Escrito por Herbert George Wells
«(...) um dos [problemas] mais
complexos é aquele criado pelas estúpidas e persistentes intrigas da Igreja
Católica Romana.
Deixem que seja claro a este respeito. Estou a falar do Vaticano e das suas tentativas reiteradas de exercer um papel directivo na vida secular. Conto entre os meus amigos muitos católicos romanos que construíram as mais encantadoras personalidades e sistemas comportamentais à luz do enquadramento que lhes é fornecido pela sua fé. Uma das personalidades mais cativantes que conheci foi G. K. Chesterton. Mas creio que já era assim antes de se tornar católico. Todavia, encontrou algo de que necessitava no catolicismo. Há santos de todos os credos e de nenhum, tão boas são as possibilidades da natureza humana. Os rituais religiosos oferecem uma moldura que muitos consideram indispensável para a condução decente das suas vidas. E fora das fileiras dos observadores “estritos”, muitas pessoas boas com poucos mais conhecimentos de teologia do que um unitário, adoram falar da bondade e da generosidade como sendo próprias do cristianismo. Fulano de tal é um “bom cristão”. Diz Alfred Noyes, o escritor católico, que Voltaire era um “bom cristão”. Não uso a palavra “cristianismo” nesse sentido porque não acredito que os cristãos tenham o monopólio da bondade. Quando escrevo “cristianismo”, refiro-me a um credo específico e a uma organização militante, e não a essas boas e generosas pessoas – boas e generosas mas não muito meticulosas quanto ao uso preciso das palavras.»
H.
G. Wells («A Nova Ordem Mundial»).
«O nome de H. G. Wells já por várias
vezes atraiu o nome de Bernard Shaw. E é por mero acidente no arranjo deste
livro que ele não tem figurado com mais relevo desde o começo. Como já
expliquei atrás, eu comecei por aceitar o socialismo, pura e simplesmente porque
me parecia, na altura, a única alternativa diante duma calamitosa aceitação do
capitalismo. Também já disse que o meu irmão, que levava o socialismo mais a
sério ou pelo menos mais cientificamente, se tornou uma influência reconhecida
no meio fabiano e era, ao tempo, mais íntimo de Bernard Shaw do que eu; e
estava, como era natural, mais de acordo com ele. Quanto a mim, a minha
principal experiência com Bernard Shaw foi, desde o princípio ao fim, a de uma
interminável discussão. E vale a pena notar que, em virtude de toda aquela
polémica, eu aprendi a ter por ele uma admiração e uma afeição mais fundas do
que a maior parte das pessoas que estavam de acordo com ele. Em Bernard Shaw,
ao contrário de algumas pessoas que eu já aqui referi, o que nele havia de
melhor surgia sobretudo quando ele tomava a posição de adversário. Poder-se-ia
dizer até que ele era mais autêntico e verdadeiro quando estava errado. Posso
igualmente acrescentar que ele estava geralmente errado. Ou melhor, tudo nele
estava errado, excepto ele próprio.
Comecei a discutir com Bernard Shaw nos
jornais, quase na altura em que comecei a fazer fosse o que fosse. Em primeiro
lugar, acerca das minhas simpatias pró-bóeres durante a guerra sul-africana.
Aqueles que não compreendem o significado da filosofia política dos fabianos,
custar-lhes-á imaginar que os mais importantes dirigentes fabianos eram quase
todos imperialistas. O senhor e a senhora Sidney Webb eram, sob este aspecto,
imperialistas fervorosos. Hubert Bland era um imperialista ainda mais buliçoso,
e o meu irmão um imperialista tão tórrido como Hubert Bland. E até Bernard
Shaw, apesar de nunca pôr de lado a liberdade de troçar de todos, era bastante
imperialista, comparado comigo ou com os meus amigos pró-bóeres. A partir daí,
surgiu a lenda, especialmente entre os seus adversários mais estúpidos, de que
Bernard Shaw era um impudico revolucionário irlandês, que sempre fora
antibritânico. Ora a verdade é que ele sempre fora, e até mais, pró-britânico.
O seu drama John Bull’s Otherisland,
é um exagero pró-britânico. Faz da outra ilha uma caricatura à maneira de John Bull.
Reveste o homem de negócios inglês de um triunfo na Irlanda que ele nunca
tivera. Sugere, é verdade, que o sucesso era devido quase exclusivamente à
estupidez. Mas também é verdade que as tentativas de homens como Balfour,
Birrel e Morley, no sentido de governar a Irlanda, podiam ser mais exactamente
descritas como brilhantes fracassos do que como estúpidos sucessos. A questão
não era a de que as pessoas estúpidas fizessem por isso mesmo alguma coisa, mas
a de que as pessoas inteligentes não faziam coisíssima nenhuma. E foi o que
aconteceu durante aquela velha crise que determinou a guerra com a república
holandesa. Comparado comigo ou com Belloc, Bernard Shaw era decididamente a
favor da guerra sul-africana. Em qualquer caso, a favor da paz sul-africana,
aquela espécie singular de Pax Britannica por que a guerra sul-africana
aspirava. O mesmo acontecia, quanto a este mesmo assunto, com H. G. Wells, ao
tempo uma espécie de fabiano meio indiferente, que saiu do seu caminho para vir
zombar da indignação dos pró-bóeres contra os campos de concentração. De facto
ele ainda mantém, conquanto defenda a indefensabilidade da guerra, que esta era
a única espécie de guerra defensável. Afirma que as grandes guerras entre as
grandes potências são absurdas, mas que se pode tornar uma vez por outra
necessária, para policiamento do planeta, forçar povos atrasados a abrir a suas
fontes de riqueza ao comércio internacional. Por outras palavras, ele aprova a
única espécie de guerra que eu desaprovo em absoluto: a que ameaça os pequenos
estados para lhes extorquir o ouro. E ele despreza a única espécie de guerra
que eu prezo, a guerra da cultura e da religião, em demanda do destino moral da
humanidade.
