terça-feira, 31 de janeiro de 2023

O patriotismo de Franco Nogueira e a imensa superioridade de Salazar face aos pigmeus que actualmente nos desgovernam

Escrito por António José de Brito


 



«Lisboa, 18 de Fevereiro [de 1966] – Conversa miúda com Hernâni Cidade. Disse-lhe que, para ajudar a Rodésia, havia a ideia de se constituir uma Sociedade de Amigos da Rodésia. Não convinha que esta surgisse como inspirada pelo governo; e por isso parecia que os seus membros deveriam ser homens da oposição, respeitados pelo seu prestígio intelectual e pela sua integridade. Tratava-se de auxiliar a Rodésia, forma indirecta de auxiliar o ultramar português. Reacção instantânea de Hernâni Cidade, de olhos com lágrimas: “estou pronto, para esse fim faço o que o governo quiser”. Mais tarde, igual conversa com Armando Cortezão, a quem disse que eu pensava no seu nome para presidir à Sociedade. Reacção de Armando Cortezão, não de lágrimas nos olhos mas de voz quase rouca de exaltação: “Tudo, mas tudo o que o senhor quiser! A nossa África é sagrada. Ah! Se eu tivesse idade para pegar numa arma!” E este é um homem que, na guerra civil de Espanha, arriscou a vida nas brigadas internacionais. Hernâni Cidade, por seu lado, é o homem que na I Grande Guerra, como capitão miliciano, foi feito prisioneiro pelos alemães e fugiu – para poder tornar a combater.»

Franco Nogueira («Um Político Confessa-se»).


     «Nos presídios de Abril

O flagelo de Abril tão-pouco poupou o ministro plenipotenciário de Salazar.

À conta de Abril, viu-se Franco Nogueira confrontado, durante vários meses, com “o vento e as Grades” de Caxias. (O Vento e as Grades é, até, o título, por sinal, de um seu livro de versos, ainda agora inédito ou já fora do mercado, e que eu, há muito, e em vão, ambiciono ler, por serem poemas oriundos do cárcere e, desse logo, e como tal, criações líricas fortemente documentais, datadas e ditadas ao poeta e diplomata para essa alta e dolorosa hora da sua vida pessoal, por essa baixa e grotesca hora da nossa vida colectiva.)

O vento pressago e de onda larga que as grades de Caxias mal coavam e não logravam, todavia, jugular, confundia-se, decerto, aos ouvidos do estadista, com a patética zoeira, o zunir desatado dos ventos da História, que ele baldadamente se esforçara sempre por deter e reorientar a rumo certo. Confundia-se, enfim, o vento de Caxias com o vento norte da desgraça sem nome que nos entrara pela porta dentro pela calada da noite de 24 para 25 do mês e do ano que se sabe – e que varria e assolava e arrasava Portugal, de cabo a cabo!

Fora o antigo ministro um dos primeiros e prioritários alvos selectivos da sanha, da insânia e da vindicta dos capatazes d’Abril.

Discricionariamente brutalizado e detido, e conduzido debaixo d’armas para a cela da prisão – que regurgitava, então, de Portugueses como ele, precisamente acusados de o serem e ferozmente perseguidos por isso mesmo, aí permaneceu encerrado por espaço de meses e meses. Imperturbável refém aquele, porém!

Colocaram-no a ferrose foi o mesmo que nada. Durante o tempo todo em que se manteve confinado em cativeiro, resistiu sem folga nem descanso; e muito do que veio, ao diante, a acontecer de melhor, foi obra – em grande parte – sua e da sua sereníssima postura de batalhador pertinente, pertinaz, persistente e aplicado.»

Rodrigo Emílio («Franco Nogueira ou a Gloriosa – e Inglória – pouca sorte de se ter razão contra a História», in «Embaixador Franco Nogueira [1918-1993] – Textos evocativos»).

 

«Lisboa, 21 de Junho [de 1967] – Conselho de Ministros. Três quartos de hora de exposição sobre o Médio Oriente e reunião da NATO no Luxemburgo. A propósito já não sei de quê, Salazar deixou cair esta frase: “Somos um país grande, não somos um país pequeno. Comandamos interesses muitos vastos e importantes, e isto no Mundo. Mas continuamos aferrados à ideia de que somos pequenos, planeamos em pequeno. Há que fazer tudo em grande. Mas somos para aí uns pobres e parecemos não ter envergadura para isso.”»

Franco Nogueira («Um Político Confessa-se»).



Oliveira Salazar na Assembleia Nacional


«Transposta a cerca de altos muros, não perdeu tempo. Acolheu-se, logo de caminho, a Londres, e, na liberdade do exílio, deitou mãos à obra que mais permanecente o tornará: rapidamente e em força, pôs em marcha – e, em meia dezena de anos de trabalho aturado de investigação e escrita, adregou ultimar e pôr de pé – os seis volumes da sua colossal biobibliopsicomonografia sobre “Salazar”, sendo que o sexto e último tomo da série mo fez chegar ele às mãos, e aos olhos, com uma tocante dedicatória a bordo, no atrium do mortal e mortificante Verão de 1985. Foi o último aceno escrito que me ele dirigiu por mão própria; foi o último sinal de estima, e de vida, que dele, no fundo, recebi também...

Através de “Salazar”, não se tratou simplesmente de talhar e/ou tão-só de erigir do excelso estadista – e já não era isso coisa pouco – uma estátua de todo o tamanho e a toda a altura e estatura do biografado. Não. Franco Nogueira foi mais longe, mais além e muito mais fundo, e acabou por traçar, sim, um sumptuoso cosmorama, um consumado e fervilhante afresco, um palpitante e esplendoroso painel dos últimos cem anos de História – factual, política, social, cultural, ontológica, diplomática – de Povo nacional-universalista, de Estado original e soberano, de Nação vocacionada e independente.

No seu portentoso trabalho, o panegirista de Salazar acabou, assim, por projectar, em pano de écran-gigante, um filme narrativo, de fundo, uma longa metragem cheia de acção, um monumental documentário, desde onde ascende, emerge, avulta, ressalta e se alevanta, sobrenadando tudo e todos, por mérito próprio, e mais como eleito ou como um grande isolado – que o era, afinal, pelo grau do saber e pelo selo do seu mesmo carisma pessoal – do que como chefe político feito à pressa de ser chefe, o retrato natural e sobrenatural d’aquele que foi só, e de longe e sem favor, e para todos os efeitos, o maior e o melhor de nossos contemporâneos e um dos mais ínclitos e preclaros Portugueses de sempre. António de Oliveira Salazar.

Quer o títere-mor da abrileirice, que ainda agora aí se manipansa e todo se derrete e desmanteiga, assim em terra como no ar, por tudo quanto é sítio e à vista de tudo quanto é gente, e outros como ele gostem, quer não, a verdade é esta, e as verdades – por mais proibidinhas por lei que possam estar – são para se dizer, mormente e sobretudo quando a lei, a própria lei, até mesmo a lei, está fora da lei! E é esse o caso, em Portugal, desde há vint’anos bem medidos. E enquanto assim for, impõe-se fazer aquilo que Franco Nogueira fez em “Salazar”: confrontar a iniquidade da lei com essa e com outras verdades como essa, até que a lei dê de si e reentre na Lei!

