sexta-feira, 6 de novembro de 2015

A Vergonha das Sevícias Militares

Prólogo e conclusões finais da Presidência da República sobre a Vergonha das Sevícias Militares (8 de Novembro de 1976) 






Alta Venda Carbonária com António Maria da Silva, Luz de Almeida (ao centro) e Machado dos Santos (1911).






















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«Na sua caminhada para o Poder, o republicanismo infiltrou-se no Exército por dois canais. Num, actuaram os homens da Carbonária e da Maçonaria, com o oficial da Marinha Machado dos Santos, o bibliotecário Luz de Almeida e o engenheiro António Maria da Silva por controleiros. Noutro, mais platonicamente, os dirigentes do PRP [Partido Republicano Português], em constantes apelos ao pronunciamento das cúpulas militares, como forma de redimir a honra das Forças Armadas e depor a tirania. Para o PRP, o Exército era os oficiais e os comandantes; e os soldados a massa ignorante e bruta.

Machado dos Santos, que passou à História como o pai empalmado da República, foi o organizador típico da pequena-burguesia nacionalista revolucionária. Com vasto poder comovente, aliciava sargentos e soldados, enfiava-se pelas "baiucas dos bairros", incitava à Revolução nas tabernas e outros lugares onde medravam a miséria e a esperança.

(...) Em Janeiro de 1908, aproveitando a ausência do rei em Vila Viçosa, ensaiou-se a revolução. Pretendia-se tomar Caçadores 2, na Cova da Moura, e arregimentar marinheiros. Abortou. Foram presos os principais nomes do PRP. A 31, o rei assinou um decreto que permitia o exílio nas colónias dos militares e civis com "propósitos revolucionários". Foi o último decreto que assinou; tombou, no dia seguinte, às balas de Buíça e Costa. Durante o funeral de D. Carlos e D. Luís Filipe, Machado dos Santos tentou assaltar Infantaria 16 e Artilharia 1, com os sargentos Gonzaga Pinho, Branco e Melo, e com o cabo Terenas. Presos com a boca na botija, isto é, com duas conspícuas baterias sitiadas a duzentos metros do quartel, puderam continuar incólumes no Exército e no mesmo quartel.















Manuel Buíça (1876-1908).












Rei D. Manuel II e D. Augusta Vitória de Hohenzollern-Sigmaringen



Nas vésperas da República, militantes carbonários enxameavam celularmente sete dos dez regimentos da guarnição lisboeta. A propaganda insurreccional típica da Carbonária exprimia a opressão a que a oficialagem submetia cabos e soldados e acenava aos oficiais susceptíveis de serem unidos à causa.

(...) Caía a monarquia como um fruto podre, e os dirigentes do PRP suavam em bica, ante a irrupção da mole urbana. No dia 5, quando emergiram dos seus esconderijos para tomar conta do Estado, puderam constatar, com um terror cristalino, que a sorte de um quartel, a edição de um jornal, uma esquadra da Polícia ou um convento, dependiam de um bando de operários maltrapilhos. Para os políticos, a questão era a de domar a fabulosa energia que eles próprios tinham acirrado.

Na calçada, que é território dos sem pão nem parlamento, sucediam-se abruptas correrias a um tríptico malquerido - o padre, o guarda e o polícia. No dia 6, Eusébio Leão, governador civil de Lisboa, apelava à ordem e ao respeito para com os polícias e guardas. O Governo pedia desculpa. A revolução terminara. Os políticos instalavam-se, e os revolucionários de rua voltavam aos imundos bairros suburbanos, levando o gosto no dedo e uma esperança que cedo morreria.

Não foi líquido. Indiferentes aos novos senhores do Estado, a população caçava, com indizível gosto patriótico, militares e clérigos. Marinheiros, vistos por Raul Brandão, circularam na Avenida da Liberdade ostentando "falos de borracha", capturados nos conventos das freiras, sob o travesseiro. Ainda em Janeiro de 1912, o general monárquico Jaime de Castro pôde levar duas bofetadas, na Rua do Ouro, do João Borges das Bombas, nome que dispensa apresentação; e depois de convenientemente bengalado, foi conduzido pelos carbonários ao Governo.






A ala menos direitista do PRP repartia-se entre a desconfiança para com os chefes militares e o receio de que a camada baixa do Exército extravasasse a "taça da ordem". Mas tudo retomará os carris. O Governo esforçou-se por escamotear o papel da Carbonária na Revolução e ampliar o do Exército, que colocou no centro de fantasiadas operações de Outubro. Machado dos Santos retirou-se de cena, os cobardes viraram heróis, uma outra história foi contada. Se, diante da irrupção popular, os conservadores do PRP adiaram os instintos, tudo farão para recompor o aparelho repressivo do Estado. A GNR acolheu no activo ferozes especialistas na repressão de rua, que na Municipal ganharam fama, e o ódio dos grevistas. A Polícia foi reactivada, rearmada e lançada contra os trabalhadores. No exército, a ruptura da disciplina obstou aos esforços do PRP, no sentido de o pôr funcional como instrumento da ordem. As fricções no interior do bloco no Poder não permitiam superar com eficácia a fraqueza do Estado.

Mas se a República trazia o Exército mal acarinhado, como vimos até aqui, não deixou, com venalidade típica, de abrir bolsos generosos para cativar a fidelidade das altas patentes. Ao instituir critérios "democráticos" de promoção hierárquica, e torná-los vulgares moedas de troca, o partido dominante na República violava as casernas, e feria com afronto a alma militar, no que de mais sacro e puro a oficialidade dela retém.

(...) Após as primeiras triagens, o 28 de Maio [de 1926] concitava o entusiasmo dos monárquicos constitucionalistas, dos integralistas, dos católicos, da UIE [União dos Interesses Económicos], do Partido Nacionalista, a cumplicidade de todos os conservadores unidos para a ordem. Mas Gomes da Costa só provocava distúrbios. Instalara-se em Belém como um paxá, e tomava o Terreiro do Paço pela Flandres; a sua numerosa família residia numa área do Palácio; ele tratava dos negócios públicos noutra, não raro as posições se invertendo. O povo de Lisboa cantava então nas festas de S. João e de S. Pedro:


Está bem, está bem, está bem
que fosses para Belém
mas quando vier o reviralho
vais para casa do caralho».


José Freire Antunes («A desgraça da República na ponta das baionetas. As Forças Armadas do 28 de Maio»).



Gomes da Costa (28 de Maio de 1926).



Escultura de Gomes da Costa, do escultor Barata Feyo



«Entre a proclamação da República, em 1910, e o levantamento militar de 28 de Maio de 1926 - mediaram dezasseis anos. A erosão política dos últimos anos de governo monárquico e a demagogia vivida, atrabiliariamente, nos dezasseis anos de república parlamentar e de luta partidária que se lhe seguiram, deixaram para sempre profundamente marcados os destinos da grei portuguesa. Na verdade, de 5 de Outubro de 1910, ao movimento de Gomes da Costa, em 1926, tudo se limitava, em termos políticos, e em última análise, "a cair do poder a demagogia e a reassumir a demagogia o poder".

A ditadura militar do 28 de Maio de 1926, diga-se o que se disser, impôs-se por um imperativo nacional. Não era um País consciente e responsável que existia então - mas um projecto, uma caricatura de país. Empobrecido, arruinado, sem um resquício de dignidade nacional, nada mais restava aos portugueses que o opróbrio, a ignomínia e a vergonha!

