidenciará não ter sido prometido a troco de nada). Reuniu à sua volta um staff de gente socialmente credenciada, sobretudo professores universitários. Mas só levará por diante a sua candidatura se houver a garantia de um resultado nas eleições que embora não lhe dê a vitória, não seja indigno da "instituição militar" a que pertence. Se não houver essa garantia, desistirá».

A propósito da «farsalhada brechtiana» em que se transformou o arranque da candidatura do actual inquilino de Belém, transcrevo este naco de prosa: «Mário Soares abre a sua candidatura presidencial com um cortejo de suplicantes. O que lhe vêm suplicar é o que ele mais deseja: que se candidate a Presidente da República. Pasmo – ainda pasmo – de avistar no cortejo homens como Lagoa Henriques».

Entretanto, «Champalimaud entra em cena» e o filósofo recorda o encontro que, cinco anos antes, noutra campanha presidencial, teve com aquele industrial: «levou tempo antes que falasse no que o trouxera até mim. E quando o fez, foi de chofre: Eu serei o Presidente da República, você será o primeiro-ministro. Disse-o assim de chofre, de certo por um resto de receio. Argumentava: "Muitos deles foram meus empregados: o Spínola, o Zenha, o Proença, o Nobre da Costa…

Muitos deles, fui eu quem os fez. O Zenha ("pagava-se bem, esse menino!"), o Zenha escreveu e publicou de mim o que só se diz de um ídolo (e mostrava o documento). O Nobre da Costa, esse, fez-se todo das migalhas que me vinha esmolar…

Se eles são agora as grandes figuras do Estado, porque é que não hei-se ser eu o Presidente da República?"».

Ao 25 dia, o candidato anota o encontro com «sua Alteza o Duque de Bragança, descendente dos reis de Portugal e herdeiro natural do seu oculto trono»: «Movia-me a curiosidade de saber o que havia de verdade na informação que me haviam dado de que sua alteza, num golpe de teatro, projectava candidatar-se à Presidência da República e chegara já a procurar apoios internacionais. Afigurava-se-me tal projecto um absurdo, pelo menos teórico: o rei é rei da Nação, o Presidente é Presidente da República. Mas na acção política tudo se confunde e vale tudo. Até vale, como acontece na maioria das monarquias, a monarquia ser socialista…

Quando nos separámos, trouxe comigo a indefinível sensação de que encontrara, enfim, entre as figuras da vida política, um homem que leva os assuntos de que fala a plano em que o patriotismo predomina. Não o fará decerto, deliberadamente, mas sim movido pela força da história que, por definição, ninguém, como ele, pode trazer no sangue. Não estará ai a superioridade da monarquia?


Candidatos Fantoches 


Os candidatos fantoches» merecem, ao 34 dia, uma nota no diário de campanha de Orlando Vitorino; «já sabemos que, candidatos independentes, seremos eu, o general Altino de Magalhães, António Champalimaud e o economista Ricardo Nunes. Já sabemos que, candidatos do sistema, serão M. Soares, F. do Amaral, engenheira Pintassilgo e Salgado Zenha.


Engenheira Pintassilgo


Ver 1, 2, 3, 4 e 5


Ver aqui

A primeira batalha a travar será entre nós quatro, de um lado, e eles quatro, do outro. São eles que a moverão e veremos, estupefactos, como sabem utilizar toda a espécie de armas. A primeira, é o lançamento de três fantoches, que apresentam como candidatos: um advogado de Lisboa, ligado ao gabinete de Almeida Santos, homem forte do PS; um negociante de queijos da serra que logo, mal ensaiado, diz ser simpatizante dos comunistas e um astrólogo de feira.

É a Rádio Renascença que denuncia a manobra afirmando que os três fantoches são lançados para desacreditar o processo eleitoral. Há uma correcção a fazer: os fantoches são lançados para desacreditar, não tanto o processo eleitoral, como os candidatos independentes. São mostrados ao público, o público ri e o "sistema" explica: aqui está o que são candidatos independentes. Assim nos vêem todos metidos no mesmo saco».

Mas eis que se desfaz o «estado de graça», durante o qual a candidatura de Orlando Vitorino foi «acontecimento nacional», com entrevistas nos jornais, na rádio e até na televisão. Até um amigo seu, «muito estúpido», lhe chegou a dizer: «não há dúvida que te tomaram a sério».

«Pouco a pouco, tudo isso foi esmorecendo. Pouco a pouco, o estado de graça desfez-se. Os políticos, com a nobre excepção de Alberto João Jardim, desapareceram do horizonte ou mandam-nos recados em termos tais que os não podemos aqui registar. Os oportunistas esfumaram-se. Os jornalistas fogem de nós. Notícias que vinham nas primeiras páginas, são reduzidas a três linhas e escondidas ao canto de uma página de anúncios. A rádio calou-se. A RTP nem sonhar».

Que fazer? Começa então a corrida pelo país, e os «contactos», que Orlando Vitorino vai registando em notas «pitorescas», onde transparece o país real que, afinal, também odeia o sistema.

O candidato e alguns amigos viajavam pelas beiras, vão ao Minho, ao Porto, ao Alentejo…

Orlando Vitorino conta-nos então, no livro, histórias saborosas dos bastidores da campanha. Aqui e ali, é despertado pelas recordações bem pouco lisonjeiras para algumas figuras do sistema.


A censura sem rosto 


O jornalista ainda não está a meio do livro, mas no jornal, o espaço não dá para que transcreva muito mais. Assim, vai terminar este apontamento sobre o «processo» editado pela candidatura de Orlando Vitorino, com alguns excertos de páginas que nos tocam de perto e que o filósofo dedica à «censura sem rosto» que ninguém ignora existir, e muito activa na comunicação social portuguesa: «chego a Lisboa e escrevo ao presidente da RTP. Mais ou menos isto: as eleições têm uma lei, a chamada lei eleitoral. Essa lei determina que a RTP, monopólio televisivo do estado, bem como todos os órgãos de informação estatais, dê a todos os candidatos um tratamento rigorosamente igual. Ora a RTP já emitiu e anunciou emitir, durante hora e meia para cada um, entrevistas de propaganda eleitoral, com os srs. Freitas, Soares, Pintassilgo e Zenha. Façam o favor de me dizer quando é a minha vez.

Dias depois recebo a resposta. Vem numa carta assinada por um tal dr. João Manuel da Palma Carlos que diz ser presidente da RTP.

Em linguagem chã, pão pão queijo queijo, o que me diz é o seguinte: «a RTP entrevista quem muito bem entende, entende que a si não o entrevistará, nem a si nem a candidatos que não forem do sistema, que foi ele que aqui me pôs, e quanto à lei mando a lei às malvas».

No actual regime socialista, continua a haver censura e censores.

São mais férreos e vigilantes do que os do salazarismo, mais eficazes do que os do Santo Ofício e Santa Inquisição.

A determinada altura, Vitorino requer a impugnação das candidaturas do sistema, por violação de vários artigos da lei eleitoral. O Tribunal Constitucional recusa tal impugnação e o filósofo decide parar. Basta.

No livro, há documentos sobre tudo isso. E muito, muito mais, inclusive uma série de textos sobre a «doutrina» de uma candidatura que teve a coragem de dizer (do sistema) o que pensa, quando o que pensa «é contrário a toda a opinião dominante».

Pessoalmente, o jornalista encontrou-se muito menos analfabeto depois da leitura (em diagonal) que fez do «Processo das Presidenciais 86», um livro que daqui em diante terá sempre à mão, para responder às agressões do sistema.

(in Comércio do Porto, 1 de Novembro de 1986).









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