Por mim, já milhentas mil vezes o disse e repito: enquanto a minha mão direita não resignar de cansaço, de doença ou de velhice, enquanto me der Deus vida que baste e uns penúltimos suplementos de energia, enquanto um sopro de fôlego restar à minha voz, não cessarei de imitar o egrégio embaixador – e de louvar, celebrar, enaltecer, e com ele e como ele glorificar, por via oral ou escrita, e até ao fim do meu fim, os pensamentos, palavras, obras, exemplo e memória desse homem maiúsculo, esclarecido, empreendedor patriota, que deu rosto, corpo e alma a todo um regime, e a um regime nacional-universalista, que foi, ele próprio, por muitos e bons anos, proa e mastro desse mesmo regime e o último grande lidador do nosso Império – que sempre defendeu com arreganho, e Franco Nogueira com ele, e que outros, que não ele, nem Franco Nogueira, desalmadamente arrasaram e perderam, deitando tudo a perder...

Confesso que a lembrança disto e do mais que me dispenso enunciar, ainda agora continua a encher-me as medidas... e os olhos de lágrimas...!»

Rodrigo Emílio («Franco Nogueira ou a Gloriosa – e Inglória – pouca sorte de se ter razão contra a História», in «Embaixador Franco Nogueira [1918-1993] – Textos evocativos»).


«Iniciada antes do que se designa por revolução de 25 de Abril de 1974, apenas agora, ao cabo de mais de onze anos, me foi possível concluir esta biografia. Para os hábitos portugueses, é trabalho que tem de ser considerado excepcional, e a obra tem de ser havida por inusitada, embora em muitos países seja curial que a história da vida e do tempo dos seus homens importantes ocupe muitos volumes, às vezes distribuídos por vários autores. Digo trabalho excepcional, evidentemente, apenas no sentido da sua extensão, minúcia, documentação, e até tenacidade no esforço. Durante aqueles anos, muitas foram as vicissitudes a enfrentar. Por um longo período, julguei mesmo inviável prosseguir e terminar o trabalho. Primeiro, pela razão óbvia de, sem acusação, sem interrogatório, sem julgamento, estar preso meses e meses, sem saber se o estaria por anos; e depois porque não cessavam em Portugal as perseguições contra mim, os insultos, as ameaças. Sendo de prever um assalto ao andar onde moro em Lisboa, fiz dispersar toda a documentação, por residências de amigos. Mas o facto foi misteriosamente sabido por misteriosos e solícitos vigilantes. E aqueles amigos começaram a sentir-se também em risco; alguns foram também vítimas de ameaças pouco veladas; houve outros que, tendo escondido malas com documentos em jazigo de família, nem aí os consideravam salvos; e como resultado de todo esse admirável clima de liberdade, de segurança, de respeito pela cultura e pela história, esses amigos sentiram-se forçados a devolver para minha casa toda a documentação, lamentando não poder mais guardá-la. Entretanto, eu estava já exilado em Inglaterra. Então minha mulher, que se conservava em Lisboa, tomou uma decisão, e fê-lo sem mesmo me avisar, porque a correspondência para mim era aberta e as ligações telefónicas de minha casa estavam sob escuta: reúne toda a documentação, os meus apontamentos, os manuscritos, e quase uma biblioteca, em pastas e malas; e, com o auxílio de parentes, atravessa a fronteira numa madrugada, pondo a coberto de atentados todo o material que de outra forma estaria destinado a perda quase certa. Assim foi viável continuar e completar em país estrangeiro o meu trabalho.

Há tempo, creio que em 1978, um dos mais eminentes poetas portugueses – Miguel Torga – escreveu: “O delírio subversivo foi longe de mais. O dilaceramento da Pátria ultrapassou aquele limite de perdição para além do qual só resta o abismo. De todos os lados o clamor é o mesmo: morra Sansão e quantos aqui estão. A tendência suicida, que dantes era de poucos, agora parece generalizada”. E Torga refere o caso de um amigo que, “aflito com este desmoronar da Pátria, compra quantos livros lhe testemunham a configuração passada”, desde guias de monumentos até álbuns de cerâmica e de mobiliário, e assim “arruma Portugal na estante”. Esta biografia, e todo o trabalho e documentos que incorpora, terão também ao menos o mérito de serem úteis àquele amigo do poeta: constituem mais um testemunho, de homens e factos do passado português, a arrumar na estante. Já é um serviço sem desdouro prestado a Portugal. Como o poeta, o “pacto que assinei não foi com o azar das circunstâncias” mas com “a terra portuguesa e a língua portuguesa”. Não tenho a pretensão de ser o homem de Sá de Miranda – mas não sou dos que assinaram pacto com outras terras, nem dos que renegaram o que haviam assinado

Londres, 1981/ Lisboa, 1984, Franco Nogueira («Duas Palavras Finais», in «Salazar, VI, O Último Combate (1964-1970)», Livraria Civilização Editora).

 

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«Eu não fui politicamente seguidor de Salazar, nem sequer de Marcelo Caetano, apesar de ser meu grande amigo, e até admirador. Mas trabalhei muito intensamente com Salazar, em assuntos de acção externa, e posso garantir-lhe o que afirmo – até desafio alguém a desmentir-me –. Ele via as consequências das consequências das consequências. Agora, geralmente, até têm dificuldade de ver o imediato.

(...) Posso garantir-lhe que a grande maioria dos que por aí andam a pretender governar-nos, demonstrando ainda mais ignorância do que voluntarismo, se fossem trabalhar com Salazar, sairiam de lá envergonhados da sua ignorância e incompetência, verificando que apenas eram uns atrevidos, quer bem quer mal intencionados.»

Embaixador Carlos Fernandes («O cônsul Aristides Sousa Mendes, A Verdade e a Mentira»).