Digo isto como um elogio aos fabianos.
Um elogio à sua persistência e, ao mesmo tempo, às contundências dos seus
pontos de vista contendentes. Eles tinham e têm razão ao manterem as suas
ideias acerca da centralização, ao estarem ao lado dos grandes regimentos e dos
grandes negócios. São os socialistas sentimentais (como aponta com verdade o
senhor Wells) que são inconsistentes e inconsequentes, ao afirmaram que um
camponês não tem direito a um campo de trigo, mas que, em compensação, uma
comunidade rural tem direito a um campo de petróleo. São eles os pensadores
mais nebulosos, ao defenderem as pequenas nacionalidades, mas não as pequenas
propriedades; mais nebulosos mas, por vezes, mais subtis. Há apenas lugar para
a fina espessura de uma folha de papel entre o imperialismo e o
internacionalismo; e os primeiros fabianos tiveram a lucidez necessária para
ver isso. A maior parte dos outros socialistas preferiram as finas folhas e
elas tornaram-se cada vez mais transparentes.
De qualquer modo, o senhor Bernard Shaw
ficou profundamente lisonjeado com os falsos ataques lançados contra ele, em
especial, a acusação geral de que ele era uma espécie de rebelde irlandês. Quem
se lembrar daqueles velhos tempos, sabe que ele era, se era alguma coisa,
precisamente o contrário. Fazia parte do culto fabiano, pelo senso comum,
considerar-se o nacionalismo irlandês como um sentimentalismo acanhado que
distraia os homens da orientação basilar que consistia em socializar os
recursos económicos do mundo inteiro. Mas eu aponto aqui este erro apenas para
salientar o facto de a minha polémica com Bernard Shaw ter vindo, lógica e
cronologicamente, do início. A partir de então, discuto com ele a respeito de
quase todos os assuntos possíveis; e sempre nos colocámos em posições contrárias,
sem afectação ou animosidade. Defendi a instituição da Família contra a
fantasia platónica do Estado. Defendi as instituições da carne de vaca e da
cerveja contra a severidade higiénica do seu vegetarianismo e da sua completa abstinência.
Defendi a velha ideia liberal do nacionalismo contra a nova ideia socialista do
internacionalismo. Defendi a causa dos aliados contra a perversa simpatia que
os pacifistas demonstravam pelo militarismo dos impérios centrais. Defendi
aquilo que considero os sagrados limites do homem contra aquilo que ele
considerava os singrados poderes ilimitados do super-homem. Na verdade, foi
nesta última questão do homem e do super-homem que eu senti que a diferença
entre nós era mais clara e mais aguda. E tivemos muitas discussões sobre este
assunto, com adversários de todos os lados. E foi o meu amigo Lucian Oldershaw
quem anunciou a sua intenção de escrever uma réplica ao homem e ao super-homem,
chamada Shaw e Oldershaw.
A verdade é que todas estas diferenças remontavam a uma diferença de carácter religioso, como aliás sucede sempre. Eu próprio não sabia ao princípio que diferença religiosa era essa, e muito menos ainda de que religião se tratava. Mas a diferença é esta: que os shawianos acreditam na evolução, exactamente como os velhos imperialistas acreditavam na expansão. Acreditam numa coisa crescente e cega como uma árvore; ao passo que eu acredito nas flores e nos frutos; e a flor é muitas vezes mínima. O fruto surge por fim e é, neste sentido, finito. Tem uma forma e, por conseguinte, um limite. E nele foi estampada uma imagem que é a coroa e a plenitude de desígnio; e os místicos medievais usavam a mesma metáfora chamando-lhe fruição, a qual, aplicada ao homem, significa que ele foi feito mais sagrado do que qualquer super-homem ou qualquer super-macaco; que os limites se tornaram sagrados como uma casa, por causa daquela gruta talhada na rocha onde Deus se fez menino.»
G.
K. Chesterton («Autobiografia»).
«Temos de perceber que a federação
política, sem uma colectivização económica concomitante, está condenada ao
fracasso. A tarefa do pacificador que realmente deseja a paz num mundo novo
envolve não só uma revolução política, mas também uma profunda revolução
social, ainda mais profunda do que a revolução tentada pelos comunistas na
Rússia. A Revolução Russa fracassou não pelo seu extremismo, mas pela
impaciência, violência e intolerância da sua investida, pela falta de clarividência
e por insuficiência intelectual. A revolução cosmopolita rumo a um colectivismo
mundial, que é a única alternativa ao caos e à degeneração que se apresentam à
humanidade, tem de ir muito mais longe do que a russa, tem de ser mais exaustiva e mais bem concebida e o seu sucesso
exige um impulso muito mais heróico e firme.