Muitos daqueles que hoje tanto se cansam em lembrar práticas condenáveis de um passado recente, nem sequer eram nascidos à data dos últimos anos da I República - razão por que não podem avaliar, no mínimo que seja, até que ponto desceu entre nós o sectarismo político, o ódio, a perseguição cega, o saneamento selvagem, em todos os escalões da vida social, a prisão indiscriminada e até o assassínio "glorificado" de grandes vultos da própria República - como os de Sidónio Pais, Machado dos Santos, Carlos da Maia e António Granjo...

Não era a nação e o interesse do povo português que mais interessava defender. Numa primeira linha de preocupações, o que interessava à pletora de partidos existentes era satisfazer as exigências das suas clientelas e os compromissos com elas assumido. A incompetência levada desse modo a todos os níveis da governação, tornou-se assim a grande e irreversível conquista da república nova e com ela a desgraça e a desventura do País, bem depressa transformado em campo raso de mesquinhas ambições. Chegara-se de facto ao zero da escala. Dezasseis anos de desordem e de anarquia, de revoluções por dá cá aquela palha, de pronunciamentos militares constantes, haviam conduzido o País à mais afrontosa degradação política, à sua completa ruína, à bancarrota...

Poder-se-á fazer ideia de quanto havia que empreender para restaurar económica e financeiramente o corpo exangue da nação. As tarefas cometidas à ditadura militar de 1926 e ao regime autoritário que se lhe seguiu, não foram como se deve calcular, nem poucas nem fáceis. Muitos sacrifícios foram sem dúvida impostos ao povo português. Era-se obrigado a partir do nada, do zero absoluto, estancadas que estavam todas as fontes de rendimento. A obra de restauração económica e financeira do Estado, iniciada em tais condições de penúria, ficará assinalada para sempre como uma pedra branca na história política do País».

João M. da Costa Figueira («25 DE ABRIL. A REVOLUÇÃO DA VERGONHA»).


«Não deixeis que ninguém toque no território nacional. Conservar intactos na posse da nação os territórios de além-mar é o vosso principal dever. Não ceder, vender ou trocar ou por qualquer forma alienar a menor parcela de território, tem de ser sempre o vosso mandamento fundamental. Se alguém passar ao vosso lado e vos segredar palavras de desânimo, procurando convencer-vos de que não podemos manter tão grande império, expulsai-o do convívio da Nação».

Norton de Matos






General Norton de Matos











Mário Soares (2.º à esq.) e Norton de Matos (1.º à Dir.).




Mário Soares: o 'lutador antifascista' detido pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado.



«...O problema maior do povo português e que em larga medida condiciona todos os outros, é, neste momento, o da guerra em três territórios africanos: Angola, Moçambique e Guiné. A questão é gravíssima e está na base duma crise geral do regime, já incontrolável pelo poder. Se está generalizada tanto no seio das Forças Armadas como na sociedade civil, a ideia que não é possível obter-se uma vitória pelas armas, tudo é feito para que na opinião pública nacional se enraíze a noção de que o poder político traçou já a estratégia adequada e que as Forças Armadas não terão mais que segui-la para que a integridade dos territórios seja garantida. Consequentemente, se a situação se agrava ainda mais, facilmente se adivinha sobre quem recairão as responsabilidades ao mesmo tempo que o poder terá criado as condições propícias a um inocente lavar de mãos.

Os militares conscientes sabem, porém, que a solução do problema ultramarino é política e não militar e entendem ser seu dever denunciar os erros de que são vítimas e transformarão as Forças Armadas, uma vez mais, em "bode expiatório" de uma estratégia impossível: uma solução política que salvaguarde a honra e dignidade nacionais, bem como todos os interesses legítimos de portugueses instalados em África, mas que tenha em conta a realidade incontroversa e irreversível da funda aspiração dos povos africanos a se governarem por si próprios - o que implica necessariamente fórmulas políticas, jurídicas e diplomáticas extremamente flexíveis e dinâmicas. Esta situação tem de ser encarada com realismo e coragem, pois pensamos que ela corresponde não só aos verdadeiros interesses do povo português como ao seu autêntico destino histórico e aos seus mais altos ideais de justiça e paz. Sabem, no entanto, os mesmos militares conscientes, que tal solução jamais será consentida pelo poder, que a si próprio se arroga o direito de exclusivo em matéria de patriotismo, e se pretende apoiado pela nação...».

O Movimento, as Forças Armadas e a Nação (texto de responsabilidade colectiva, mas traçado e redigido, em grande parte, pelo major Ernesto Melo Antunes).


«Chega a consternar a insistência com que alguns parecem querer diferenciar-se reclamando ter introduzido emendas nesse documento [Programa do Movimento das Forças Armadas], e o descaso com que outros admitem desconhecer a fonte literal de algumas passagens fundamentais, copiadas de documentos do Partido Comunista, designadamente os que dizem respeito ao desastre que depois pretenderam chamar de descolonização exemplar. Sem que nenhum admita a responsabilidade de saber que o único objectivo de relevo mundial e imediato era a abertura da rota do Índico e do Atlântico às fronteiras soviéticas, e que colaboram neste plano, estranho aos nossos interesses, à margem de qualquer intervenção da comunidade internacional afectada, e sem qualquer consideração pelas conveniências de Portugal como Nação, ou das populações locais, de todas as etnias, abandonadas à mais cruel das perseguições, quando não a sangrento massacre».

Adriano Moreira («O Novíssimo Príncipe»).



Adriano Moreira






António de Spínola aquando da tomada de posse do I Governo Provisório.



António de Spínola e Vasco Gonçalves



Aristides Pereira e Vasco Gonçalves: entrega de Cabo Verde (Julho de 1975).






















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«... após a independência, Angola iniciara uma outra fase da sua vida onde eu já não participava. Já passaram mais vinte e cinco anos e Angola, aquela terra maravilhosa, não é mais que um monte de escombros. Não há dados estatísticos, nem é possível obtê-los num país envolvido em guerra civil há mais de um quarto de século. Apenas se sabe que em termos de padrão de vida, Angola ocupa hoje um dos últimos lugares da escala mundial, a população escolar não tem significado (muito abaixo da dos anos 60), as actividades económicas totalmente paralisadas, a assistência sanitária não existe e morre-se pelo efeito das armas, morre-se de fome. Morre-se pois, apenas resta morrer, além de ser o país com maior densidade de minas terrestres por quilómetro quadrado. Se até à queda do muro de Berlim a luta foi estimulada e alimentada pelos dois "jogadores", hoje ela prossegue como consequência da sua própria riqueza: o petróleo contra os diamantes. Em causa está a desmesurada ambição pelo poder duns tantos angolanos e dos vampiros que também querem partilhar do bolo. Razão teve Salazar quando lhe foram comunicar que tinham sido descobertas jazidas de petróleo em Angola ao afirmar: Mais uma grande desgraça se vai abater sobre aquele pobre povo.

Os anos passaram. Muitos outros hão-de ainda passar e a História, como se diz, fará o seu juízo. Durante muito tempo aguardei que os mentores da descolonização de Angola, libertos do fervor revolucionário e amadurecidos pela sensatez que os anos trazem, viessem dizer a verdade nua e crua ao país e assumissem as responsabilidades que lhes cabem na tragédia sem tamanho em que Angola passou a viver. Ora isso não aconteceu e assim ficámos a conhecer melhor a estrutura mental desses personagens. Pelo contrário, manipulando despudoramente a opinião pública, conseguiram cativá-la para as suas teses e atravessaram incólumes este quarto de século.

Naquilo que me diz respeito afirmo que a descolonização, tal como se cumpriu, será considerada como o episódio mais catastrófico, mais desprezível e mais estúpido de toda a História de Portugal; na parte que me diz respeito, e que é Angola, sei que é meu dever contribuir para a formulação do juízo da História.