«Na verdade, a pergunta é: e o Homem português? Caso se aproxima do fim? Chegou ao termo o seu papel histórico? Cumpriu o destino que lhe foi assinado pela Providência? Poderá avançar-se até ao extremo de se dizer que se adivinham indícios daquele fim e que este está no horizonte? Decerto: um tipo tradicional de homem português foi desfeito: nisso consistiu a ruptura. Até agora, porém, não ultrapassou aquela fronteira. Aliás, pelo mundo além e em Portugal, o marxismo-leninismo admitiu e confessou a sua falência em criar o homem novo.  Importa agora averiguar em que situação se encontra o Homem português como tipo histórico. Já se viu que possui raízes bastantes à sua sobrevivência e continuidade. Mas detém outros requisitos essenciais? Tem vontade firme e energia para a sua afirmação? Tem consciência dos riscos que o cercam, das ameaças que enfrenta, das forças internas e externas que o podem destruir? Tem a noção dos graves perigos que atravessa na época que está vivendo? Tem a solidariedade suficiente para que seja coesa, e assim se manifeste e se faça respeitar aquela vontade? Estão os Portugueses dispostos aos esforços indispensáveis à salvação do Homem português? Mil outras perguntas, de matiz semelhante, se poderiam formular. E poderá dar-se-lhes uma resposta que parece válida para todas: se o povo português não quiser seguir o caminho de Bizâncio, haverá de reganhar vigorosamente a consciência nacional. É esta que se tem diluído e aviltado. Uma nação é uma realidade, diferente das demais, e antes de tudo deve ser uma realidade para os seus próprios nacionais. Estes têm, ou devem ter, uma imagem do seu passado, um perfil do seu presente, uma perspectiva do seu futuro; e de tudo decorre, ou deve decorrer, uma consciência das suas raízes, uma percepção dos seus interesses permanentes, um conhecimento dos seus meios, um quadro dos seus objectivos. Sobretudo quando bem antiga, uma nação não é o dia que vive, nem mesmo o dia seguinte: é o conjunto dos séculos passados, é a preparação constante para os séculos que hão-de vir. Convém repisar: tudo o que é, assenta em tudo o que foi. Já foi dito, mas convém repeti-lo: uma nação é um sistema de segredos, um acervo de cumplicidades, um conjunto de certezas íntimas, de que partilham todos os seus nacionais, ou ao menos a sua esmagadora maioria. Quando não circulam os segredos entre o povo, quando a cumplicidade encontra hesitações ou sofre quebras, e quando as certezas deixam de ser comuns ou sentidas em comum, então obnubila-se a consciência nacional, enfraquece a vontade, anuvia-se o espírito de resistência, degrada-se a nação; e esta passa mesmo a compreender e a dar razão às forças de desagregação que podem destruí-la, e que no caso de Portugal, vulnerável como é, podem absorvé-lo. Acontece assistir-se a acontecimentos e crises – instabilidade de governos, lutas pelo poder dentro de partidos políticos, acusações e contra-acusações de corrupção ou de incompetência, insatisfação de classes, frustração colectiva, atitudes assumidas a esmo – e tudo se atribui a factores ocasionais, a defeitos de instituições, a vícios do carácter de alguns homens, a erros de prática política; e na verdade todos estes elementos representam o seu papel, e pode ser grave a sua influência; mas no fundo de tudo há um relacionamento de causa e efeito, que não é imediatamente óbvio mas nem por isso é menos real, entre a perda ou a tibieza da consciência nacional e o esbarrondar da sociedade civil, que se quereria diferenciada e autónoma. Ignorados os segredos da grei, recusadas as cumplicidades colectivas, destruídas as certezas comuns, nada mais resta: é o princípio do fim: pode ser o próprio fim

Franco Nogueira («Juízo Final»).



Franco Nogueira


Alberto Franco Nogueira foi, sem dúvida, uma personalidade saliente, de aptidões múltiplas. Diplomata, homem político, crítico literário, memorialista, historiador, o seu vulto destaca-se entre os portugueses do nosso tempo - os portugueses do Portugal verdadeiro, que não do rectângulo anárquico do extremo Ocidente da U.E.

Vindo dos ambientes de esquerda, a sua percepção do interesse nacional levou-o a juntar-se a Salazar na defesa da integridade do território pátrio.

Sem dúvida, algo da sua formação originária lhe ficou presente e, por isso, nem sempre damos pela plena adesão à sua obra e às suas posições. Quando aborda o período do Estado Novo no volume consagrado a essa época, editado pela Livraria Civilização, as páginas que dedica à vida cultural, com destaque exagerado para a mera literatura e, nela, para os escritores da oposição, elogiados bem além dos méritos e elencados com minúcia (que não se verifica para outros, de quadrante oposto), são páginas que me causaram compreensível irritação.

Irritação que se transformou em indignação ao vê-lo, no seu derradeiro livro, manifestar a sua concordância com a triste des-Constituição que, infelizmente, nos rege, depois das revisões a que foi sujeita.

Mas, enfim, não é lícito avaliar uma individualidade unicamente pelos seus pontos negativos, se são aspectos positivos que nela sobrelevam.

Como memorialista e historiador, Franco Nogueira deixou-nos trabalhos notáveis.

Considero Um político confessa-se algo de extraordinariamente precioso. Fundamentalmente centrado em torno da figura de Salazar e nos momentos angustiantes da luta, no plano internacional, em prol da nação, ameaçada por imperialismos tenebrosos e, também, pela traição interna, Um político confessa-se fornece elementos inestimáveis para a compreensão do regime nos seus dessous e para a avaliação do modo de ser do Chefe da Revolução Nacional. A imagem deste agiganta-se, naturalmente, pela sua lucidez e firmeza, bem como se afirma a do seu colaborador Franco Nogueira no concernente ao combate diplomático (e isto sem auto-elogios).

Oliveira Salazar e António Ferro

Ao lado de Um político confessa-se, salientamos, como monumento fecundo, a biografia de Salazar. Lástima que as fontes utilizadas não sejam devidamente citadas, com indicação do local e da página. Valeria bem a pena que, em vez de seis volumes, tivéssemos catorze ou quinze, recheados de notas. Não deixamos, contudo, de compreender as razões pragmático-editoriais que pesaram no sentido da supressão do aparato erudito.

Também um ou outro lapso, no tocante a movimentos de extrema-direita, e que só provam quanto Franco Nogueira estava deles afastado, não conseguem retirar valor e importância à biografia em causa.

Estamos perante um contributo decisivo para quem desejar debruçar-se sobre o momento da vida portuguesa que medeia entre 26 e 68.

Mal irá aos próprios adversários se tentarem historiar o Estado Novo sem se debruçarem, atentamente, sobre os vários tomos que Franco Nogueira consagrou a Salazar. A existência política e pessoal deste é focada com objectividade e rigor, e devidamente enquadrada no contorno exterior que, de algum modo, a condicionou.

A imagem do condutor da Situação, desde as horas altas dos anos de trinta a quarenta (culminadas com a empolgante Exposição do Mundo Português, de que as exposições dos nossos dias não passam de caricaturas sem alma – e como podia ser de outro modo, se promovidas pelos abandonistas do Ultramar?) até às derradeiras batalhas, patenteia, naturalmente, sem apologias deliberadas, a sua imensa superioridade face aos pigmeus que actualmente nos desgovernam.

Aquilo que talvez possamos considerar a doutrina política de Franco Nogueira é o «realismo nacionalista».

Trata-se da afirmação do Portugal independente, que não dispõe a abdicar dos seus interesses perante os «grandes ideais» da consciência geral, porque estes não passam de disfarces das nações poderosas que, em nome deles, procuram submeter a si os restantes povos.

Há, aqui, no plano mundial, como que um eco de Nietzsche (que, julgamos, nunca foi estudado a fundo por Franco Nogueira), com a diferença de que, neste, são os fracos que instrumentalizam os fortes com belos princípios capciosos, ao passo que naquele são os fortes que tentam captar os fracos, com boas palavras e belas ideologias.


Alberto Franco Nogueira conversando com Dean Rusk, Secretário de Estado Norte-Americano (Bruxelas, 1967).


Esse realismo nacionalista suscita vários problemas que não vamos aqui levantar em profundidade, mas apenas esboçar.

No tocante à nação importa perguntar o que a justifica, levando a reprovar a sua destruição ou subordinação. E se o que justifica a nação é o maior valor do seu carácter universal e unificador, face aos indivíduos e aos grupos particulares, é preciso não esquecer que as nações são, ainda, algo de particular, porque várias e múltiplas. Para aceitar eticamente a nação, é preciso ir mais além dela. O simples nacionalismo não é suficiente. Há que superar as nações sem as aniquilar ou deturpar.

Claro que estes pontos de vista têm a ver com a U.E., ou a Federação Europeia, de que tanto se fala. Baseados na religião da democracia e dos direitos do homem, não representam nenhuma superação do particularismo presente nas nações, antes a sua destruição, graças à idolatria do dogmatismo demo-liberal que visa à constituição de uma espécie de imensa sociedade comercial, a nível da Terra, para satisfação das necessidades dos homens empíricos.

