Henry Ford recebe a Grã-Cruz da Águia Germânica em 1938. |
Reportava o New York Times, a 20 de Dezembro de 1922, que Henry Ford, o célebre fundador da Ford Motor Company, estava a financiar na Baviera o movimento revolucionário anti-semita de Hitler. Aliás, a composição do Mein Kampf fora igualmente baseada em diversas passagens do livro de Henry Ford, O Judeu Internacional. De resto, não fora por acaso que o empreendedor estadunidense chegara a ser condecorado pelos nazis com a Grã-Cruz da Águia Germânica, especialmente consagrada a estrangeiros ilustres.
Uma das eventuais razões do anti-semitismo de Henry Ford parece ter radicado no facto de certos círculos financeiros judaicos poderem sacar proveito financeiro com a guerra. Deste modo, é perfeitamente possível que círculos industriais anti-semitas, onde pontificavam os Morgan e os Ford, tivessem igualmente tirado os seus dividendos do maior conflito bélico do século XX. Curiosamente, a Ford Company também criara, em 1930, uma instalação moderna de fabrico automóvel na União Soviética, localizada em Gorki, a qual produzira, nos anos 50 e 60, camiões para os norte-vietnamitas transportarem armas e munições com destino ao conflito armado ocorrido no Sudeste Asiático entre 1955 e 1975.
Entretanto, se a condenação dos industriais nazis fora categoricamente decretada no Tribunal de Nuremberga, porque também não foram condenados os seus colaboradores mais próximos, como a família Ford? Seria por estarem directa ou indirectamente ligados à elite financeira de Wall Street? Seja como for, tudo aponta para o facto de muitos industriais alemães, mormente os que financiaram Hitler, terem sido directores de cartéis com participação, associação e direito de propriedade americana. Logo, uma considerável percentagem de multinacionais a operar na Alemanha tinham já sido construídas com empréstimos americanos que remontavam aos anos 20.
Convém ainda notar que o livro de Antony Sutton não é uma acusação contra toda a indústria financeira americana, mas tão-só contra um conjunto de firmas controladas por certas e determinadas casas financeiras, como o Sistema da Reserva Federal, o Banco de Compensações Internacionais (Bank for International Settlements) e as correspondentes ramificações ou extensões financeiras. Aliás, a maior ajuda americana dada aos nazis viria da Opel, uma subsidiária da General Motors, controlada pela firma de J. P. Morgan, tal como viria da Ford A. G. enquanto subsidiária da Ford Motor Company de Detroit . Mais: a I. G. Farben, que saíra da fusão das maiores companhias químicas da Alemanha – Badische Anilin, Bayer, Agfa, Hoechst, Weiler-te-Meer e Griesheim-Elektron –, tivera ainda forte influência no Estado hitleriano por via do capital de Wall Street, sem o qual não teria, por certo, deflagrado a Segunda Guerra Mundial.
Miguel Bruno Duarte
«(...) Para o Departamento de Estado não pode ser outra a interpretação: Oliveira Salazar prepara o terreno, no plano interno, para mudar de política e aceitar o conceito de autodeterminação, tal como imposto pelas Nações Unidas. Com brandura e serenidade, há que acentuar as pressões sobre Lisboa. E impõem-se também que os funcionários americanos na África continuem a agir junto dos revolucionários. Neste particular, os representantes portugueses em alguns países africanos colhem numerosos indícios sobre os contactos entre uns e outros. Está particularmente bem esclarecida neste ponto a embaixada portuguesa em Léopoldville. Através de meios congoleses, obtém numerosos documentos do mais alto interesse para o Governo português, e que envia para Lisboa. Entre todos, dois prendem a atenção de Oliveira Salazar: uma acta ou protocolo de um entendimento ou acordo político entre o encarregado de negócios americano em Léopoldville e o chefe do movimento terrorista, Holden Roberto, que ataca no Norte de Angola, discriminando subsídios financeiros e fornecimento de armas; e o original do passaporte emitido pelo ministério do Interior da Tunísia, a favor de Joe Gilmore, nome de guerra de Holden e em que estão apostos vistos de vários países, entre os quais e antes de todos o dos Estados Unidos. Oliveira Salazar considera os documentos, medita, e diz: "Guardamo-los como se de nada soubéssemos, para os usarmos na altura própria. Que bela coisa!"».
Franco Nogueira («Salazar», V).