Este livro será o meu contributo».

General Silva Cardoso («Angola, Anatomia de uma Tragédia»).







«Com a vitória do 25 de Abril manifestou-se imediatamente a tendência, impulsionada pela euforia da libertação, para eleger a data como o novo marco da história pátria, mesmo antes de poderem definir-se, com nitidez, os traços dominantes da nova época que então se abria.

Para a geração que o viveu constituía sem dúvida o facto mais importante, pois representava uma radical alteração na vida colectiva, até aí marcada pela repressão, pela guerra, pelo obscurantismo cultural, pelo isolamento internacional, pelo subdesenvolvimento. Mas, no processo histórico, não passava ainda de uma mera conjuntura.

Terá sido, por isso, uma classificação apriorística, mas reveladora de uma notável dose de sensibilidade para a dinâmica que já se esboçava.

É cedo ainda para se situar com rigor a data na História de Portugal. Mas se, no futuro, quando se puder fazer uma análise retrospectiva, se vier a constatar que foi a data que pôs termo a meio século de um regime de tipo fascista, que franqueou a entrada de Portugal no universo dos sistemas democráticos modernos, que pôs definitivamente fim ao império colonial e trouxe Portugal de regresso às suas origens europeias, que possibilitou a opção pela integração no espaço político-económico europeu, então, é muito provável que o 25 de Abril de 1974 venha a ser apontado pelos historiadores como mais uma daquelas datas que produziram roturas e deram origem a uma nova era, e que como tal se tornaram as referências históricas do povo português».

Pedro Pezarat Correia («Questionar Abril»).


«O dia infame do 25 de Abril de 1974 jamais será uma referência histórica para o povo português, nem ficará como uma data digna de ser memorada na História de Portugal, mas somente como um incidente profundamente vergonhoso pelo descalabro e a tragédia sem precedentes que o indiciam como tal. Mais: o dia infame do 25 de Abril de 1974, uma vez analisados os arquivos e as bibliotecas por pessoas idóneas, honestas e sérias, ficará, isso sim, marcado como um episódio responsável por sucessivos e hediondos crimes que puseram definitivamente fim a mais de oito séculos de independência de Portugal. Maldita seja para sempre a geração de assassinos, psicopatas e sicofantas que, entregando as populações ultramarinas ao desbarato, ao caos e à morte, deu lugar a infindáveis sofrimentos incutidos às futuras gerações de aquém e além-mar».

Miguel Bruno Duarte





«Em 25 de Abril ocorreu realmente a revolução da perfídia. Toda ela estava viciada, chocou-se um ovo monstro no nosso ventre que, quando a casca se partiu, rapidamente cresceu e nos quis devorar. Os portugueses resistiram e fizeram-lhe frente, mas dos seus tentáculos cortados escorreu um visco venenoso que ainda hoje se agarra a tudo e nos tolhe os movimentos. Fomos aldrabados por "heróis" de pacotilha que se encheram de honras e de dinheiros fáceis. O sonho rapidamente se transformou em pesadelo e aqueles que já acordaram rangem os dentes de impotência. Era bom voltar a sonhar com outros protagonistas: a verdade, a humanidade e a justiça. Mas dizem-nos dos bastidores que essa peça não está no reportório desta companhia de teatro. Só temos guarda-roupa para interpretar peças de vilões e de perfídia.

Teremos que continuar com a "revolução da perfídia", peça estreada há mais de trinta anos, de autor estrangeiro, sempre com protagonistas que se esquecem de olhar para o público, nem nisso estão interessados pois o público, embora remoendo impropérios, não tem outro espectáculo para ver.

(...) Existem ainda umas dúzias de pessoas e de grupos interessados em manter vivas as festividades do 25 de Abril. São todos os que querem fazer passar a ideia de que foram figuras de proa no pronunciamento que derrubou o salazarismo/marcelismo e que publicitam anualmente o seu feito às novas gerações; querem ser conhecidas como fazedoras da história.

Mas, se atentarmos na lógica da tese apresentada neste livro, melhor fora que se escondessem para ajudar a esquecer uma revolução e uma data que nada teve de patriótica nem de libertadora. Na verdade, a revolução do 25 de Abril foi planeada por estrangeiros que pretendiam, primeiro, ganhar o controlo das então portuguesas terras ultramarinas e, por fim, estabelecer no nosso país uma linha avançada do comunismo na Europa. Os encenadores estrangeiros fizeram entrar em palco os actores portugueses na altura que mais lhes conveio e eles limitaram-se a apresentar a tragicomédia e vir à boca de cena receber os aplausos, sem se darem conta do que se passava nos bastidores nem dos interesses do público.

Mas foi pelo 25 de Abril que conquistámos a liberdade, dirão alguns. Também aqui estão errados e também aqui não têm razões para comemorar pois tudo havia sido preparado para implantar em Portugal uma ditadura férrea que faria do salazarismo um regime benévolo e de grande transigência. Os jornais da época mostram que estivemos muito próximo de esse objectivo ser cumprido, não fosse a tomada de consciência dos portugueses que se empertigaram e disseram que não era aquilo que queriam no 25 de Novembro.

Não há pois razões para continuar a comemorar a Revolução da Perfídia que não foi da libertação para Portugal nem para os "descolonizados à força" dos actuais novos países de expressão portuguesa.

Ultrapassemos os fantasmas, dialoguemos com verdade e olhemos de frente os nossos sonhos do futuro».

General Silva Cardoso («25 DE ABRIL DE 1974: A REVOLUÇÃO DA PERFÍDIA»).















«...O Movimento das Forças Armadas nasceu do espírito e do coração de um punhado de oficiais democratas, patriotas e antifascistas que decidiram pôr termo a uma longa noite fascista e iniciar, com todo o povo português, uma nova caminhada de paz, progresso e democracia, na base de um programa político universalmente aceite e respeitado. Sabe-se como as grandes movimentações de massas populares abriram perspectivas à revolução democrática iniciada em 25 de Abril de 1974 e como, a partir sobretudo das eleições gerais para a Assembleia Nacional Constituinte, a via para o socialismo passou a ter carácter irreversível.

O Programa do Movimento das Forças Armadas era o elemento teórico da revolução democrática, mas continha já o essencial das propostas políticas que apontavam para um dado modelo de socialismo. Em virtude disso, o pensamento de esquerda subjacente à elaboração do Programa não foi em nada ferido pelos chamados "avanços do processo revolucionário", onde e quando esses "avanços" corresponderam efectivamente à destruição das estruturas políticas, económicas e sociais do antigo regime, e foram na prática substituídas por novas estruturas operativas e actuantes, base de uma nova organização político-social de raiz socialista.

Infelizmente, porém, quase nunca se verificaram transformações desse tipo.

Assistiu-se, sim, ao desmantelamento de meia dúzia de grandes grupos financeiros e monopolistas; mas, paralelamente, e à medida que as nacionalizações se sucediam (a um ritmo impossível de absorver, por muito dinâmico que fosse o processo e por maior que fosse o grau de adesão do povo, sem grave risco de ruptura do tecido social e cultural preexistente - é o que se verifica actualmente) foi-se assistindo à desagregação muito rápida das formas de organização social e económica que serviam de suporte a largas camadas da pequena e média burguesia, sem que fossem criadas novas estruturas capazes de assegurarem a gestão de unidades produtivas e dos circuitos económicos e de manterem o mínimo indispensável de normalidade nas relações entre todos os portugueses.