Franco Nogueira, obviamente, era alheio à ideia do Império das Nações. A sua perspectiva não ultrapassava o quadro nacional, mas das nações genuínas, como foram feitas por lutas e sacrifícios ao longo da História, exigindo a devoção dos seus filhos, elevando-os a um plano mais alto que o seu egoísmo e arbítrio. O nível a que se situava era, assim, incomensuravelmente melhor que o do individualismo ou personalismo alvo das apoteoses contemporâneas.

Neste tempo de desagregação, em que se chegou ao fim, ou quase fim de Portugal, nós, o emigrados do interior, que vegetamos neste rectângulo «sem rei nem lei, nem paz nem guerra»», encontramos no patriotismo de Franco Nogueira inteira razão para aplauso e nostalgia.

Por aquilo que escreveu, orientado por esse patriotismo autêntico, que o grande número já não compreende (quando fala em pátria está, apenas, a aludir a um somatório de indivíduos sempre mutável, consoante a vontade dos seus elementos – se os habitantes de Lisboa quiserem tornar-se independentes estão no seu direito, um qualquer Presidente da República agora o ensinou) manifestamos-lhe o nosso reconhecimento, a nossa gratidão, mau grado a discrepância neste ou naquele tópico.

(In Embaixador Franco Nogueira [1918-1993] – Textos evocativos, Livraria Civilização Editora, 1.ª edição/Outubro 1999, pp. 93-95). 


Alberto Franco Nogueira tripulando o seu veleiro «Corsário», algures junto à costa portuguesa.

sábado, 28 de janeiro de 2023

Franco Nogueira na Organização das Nações Unidas

Escrito por Domingos Mascarenhas




«Kennedy herdou de Eisenhower uma melindrosa intervenção no Congo ex-belga, onde a luta de facções e o caos sangrento imperavam desde a proclamação da independência, em Julho de 1960. O Primeiro-Ministro, Patrice Lumumba, figura radical e muito popular em África, era basicamente um antiamericano mas dispunha-se a explorar em alternativa o apoio dos Estados Unidos e da União Soviética. Em Léopoldville, dois oficiais da embaixada americana mantinham contacto estreito com Lumumba: o chefe do posto da CIA, Lawrence Devlin, e o segundo-secretário, Frank C. Carlucci, “um diplomata duro e competente”. Lumumba visitava oficialmente Washington, em Julho de 1960, e algumas das suas atitudes escandalizaram os anfitriões. Logo que chegou pediu ao Departamento de Estado uma pistola para se defender na vida nocturna da capital e solicitou também “uma branca loura”; fumou haxixe e os americanos concluíram que ele era “um viciado em droga”. Eisenhower, perante informações que davam Lumumba como um ser primário e incapaz de autocontrolo, alterou o programa e recusou recebê-lo na Casa Branca.

Lumumba voltou furioso para Léopoldville e aceitou a oferta de armamento e conselheiros militares que Khruschev lhe fizera; em meados de Agosto havia já no Congo uma dúzia de aviões Olyshin 18, com tripulações soviéticas, e mais de 100 conselheiros militares.  Em 18 de Agosto, a estação da CIA em Léopoldville diagnosticou que estava em curso no Congo uma clássica conquista do poder pelos comunistas e que restava pouco tempo para “evitar uma outra Cuba”. Nesse mesmo dia, durante uma reunião do National Security Council, Eisenhower e Allen Dulles concluíram que Lumumba era uma força poderosa no Congo e que a única solução seria eliminá-lo fisicamente. Uma secção de cientistas da CIA encarregou-se depois de preparar venenos sofisticados para matar Lumumba. O senador Frank Church, na sequência de investigações do Congresso às actividades secretas da CIA, confirmou 15 anos mais tarde: “Mandámos uma substância tóxica mortal para o Congo com o propósito de injectar Lumumba”. Os venenos nunca chegaram a ter uso prático.

No Congo, entretanto, a presença de milhares de capacetes azuis e o esforço arbitral do Secretário-Geral das Nações Unidas, o sueco Dag Hammarskjold, revelavam-se impotentes perante as atrocidades. Por outro lado, do inconciliável confronto entre facções rivais emergiram politicamente Joseph Mobutu e Joseph Kasavubu, dois anti-soviéticos. Os americanos exploraram as incompatibilidades entre os vários dirigentes e, da sua parte, Frank Carlucci tentou convencer Kasavubu de que Lumumba era um homem “extremamente perigoso”. No fim de Novembro de 1960, apoiado pela CIA, Mobutu tomou o poder em Léopoldville, expulsou os diplomatas e conselheiros militares russos, colocou Lumumba sob prisão domiciliária e partilhou o domínio da capital com Kasavubu. Sem informar Kennedy, já eleito presidente, a CIA prosseguiu a estratégia de liquidar Lumumba e persuadiu Kasavubu a levar o prisioneiro para fora da capital e do controlo das tropas das Nações Unidas. Em 17 de Janeiro, cinco dias antes de Kennedy tomar posse, Lumumba foi transportado de avião para Elisabethville, no Katanga, e assassinado por soldados. A sua morte só foi conhecida quase um mês depois, em 13 de Fevereiro.


O Secretário-Geral das Nações Unidas, Dag Hammarskjöld, aberto ao diálogo com os "nacionalistas" africanos, referido em Portugal como "o sinistro Mr. H".

Patrice Lumumba e "o sinistro Mr. H".


A ONU no Congo (Janeiro de 1963).


Quando Kennedy tomou posse, a União Soviética perdera uma parte da sua influência no Congo mas o país continuava ingovernável e mergulhado em violências. Mobutu e Kasavubu dominavam a zona de Léopoldville; um herdeiro político de Lumumba, o pró-soviético Antoine Gizenga, controlava a área de Stanleyville; e Moisés Tshombé fazia lei na região do Katanga. Morto sem que se soubesse, Lumumba continuava a ser um ícone nacional e internacional, um referencial dos negros em luta pela igualdade dos direitos nos Estados Unidos e dos marxistas da Europa e por todo o Mundo. Frank Carlucci reportou do Congo, em Fevereiro de 1961, que Lumumba era visto na região de Stanleyville, como “um verdadeiro deus”. O filósofo Jean-Paul Sartre, reflectindo um sentimento generalizado entre os intelectuais de esquerda, observou: “Lumumba vivo e prisioneiro é um símbolo da vergonha e da raiva de todo um continente”. Duas semanas após a sua investidura, Kennedy apresentou um plano de paz para o Congo: as facções seriam colocadas sob autoridade das Nações Unidas, todos os presos políticos seriam libertados e formar-se-ia um governo de coligação. O Presidente e os seus conselheiros, ignorando ainda a morte de Lumumba, receavam que o Congo se transformasse numa “nova Cuba”. G. Mennen Williams, Secretário de Estado Adjunto para Assuntos Africanos, opunha-se à libertação de Lumumba e defendia a sua permanência no cativeiro até que estivesse assegurada a neutralidade das Forças Armadas e do Governo. A CIA passara entretanto a apoiar fortemente Curil Adoula, um líder sindical, como o homem capaz de trazer a unidade e a estabilidade ao Congo. Como se viu, o nome de Lumumba foi religiosamente evocado, durante a Guerra de Maria, pelos rebeldes angolanos da Baixa do Cassange.»

