quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Carta de Oliveira Salazar para Roswell Gilpatric (ii)

Escrito por Oliveira Salazar








«Para nós, Portugueses, nascidos no século XII, iniciadores, com os Descobrimentos, no século XV, da Idade Moderna, universalizadores conscientes da civilização ocidental (até aí reduzida aos limites europeus) - para nós, Portugueses, discriminação racial, descolonização e autodeterminação são, portanto, palavras cínicas, injuriosas, que afrontam a nossa inteligência e magoam profundamente a alma desta velha e nobre Nação cuja carne e cujo sangue se fundiram, amorosamente, cristãmente, nas cinco partes do mundo, como todas as raças e cores, naquela liberdade, igualdade e fraternidade que só o tálamo conjugal realiza e a família consagra a sublima.

Suprema hipocrisia! Monstruosa afronta - ouvirem, calados, injuriar e difamar Portugal, países que nunca deixaram os pretos e os vermelhos entrar onde estivessem brancos e que os conservaram, até hoje, isolados, como gado!

(...) Isto, quanto à discriminação e à descolonização. Mas o espectáculo é mais degradante ainda no que toca à chamada autodeterminação, porque na África negra nunca houve Nações nem Estados subjugados por forças estrangeiras como sucede, por exemplo, em nossos dias, na Hungria e na Roménia; quando lá estávamos, no século XV, havia apenas vastíssimos territórios despovoados, aves do céu e animais do mato e, nalguns pontos, tribos selvagens coabitando com os gados, submersas na mais triste barbaria, sem a menor ideia de Estado ou de Nação.

E é, por isso, espantosa a hipocrisia e o cinismo com que hoje, volvidos cinco séculos, se finge que os Portugueses interromperam, em Angola e Moçambique, o curso histórico de duas Nações de pretos que é preciso deixar, agora, autodeterminarem-se democraticamente, pela via do sufrágio universal, libertando-lhes a Pátria oprimida e enriquecendo o Mundo e a ONU com mais duas Nações livres...

Mas ainda quando se abstivesse, para efeitos de discussão, da nossa franca política de assimilação que faz dos pretos e brancos de Angola e Moçambique portugueses tão lídimos como os da Europa, ficaria lugar à pergunta decisiva: onde está a Nação? No conjunto das tribos rivais, que lá fomos encontrar, há quinhentos anos, guerreando-se, por natureza, mutuamente, como está sucedendo, ainda agora, no chamado Congo Belga? Na diversidade infinda de línguas, dialectos, feiticismos e raças?

Não, meus senhores! A única noção de território nacional, unidade de língua e religião, de Estado e de Nação, que existe em Angola e Moçambique é aquela que nessas Províncias criaram, no decurso de cinco séculos, tal qual como em todas as outras, os Portugueses de sempre. De modo que quando os nossos inimigos falam em libertar as Nações de Angola e Moçambique pretendem, apenas, esbulhar Portugal, com a colaboração de meia dúzia de pretos assoldadados no estrangeiro, de duas das suas Províncias ultramarinas.

Autodeterminação! Mas autodeterminação de quem? De uma dúzia de negros, mais ou menos bacharéis, "membros do Partido", "democratas" sem concidadãos? Deixemo-nos de hipocrisias: noventa e tantos por cento dos pretos de toda a África não estão em condições de se autodeterminarem e nem sequer pensam nisso. Sucede-lhes precisamente o mesmo que acontece aos índios americanos e aos párias da Índia do Sr. Nehru, sem que ninguém tenha visto, até agora, sinais de que os filantropos, tão preocupados com os negros de África, estejam dispostos a deixá-los autodeterminarem-se, organizando-se em Nações independentes...

(...) Descolonização e autodeterminação são expressões políticas que tanto o grupo de Nações ocidentais como o das que alinham com a Rússia proclamam por sinónimos de libertação de todos os povos e estados oprimidos pela força imperialista das Nações colonizadoras. Posta assim a questão, não há homem bem formado nem país civilizado que não adira logo à beleza do princípio e à justiça dos seus objectivos. Mas como tanto do lado da Rússia como entre nações ocidentais há práticas e factos que desmentem, na realidade e em absoluto, conforme atrás dissemos, a exactidão dos princípios, segue-se que temos de procurar, para além das aparências ilusórias, o fio condutor das realidades dolorosas. E essas conduzem-nos à conclusão de que descolonização e autodeterminação são apenas a cínica e hipócrita cobertura doutrinária do pavoroso neocolonialismo materialista e económico, que se propõe partilhar o Mundo à sombra da bomba atómica...».