Não serve de nada fechar os olhos à magnitude e complexidade da tarefa de trazer a paz ao mundo. São estes factores básicos em apreço.»
H. G. Wells («A Nova Ordem Mundial»).
«Aqueles que têm em menor conta a causa aliada foram aqueles que a tiveram já em demasiada conta. Aqueles que estão desapontados com a grande defesa da civilização são aqueles que dela esperam mais. Um espírito instável como o do senhor H. G. Wells é típico de toda esta contradição. Ele começou por chamar ao esforço dos aliados a guerra da guerra à Guerra. E acabou por dizer, sob o seu equívoco disfarce de senhor Clissold, que a guerra não era melhor do que um incêndio numa floresta e que, ao fim e ao cabo, não servia para nada. É difícil dizer qual das afirmações é mais absurda. Ambas estabelecem precisamente o que tinham estabelecido estabelecer. Mas isso era bastante mais racional e modesto do que o que o senhor Wells tinha estabelecido que se devia estabelecer. Dizer ao soldado que defende o seu país que aquela guerra é a guerra que se propõe acabar com a Guerra, é o mesmo que dizer a um trabalhador que o seu trabalho é o trabalho que se propõe acabar com o Trabalho. Nós nunca nos propusemos, pôr um ponto final a todas as guerras ou a todos os trabalhos ou a todas as inquietações. Nós apenas dissemos que estávamos prontos para suportar algo de muito mau, pela simples razão de que a alternativa era muito pior. Em suma, dissemos aquilo que pode dizer um homem qualquer ao defender-se. A casa do senhor Brown é assaltada à noite e, naturalmente, o senhor Brown procura salvar a sua vida e os seus bens. É absurdo voltarmo-nos para ele, e dizermos: “Afinal de que serviu a luta ao fundo do jardim? Será sempre o mesmo velho senhor Brown, com a mesma cara, as mesmas calças e o mesmo génio, algo irascível à hora do almoço, o mesmo gosto de contar a anedota do livreiro de Brigton.” É absurdo a gente queixar-se pelo facto de o senhor Brown não se ter transformado num deus grego, e isso em virtude do assaltante lhe ter partido a cabeça. Ele tinha todo o direito de se defender, tinha todo o direito de se salvar; e aquilo que ele salvou foi ele próprio, tal qual era, nem mais nem menos. Se ele tivesse saído de casa com a ideia de purificar o mundo, disparando contra todos os possíveis assaltantes, isso seria uma guerra defensiva. E portanto não seria uma guerra defensável.»
G. K. Chesterton («Autobiografia»).
«A implantação de um socialismo
mundial avançado, no qual as liberdades, a saúde e a felicidade de cada
indivíduo se encontrem protegidas por uma lei universal baseada numa
redeclaração dos direitos humanos, e onde exista a mais absoluta liberdade de
pensamento, crítica e sugestão, constitui o objectivo evidente e racional que
se nos apresenta. Só a concretização eficaz deste objectivo pode trazer paz à
Terra e deter a marcha actual dos assuntos humanos em direcção à miséria e à
destruição. Nunca é demais reiterar clara e frequentemente este objectivo. O
triângulo de colectivização, lei e conhecimento devia constituir o propósito
comum de toda a humanidade.
Mas entre nós e esse objectivo interpõem-se as vastas e cada vez mais profundas desordens do nosso tempo. A nova ordem não pode ser criada sem um esforço gigantesco e mais ou menos concertado dos elementos mais lúcidos e capazes da população humana. Não é coisa para se fazer rápida e melodramaticamente. Esse esforço tem de fornecer o enquadramento a todas as actividades sociais e políticas lúcidas e um critério prático a todas as associações religiosas e educativas. Um vez que o nosso mundo é extraordinariamente variado e confuso, é impossível reduzir este novo movimento revolucionário a uma única classe social, organização ou Partido. É uma coisa demasiado grande para isso. Na sua expansão, criará e porventura descartará uma série de organizações e Partidos, convergindo para o seu objectivo derradeiro. Em consequência, por forma a examinar as actividades sociais e políticas das actuais pessoas lúcidas e sensatas temos de considerá-las casuisticamente de vários pontos de vista. Temos de considerar um avanço numa frente vasta e variada.»
H. G. Wells («A Nova Ordem Mundial»).
«Agora que nos encontramos noutro
grande ponto de viragem da histórica humana, precisamos de outra afirmação
fundamental da supremacia das reivindicações do homem comum contra qualquer
privilégio, preferência ou governo. Queremos impor os nossos direitos contra
qualquer governo que procure anulá-los, explorá-los ou traí-los. Precisamos de
uma nova Declaração dos Direitos, de natureza tal que contenha um repúdio
definitivo da violência e da guerra em todos os cantos do mundo.