Entretanto, e paralelamente, verifica-se a progressiva decomposição das estruturas do Estado. Formas selvagens e anarquizantes de exercício do poder foram-se instalando um pouco por toda a parte (até no interior das Forças Armadas), retirando proveito dessa desordem as organizações ou formações partidárias mais experientes e ávidas do controlo dos vários centros de poder. O MFA, que inicialmente se havia afirmado como suprapartidário, viu-se cada vez mais enleado nas manipulações politiqueiras de partidos e organizações de massas, acabando por se ver comprometido com determinado projecto político que não correspondia nem à sua vocação inicial nem ao papel que dele esperava a maioria da população do País: o de guia e condutor dum processo de transformação profunda da sociedade portuguesa, com um claro projecto político de transição para o socialismo, independente dos partidos, embora sem dispensa do seu concurso e com a mais ampla base de apoio possível.

(...) O País encontra-se profundamente abalado, defraudado relativamente às grandes esperanças que viu nascer com o MFA. Aproxima-se o momento mais agudo duma crise económica gravíssima, cujas consequências não deixarão de se fazer sentir ao nível de uma grande ruptura, já iminente, entre o MFA e a maioria do povo português. Alarga-se, dia a dia, o fosso aberto entre um grupo social extremamente minoritário (parte do proletariado da zona de Lisboa e parte do proletariado alentejano), portador de um certo projecto revolucionário, e praticamente o resto do País, que reage violentamente às mudanças que uma certa "vanguarda revolucionária" pretende impor, sem atender à complexa realidade histórica, social e cultural do povo português.



Finalmente, a fase mais aguda da descolonização (Angola) chega, sem que se tenha tomado em consideração que não era possível "descolonizar", garantindo uma efectiva transição pacífica para uma verdadeira independência, sem uma sólida coesão interna do poder político, e sem, sobretudo, se ter deixado de considerar que a "descolonização" devia continuar a ser, até se completar, o principal objectivo nacional. Vemo-nos agora a braços com um problema em Angola que excederá provavelmente a nossa capacidade de resposta, gerando-se um conflito de proporções nacionais que poderá, a curto prazo, ter catastróficas e trágicas consequências para Portugal e para Angola. O futuro duma autêntica revolução em Portugal está, em todo o caso, comprometido, em função do curso dos acontecimentos em Angola, à qual nos ligam responsabilidades históricas inegáveis para além das responsabilidades sociais e humanas imediatas para com os portugueses que lá trabalham e vivem.

(...) Todo este grave conjunto de aspectos da vida nacional tem vindo sistematicamente a ser escamoteado e, mais do isso, profundamente adulterado, por larga parte dos meios de comunicação social, através de um rígido controlo partidário que sobre eles se exerce - particularmente dos nacionalizados -, assistindo-se hoje ao degradante e vergonhoso espectáculo da corrida de uma boa parte da população aos noticiários de emissoras estrangeiras sobre o nosso país.

Como se isso não fosse já bastante, foi-se ao cúmulo de preparar um projecto de diploma que, ao instituir uma "comissão de análise" (e porque não "comissão de censura"?), servirá de ferro de lança apontada aos últimos e resistentes baluartes da imprensa livre neste país.

(...) Em cada dia, a cada hora que passa, multiplicam-se os sinais evidentes duma agitação que tende perigosamente a alastrar, submergindo o País numa onda de violência incontrolável.

Acumulam-se os factores que geram a promoção duma ampla base social de apoio ao regresso do fascismo. E é ridículo dizer-se, como certas formações políticas e certos orgãos de informação, que são "manobras da reacção". O descontentamento, o mal-estar, a angústia, são reais e por de mais evidentes e têm a sua causa profunda em erros de direcção política acumulados ao longo dos últimos meses e em desvios graves de orientação no interior do próprio MFA.

Que fazer?

Encontramo-nos em mais uma encruzilhada da História, e é ao MFA, uma vez mais, que comete assumir o peso maior das responsabilidades para com o povo português.

É imperioso escolher conscientemente a via para o socialismo, sem violar a vontade da grande maioria dos Portugueses, conquistando hesitantes ou descontentes pela persuasão e o exemplo, Terá de competir ao MFA, em completa independência dos partidos políticos, mas tendo em conta o papel que estes podem e devem representar, definir um projecto político de transição para o socialismo.

É necessário reconquistar a confiança dos Portugueses, acabando os apelos ao ódio e as incitações à violência e ao ressentimento. Trata-se de construir uma sociedade de tolerância e de paz e não uma sociedade sujeita a novos mecanismos de opressão e exploração, o que não poderá ser realizado com a actual équipe dirigente, ainda que particularmente renovada, dada a sua falta de credibilidade e manifesta incapacidade governativa.

É preciso, finalmente, conduzir o País, com justiça e equidade, e segundo regras firmes e estáveis, em direcção ao socialismo, à democracia e à paz».

Documento dos Nove (texto de responsabilidade colectiva, mas traçado e redigido, em grande parte, pelo major Ernesto Melo Antunes).



Orlando Vitorino



«Há Partidos e doutrinas que pretendem constituir formas diversas de socialismo: social-democracia, trabalhismo, socialismo moderado, comunismo, etc. Trata-se de uma distinção que só existe no processo preconizado de transição, gradual ou imediata, para o socialismo, o que, uma vez realizado, terá inevitavelmente, aquelas características. Quando a transição é mais gradual, o processo começa pelo planeamento da economia, que logo implica o controlo de certos sectores da produção e acabará, necessariamente, por controlar toda a produção; ao atingir este controlo integral, a propriedade ficará abolida. Quando a transição é imediata, como preconizam os comunistas, a ordem do processo de transição inverte-se: começa pela abolição da propriedade, que imediatamente implica a administração de todos os recursos económicos pelo Estado, ou planeamento, e portanto o controlo de toda a produção».

Orlando Vitorino («ESCOLA FORMAL», n.º 3, Agosto/Setembro de 1977).


«António Champalimaud esteve em Portugal no último fim do ano; e, no momento de partir, no aeroporto, deu uma entrevista a O Globo, de 3 de Janeiro de 1983, de que se transcrevem estes trechos mais significativos:

- "Que pensa da situação política do País? 

- Numa entrevista feita minutos antes da partida para o Brasil, pouco mais lhe posso dizer que o que se está a passar e o mais que se irá passar em Portugal, estava previsto desde o célebre 25 de Abril. É a Nação sob a ditadura dos partidos. É o espectáculo degradante da espoliação do País, pelos interesses acobertados pelos partidos. É a estrangeirada - os estrangeiros são outra coisa - a sugar impunemente o pouco que ainda nos resta.

- Insisto: que pensa dos americanos? 

 - E eu repito o que já muitas vezes disse, que americanos e socialistas europeus são velhos amigos e aliados. Aos americanos interessa uma Europa economicamente débil. Aos socialistas europeus convém a assistência de uma América capitalista, próspera, e forte, que lhes permita o financiamento das promessas demagógicas da redução sucessiva das horas de trabalho semanal a par de maiores salários, de menor produção e de produtividade decrescente.

- Mas não acha justo menos horas de trabalho e melhores salários?

- Eu acho óptimo. Mas não acredito dentro de uma óptica socialista. É sistema que tem sempre o seu fim, que é o do empobrecimento geral. Isto além de conduzir, entretanto, a situações degradantes para o brio nacional. Hoje, por exemplo, Portugal nem sequer possui capacidade para produzir os alimentos de que o Povo carece. A economia como sistema organizado deixou de existir. É o resultado do socialismo em que Portugal tem vivido desde 1974. Tome boa nota que maiores salários e menos horas de trabalho é igual a progresso. Mas isso exige investimento, produtividade e brio profissional, que são atributos do capitalismo e não do socialismo, do ateísmo, da ideologia e da libertinagem que pervertem a ossatura moral de uma pátria.