«Desde a origem, a sua acção colonizadora [de Portugal] reveste-se de absoluta legitimidade e, o que mais vale ainda, tem sido exercida com mais tolerância racial e mais compreensão humana que a dos outros países, em especial os Estados Unidos da América do Norte, a Rússia czarista ou bolchevista e os próprios Estados africanos, agora surgidos na ribalta da vida internacional, sem se terem libertado ainda do veso das lutas tribais e de crudelíssimas práticas de colonialismo interno, fundado no esclavagismo, quando não no canibalismo. O esforço, que - repito - Portugal está desenvolvendo na actualidade para o progresso das suas províncias de além-mar, através de sucessivos Planos de Fomento, é absolutamente meritório. Está ensaiando nos vales do Limpopo e do Cunene uma colonização intensiva de trabalhadores rurais metropolitanos, que não vão arvorar-se em meros exploradores de mão-de-obra indígena, mas sim em seus iguais, igualdade revelada no exercício directo de tarefas similares e em perfeita camaradagem com os aborígenes instalados na sua vizinhança. São coisas que os homens do Kremlin, da Casa Branca e do n.º 10 da Downing Street jamais poderão conceber, mas que nós compreendemos às mil maravilhas, porquanto foi precisamente assim que conseguimos fazer o portentoso Brasil. Como já se disse anteriormente, Portugal vai abalançar-se em todos os recantos dos seus territórios ultramarinos a uma obra de instrução técnica e de educação intelectual e moral, adaptada às peculiaridades regionais, divisando-se já, em prazo não muito distante, a instalação do próprio ensino superior. Às teóricas congeminências de uma ONU displicente oporemos a fórmula portuguesa de uma trajectória talvez mais lenta, mas visceralmente mais segura. Gerámos o Brasil com suor nosso, mas sem sangue e lágrimas naturais. Eles, os da ONU (...) nada mais sabem gerar do que confusionismo, destemperos e vítimas.
Em suma, não deixaremos que nos expulsem das nossas colónias a pontapés no traseiro, como se verificou com os desnorteados belgas: preferimos - não me canso de afirmá-lo - defender-nos a tiro, deixando lá talvez o nosso sangue e as nossas almas doloridas e enraivecidas, se os grandes luminares do mundo civilizado quiserem cometer a vileza de nos trocarem à viva força por Lumumbas desconcertados e desconcertantes».
Cunha Leal («O Colonialismo dos Anticolonialistas»).
«(...) chega a Lisboa, a título particular, o príncipe de Radziwill, muito próximo da Casa Branca e da família Kennedy. Ostensivamente, vem tratar de negócios, de investimentos. Mas é outra a sua missão, e secreta: traz uma mensagem verbal de Roswell Gilpatric. Este mantém na administração Johnson os contactos e a influência de que desfrutava na administração Kennedy. Salazar, em 2 de Março de 1965, recebe longamente Radziwill: de que recado é portador? Aparecem como fundamentais estes pontos: o governo dos Estados Unidos está pronto a recomeçar o fornecimento de material de guerra a Portugal, e desde já serão enviadas as peças sobressalentes que estão encomendadas; todo o auxílio a chefes terroristas de Angola ou Moçambique, feito por instituições privadas norte-americanas, designadamente a Fundação Ford, cessará imediatamente; se satisfeitos os desejos de Washington quanto à questão técnica de instalação do Loran-C [sistema de alta tecnologia que permite a localização de submarinos no alto mar], os Estados Unidos apoiariam na ONU a posição portuguesa; e o presidente Johnson ou o secretário de Estado Dean Rusk pronunciariam em pouco um discurso que inseriria um parágrafo favorável à política portuguesa e que todos interpretariam como apoio dos Estados Unidos. Esta mensagem de Gilpatric afigura-se de alto significado, e Radziwill aconselha Salazar a escrever àquele uma longa carta sobre os pontos suscitados, e outros que o chefe do governo queira sublinhar. Oliveira Salazar sente neste particular algumas hesitações: o embaixador dos Estados Unidos no Congo, Godley, dissera há dias ao Arquiduque Otão de Habsburgo, de passagem por Léopoldville, que insistira com o Departamento de Estado para que fosse recomeçado o auxílio americano a Holden Roberto; o Arquiduque, que acaba de proferir uma conferência na Sociedade de Geografia em Lisboa, repete-o ao chefe do governo português; e alguns funcionários do Departamento de Estado não escondem a sua hostilidade a Portugal, e procuram contrariar na imprensa americana os artigos favoráveis à política portuguesa que aquela publica. Neste quadro de incerteza e de atitudes contraditórias, valerá a pena escrever a Gilpatric?