Quais devem ser hoje as cláusulas de tal Declaração? Todas as condições da vida humana foram profundamente alteradas durante os dois últimos séculos e terão de diferir das suas antecessoras em muitos aspectos. Surgiram novas circunstâncias e velhas queixas deixaram de nos preocupar. Proponho agora passar ao projecto dessa Declaração, emendada cláusula a cláusula. Penso que só depois de termos estabelecido a forma desta lei fundamental é que será possível abordar os problemas individuais dos Objectivos de Guerra que encontramos no caminho em direcção ao nosso objectivo fundamental, que é o desaparecimento das potências conflituosas, das fronteiras, das nações, das raças, das minorias, com alguma certeza de que se enquadrarão num panorama sensato e esperançoso para uma nova Ordem Mundial.»
H. G. Wells («Os Direitos do Homem»).
«É evidente que a organização eficaz do colectivismo mais universal e penetrante que agora nos está a ser imposto se verá frustrado no seu aspecto mais vital se não for acompanhada da observância de uma nova Declaração dos Direitos do Homem que tem – devido à complexidade crescente da estrutura social – de ser mais generosa, pormenorizada e explícita do que qualquer das anteriores. Tal Declaração deve tornar-se a lei fundamental comum a todas as comunidades e colectividades congregadas sob a Paz Mundial.»
H.
G. Wells («A Nova Ordem Mundial»).
«Nenhum de nós é tão sensato como eram os nossos avós satisfeitos, limitados e confiantes. Todos lutamos interiormente por autocontrolo. Se não lutarmos contra as perplexidades cada vez maiores do nosso tempo, por uma nova ordem mundial de lei e segurança, se não mantivermos a nossa razão e a nossa coragem para restabelecer uma vida honesta, a nossa espécie perecerá, enlouquecerá, a lutar e a algaraviar, como um enxame minguante de supernazis num planeta devastador.»
H.
G. Wells («Os Direitos do Homem»).
«A cada ano, sensivelmente, os canais políticos em constante mudança têm de ser cartografados de novo. As actividades e as respostas do homem lúcido de um país específico e num momento específico serão sempre determinadas pela concepção soberana de um movimento secular rumo a uma única ordem mundial. Esse será o objectivo subjacente e constante de toda a sua vida política.»
H.
G. Wells («A Nova Ordem Mundial»).
«A colectivização ainda não chegou, e talvez nunca chegue, ao ponto de controlar biologicamente a Humanidade. A eugenia positiva da Humanidade é uma mera especulação dos teóricos e não acreditamos que a ciência da genética esteja suficientemente segura de si mesma em relação à eugenia negativa, como esterilização compulsiva de tipos capazes de transmitir maus traços hereditários. E mesmo que tivéssemos esta ciência, a natureza humana actual revolta-se contra a ideia de esterilização sem consentimento. Mas não há motivos para proibi-la a um adulto que considere os seus desejos em guerra com a sua consciência ou felicidade.
(...) as ideias da reorganização mundial fundamental e da derradeira unidade mundial regressam, para serem refrescadas e renovadas, às terras e aos povos nos quais nasceram originalmente. Nós, do Mundo Ocidental, que pensamos e falamos livremente, temos de recuperar a revolução mundial onde Estaline e Molotov a deixaram. Sem palavras de ordem nem verborreias, temos de reunir as forças da reconstrução humana. A batalha pela regeneração mundial entra numa nova fase. Estas primeiras vagas de ataque já foram tão longe quanto podiam; esperam reforços e uma nova formação.
A socialização é um processo intrincado, multifacetado e variável. Em The New World Order, fiz o meu melhor para descrevê-la de um modo geral. Mas esta Declaração dos Direitos é o implemento absolutamente necessário para reunir e controlar todas as operações de expropriação, reapropriação, etc., que são essenciais para a grande mudança. É um implemento absolutamente necessário. E é possível pô-la em movimento de imediato.
(...) com esta declaração como base comum, podemos virar-nos para toda a crescente bibliografia sobre a Federação, para todos os novos mapas da Europa propostos e para todo o problema intrincado dos objectivos de guerra, com alguma esperança de encontrar soluções praticáveis. Os governos ou se afirmarão firmemente contra a Declaração e farão tudo o que puderem para a suprimir, tornando-se assim inimigos claros da nova ordem mundial, ou aceitá-la-ão, alinhando-se com as forças da reconstrução racional do mundo como administrações provisórias a caminho de um sistema mundial, ou tentarão ignorá-la. No entanto, se mantivermos um clamor suficiente em defesa de uma Declaração dos Direitos, os governos ignorá-la-ão com um sentimento profundo de desonestidade e culpa. Os únicos governos a que um homem racional pode dar agora apoio, mesmo que provisório, são os governos que aceitarem esta Declaração dos Direitos - ou uma Declaração essencialmente semelhante - como a sua lei política básica, que se sabem provisórios e admitem trabalhar em nome da paz mundial.
(...) No seu livro [Union Now], Streit fala dos Estados Unidos da Europa, faz dos Estados Unidos da América um dos "Estados fundadores", mas hesita em incluir a Rússia ou a Ásia Oriental nos seus esquemas. Mais tarde ou mais cedo, e antes cedo que tarde, têm de entrar. Como fase transitória, poderá haver grupos secundários, como as Potências de Oslo, a União Latina ou as Potências dos Balcãs, mas estes grupos devem orientar-se manifestamente para a derradeira síntese, e não ficarão ajustados com segurança enquanto a síntese não estiver completa.