- Uma última pergunta: Quando regressa?

- Um grande empreendedor português não pode conter-se dentro dos horizontes geográficos actuais do País. O meu lugar é no Mundo com primazia para o de expressão, tradição e cultura lusíadas. Por conseguinte a pergunta deveria ser formulada mais apropriadamente se indagasse quando eu voltaria a trabalhar aqui em vez de interrogar quando eu regresso. Assim eu responderia que no dia em que terminar a bagunça desavergonhada que por aí vai, a sugar impunemente o que resta aos portugueses. Então poderei ser um elemento útil a trabalhar no meu País. Até lá, sou muito mais proveitoso ao futuro de Portugal, trabalhando exclusivamente no outro lado do Atlântico.

- Seria capaz de apresentar ao País um plano para a sua recuperação económica e saneamento financeiro?

- Não faltam planos dessa natureza. Cada partido tem o seu. Com cada primeiro-ministro sucede a mesma coisa. O Presidente da República dispõe de um gabinete que, segundo parece, não faz outra coisa. Portanto, o problema não é da falta de planos, aliás o plano é o pão de cada dia do socialismo. O que importa fundamentalmente é que se acabe com os planos que os socialistas-comunistas usam para deslumbrar aqueles que de boa-fé os seguem.

O meu único plano seria o de libertar Portugal do socialismo, dando liberdade a cada um para que em casa, na oficina, na fábrica, no campo e na empresa, estabelecesse e executasse o seu próprio programa à sombra de um regime político de lei e de ordem. E esse regime de lei e de ordem significa autoridade e não ditadura. Porque a esta é essencial o recurso à arbitrariedade que não se compraz com o império da lei que importa sempre respeitar. Mas estavam os portugueses dispostos a trabalhar tanto quanto seria necessário? A trabalharem tanto como eu? A pensarem menos em si e mais no País, sabendo-se que da sua prosperidade depende a prosperidade de todos, e que da ruína nacional resultará a ruína de cada um? E muito pior do que isso porque o que nos espera, a continuar por este caminho, é a perda da identidade nacional. É o fim de Portugal.











- A solução para o País, na sua óptica, passaria também por um aumento da tributação fiscal, já tão pesada?

- Não. Pelo contrário. Eu promoveria uma drástica redução de impostos.

- Através de que milagre?

- O de nacionalizar Portugal e o da boa administração de que sempre tenho dado provas. Mas é tema que nos levaria muito longe. Hoje não lhe digo mais nada. Tenho de partir. Obrigado. Bom ano para si e para O Globo.

António Champalimaud, distinguido, recentemente, com o título de cidadão honorário do Estado de Minas Gerais, encaminhou-se para o avião da Varig, que o levaria ao Brasil e ao seu mundo: o trabalho e os negócios"».

In José Dias de Almeida da Fonseca («LIVRO NEGRO DO "25 DE ABRIL"»).


«Deparo com a entrevista de um dos candidatos do sistema, o que é professor universitário, o de quem outro, M. Soares, virá a dizer que "já nasceu professor, professor chato, escrevinhador de sebentas bem feitinhas". Leio a entrevista e vejo-o declarar que os pensadores que mais influenciaram a sua formação doutoral foram Aristóteles, que viveu há mais de dois mil anos, e Karl Popper, dos nossos dias. Como quem declara: o alfa e o ómega. Como quem dá a entender: toda a sabedoria está comigo. E isto, a darmos fé a M. Soares, desde a nascença. Karl Popper, ainda vá. Mas Aristóteles, não se nota.

(...) Conversa ocasional com um dos homens mais bem colocados na rede da comunicação social. Perfeita concordância quanto ao regime.

No regime salazarista, havia Censura e Censores. Constituíam uma instituição, tinham lei própria, vinham seus nomes e nomeações no "Diário do Governo", toda a gente sabia da sua existência e os podia procurar onde funcionavam, nas traseiras do Palácio Foz com a porta para a Calçada da Glória.

No actual regime socialista, continua a haver Censura e Censores. São mais férreos e vigilantes do que os do salazarismo, mais eficazes do que os do Santo Ofício e Santa Inquisição. O que não têm é nome e nomeação no "Diário da República", nem lei própria, nem lugar onde possam ser procurados e ninguém pode dizer que sabe da sua existência. Funcionam dentro dos orgãos de comunicação que estão encarregados de censurar ou, palavra ainda mais abominável, de controlar. São directores e presidentes da RTP, do "Diário de Notícias" e quantos mais. São a Censura Sem Rosto!

(...) Com o seu inesgotável talento, aparentemente conciliador mas intimamente revulsivo, António Quadros descreve, numa palestra quase pública, como é que, há longos anos, o Estado não atende à voz dos "intelectuais", fenómeno que explica a crise que, há longos anos, se instalou entre nós. Não atende, quer dizer: não entende.

Porque é que os "intelectuais" não deitam a mão ao Poder?



António Quadros



(...) Recebo de José M. Montels, jornalista espanhol da Iberia Press, o texto da entrevista que me veio fazer a Lisboa. Apresenta ele a minha candidatura nestes termos: "A candidatura à Presidência da República Portuguesa de um puro intelectual, como é Orlando Vitorino, constitui um caso único na Europa e talvez no mundo".

Não é, pois, só em Portugal, como dizia ontem António Quadros. É também na Europa e talvez no mundo.

Que obstáculo universal se interpõe entre os "intelectuais" e os poderes do Estado? Shakespeare, que sabia destas coisas, fez dizer a Júlio César: "Cássio é homem perigoso. Lê muito e pensa demasiado".

Vou eu andando na rua a pensar nisto tudo e dou de caras com o Manuel Múrias que logo, truculento como uma personagem shakespereana, me atira: "Sou muito seu amigo, mas já preveni a família: este Orlando Vitorino é o homem mais perigoso que há em Portugal. Se ele ganha as eleições, sou o primeiro a fugir". Não há dúvida: o Múrias também sabe destas coisas.

(...) Logo de manhã, leio a toda a largura da 1.ª página de um jornal: "Champalimaud: todos temos de votar em Freitas".

Um homem das Arábias, este Champalimaud. Há poucos dias, dizia-me, peremptório e duro: "Tudo, menos votar no Freitas".

(...) Relaciono o inesperado "freitismo" de Champalimaud com esta observação de Alberto João Jardim que me cai em frente dos olhos: "... não é de estranhar que praticantes do mais extremo capitalismo também prefiram continuar no usufruto desta orgia de despojos em que o sistema socialista transformou Portugal".

Mas não. Não é o caso. O caso será, antes, o dos industriais reunidos na CIP, aqueles de quem Champalimaud me dizia: "esses, o que têm é medo de que eu volte para cá e os varra a todos..."

(...) Subia eu a pé uma rua de Sesimbra, procurando caminho entre filas intermináveis de automóveis e aos encontrões a gente que escorria para a praia. De um carro, uma senhora bonita que eu sei conhecer muito bem mas não consegui identificar (mau político eu daria), diz-me em voz muito alta e com um coquetismo que as senhoras bonitas aprendem a pôr na voz: "Senhor Dr., só vejo socialistas! Nesta terra só há socialistas! O Mário Soares ainda é pior do que o Cunhal!". O carro tinha de ir tão devagar que eu pude acompanhá-lo, e com certa disposição divertida, digo-lhe: "Se não quer o socialismo, vote em mim". E ela: "Então vamos dividir os votos? O Sr. quer tirar votos ao nosso Freitinhas?"