Costa Brochado («Teoria da Unidade Nacional e realidades da África Portuguesa», conferência proferida no salão nobre da Câmara Municipal de Braga, na noite de 30 de Novembro de 1961, a convite daquele Município e da delegação bracarense da Sociedade Histórica da Independência).



«Nós somos uma velha Nação que vive agarrada às suas tradições, e por isso se dispõe a custear com pesados sacrifícios a herança que do passado lhe ficou. Mas acha isso natural. Acha que lhe cabe o dever de civilizar outros povos e para civilizar pagar com o suor do rosto do trabalho da colonização. Se fosse possível meter alguma ordem na actual confusão da oratória política internacional, talvez se pudesse, à luz destes exemplos, distinguir melhor a colonização do colonialismo -  a missão humana e a empresa de desenvolvimento económico que, se dá, dá, e se não dá, se larga. Muitos terão dificuldade em compreender isto, porque, referidas as coisas a operações de deve e haver, motivos havia para delinear noutras bases a política nacional».

Oliveira Salazar («O Ultramar Português e a ONU», Discurso proferido por Sua Excelência o Presidente do Conselho na sessão extraordinária da Assembleia Nacional, em 30 de Junho de 1961).


«Se entre americanos e russos existe vocação comum, é ela, por certo, a de exploradores, caçadores ou colonos que uns e outros obstinadamente manifestaram desde o princípio da sua história. Desbravadores e migradores, os dois povos sempre foram impelidos a conquistar novos territórios. Se não fosse essa espontânea tendência, explicar-se-ia mal a rapidez com que foram exploradas e colonizadas as imensas regiões da Sibéria e da América.

(...) Existem muitas outras semelhanças entre os Estados Unidos e a Rússia, semelhanças que os escritores alemães muitas vezes sublinharam. Para Spengler há em primeiro lugar "a mesma vasta extensão que exclui a possibilidade de ataques eficazes dos inimigos; há depois o socialismo de Estado, ou antes o capitalismo de Estado, quase semelhante à fórmula existente na Rússia, representado pelo conjunto dos trusts que dirigem e regulam toda a produção e o seu escoamento, até aos mais ínfimos pormenores, correspondente às organizações económicas russas. O lema dos sovietes: A Ásia para os asiáticos, corresponde exactamente nos seus pontos essenciais à concepção da doutrina de Moroë: Toda a América para o potencial dos Estados Unidos".

Quanto a Keyserlig, depois de notar que a"atmosfera psíquica da América se parece com a da Rússia e com a da Ásia setentrional", observa: "A psicologia de um Gengis Can, que devastou o mundo num furacão, de um Pedro o Grande ou de um Lenine, que ditaram a sua vontade pessoal a milhões de homens, ou a de um presidente de trust americano, que considera 'sem Deus' toda e qualquer nação que não lhe compra o seu petróleo, são, neste particular, absolutamente idênticas"».

Henri Massis («A Nova Rússia»).




Winston Churchill com uma pistola-metralhadora "Thompson".



«(...) As enormes quantidades de armamento apreendidas pelas nossas Forças Armadas nas três frentes da Guiné, Moçambique e Angola, são na sua esmagadora maioria provenientes da URSS. Com elas, poderíamos já equipar alguns batalhões de infantaria e apontam a origem comum dos tão falados nacionalismos. E não se pense que são armas antiquadas ou excessos de armamento da segunda guerra mundial. A par da tão espalhada pistola-metralhadora "Thompson", de origem americana e tornada célebre pelos "gangsters" de Chicago, e que a própria China já fabrica sem respeito pelo "copy right", aparecem as mais modernas armas que equipam o exército russo, desde a pistola "Tokarev" à espingarda automática "Kalashnikov" e desde as granadas F-1 aos canhões sem recuo de 57 milímetros.

Este enorme arsenal que mostra bem quão vinculadas estão às ideologias comunistas, os chamados movimentos libertadores das nossas Províncias, é pago, pelo menos em parte - oh! Santa ingenuidade - pelos bons dólares com que os EUA inundam os pseudo-nacionalistas, mormente os da Frelimo, tanto da simpatia americana, já porque o sr. Mondlane foi professor numa universidade estadunidense, já porque é casado com uma senhora natural da grande potência ocidental. E não seria nada "shocking" ter como primeira presidente dum hipotético Moçambique independente uma "american lady" (...)».

Alpoim Calvão («Reflexões sobre o Tempo Presente», in Rui Hortelão, Luís Sanches de Baêna e Abel Melo e Sousa, Alpoim Calvão, Honra e Dever, Uma Quase Biografia»).