O padrão derradeiro do governo mundial para o qual se movem os assuntos humanos parece ser uma combinação do ideal colectivista, do socialismo estatal da Rússia, com uma insistência rigorosa na Declaração dos Direitos que aqui apresentámos. O Leste é o Leste e o Oeste é o Oeste, e quanto mais cedo se reunirem, melhor.
(...) A Alemanha tem de ser desarmada, tal como todo o mundo tem de ser desarmado, e é absurdo falar em "deixá-la em paz consigo mesma". Após 1918, houve um conjunto extraordinário de conversas sobre não intervir nos assuntos internos deste ou daquele membro da Sociedade das Nações. É altura de reconhecermos totalmente que a construção de uma arma letal maior do que a necessária para o controlo de grandes animais é uma questão de preocupação universal, tal como os livros de história agressivamente nacionalistas, a propagação de doenças infecciosas em pântanos ou em bairros de lata ou a limitação da liberdade de expressão são questões de preocupação universal. Fabricar uma arma, excepto por necessidade policial inevitável, produzir uma mentira provocadora ou propagar febre é a primeira fase do assassínio. Sejam quais forem os sistemas federais que comtemplemos ao desenharmos o mapa do nosso mundo futuro, devem ser sistemas que terão uma agressividade muito definida e sensata. Necessitarão de uma organização policial em comum não só para a segurança mútua, mas também para controlar tanto quanto possível o que acontece fora das fronteiras federais. A integração destas formas policiais internacionais, quando existirem e provarem a sua utilidade, num sistema mundial pode ser feita de forma muito rápida. Por um lado, pode ser considerado conveniente confiar o controlo aéreo e marítimo a uma organização deste tipo e, por outro, pode até vigiar a reacção no seio da educação.
O fim da guerra não acabará com os conflitos psicológicos da Humanidade. Nas últimas duas décadas, ouvimos muita propaganda comunista no Ocidente; iremos ouvir, espero, ainda mais propaganda liberal no Leste. Podemos adoptar métodos muito paralelos e, embora a propaganda na Rússia da Declaração dos Direitos por governos democráticos actuais (quando os tivermos) possa ser um embaraço nas relações internacionais para sobreviver, uma propaganda feita por organizações que gozem das liberdades das instituições democráticas é uma questão totalmente diferente. Quanto mais nos aproximarmos da abolição da guerra e do uso nacionalista da força e da pressão económica, mais intenso se tornará o conflito e a competição de línguas e tipos de cultura. Em vez de sistemas de espionagem e de propaganda subsidiados, podemos ter o subsídio organizado de cátedras universitárias, de jornais, de periódicos, de escolas especiais, de exposições e de teatros...
Mas não erraremos demasiado no caminho para a Utopia. Este livrinho começa e termina a defender uma renovação da Declaração dos Direitos do Homem como instrumento de necessidade e importância primordiais no ajustamento dos assuntos humanos ao colectivismo mundial que está a dominar todo o planeta.»
H.
G. Wells («Os Direitos do Homem»).
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O NOVO TIPO DE REVOLUÇÃO
Regressemos ao nosso principal propósito, que consiste em analisar como devemos enfrentar esta Revolução Mundial iminente.
Para muitos espíritos, esta ideia de
Revolução é quase inseparável de imagens de barricadas nas ruas feitas de
pedras das calçadas, veículos virados, multidões maltrapilhas armadas de armas
improvisadas e inspiradas por canções desafiadoras, abertura das prisões e
libertação generalizada de reclusos, palácios saqueados, uma grande caça a
damas e cavalheiros, cabeças decapitadas mas ainda bonitas espetadas em postes,
os mais sinistros regicídios, guilhotinas a trabalhar sem descanso, um crescendo
de desordem a findar num cheirinho de metralha...
Esse foi um tipo de Revolução. É o
que se pode chamar o tipo católico de Revolução, ou seja, a fase derradeira de
um longo período de vivência e ensinamentos católicos. As pessoas não se
apercebem disto, e algumas indignar-se-ão por ser afirmado de forma tão crua.
No entanto, os factos não nos deixam mentir e o que é do conhecimento geral não
pode ser negado. Aquela turba furiosa, faminta, desesperada e brutal foi o
resultado de gerações de domínio católico, moral católica e educação católica.
O rei de França era o «Rei Mais Cristão, o filho mais velho da Igreja», que
dominava a vida económica e financeira da comunidade enquanto a Igreja Católica
controlava de modo absoluto a vida intelectual da comunidade e a educação
popular. Aquela turba foi o resultado disto. É absurdo papaguear que a
cristandade nunca foi vivida. A cristandade na sua forma mais desenvolvida foi
vivida repetidamente. Foi vivida durante séculos completa e exaustivamente em
Espanha, França, Itália. Foi responsável pela imundície e pestilência crónica e
fome da Inglaterra medieval. Inculcou pureza, mas nunca inculcou limpeza. A
cristandade católica deteve um poder praticamente inquestionado em França
durante gerações. Foi livre de ensinar o que queria e quanto queria. Dominou
por completo a vida comunitária. Em França, o sistema católico não pode ter
colhido nada que não tenha semeado, pois não foram ali permitidos outros
semeadores. Aquela turba repugnante de farroupilhas, que nos é tão familiar das
imagens da época, constituiu a colheita final do seu regime.