Este encontro fortuito ajudou-me a ver melhor uma espécie de confusão que muitos eleitores estabelecem entre a candidatura do "nosso Freitinhas" e a minha, quando eu sei que estamos nos antípodas. A Senhora fez-me entender melhor: é que ambas as candidaturas aparecem a esses eleitores como caracterizando-se por serem ambas anti-socialistas. Que fazer? Como fazer entender a distância abissal que as separa?




Em primeiro lugar, é muito duvidoso que Freitas do Amaral seja anti-socialista, uma vez que a sua prática política de alguns anos foi inteiramente conforme ao socialismo, tendo até feito com ele duas alianças de Governo. Há, depois, aquilo de ter sido escolhido por Vasco Gonçalves para organizar o "Partido da Direita". Há, ainda, a carta em que servilmente se ofereceu para participar no Governo comunista de 1976. E dizem-me que - homem da Universidade que ele é - a sua tese de doutoramento, ou licenciatura, foi um panegírico de, simultaneamente, socialismo e salazarismo; intitular-se-ia "O Socialismo de Salazar". Por fim, há todo um mundo que nos opõe: o neo-liberalismo meu, o socialismo, senão confesso aos menos larvar, dele; a minha oposição à Universidade marxizada, a defesa que ele faz dela; a indefinição, nele, dos objectivos económicos, a nítida definição desses objectivos em mim; a boa convivência que ele tem com os Partidos totalitários, em contraste com o meu visceral repúdio. E por aí fora: o inabalável e activo respeito que ele tem por todas as instituições existentes, pelo controlo da informação, pelo monopólio estatal da televisão, pelos cerimoniais e graus académicos, pelos "concursos de provas públicas", pela "cultura oficial", pelo consenso entre a "classe política", e tudo o mais a que eu me oponho. Vem, depois e interminavelmente, o seu desprezo e correspondente ignorância, pela "cultura portuguesa", a que eu pertenço, a sua consequente indiferença pela Pátria, só pela qual eu apresento a minha candidatura, o formalismo sem conteúdo das suas propostas em contraste com o conteúdo das minhas, a sua redução do direito de propriedade à propriedade financeira ou plutocrática segregando a territorial que para mim é a essencial, a sua proposta de fazer da actual "classe política" uma "nomenklatura" em contraste com a minha proposta de abolição da "classe política", e assim indefinidamente.

Como fazer entender tão abissais diferenças.

(...) Comunico a Freitas do Amaral a aceitação do desafio que ele lançou aos candidatos presidenciais para um debate público das respectivas ideias. Provando a sua má fé e sua má consciência, não responde, mas o caso vem noticiado na imprensa e hoje recebo dois jovens de um GRUPO DE PRESSÃO DE JOVENS INTELECTUAIS que me vêm incitar a insistir na aceitação do desafio.

O que, todavia, mais me interessou em quanto me disseram foi o "comunicado" que, há uns anos, este Grupo de Jovens Intelectuais distribuiu. Nele comentava, com desprezível ironia, a campanha para a integração de Portugal na Espanha, campanha movida pelos principais responsáveis do Estado: o Primeiro-Ministro de então, Mário Soares, que não desmentiu a notícia de ter ido a Madrid negociar a integração; o Presidente da República Ramalho Eanes, que declarou em Madrid nada ter a opor ao resultado de um referendo em que uma maioria de Portugueses se pronunciasse por tal integração. Ao mesmo tempo, a campanha era acompanhada de uma preparação da "opinião pública" (ou do referendo) com sondagens jornalísticas que davam já 25% de Portugueses favoráveis a deixarem de o ser (a).

No seu aspecto visível, a campanha foi suspensa, e não se sabe em que medida para isso contribuiu o "comunicado" dos Jovens Intelectuais apesar de - segundo me informaram - nenhum jornal o haver publicado, ou dele ter dado sequer notícia, e de nenhuma das inúmeras personalidades a quem foi enviado directamente ter acusado a recepção.

O que especialmente me preocupou nestes "factos" foi a ideia que o actual Presidente da República tem de Portugal ao admitir que, como para os negócios República, a existência da Pátria e da Nação possa ser decidida por um referendo!


Orlando Vitorino


(...) Como estavam todos à paisana, não posso assegurar que fossem todos generais. Mas creio que o único civil seria eu.

Não consegui entender por quê e para quê me convidaram. Foram amáveis, o ambiente o mais simpático e o almoço o mais agradável.

À sobremesa, um deles, sentado à minha frente, tirou um dossier da pasta que conservara sempre junto de si. Pousou-o sobre a mesa, abriu-o e leu-o numa voz vibrante. Tratava-se de um minucioso relatório, apoiado em minuciosa contabilidade, da ruína económica e financeira a que o Estado socialista havia reduzido o país. Alguns números eram impressionantes. Por exemplo: cada um dos duzentos e tantos deputados à Assembleia da República custa aos contribuintes seis mil contos por ano.

Finda a leitura, fechado o dossier, todos ficaram a olhar para mim. Senti-me embaraçado. Suspendia-se sobre nós um denso silêncio. Até que perguntei qualquer coisa, e o leitor do dossier, sempre de olhos fixos em mim, ensurdecendo a voz para a tornar mais impressiva, respondeu: "Isto (e assentava a mão fechada sobre o dossier) é para dar um murro na mesa e deixar abaixo o que para aí manda!" Então observei: "não é com um murro nesta mesa que isso se consegue..." E como falava para generais, acrescentei: "...a não ser que os tanques, já estejam na rua".

Um deles, homem tranquilo mas forte, de voz pousada mas segura, explicou: "Não há condições, na tropa, para trazer os tanques para a rua. Se o fizéssemos, sabe o Sr. Dr. o que acontecia? Os tanques viriam até ao Terreiro do Paço, mas daí a algumas horas, não estava lá nenhum soldado. As famílias teriam vindo buscá-los e não temos disciplina que os segure". Depois acrescentou: "Os militares só podem assumir uma posição de força quando estiverem criadas as condições para que a população os aprove. Ora essas condições ainda não existem. O descontentamento já é decerto visível, mas ainda não é decisivo"».

Orlando Vitorino («O processo das Presidenciais 86»).


«Há um palerma no Círculo António Telmo que manda agora mais um recadinho sobre os que alegadamente "porfiam em assinar à filosofia portuguesa um fundamento reacionário". Ora, por "fundamento reacionário" entende o dito-cujo todos aqueles que, na filosofia portuguesa, podem e sabem ver em todas as variantes do socialismo o caminho para a servidão, tal como, aliás, a temos visto implantada em Portugal nos últimos quarenta anos. Logo, a expressão "fundamento reacionário", desde logo própria da gíria comunista, só pode ser uma palermice vinda de um sujeito politicamente analfabeto.






Depois, se Sampaio Bruno e António Telmo se deixaram, mais directa ou indirectamente, enredar no socialismo, e até, no que mormente ao último respeita, nos meandros da maçonaria, isso não constitui, decerto, princípio de vinculação a todos os que na filosofia portuguesa estão fartos de saber que a maçonaria, o socialismo e o comunismo não se coadunam com a vida e a civilização dos Portugueses.

Quanto à influência hebraica no pensamento de Álvaro Ribeiro, nada disso representa, no âmbito da filosofia portuguesa, nenhuma espécie de novidade. Curiosamente, até cheguei a ouvir, da parte de quem com ele privara, que o Álvaro era um judeu, e não só o Álvaro, mas também o António Telmo. Todavia, se para o autor d'Arte de Filosofar, o aristotelismo, jamais puro entre nós, se assume à luz das três tradições orientais que concorrem para a formação do pensamento português - a judaica, a cristã e a islâmica -, isso não significa que o factor cristão ou islâmico se afigurem secundários, ou tenham uma influência diminuta no pensamento português. E dizendo no pensamento português, diremos igualmente no pensamento de Álvaro Ribeiro.