José Freire Antunes («Kennedy e Salazar: o leão e a raposa»).


«Em Nova Iorque, na violência e no vitupério, desenrola-se o debate. Além da Libéria, são particularmente brutais o Ceilão, a República Árabe Unida, a União Soviética. Até à saciedade, é repisado o inferno das acusações rituais: opressão, atraso, genocídio, perigo para a paz mundial. Pede-se o cumprimento imediato, por Portugal, das resoluções votadas anteriormente; solicita-se uma declaração de princípio, outorgando a Angola a independência. Um aspecto do debate surpreende alguns círculos do Conselho de Segurança: pela primeira vez, a delegação americana, chefiada por Stevenson, ataca a política portuguesa em África, alinha com as acusações afro-asiáticas ainda que em linguagem mais moderada, e deixa entrever um voto contrário a Portugal. Não causa surpresa em Lisboa a nova atitude dos Estados Unidos, que está no caminho da diligência de Elbrick, de há dias; mas Salazar e Mathias não ocultam a sua preocupação, nem ignoram as implicações futuras da política de Washington. Como fecho do debate, e para ser submetido ao voto, a Libéria, o Ceilão e a República Árabe Unida apresentam um projecto de resolução que engloba e sintetiza o ponto de vista afro-asiático expresso no debate: por duas vezes se acentuam os perigos que a situação em Angola representa para a paz e a segurança mundiais; reitera-se a doutrina das resoluções anteriores contra Portugal; e solicitam-se reformas imediatas no contexto da resolução sobre extinção do colonialismo. E quando, na noite de 15 de Março de 1961, Mathias oferece a Castiella um banquete nas Necessidades, e os dois ministros celebram o fortalecimento do Pacto Peninsular, vai em Nova Iorque ser posto ao voto o projecto afro-asiático. Como se aprestam a votar os Estados Unidos? Stevenson telefona a Kennedy, que está no seu gabinete da Casa Branca [Convém lembrar a diferença de horas entre Lisboa e Nova Iorque: quando em Lisboa era o princípio da noite, em Nova Iorque e Washington estava-se no meio da tarde]; recomenda que a delegação apoie o projecto afro-asiático, votando portanto contra Portugal, e pede ao presidente instruções finais. Que atitude tomarão os outros ocidentais? – pergunta Kennedy. Provavelmente abster-se-ão, diz Stevenson; mas igual atitude da parte dos Estados Unidos causaria deplorável impressão por todo o terceiro mundo. Dean Acheson, que naquele momento se encontra no gabinete de Kennedy, sugere ao presidente que não tome uma decisão precipitada, e acentuou que o assunto deve ser mais ponderado. Não há tempo, a votação vai realizar-se dentro de minutos, diz Kennedy; e depois de consultar Dean Rusk pelo telefone, e retomando a conversa com Stevenson, instrui este para votar contra Portugal. Comenta então Acheson: “Senhor Presidente, acaba de tomar uma decisão que é ao mesmo tempo um erro e um perigo, e terá as mais graves consequências para Portugal e para os Estados Unidos”. E procede-se à votação em Nova Iorque: votam a favor da resolução a Rússia, a República Árabe Unida, a Libéria, o Ceilão e os Estados Unidos. Abstêm-se a França, a Inglaterra, a China, o Chile, o Equador e a Turquia. Há assim cinco votos afirmativos e seis abstenções. Não obtivera o texto, portanto, a maioria de votos positivos exigida, entre os 11 membros do Conselho, para que seja aprovada uma resolução, e nos termos regulamentares é havida por derrotada. Mas os Estados Unidos tinham votado contra Portugal pela primeira vez na história dos debates de problemas portugueses na ONU; e deste modo haviam rompido a solidariedade ocidental (França, Inglaterra, Turquia) e ignorado a amizade latino-americana (Chile, Equador).

Acheson, velho e experimentado estadista, advertira Kennedy. Mas não se conforma com a atitude dos Estados Unidos, nem tem por bastante o seu aviso, e quer registá-lo. Escreve a Kennedy, uma longa carta. Depois de referir notícias da imprensa sobre a mudança da política africana dos Estados Unidos, Dean Acheson aprecia directamente o voto americano no Conselho de Segurança. Diz o antigo secretário de Estado: “O embate causado pelo voto na semana passada – e ainda mais significativamente o do discurso que foi feito, com a sua sinistra ameaça  para o futuro - não atingiu principalmente os portugueses ou a crise de Angola”. Do voto americano, a mais grave consequência, pensa Acheson, está em tornar impossível qualquer negociação que poderia trazer à África alguma “sanidade”. Vai ter reflexos na Argélia, e em toda a África. “Na verdade”, continua Dean Acheson, “através de África a grande necessidade não está em empurrar mais povos mais depressa para a independência, que não sabem usar melhor do que o têm sabido os congoleses. Independência para todos esses povos não é já um problema realista. O grande e crucial problema consiste em prepará-los, com muito mais do que simples velocidade, para enfrentarem o futuro inevitável”. E por último Dean Acheson atira a Kennedy um doesto: “Qualquer estadista, soldado ou advogado sabe que o caminho para o desastre consiste em dar combate no terreno escolhido por outrem”. As Nações Unidas são uma ratoeira: pequenos países têm-se permitido manobrar as potências responsáveis e obrigam-nas a votar em todos os problemas concebíveis: “Nós (os americanos) somos suficientemente grandes para não fazermos isto”. E a “nossa própria grandeza e responsabilidade impõe-nos que em todas as situações não percamos de vista o conjunto” [Carta de 19 de Março de 1961]. Em Lisboa, Jacques de Lacretelle pronuncia no Instituto Francês uma palestra sobre Marcel Proust. E na Casa do Infante, no Porto, Adriano Moreira, subsecretário do Ultramar, profere uma conferência com o título de Provocação e Resposta. Num óbvio remoque ao voto americano, diz: “Só nós temos resistido ao desafio dos adversários; teremos também de resistir à provocação e à transigência dos que se dizem amigos.”»

Franco Nogueira («Salazar, Vida e Obra, V, A Resistência (1958-1964)», Livraria Civilização Editora).



 

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«O Governo português não tem dúvidas de que incidentes da natureza dos que ocorreram [a 4 e 5 de Fevereiro] em Luanda estão a ser preparados por agentes do terrorismo internacional

«Inacreditável selvajaria...».

Vasco Garin






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«Encerram-se em Nova Iorque os debates, e de Angola chegam a Lisboa notícias trágicas. Justamente de 14 para 15 de Março de 1961, vagas de terroristas invadem o Norte de Angola. Aboletados e municiados na República do Congo, atravessam em toda a extensão a linha de fronteira e, providos de catanas e armas de fogo rudimentares, assaltam povoações e fazendas. São atacadas S.to António do Zaire, S. Salvador do Congo, Maquela do Zombo, que se podem considerar quase raianas; mas são igualmente acometidas Ambrizete, Negaje, Mucaba, Sanza-Pombo; toda a baixa do Cassange está em alvoroço; e os terroristas estão às portas de Carmona. São claros para as autoridades os propósitos de implantar o terror. São óbvios os desígnios de se dirigirem a Luanda. Nos círculos do governo central, na alta administração, toma-se então consciência de que em Angola há uma situação de guerra, e de que no território se move guerra contra Portugal

Franco Nogueira («Salazar, Vida e Obra, V, A Resistência (1958-1964)», Livraria Civilização Editora).