Quanto mais os reacionários
católicos injuriam os revoltosos comuns da primeira Revolução Francesa, mais se
condenam a si mesmos. É a mais descarada perversão da realidade que lamentem a
guilhotina e as mortalhas, como se estas não fossem produtos puramente
católicos, como se tivessem vindo subitamente do exterior para destruir um
elegante Paraíso. Aquelas constituíram a fase final da injustiça e da
ignorância sistemáticas de um regime estritamente católico. Uma fase seguiu-se
a outra com uma lógica implacável. A Marselhesa completou o ciclo de vida do
catolicismo.
Também em Espanha e no México assistimos a uma inquestionada
ascendência educacional e moral católica, a Igreja com carta-branca, que
redundou numa irrupção similar de ressentimento cego. Também ali as multidões
foram cruéis e blasfemas; mas o catolicismo não se pode queixar, pois foi o
catolicismo que as incubou. Os padres e as freiras, que tinham sido os únicos
professores do povo, foram insultados e as igrejas foram profanadas. Se a
Igreja fosse como diz ser, certamente que as pessoas a adorariam. Não se
comportariam como se o sacrilégio constituísse um alívio gratificante.
Mas estas Revoluções Católicas são
apenas espécimes de um único tipo de Revolução. Uma Revolução não precisa de
ser um acesso espontâneo de indignação face a iniquidades e privações
intoleráveis. Pode assumir muitas outras formas.
Como segunda variedade de Revolução,
em vivo contraste com a revolta indignada na qual muitos períodos de
ascendência católica inquestionada terminaram, podemos considerar aquela a que
se poderá chamar «conspiração revolucionária», na qual um certo número de
pessoas se propõe organizar as forças de insatisfação e ressentimento e
afrouxar a constrição das forças do governo, por forma a desencadear uma
mudança fundamental de sistema. O ideal desta variedade é a Revolução
Bolchevique na Rússia, desde que seja um pouco simplificada e mal-entendida.
Esta, reduzida a uma teoria de trabalho pelos seus defensores, é entendida como
um alimentar sistemático de um estado de espírito público favorável a uma
Revolução juntamente com um círculo interno de preparação para uma «tomada do
poder». Muitos comunistas e outros escritores simpatizantes da esquerda, jovens
inteligentes, sem grande experiência política, deram asas às suas imaginações
quanto à «técnica» de uma tal aventura. Incluíra nos seus estudos as
Revoluções Nazi e Fascista. A estrutura social moderna, com a sua concentração
de poder directivo, informativo e coercivo nas estações radiofónicas, nas
centrais telefónicas, nas redacções dos jornais, nas esquadras, nos arsenais e
quejandos, presta-se a uma exploração quase selvagem deste tipo. Há uma grande
correria e ocupação de centros-chave, captura, prisão ou assassínio organizados
de eventuais opositores, e o país é confrontado com o facto consumado. Segue-se
a arregimentação de uma população mais ou menos relutante.
Mas uma Revolução não precisa ser ou
uma explosão ou um golpe de Estado. E a Revolução que se nos apresenta como a
única alternativa viável ao caos, seja directamente seja após um interlúdio de
comunismo mundial, será concretizada, a sê-lo, por meio de um outro método que
não estes. O primeiro é demasiado retórico e caótico e conduz simplesmente a um
Paladino e à tirania; o segundo é demasiado conspirativo e conduz a um fim
semelhante, através de uma luta obscura de personalidades magistrais. Nenhum é
suficientemente lúcido nem suficientemente ponderado para alcançar uma mudança
permanente na forma e na textura dos assuntos humanos.
Pode ou não ser possível um tipo completamente diferente de Revolução. Ninguém pode afirmar ser possível antes de ser tentado, mas pode afirmar-se com algum grau de segurança que, se não for possível concretizá-lo, as perspectivas da humanidade durante pelo menos muitas gerações serão sombrias. A nova Revolução tem essencialmente como finalidade uma mudança de directrizes. Trata-se de um método não testado em toda a sua integralidade.
O seu sucesso depende de haver um
número suficiente de pessoas a perceber que a escolha que temos agora diante de
nós não é uma escolha entre mais revolução e mais ou menos conservadorismo
reaccionário, mas uma escolha entre, por um lado, prosseguir e organizar o
processo de mudança dos nossos assuntos de modo a criar uma nova ordem mundial
e, por outro, sofrer um completo e porventura irreparável colapso social.
Defendemos aqui que as coisas já foram demasiado longe – mais do que alguma vez
foram – para poderem voltar a ficar sequer parecidas com o que foram. Assim
como não podemos pensar voltar atrás a meio de um mergulho, também não podemos
sonhar em ficar onde estamos. Temos de prosseguir com as mudanças actuais,
adaptar-nos a elas e ajustar-nos ao mergulho, pois de outro modo seremos
destruídos. Temos de passar por estas mudanças tal como temos de passar por
esta guerra mal concebida, pois para já não tem fim possível à vista.
Não haverá modo possível de lhe pôr
fim até que a nova Revolução se defina. Se agora for atamancado sem um acordo
lúcido, entendido e aceite em todo o mundo, teremos apenas um simulacro de paz.