Além do mais, o caso psiconoético de Aristóteles é de tal forma profundo e complexo, que até o próprio Álvaro não se inibira de referir a incompatibilidade da religiosidade do Estagirita com as tradições de origem bíblica. Ora vejamos:

"Com razão tem sido afirmada a primazia do aristotelismo arábico na Península Ibérica, embora sejam com ele componíveis o aristotelismo judaico e o aristotelismo cristão. A cultura cristã, como sabemos, já estava fortemente impregnada de elementos aristotélicos em consequência da divulgação das obras de Porfírio e de Boécio, em consequência também da divulgação das obras de Pedro Hispano, donde se prova que a vigência do aristotelismo data de muito antes de Santo Alberto Magno e S. Tomás de Aquino terem estabelecido a hegemonia doutrinal da obra lógica, física e metafísica do Estagirita. Aristotelismo puro nunca o tivemos entre nós, e ainda hoje os recursos da exegese filológica e da hermenêutica filosófica se mostram insuficientes para interpretar nos manuscritos de discípulos e copistas o pensamento autêntico do maior filósofo da Antiguidade. A filosofia de Aristóteles estava subordinada à teologia (ancilla theologiae), mas os escritos teológicos, ou, se quisermos, mitológicos, do Estagirita não chegaram às mãos dos estudiosos medievais. Seja como for, a religiosidade de Aristóteles não era todavia compatível com as tradições de origem bíblica, nem com a fé, tal como a entenderam os Europeus e Atlantes" (in «Filosofia Escolástica e Dedução Cronológica»).

E, nisto, segue já agora uma significativa passagem sobre a importância concedida por Álvaro Ribeiro ao influxo arábico na Escolástica portuguesa:

"Efectivamente sem o estudo de Averróis será difícil interpretar a obra de S. Tomás de Aquino a até a de Dante. O aristotelismo arábico, dominante na Península Ibérica, principalmente na Andaluzia, ou no Califado de Córdova, difundiu-se por tradição, ou por ensino oral, segundo uma didáctica esotérica cujo segredo parece ser propriedade dos povos semitas. Neste ponto, é impossível facultar aos incrédulos positivistas a prova visível do documento visível, escrito e arquivado em cartórios leigos ou eclesiásticos. Certo é, porém, que o aristotelismo arábico muito difere do aristotelismo dos monges clunicenses e cistercienses" (idem, ibidem).

E mais adianta: 

"Vindos da África do Norte, os Árabes invadiram a Península em 711, com um exército de doze mil homens, comandado por Tárique. A invasão procedeu de sul para norte da Península Ibérica, mas foi detida nas Astúrias, pelos últimos representantes do reino visigótico. Entre o Islão e a Cristandade manteve-se, durante séculos, um intercâmbio linguístico, cultural e moral que a história política, quando reduzida ao simbolismo militar, não deixa perceber. Certo é, porém, que proveniente das cidades do Oriente, como do Cairo e de Bagdade, a cultura islâmica se tornou notabilíssima pela divulgação de textos gregos. Escreve Renan: 'Os árabes aceitaram a cultura grega, tal como lhes fora transmitida. Os livros que mais exactamente exprimem esta transmissão foram a Teologia de Aristóteles, um apócrifo que é de crer que haja sido composto por um Árabe, e esse livro De Causis cujo carácter indeciso manteve em suspenso toda a escolástica. A filosofia árabe conservou para sempre esta marca de origem: a influência dos Alexandrinos ressurge a cada passo'. Os Árabes utilizavam os textos de Porfírio e de Alexandre de Afrodísia.


Al Hakan II, antes de ser califa em 961, reuniu em Córdova 400 000 volumes de manuscritos, recolhidos de várias partes do Oriente. Esta biblioteca serviu de exemplo a muitos aristocratas que quiseram imitar o soberano. No império dos Almóadas brilha a doutrinação de Averróis, morto em 1198.

A reconquista cristã da Península Ibérica, operada de norte a sul, significa não só a submissão dos Árabes mas também a dos Judeus; não podemos, portanto, dá-la por concluída antes de 1498. Para alguns autores espanhóis, esta reconquista religiosa deveria ser completada pela unificação política dos cinco reinos cristãos, o que se operou só no século seguinte, em 1580. Convém comparar a data em que os Árabes foram expulsos do Algarve, 1260, com a de 1492, referente à conquista de Granada pelos Reis Católicos. A poesia dos trovadores, que se aclimou entre nós durante o reinado de D. Afonso III, tem origens imprecisas que tanto podem ser atribuídas à poesia popular árabe como à poesia provençal.

No reino de Castela, entre 1130 e 1150, os tradutores de Toledo, João de Luna, Domingos Gonçalves e Gerardo de Cremona, traduzem Aristóteles, por indicação do arcebispo D. Raimundo e do grande chanceler de Castela.

Afonso X, o Sábio, promoveu a tradução e adaptação à língua castelhana de muitos textos de cultura árabe, no que foi auxiliado pelos Judeus, antes de o centro de cultura hebraica se deslocar para a Catalunha e para a Provença. 'Durante esta época foi criado, pelo mesmo príncipe, um colégio de estudos latinos e árabes. Fundado em 1254, foi-lhe assegurada a protecção papal por um breve firmado por Alexandre IV em 1260. A equipa de tradutores trabalhou sobretudo em Toledo, cidade que já era cristã havia dois séculos'".

Aliás, o título do livro de António Telmo, Viagem a Granada, é também bastante significativo por, sem embargo do influxo hebraico que caracteriza o autor, implicar uma Escolástica particularmente portuguesa mergulhada em fórmulas platónicas e neoplatónicas que faz do nosso aristotelismo um caso verdadeiramente singular. E, nessa mesma Escolástica, Averroes, Avicena e Maimónides ocupam decerto notabilíssimo lugar.

Por fim, o caso de Miguel Real é igualmente sintomático da palermice contumaz a que já nos habituou o Círculo António Telmo, nomeadamente quando diz ter o autor de Filosofia e Kabbalah, na esteira de Sampaio Bruno e Fernando Pessoa, logrado "teorizar o esoterismo, atribuindo-lhe o estatuto de testemunho e prova tão positivo quanto a prova factual mais concreta, furtando estes estudos à parafernália de seitas e grupúsculos marginais ao saber instituído".

De facto, não sabíamos que António Telmo tinha teorizado uma espécie de "esoterismo positivista" no âmbito de um "saber instituído", seja lá isso o que for. De resto, o que assim se afirma sobre António Telmo não casa de todo com que, vindo daquele mesmo sujeito, fora dito em Agostinho da Silva e a Cultura Portuguesa (Quidnovi, 2007), designadamente quando reduz a obra do kabbalista de Estremoz a uma actividade envolvida "por um espírito de suspeita e conspiração", a tal ponto de parecer pouco ou nada credível quando comparada com a obra de Manuel Joaquim Gandra, cuja deontologia positivista, por mais próxima da historiografia dominante, lhe permite aferir e exibir "as suas conclusões em abalizados documentos".

Enfim, como diz o provérbio montargilense: giz por aqui giz por ali, sete carapuças fiz daqui».

Miguel Bruno Duarte 




A VERGONHA DAS SEVÍCIAS MILITARES


«UM ESCÂNDALO E PRENÚNCIO DO TERROR»

- AFIRMA, EM PRÓLOGO, A PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA



PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

PRÓLOGO


O Relatório que se segue, mais do que mero relatório de factos, é um autêntico livro de juízo; é uma memória na vida política do Portugal Democrático. É além disso um instrumento de reflexão.