Carta de Oliveira Salazar para Roswell Gilpatric




Lyndon B. Johnson



d) Assume o mais alto interesse o ponto que em seguida levantou o Príncipe Radziwill: a intenção em que o Presidente Johnson ou o Secretário de Estado Rusk estariam de pronunciar um discurso em que se inserisse uma referência ou parágrafo sobre política portuguesa, de modo que nos fosse possível transcrever e usar tal referência ou parágrafo com utilidade política. Depois de quanto se tem passado, não oculto a V. Excia. que os termos a usar são da maior importância, e terão de ser ricos de significado em favor de Portugal porque de contrário será preferível que nada seja dito. Chamo a atenção de V. Excia., neste particular, para alguns factos. Há dias o New York Times publicou um artigo em que lançava uma luz de alguma forma optimista sobre a actual situação portuguesa. Não podia comprometer o Governo Americano, pois a crónica era assinada pelo correspondente do jornal em Lisboa. Mas para destruir o valor do artigo logo «alguns funcionários» do Departamento de Estado fizeram declarações transmitidas pelas agências internacionais em que se procurava destruir o efeito favorável a Portugal que acaso aquele artigo pudesse ter produzido. No dia 18 do corrente (mês de Março de 1965), de novo o Sr. Mennen Williams pronunciou um discurso onde afirmou, entre outras coisas, que os Estados Unidos estavam usando toda a sua «força de persuasão», que é como quem diz, pressão sobre Portugal, com o fim de levar este a aceitar imediatamente os princípios referentes a autodeterminação, independência, etc. Notamos assim a persistência do desagrado oficial perante notícias favoráveis a Portugal que acaso surgem na imprensa dos Estados Unidos: mas antes havia-nos sido dito que o Governo Americano sentia dificuldade em nos apoiar porque tal apoio suscitaria críticas na imprensa. Eu menciono estas circunstâncias apenas para sublinhar de novo a importância do que for dito pelo Presidente Johnson ou pelo Secretário de Estado Rusk e neste ponto limitar-me-ei a algumas sugestões. Nós sabemos que os Estados Unidos perfilham de longa data alguns princípios, que aliás basicamente também nós partilhamos, e de modo algum pretenderíamos que o Governo Americano os negasse. Mas o governo pelo consentimento dos governados pode ser realizado por mais de uma forma, e decerto nos territórios portugueses muitos factores o confirmam; multirracialismo incontestável da política portuguesa pode sem embaraço ser apoiado pelos Estados Unidos; o valor da posição anticomunista de Portugal em África deve poder ser aceite pelo Governo Americano; e reconhecer os direitos humanos, promover a educação e o desenvolvimento económico, político e social são outros tantos elementos incontroversos que, em conjunto com os demais, podem também ser considerados. O princípio de reconhecer incondicionalmente a cada cabeça um voto, reclamado pelos povos africanos, não é aceite em nenhum país civilizado; mas quem pode negar que as províncias ultramarinas têm o direito de participar e participam efectivamente na constituição dos orgãos superiores do Estado - na eleição do Presidente da República, dos deputados à Assembleia Nacional, dos procuradores à Câmara Corporativa, em perfeita igualdade com os cidadãos de qualquer outra região do País? No entanto, em documentos recentes se apelidavam de «pequenas reformas» as regras jurídicas que entre nós há muito regulam estas matérias. Eu creio que nem o Presidente Johnson nem o Secretário de Estado terão dificuldade em encontrar uma fórmula comummente satisfatória para apresentar a política ultramarina portuguesa, e levá-la ao conhecimento da opinião pública americana. e) Por último, o Príncipe Radziwill informou-me de que, se o Governo Português fizesse a concessão respeitante ao Loran-C, o Governo dos Estados Unidos passaria a apoiar incondicionalmente a posição portuguesa na ONU. Não neguemos a importância desta promessa. Somos lógicos: consideramos muito grave e importante o facto de os Estados Unidos votarem contra Portugal: igual importância atribuímos ao facto de os Estados Unidos passarem a votar a favor de Portugal. Mas temos de ver que as Nações Unidas não têm hoje a importância que tinham há dois ou três anos: estão desprestigiadas e desvalorizadas: e assim tudo que nelas se passa se encontra igualmente diminuído. E pelo que respeita a agências especializadas daquela organização já os Estados Unidos e outras nações ocidentais têm seguido a linha de defesa dos direitos de Portugal. Mas nem por isso, sobretudo tendo em conta a eventual reorganização das Nações Unidas, deixa de ter o maior interesse a sugestão transmitida pelo Príncipe Radziwill. Tenho de acentuar, porém, a gravidade da concessão do Loran-C: se a fizer, aumentam muito os riscos e a vulnerabilidade de Portugal, que decerto se torna alvo ainda mais importante das armas comunistas em caso de crise séria ou de guerra. E daí não tira Portugal qualquer benefício substancial directo. Nestas circunstâncias, ocorre-me se procure noutros campos uma contrapartida material da nossa concessão à instalação do Loran-C. Estes os problemas de que se ocupou o Príncipe de Radziwill. Não me falou o Príncipe no problema da base dos Açores, cuja utilização pelos Estados Unidos sem qualquer contrapartida na actual conjuntura e desde há muitos anos provoca na opinião pública portuguesa perplexidade e impaciência. Não se tornará possível em tal matéria prolongar indefinidamente a situação actual, sendo indispensável a negociação de um arranjo pelo qual a contribuição dada pela base dos Açores e pela instalação do Loran-C para a segurança dos Estados Unidos encontre uma razoável compensação em meios que nos permitam prover à nossa própria segurança em territórios que são objecto de ataque.