Uma paz atamancada agora nem sequer nos salvará dos horrores da guerra, adiá-los-á e em poucos anos ver-se-ão agravados. Não é possível terminar já esta guerra –
quando muito, pode-se adiá-la.
A reorganização do mundo tem primeiro de
ser sobretudo tarefa de um «movimento» ou um Partido ou uma religião ou culto,
seja o que for que escolhamos chamar-lhe. Poderemos chamar-lhe Novo Liberalismo
ou Novo Radicalismo ou outra coisa qualquer. Não será uma organização coesa,
assemelhando-se por exemplo a uma linha partidária. Poderá ser muito
desagregada e multifacetada, mas se um número suficiente de indivíduos de todo
o mundo, independentemente de raça, origem ou hábitos económicos e sociais, for
levado ao reconhecimento franco e livre dos aspectos essenciais do problema
humano, daí advirá a sua colaboração eficaz para um esforço consciente,
explícito e aberto de reconstrução da sociedade humana.
Para começar farão tudo ao seu alcance
para disseminar e aperfeiçoar esta concepção de uma nova ordem mundial, que
encararão como o único enquadramento viável para as suas actividades, enquanto
ao mesmo tempo se disporão a descobrir e associar a si todas as pessoas, em
todos os lugares, que estejam intelectualmente aptas a entender as mesmas ideias
abrangentes e moralmente dispostas a concretizá-las.
À disseminação desta concepção
essencial poder-se-á chamar propaganda, mas na realidade trata-se de educação.
A fase inicial deste novo tipo de Revolução tem de envolver, por conseguinte,
uma campanha a favor de uma educação modernizada e revitalizada em todo o
mundo, uma educação que estará para a educação de há duzentos anos como a
iluminação eléctrica de uma cidade contemporânea está para os candelabros e
lamparinas de óleo do mesmo período. Com os seus actuais níveis mentais, a
humanidade não consegue fazer melhor do que está a fazer agora.
A revitalização da educação só é possível quando é feita sob a influência de pessoas que estão elas próprias a aprender. É indissociável da ideia moderna de educação o facto de esta dever estar ligada a investigação incessante. Dizemos investigação em vez de ciência. É uma palavra melhor, pois está isenta de qualquer sugestão daquele carácter definitivo que significa dogmatismo e morte.
Toda a educação tende a tornar-se estilística e estéril a menos que seja mantida em contacto próximo com a verificação experimental e o trabalho prático, e consequentemente este novo movimento de iniciativa revolucionária deverá em simultâneo apoiar actividades políticas e sociais realistas e trabalhar sustentadamente para a colectivização de governos e vida económica. O movimento intelectual constituirá apenas a parte iniciatória e correlativa do novo ímpeto revolucionário. Estas actividades práticas deverão ser variadas. Todos os envolvidos nelas deverão pensar por si e não ficar a aguardar ordens. A única ditadura que reconhecerão será a ditadura do simples conhecimento e do facto invencível.
E para que esta Revolução culminante seja alcançada deve ser bem acolhida a participação de todo o tipo concebível de ser humano que tenha a capacidade mental para ver estas realidades abrangentes da situação mundial e a qualidade moral para fazer algo acerca delas.
Os ímpetos revolucionários do passado foram viciados pela má psicologia. Atribuíram grande importância à gratificação dos complexos de inferioridade que têm origem nas desvantagens de classe. É sem dúvida muito injusto que alguém possa ser mais instruído, saudável e temerário do que os restantes, mas isso não constitui razão para a nova Revolução não fazer o melhor uso da saúde, da instrução, do vigor e da coragem dos afortunados. A Revolução que contemplamos visará a abolição do azedume e da frustração. Mas não fará seguramente nada para os vingar. Nada de nada. Que o passado morto castigue os seus mortos.
Um dos traços mais perversos dos
ensinamentos marxistas consiste em sugerir que todas as pessoas com posses e capacidades,
a viver numa comunidade onde a iniciativa privada não coordenada desempenha um
papel preponderante, são necessariamente desprovidas de moral pelos privilégios
de que gozam e têm de ser despojadas pelo operário e pelo camponês, apresentados
como dotados de uma virtude colectiva capaz de pôr em marcha toda a complexa maquinaria
de uma comunidade moderna. Mas a verdade flagrante é que uma luta não
coordenada, tanto entre indivíduos como entre nações, priva de moral todas as
partes envolvidas. Todos são corrompidos – o vagabundo larápio na berma da
estrada, o camponês de beija-mão servil da Europa de Leste, o preguiçoso
subornado pelo subsídio de desemprego, a mulher que casa por dinheiro, o
senhorio que especula e o agente diplomático. Quando o ambiente social está
infectado, todos adoecem.
A riqueza, a liberdade pessoal e a
educação podem criar esbanjadores e opressores (e fazem-no), mas podem também
libertar espíritos criativos e administrativos surgida a oportunidade. A
história da ciência e das invenções anterior ao século XIX confirma isto. No
geral, se supomos que há algo de bom na humanidade, é mais razoável esperar que
surja quando há mais oportunidade para tal.