(...) Na segunda quinzena de Março de 1965, Salazar sente-se por momentos "liberto" da política interna, e é com alívio que volta aos problemas da Defesa do ultramar, da política externa. No domingo, dia 28, recebe longamente o jornalista e escritor francês Saint-Paulien, que ficou de preparar um texto para a Revue des Deux Mondes. Depois, na semana que entra, surge um incidente inusitado: o governo alemão comprometera-se, em contrato escrito, a vender a Portugal uma partida de aviões de combate F-86: de súbito, declara não puder cumprir a obrigação porque, havendo sido adquiridos pela Alemanha ao Canadá, este os vendera sob condição de que o governo de Bona não disporia dos aparelhos a favor de terceiros sem aprovação prévia do governo de Otava: e este acaba de informar de que não a dá em favor de Portugal. Lisboa apura desde logo que a atitude canadiana é assumida por pressão de Washington, e tira daí as suas conclusões políticas. Mas não importa: há uma responsabilidade contratual que vincula o governo de Bona: como vai este desonerar-se? Sentem grande embaraço os alemães, que estavam obviamente de boa-fé e querem honrar a sua assinatura; enviam a Lisboa, de propósito, o secretário de Estado Lahr, que dá todas as explicações e promete encontrar uma solução; e Oliveira Salazar escreve ao chanceler Ehrard uma carta pessoal, em tom cordato, para reclamar a execução de acordo firmado. Desobriga-se a República Federal da forma mais fidalga, e benéfica para Portugal: em troca dos aviões F-86, de segunda mão e muito usados, adquire em Itália uma partida de aviões de combate equivalentes, inteiramente novos, e cede-os a Portugal por preço inferior ao ajustado para os primeiros. Este caso resolve-se a contento, mas leva Oliveira Salazar a escrever a Gilpatric, como sugerido por Radziwill. É extensa a carta, e rude, e trata com franqueza brutal os pontos que são objecto da mensagem de Gilpatric: traça um quadro que é um vasto fresco das relações luso-americanas na altura, e das queixas portuguesas: e admite a hipótese de compensações materiais, financeiras ou outras, pela base que nos Açores utilizam os americanos».
Franco Nogueira («Salazar», VI).
Carta de Oliveira Salazar para Roswell Gilpatric
Oliveira Salazar |
a) Segundo depreendi, a Fundação Ford não só estaria disposta a cessar o seu auxílio aos terroristas baseados no Tanganica (Tanzânia) como estaria pronta a entregar ao Governo Português, naturalmente para os fins da Instituição, as somas com que tem contribuído para auxiliar aqueles. Congratula-se o Governo Português com essa decisão e, dados os fins educativos e humanitários da instituição, não tem a menor dúvida em aceitar a oferta da Fundação Ford. Estamos preparados, por isso, a apresentar àquela um plano pormenorizado e concreto de realizações que a mesma ou o Governo Português em seu nome possa subsidiar. Para que o possamos fazer com a maior eficiência, desejaríamos saber previamente o total de que a Fundação quer dispor e durante quanto tempo para aquele efeito. Ficaremos aguardando indicações nesse particular.
c) Relativamente à alusão que o Príncipe Radziwill fez à autorização concedida para a cedência de alguns sobressalentes de natureza militar, na realidade algum material foi contratado ou fornecido a Portugal recentemente. Trata-se de artilharia para pequenos navios que não estarão prontos antes de 4 a 5 anos; de algum material para rocelagem de minas; de material para oficinas e electrónico. Mas este material pela sua natureza destina-se só a operações da NATO e não a ajudar o nosso esforço militar em África. Esperemos que, com a nova decisão, algum material nos possa ser fornecido que não tenha por único fim permitir a Portugal dar o seu esforço para a defesa do Atlântico Norte, nos limites geográficos do Tratado. Ainda em meados de Fevereiro foi indicado à empresa americana Thiokol Chemical Corporation que só poderia negociar um acordo de produção com Portugal de mísseis ar-terra com a empresa portuguesa SPEL, desde que tal produção se destinasse a países da NATO e sob prévia autorização dos Estados Unidos para cada caso, e ainda desde que o Governo Português se comprometesse a usar tais mísseis apenas na área definida pelo artigo VI do Tratado do Atlântico Norte. O acordo seria estabelecido entre empresas particulares, mas o Governo Português tem sérias dúvidas sobre se poderá aceitar que o uso de material produzido por empresa portuguesa em território português fique dependente de autorização de governo estrangeiro. Seria conveniente esclarecer-se se a nova decisão americana abrangerá também este caso e se pode ou não ser alargado o âmbito das nossas aquisições nos Estados Unidos (in Franco Nogueira, Salazar, VI, O Último Combate, 1964-1970, pp. 23-26).
Continua
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