«São os próprios americanos que nos andam a tramar em Angola.»

Salazar a Botelho Moniz


«Portugal não terá interesse numa ‘vitória dos Estados Unidos sobre a União Soviética’ se para isso Portugal for sacrificado.»

Franco Nogueira para Charles Burke Elbrick


«Os russos estão claramente a atacar Portugal em África e parece que os americanos estão ingenuamente a fazer o jogo dos russos.» 

Salazar a Kennedy




«Nogueira foi bem claro ao garantir que Portugal lutará até ao limite das suas forças para manter os seus territórios ultramarinos e que disso poderá resultar uma guerra mundial. Perguntei-lhe então se Portugal iria ao extremo de arrastar o Mundo inteiro por causa de Angola, ao que ele respondeu afirmativamente, dizendo que para Portugal Angola era muito mais importante do que Berlim.»

Charles Burke Elbrick


«Os Estados Unidos vêm fazendo em África, embora com intenções diversas, uma política paralela à da Rússia. Mas esta política, que no fundo enfraquece as resistências da Europa e lhes retira os pontos de apoio humanos, estratégicos ou económicos para sua defesa e defesa da própria África, revela-se inconciliável com o que se pretende fazer através do Tratado do Atlântico Norte

Oliveira Salazar 

 

       «O Ocidente está a ser derrotado nas Nações Unidas».

Franco Nogueira


«Se me perguntam se a guerra acabou de facto em Angola, responderei que, nos precisos termos em que foi lançada, isto é, para domínio exclusivo de uma parte restrita do território aonde não pudesse chegar a afirmação e actuação do poder português – sim, a guerra pode dizer-se que acabou, sem embargo de ataques esporádicos como podem suceder em Lisboa ou em Paris, na Venezuela ou na Colômbia. Trata-se de um fio de água, nascido além-fronteiras, protegido até elas, que se infiltra através das ínvias picadas das florestas para reaparecer no interior do nosso território. Por mais estranho que pareça, esse pequeno fio que nasce no Congo, em Conakry ou em Accra, ou ainda mais longe, poderia no entanto ser estancado e enxuto nalgumas grandes capitais como Washington ou Londres. Mas a política não é aí compreendida da mesma forma.»

Oliveira Salazar («Defesa de Angola – Defesa da Europa», SNI, Lisboa , 1962).

«(...) a Grã-Bretanha e outras nações europeias têm partilhado com os Estados Unidos, aos olhos dos portugueses, o ónus das atitudes antiportuguesas nas Nações Unidas.»

Theodore Xanthaky


«DÓLARES PARA A UPA

Os contactos secretos entre a Administração Kennedy e a UPA atingiram um outro nível qualitativo durante a Primavera. Holden Roberto, que conheceu o Presidente em 1959, causou boa impressão a Robert Kennedy e outros responsáveis durante a sua visita aos Estados Unidos em Março de 1961. Quando lhe perguntaram se era pró-americano ou pró-soviético, o líder da UPA respondeu que nem uma coisa nem outra e que era apenas “pró-angolano”. O Departamento de Estado tentou persuadi-lo a abandonar a violência em Angola; Holden Roberto argumentou que, se abandonasse a luta armada, não poderia competir com o pró-soviético MPLA; e pediu ajuda aos Estados Unidos. Na sua busca de apoios ao nível da Administração e do Congresso, escreveu em 4 de Abril a Everett Dirksen, um senador contestatário do voto nas Nações Unidas. Descreveu-lhe os abusos coloniais dos portugueses e disse que, ao votar contra Portugal, a América “viveu um momento de grandeza”. A cotação política de Holden Roberto, em Washington, como potencial líder de uma Angola independente, era nesta altura bastante significativa.

No final de 1961, consumando um debate intramuros, o National Security Council Special Group autorizou o financiamento secreto de Holden Roberto e da UPA. A personalidade decisiva por detrás desta atitude foi Robert Kennedy e a quantia inicial foi de 6000 dólares por ano. Como disse Henry Kissinger em 1976, pretendeu-se investir no futuro dos interesses americanos e a UPA era em 1961 “uma força de vanguarda na luta pela independência de Angola”. A CIA financiou directamente a UPA até 1969 e depois disso continuou a pagar 10 000 dólares por ano a Holden Roberto para manter a ligação. Holden Roberto, embora reticente em falar no assunto, confirmou a ajuda americana: “Davam-nos apoio sobretudo para a formação de quadros da UPA e em medicamentos, pagavam-lhe os bilhetes de viagem. Mas não davam o dinheiro que se diz. Onde estão os recibos para provar? Se nos tivessem dado uma ajuda substancial, nós teríamos ganho a guerra em Angola. Não foi nada comparável ao dinheiro que os americanos têm dado ao Savimbi”. Em 1975, o chefe da task force da CIA em Angola, John Stockwell, referia-se ao lider da UPA: “Em Kinshasa, Roberto era o nosso homem”. (Kinshasa é o nome moderno de Léopoldville). As consequências desta associação secreta foram consideráveis e provocaram a médio prazo o descrédito da UPA entre muitos nacionalistas de África.

Nada irritou mais Salazar do que a protecção americana à UPA, embora Holden Roberto recebesse também ajuda financeira de países africanos. E nenhum outro pretexto político foi tão conveniente ao fundamentalismo de Salazar. O Departamento de Estado, respondendo em 23 de Maio a uma pergunta do embaixador americano em Paris, negou a existência de ajuda americana à UPA, admitindo embora que organizações privadas dos Estados Unidos “talvez tenham contribuído”. A ajuda logística e financeira da CIA era canalizada sobretudo através da embaixada americana em Léopoldville. Segundo Franco Nogueira, o Governo conseguiu obter dois documentos: a acta de um protocolo entre o encarregado de negócios em Léopoldville e Holden Roberto, onde se discriminavam subsídios financeiros e fornecimento de armas; e um passaporte emitido pelo Ministério do Interior da Tunísia a favor de Joe Gilmore, criptónimo de Holden Roberto. Salazar ficou radiante com o achado: “Guardamo-los como se de nada soubéssemos, para os usarmos na altura própria. Que bela coisa!”

Em 1 de Maio, Marcello Mathias, ainda Ministro, e o general Câmara Pina comunicaram à embaixada que o Governo sabia da associação cada vez mais íntima entre a embaixada americana em Léopoldville e Holden Roberto. Os dois responsáveis portugueses apelavam para que Washington se dissociasse de Holden Roberto e da UPA. Elbrick engoliu em seco. Em 20 de Maio, durante o encontro de despedida como Ministro dos Negócios Estrangeiros, Marcello Mathias disse a Elbrick que os Estados Unidos se tinham envolvido com os “inimigos de Portugal em Léopoldville e no Brasil”. Deixando entender, segundo concluiu Elbrick, que o governo de Salazar estava convencido de que os Estados Unidos apoiavam tanto Holden Roberto como Henrique Galvão. O embaixador sublinhava a Dean Rusk que seria "altamente desejável" ter condições, como embaixador em Lisboa, para “negar imediatamente qualquer ajuda do governo dos Estados Unidos aos terroristas”. Elbrick trabalhava na corda bamba.»