Refutando ainda mais a caricatura
marxista dos motivos humanos, temos o número muito considerável de jovens
vindos de lares de classes média e alta que em todo o lado figuram no movimento
de extrema-esquerda. Constitui a sua reacção moral ao «bafio» e à ineficácia
social dos seus pais e da sua própria espécie de pessoas. Procuram um escape
para as suas capacidades que não visa o ganho, mas o serviço. Muitos procuraram
uma vida honrada – e encontraram-na muitas vezes, e a morte com ela – na luta
contra os católicos e respectivos ajudantes mouros e fascistas em Espanha.
O facto de tantos terem caído nas
armadilhas mentais do marxismo é um infortúnio da sua geração. Eu próprio,
absurdamente, me deparei com encontros ruidosos de jovens dispendiosos em
Oxford, nenhum deles marcado fisicamente como eu por vinte anos de subnutrição
e educação desvitalizada, todos a fingirem-se proletários rústicos em revolta
chocada contra a minha tirania burguesa e o modesto conforto da minha velhice,
recitando expressões ridículas da luta de classes, com que protegiam os
espíritos de qualquer reconhecimento das realidades do caso em apreço. Não obstante,
embora essa atitude demonstre a educação nada estimulante das suas escolas básicas
privadas, que os lançou assim acríticos e emotivos aos problemas da vida universitária,
isso não diminui o facto de eles terem considerado extremamente apelativa a
ideia de se entregarem a uma reconstrução revolucionária da sociedade, que
prometia acabar com o seu enorme desperdício de felicidade e realização
potenciais, apesar de os seus privilégios parecerem razoavelmente seguros.
Confrontados com a iminência do
desconforto, da indignidade, do desperdício de anos, da mutilação – a morte é
um fim rápido, mas acorda-se todas as manhãs com a mutilação – devido a esta
guerra mal concebida; confrontados também com o regresso da Rússia à autocracia
e a extinção fiscal da maior parte dos privilégios sociais das suas famílias,
estes jovens com um desvio para a esquerda farão provavelmente um reexame muito
profícuo das suas próprias possibilidades como também se verão acompanhados
nesse reexame por um número muito considerável de outros que até agora foram
repelidos pela idiotia e pela hipocrisia óbvias dos símbolos da foice e do
martelo (operários e camponeses de Oxford!) e pelo exasperante dogmatismo do
marxista ortodoxo. E estes jovens poderão – em vez de esperar serem
ultrapassados por uma revolução insurreccional que os deixará gordurosos, de
barba por fazer, com consciência de classe e num perigo constante de serem
liquidados – decidir que antes que a Revolução os apanhe apanharão eles a Revolução
e poupá-la-ão à ineficiência, às distorções mentais, aos desapontamentos e às
frustrações que a assolaram na Rússia.
Esta Revolução nova e integral que
contemplamos pode ser definida em poucas palavras. É a) socialismo mundial sem
reservas, planeado e dirigido cientificamente, mais b) uma insistência
sustentada na lei, lei baseada numa observância mais completa e zelosamente
concebida dos Direitos individuais do Homem, mais c) a mais completa liberdade
de expressão, crítica e publicação, e a expansão da organização educativa às exigências
sempre crescentes da nova ordem. Aquilo a que podemos chamar Colectivismo
Bolchevique ou de Leste, a Revolução da Internacional, não conseguiu
concretizar nem o primeiro destes três aspectos e nunca tentou sequer os outros
dois.
Ver aqui e aqui |
Na sua forma mais compacta, aquilo que
enquadra a Revolução que poderá ainda salvar o mundo é o triângulo Socialismo,
Lei e Conhecimento.
Socialismo! Tornarmo-nos colectivistas absolutos? Muito poucos homens das classes mais afortunadas da nossa velha sociedade em colapso, com mais de cinquenta anos, serão capazes de reajustar os seus espíritos a isto. Parecer-lhes-á uma sugestão completamente repugnante. (A idade média do actual governo britânico situa-se bem acima dos sessenta). Mas poderá não ser nada repugnante para os filhos deles. Seja como for, ver-se-ão empobrecidos. E ajudá-los-á bastante perceberem que do controlo administrativo à participação administrativa e daqui à administração directa são passos fáceis de dar. Estão já a ser dados, primeiro numa matéria, em seguida noutra. De ambos os lados do Atlântico. Relutantemente, e muitas vezes dissimuladamente e contra resistências vigorosas cada vez menores. A Grã-Bretanha, como a América, pode tornar-se um sistema socialista com uma Revolução definitiva, protestando durante todo o tempo que não está a fazer nada disto.
Não temo agora na Grã-Bretanha uma classe distintivamente instruída, mas em todo o espectro social há homens e mulheres cultos que pensaram com intensidade nestes grandes problemas que temos estado a analisar. Muitos deles, e talvez os suficientes para dar início à avalanche de propósito que seguramente se desenvolverá a partir de um início claro e determinado, podem sentir-se cativados por esta concepção de Revolução que evoca um mundo liberal colectivizado. E assim delimitamos, por fim, a nossa análise à consideração do que tem de ser feito agora para salvar a Revolução, qual o seu movimento ou Partido – servirá se puder usar a aparência de um Partido –, quais as suas Políticas.
(In H. G. Wells, A Nova
Ordem Mundial, Publicações Dom Quixote, 1.ª edição, Julho de 2022, pp.
87-95).
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