Acrescentarei ainda mais dois ou três pontos dentre os mais recentes. Um cidadão americano ilustre, da maior integridade e cultura, e do mais puro patriotismo, visitou Angola não há muito, e demorou-se longamente na província. Visitou depois, como era natural, os funcionários consulares do seu país. E um destes disse-lhe que a situação em Angola era muito tensa, e que se estava ali à beira de um colapso, que podia sobrevir de um dia para o outro. Perante a incredulidade do referido americano, o funcionário consular dos Estados Unidos especificou alguns dos factos que julga prováveis e que provocarão o colapso de Angola: uma iminente revolta do Exército, a inflação na Metrópole, a «repressão sangrenta» de uma próxima revolta de estudantes. Acrescentou o funcionário americano, muito naturalmente, que tem informado Washington da situação. Não desejo fazer comentários: mas ocorre-me a observação que V. Excia. fez, quando aqui esteve, de que reparara não eram fidedignos os relatos dos funcionários consulares americanos em Angola e Moçambique. Pergunto se não será perigoso os próprios Estados Unidos tomar decisões com base em situações irreais e em juízos nascidos apenas de sentimentos hostis e de ideias feitas. Na semana última passou por Lisboa um grupo de funcionários norte-americanos, que vinham de uma longa digressão por Angola e Moçambique, empreendida, segundo nos foi dito, para se informarem das realidades. Em reunião no Ministério dos Estrangeiros, com o respectivo Ministro, e perguntados acerca das suas impressões, só um desses funcionários falou para limitar-se a dizer que ficara impressionado com o muito que ainda havia a fazer em Angola e Moçambique. Sem dúvida; mas foi tudo. Aqueles funcionários nada mais viram, nada mais encontraram que fosse digno de elogio ou crítica. Na troca de impressões que se seguiu foi patente a hostilidade de muitos, e sobretudo foi visível que se deslocaram a África com ideias já assentes e inteiramente cegos para realidades que não se conformem com as suas teorias. A Portugal é dito com frequência que nem tudo o que por nossa parte dizemos ou fazemos será inteiramente exacto; mas àqueles funcionários parece não ocorrer que o mesmo se poderá e deverá dizer quanto ao que sustentam e defendem, sobretudo em face de desastres sucessivos que temos presenciado.

Quero por último sublinhar a V. Excia. as minhas preocupações com os perigos em África. Temo-nos cansado a vincar a infiltração comunista em África, e hoje parece que todos partilham do mesmo modo de ver. Mas parece que alguns se conduzem ainda como se tudo corresse em África no melhor dos mundos. Há dias, o Sr. Rusk disse que era do interesse de todo o mundo livre deter a agressão no Vietname. Não o será também em África? Ou continuará a julgar-se que destruir Portugal em África contribui para deter a agressão comunista naquele continente? Ou também que Portugal, destruído em África com o assentimento e até o apoio do Ocidente, estará disposto a continuar a cooperar na defesa do mesmo Ocidente, se verifica que no fundo esta é só a defesa de alguns? Peço-lhe que me desculpe, meu caro Senhor Gilpatric, a franqueza desta carta, mas pensei que, se não houvesse de escrever francamente, não mereceria a pena ocupar o seu tempo com uma carta tão longa. Aliás julgo que só com absoluta franqueza seria viável chegar a resultados positivos nas relações entre os nossos dois países (ibidem, pp. 26-29).








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