José Freire Antunes («Kennedy e Salazar: o leão e a raposa»). 


Alberto Franco Nogueira com John F. Kennedy (Washington, 1962).

«Em princípios do corrente mês, precisamente a 2 de Março (de 1965), tive o prazer da visita do Príncipe Radziwill que me deu notícias de V. Excia. e se ocupou de certo número de problemas, também objecto de longa conversa com V. Excia. antes de partir de Nova Iorque.

(...) Transmitiu (...) o Príncipe Radziwill a informação de que o Governo Americano cessará todo o apoio financeiro aos terroristas que do Congo se infiltram e atacam Angola. Entendi que se referia aos terroristas de Holden Roberto mas que igual atitude tomaria em relação a quaisquer outros. Pergunto-me apenas se uma tal decisão não poderia ser levada pelo Governo Americano ao conhecimento das organizações privadas americanas apropriadas para fins idênticos. Em qualquer caso tomo naturalmente nota da informação com apreço, mas a mesma e alguns factos posteriores impõem algumas observações. Independentemente do que a cessação de tal auxílio significará como evolução das posições americanas nesta matéria, e dos benefícios gerais e particulares que daí poderão advir, não posso eximir-me a notar que se trata de um gesto que não vai além de corrigir um estado de coisas que nunca deveria ter-se produzido, nem dentro da razão nem dentro da legalidade internacional. Mas já depois da minha conversa com o Príncipe Radziwill, e em que este me transmitiu aquela grata notícia, chegou ao meu conhecimento uma informação grave. O Arquiduque Otão de Habsburgo, numa recente estadia em Léopoldville, teve oportunidade de falar com o embaixador dos Estados Unidos no Congo, Sr. Godley. O embaixador Godley confiou ao Arquiduque que acabava de recomendar ao Departamento de Estado "o recomeço do auxílio a Holden Roberto", por ser esse "o único meio de evitar que o movimento nacionalista de Angola caísse em mãos comunistas". Isto foi-me repetido a mim próprio pelo Arquiduque, e a integridade pessoal deste e os seus conhecimentos de língua inglesa não me permitiam dúvidas quanto à conversa nem quanto à fidelidade da sua transmissão. Devo dizer que o ministro português dos Negócios Estrangeiros mencionou o facto ao embaixador Anderson; e este, alguns dias depois, comunicou que o embaixador Godley desmentia inequivocamente a sua conversa com Habsburgo. Tenho de concluir que o Arquiduque Otão terá sido pouco feliz no seu relato e que não entendeu bem o que ouviu em matéria de tanto melindre. Não posso esquecer, todavia, que o embaixador Godley, quando trabalhava no Departamento de Estado, na Divisão de África, sempre manteve uma posição de grande hostilidade a Portugal, e que de igual forma procedeu quando exercia as funções de Conselheiro em Léopoldville. Recordo-me até de que, nessa altura, negou perante um jornalista inglês, de regresso de uma visita a Angola, que nesta houvesse qualquer escola frequentada por crianças ou jovens negros. Nós já convidámos o embaixador Godley, repetidas vezes, a visitar Angola; mas sempre recusou, ou não foi autorizado a fazê-lo. Não tenho evidentemente o direito de pronunciar-me sobre altos funcionários dos Estados Unidos; mas direi que a animadversão que aquele sente contra Portugal e sua política ultramarina lhe obscurece a lucidez de espírito e creio ser muito grave que os Estados Unidos possam ser levados a tomar posições numa área vital de África sobre a base de informações que não traduzem a realidade. Mas este problema ainda comporta outros aspectos. Perdoar-se-me-á se eu recordar que os Estados Unidos foram o primeiro país ocidental a dar visto diplomático (válido por quatro anos) no falso passaporte tunisino do Sr. Holden Roberto sob o nome de José Gilmore, e que lhe permitiram a entrada nos Estados Unidos, com aquele documento, durante anos, mesmo muito depois de ser público que Gilmore não existia e fora simples nome de guerra. Perdoar-se-me-á se eu recordar que o sr. William Tyler, do Departamento de Estado, admitiu oficialmente em Washington, em conversa com o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros, que Holden Roberto era efectivamente recebido no Departamento de Estado. Devo dizer que nessa altura foi também assegurado que Holden Roberto não voltaria a ser ali recebido sem aviso prévio ao Governo português, aviso que até agora não foi feito. Recordarei ainda que o Sr. Blake, do Departamento de Estado, é pelos jornais africanos considerado um amigo de Holden Roberto, e que foi há tempos transferido para Léopoldville. São numerosos os jornalistas americanos, franceses, ingleses e outros que, nas suas crónicas sobre política africana, aludem a Holden Roberto como protegido dos Estados Unidos, e por estes subsidiado e auxiliado. Não julgo que se possa dizer que todas essas dezenas de jornalistas estão ao serviço de Portugal, e alguma razão devem ter tido para chegar àquela conclusão, mesmo que não fossem além das alusões do próprio Holden. Mas a conclusão a que todos os observadores e jornalistas internacionais têm chegado não tem sido admitida a Portugal porque, no passado, sempre as instâncias americanas competentes opuseram a sua mais categórica negativa. Que tais factos terminem de vez é o que pode desejar-se para esclarecimento desta situação.»

Carta de Oliveira Salazar para Roswell Gilpatric (ver aqui e aqui).






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«Fora da ONU, voltei a ter frequentes contactos com Franco Nogueira em Londres, onde ambos viemos a ficar na situação de exilados por motivo dos tristes acontecimentos que se verificaram em Portugal em 1975. Já antes desse seu exílio Franco Nogueira fora vítima de elementos mais radicais do 25 de Abril, os quais durante meses o mantiveram preso e a sofrer imensos vexames. Consideravam-no um possível dirigente anti-revolucionário, no que duvido houvesse qualquer fundamento dada a tendência para ideais liberais que sempre lhe adivinhei.

Foi durante a estadia em Londres que Franco Nogueira trabalhou afanosamente na sua biografia do Doutor Salazar, a qual é, sem dúvida, uma obra notabilíssima, que o coloca no primeiro plano dos historiadores portugueses deste século.»

Vasco Vieira Garin («Alberto Franco Nogueira», in «Embaixador Franco Nogueira [1918-1993] – Textos evocativos»).


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«Recordo-me de vê-lo em Londres, no seu exílio onde a nossa amizade se estreitou, lutar pelo seu país, depois de ter estado longos meses preso e doente, vilipendiado pelas ordenanças e impedidos dos canalhas que, mais tarde, haviam de mergulhar o País na desgraça e lançar Timor e os territórios africanos na brutal fogueira em que continuam a arder. Agora mais do que nunca.

Vi-o, como disse, em Londres, fora do País como cá dentro, sempre inflamado na defesa dos interesses e da independência nacionais, orgulhoso da terra onde nascera, cuja História conhecia como ninguém e ajudou a fazer, na parte que lhe coube, com muito mérito, abnegação e completa dádiva de si mesmo.

Vi-o lá fora, sempre simples e digno, lutando contra as dificuldades que as circunstâncias da vida lhe impunham, sem uma queixa, uma lamentação, uma palavra de rancor.

Franco Nogueira sabia que esse era o preço natural de se estar no Poder servindo e não servindo-se.

Os políticos (e alguns militares) com reservas argentárias capazes de doirar qualquer exílio viriam depois, rebentando, como tortulhos, as costuras da farsa democrática que se seguiu.

Franco Nogueira limitou-se a servir. A cumprir com nobreza e galhardia o seu papel na História. Dele se poderá também dizer que a sua honra era a sua fidelidade.

Ao vê-lo cair, trespassado pela doença, que enfrentou, consciente e lúcido, agitando a pluma erecta e inteira do seu patriotismo sem mancha, não posso deixar de evocar Cyrano, ouvindo-o, já prostrado, gritar: C’est mon panache!».

Vera Lagoa («A Morte de um Patriota», in «Embaixador Franco Nogueira [1918-1993] – Textos evocativos»).



Discursando na Assembleia-Geral das Nações Unidas (Nova Iorque, 1962).


FRANCO NOGUEIRA NA ONU


Personalidades muito mais categorizadas e capacitadas do que o autor destas linhas analisarão decerto neste livro o perfil intelectual e político do Embaixador Franco Nogueira. Resta-me, por isso mesmo, orientar noutro sentido o meu depoimento para este In Memoriam. Decidi-me por uma página de memórias – o que me levará a referir-me também a mim próprio mais do que desejaria e talvez fosse curial.

No decorrer do ano de 1961, o Ministro Franco Nogueira foi informado de que na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Outubro, iria ser desencadeada contra a política portuguesa em África forte ofensiva dos países já independentes do Continente Negro, e bem assim da União Soviética e seus satélites. Por isso contactou O Século, o Diário de Notícias e a ANI para mandarem a Nova Iorque enviados especiais, a fim de que a opinião pública nacional não fosse apenas informada pelos telegramas da United Press e da Reuter sobre o que se passasse nessa conjuntura na ONU. Os dois jornais e a agência referida acederam logo ao pedido. Desde que fora demitido de director de programas da RTP (em condições muito peculiares...), eu era então director de O Século, por convite desse homem generoso que foi o Dr. Guilherme Pereira da Rosa, para escrever editoriais e uma outra crítica de teatro, cinema ou bailado. Fizera também parte do grupo de jornalistas que percorreu Angola logo depois dos conflitos provocados por terroristas em Luanda e nas vésperas do genocídio horrendo ocorrido no Norte da província em 14 de Março. Talvez por isso o Dr. Guilherme me tivesse convidado para ir a Nova Iorque desempenhar a missão aludida.

Lá cheguei a 7 de Outubro, hospedando-me num hotel modesto da Rua 42 entre a 1.ª e 2.ª Avenidas, ou seja, muito perto da sede da ONU – e, obtida a necessária credencial, comecei logo a seguir os trabalhos da 4.ª Comissão, a que se ocupava da descolonização e da autonomia dos povos que ainda estavam sujeitos a potências coloniais. Quando cheguei, era a Bélgica que estava na berlinda e a delegação desse país ouvia com a maior calma os insultos soezes e as calúnias mais gratuitas que os seus opositores bramavam da tribuna – enquanto numerosos delegados, sobretudo negros (em geral com uma loira americana agarrada a um braço), cirandavam pela vasta sala ou conversavam em grupos sem sequer se darem ao cuidado de falar em voz baixa. Era uma autêntica barafunda. Os interfones com tradução simultânea permitiam porém não perder pitada da insólita verborreia dos oradores.

A seguir foi a vez da França, depois a da Inglaterra, e o espectáculo continuou igual: insultos do mais baixo nível, permanente agitação na sala, fleumática atitude dos delegados dos citados países europeus que, a seguir, e em palavras serenas e sóbrias, respondiam aos ataques dos seus desbragados opositores.

Este intróito foi necessário para realçar com o que veio depois: a ofensiva contra Portugal. Na véspera haviam chegado a Nova Iorque o Ministro Franco Nogueira, acompanhado pelo então Director-Geral dos Negócios Políticos do M.N.E., Dr. José Manuel Fragoso. Nesse dia chegou também o enviado do Diário de Notícias, o categorizado jornalista Guilherme Ayala Monteiro, meu velho amigo. O Director da ANI, Dutra Faria, e o seu colaborador, Luís Fraga, estavam em Nova Iorque também desde a primeira semana do mês.

Não conhecia, nem de vista, quer Franco Nogueira, quer J. M. Fragoso (apesar de este ser irmão de Fernando Fragoso, meu querido amigo desde os tempos de liceu), embora não ignorasse a reputação de Fragoso como funcionário das Necessidades.

Alberto Franco Nogueira discursando no Conselho de Segurança das Nações Unidas. A seu lado, da esquerda para a direita: Adlai Stevenson, representante dos Estados Unidos na ONU; Mongi Slim, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Tunísia e Rudoph Grimes, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Libéria (Nova Iorque, 1963).

Tanto o Ministro como o seu Director-Geral estiveram presentes na 4.ª Comissão quando principiou a ofensiva contra o nosso país. E não houve novidade alguma: idêntica catilinária insultuosa de vários delegados escalados para os primeiros ataques antiportugueses, a mesma balbúrdia na sala. Recordo-me que Ayala Monteiro ficou alarmado com a agressividade dos nossos adversários, só sossegando quando Dutra Faria e eu lhe contámos o que se tinha passado com a Bélgica, a França e a Inglaterra.

E chegou o momento em que o Ministro Franco Nogueira iria discursar (no seu fluente inglês) em resposta aos delegados que nos haviam atacado e ofendido. Então fiquei espantado, porque se fez absoluto silêncio na sala e toda a gente ficou sentada e quieta, manifestamente interessada em ouvir o nosso Ministro. Fiquei então ciente do singular prestígio que Franco Nogueira já havia conquistado na ONU  o que vi confirmado no respeito e atenção que lhe prestavam na sala de convívio e na do bar. Chegava a ser impressionante, tanto mais que Franco Nogueira estava à frente do M.N.E. relativamente há pouco tempo. Esta posição veio ainda a aumentar e a consolidar-se até que deixou o Ministério dos Negócios Estrangeiros, já sendo Presidente do Conselho o Prof. Marcello Caetano.

Franco Nogueira tinha o dom de ser incisivo e acutilante na réplica aos ataques antiportugueses e por isso ganhara fama e autoridade naquele areópago internacional. Um exemplo dessa sua faculdade inestimável será a observação com que embatucou os assistentes a uma sua conferência, já não sei em que Universidade americana, na qual expôs a nossa posição em relação à África Portuguesa. No final houve vários opositores aos seus argumentos, que Franco Nogueira silenciou em poucos segundos dizendo: «Não devem esquecer-se de que a independência dos Estados Unidos não foi obra dos peles-vermelhas que viviam no vasto território americano!» Depois do surpreso silêncio referido (pois nunca lhes passara pela cabeça semelhante realidade), calorosa ovação coroou esta contundente e irrespondível estocada dialéctica.

(In Embaixador Franco Nogueira [1918-1993] – Textos evocativos, Livraria Civilização Editora, 1.ª edição/Outubro 1999, pp. 186-187).



No Ministério dos Negócios Estrangeiros. Da esquerda para a direita: Burke Elbrick, Embaixador dos Estados Unidos em Lisboa; Alberto Franco Nogueira, Ministro dos Negócios Estrangeiros; George Ball, Secretário de Estado Adjunto dos Estados Unidos [?]; Theodore Xanthaky, Conselheiro da Embaixada dos Estados Unidos em Lisboa.