É um instrumento de reflexão, porque nos permite entender claramente que o Homem é o único pressuposto verdadeiramente essencial à acção política, porque nos permite julgar a História e os fins que motivaram os processos que dela foram protagonistas.

Dos factos verificados, a conclusão se infere, que um fim que tem necessidade de meios injustos não é um fim justo.

Foi um momento radical (e ser radical é tomar as coisas pela raiz; e a raiz para o Homem, é o próprio Homem) que moveu a consciência à acção de que era necessário parar.

«O Bem? O Mal? A Esquerda? A Direita? Para onde foi o inimigo que nos é tão útil para conhecer a nossa direcção e a nossa vontade?», pergunta um humanista dos nossos dias.

O inimigo é pois o inimigo do Homem e da sua dignidade. O inimigo é todo aquele que avilta, que tortura, degrada, (...) e que difama.

Não pode haver indulgência para as atrocidades revolucionárias sob o pretexto de que são inevitáveis.

Tais atrocidades nascem da mesma fonte que justifica a Razão de Estado em todos os regimes autocráticos.

É-se sempre responsável pelos meios, e não pelo que não existe, que é o fim que se protesta atingir. Este relatório é pois um escândalo. Patenteia a vertigem ou a antecâmara do Estado Totalitário Moderno onde as prisões se baseiam na denúncia gratuita ou planeada unicamente em função do fim, onde as prisões se fazem sem culpa formada, nem investigação, onde são admitidas prisões não obstante se desconhecerem elementos incriminadores, ou só porque o detido evidencia perigosidade potencial.

Portugal viu-se numa situação de Não-Direito, onde as mais desregradas, sórdidas e desencontradas paixões humanas deram campo ao exercício tumultuário do aviltamento colectivo. É o quadro histórico do Terror, de que as situações fácticas descritas foram prenúncio e que potenciariam o nascer de um Estado Autocrático Moderno.

Porém tal quadro escandaloso também permite antever o seu contrário. O primado do Direito, que enobrece os comportamentos humanos, do Estado Democrático Moderno. Mais do que uma pronúncia judicial, o Relatório é uma pronúncia política. Não só por breve verá o País o julgamento de homens que foram instrumentalizados ao Serviço da autocracia arcaica que sufocou Portugal - o Salazarismo. Mais importante que julgar os homens, e estes julgam-se conforme a culpa, importa julgar a História e os seus sistemas e colher a necessária lição.

Muitos dos factos descritos, tipificam seguramente infracções criminais e os seus agentes deverão por elas responder.

As normas por eles violadas, encontram-se na consciência do Homem, nas suas conquistas libertadoras e combate contra todas as formas de servidão e sujeição. Em suma na Declaração Universal dos Direitos do Homem.


A todos os cidadãos compete julgar e condenar o escândalo ocorrido. Para que ele seja definitivamente banido da nossa vida em comunidade.

Aos tribunais compete a aplicação das penas. Assim eles saibam possuir a neutralidade ideológica que permite a afirmação do Direito, assim ao Poder Judiciário seja dada a indispensável condição de independência social e institucional. Assim se construirá o Direito do Estado Democrático Moderno.

Belém, 8 de Novembro de 1976.



CONCLUSÕES FINAIS

Em face da matéria apurada, a Comissão entende poder formular com segurança as seguintes conclusões:

1. Foram praticados dois crimes de cárcere privado, acompanhados de tortura e violenta agressão física, imputáveis a militares e civis;

2. Houve centenas de prisões arbitrárias, sendo de destacar as efectuadas na sequência do «28 de Setembro» e do «11 de Março», em 28MAI75 (contra elementos do MRPP), e as desencadeadas, com cariz diferente, a partir do Regimento de Polícia Militar;

3. Algumas dessas prisões resultaram de denúncias anónimas, outras de informação ou indicação de organizações partidárias ou sindicais, e muitas de solicitações verbais até telefónicas, designadamente do Gabinete do Primeiro Ministro, do Ministério do Trabalho, do SDCI do Serviço de Coordenação ad hoc para o «28 de Setembro», da Comissão de Inquérito ao «11 de Março», do Gabinete do Almirante Rosa Coutinho;

4. A maioria das prisões foi efectuada pelo COPCON, quer como mero orgão executor quer por iniciativa própria;

5. Houve transferência arbitrária, de Cabo Verde para Lisboa, de 3 pessoas, por motivos ideológicos;

6. Em muitos casos não foram utilizados mandados de captura ou busca e noutros o respectivo duplicado não foi entregue aos interessados;

7. Os mandados de captura e de busca emitidos pelo COPCON eram, na generalidade, assinados em branco e muitas vezes saíram para a posse das entidades que os haviam solicitado, ou das equipas que iam executar as capturas;

8. Em alguns casos os mandados de captura foram executados sem indicação dos motivos da captura;

9. Em outros casos, a invocação dos motivos da prisão era feita em termos vagos, como, por exemplo, «suspeita de pertencer a uma associação de malfeitores», «suspeita de ligação com a reacção», «sabotagem económica», «agitador», faltando por completo um critério para as detenções, com um mínimo de senso jurídico;









10. Houve prisões sem que nos mandados de captura se identificasse, com segurança, a pessoa a deter;

11. Houve prisões e buscas efectuadas altas horas da noite;

12. Houve casos de detenções por longos períodos de tempo sem que tivesse chegado a ser organizado qualquer processo, permanecendo os detidos em estado de completo abandono e esquecimento;

13. Houve casos de detidos só libertados ao fim de meses, sem nunca terem sido interrogados;

14. Em muitos casos, os detidos foram libertados ao fim de largo tempo, sem lhes ser comunicado ou explicado o motivo da detenção ou formulada qualquer acusação;

15. Houve casos de interrogatórios não reduzidos a escrito e efectuados de noite;

16. Muitos interrogatórios foram executados por militares sem preparação técnica ou mesmo por civis introduzidos por organizações políticas;

17. Foi recusada a assistência de advogado ou defensor aos interrogatórios, até Outubro de 1975, data da entrada em funções da Promotoria da Instrução do Tribunal Militar Revolucionário, posteriormente extinto;

18. Foram levantadas dificuldades à outorga de procurações forenses aos advogados dos detidos;

19. Não foram respeitadas as imunidades que as leis concedem aos magistrados judiciais, no caso de prisão dum juiz-conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo, detido arbitrariamente e, além do mais, a sua libertação foi protelada por 4 dias, depois de lhe haver sido concedido o habeas corpus pelo Supremo Tribunal de Justiça;

20. Houve tortura sistemática, exercida sobre 4 presos, no RALIS, com agressão física violenta, que lhes provocou traumatismos diversos;

21. Houve outros casos de tortura física esporádica, designadamente no Regimento da Polícia Militar;  

22. Não se obtiveram quaisquer elementos confirmativos da pública denúncia, de alguns detidos terem sido forçados a práticas aberrantes com cavalos no Regimento de Polícia Militar;

23. Houve muitos casos de maus tratos físicos exercidos sobre presos, que se traduziram em espancamentos, por vezes praticados por vários agressores actuando simultaneamente;

24. Foram exercidas sevícias sistemáticas sobre presos, com o fim de os humilhar e lhes infligir castigos corporais, traduzidos em agressões, rastejamento no solo, corridas forçadas, banhos frios com mangueira, imposição de beijarem as insígnias duma unidade militar, incrustadas no pavimento;

25. Houve casos de tortura moral, traduzidos em insultos, manobras de intimidação e ameaças, inclusive com armas de fogo;

26. Tomou-se conhecimento de casos de coacção psicológica, como ameaça de prisão de familiares, e de publicação de arranjos fotográficos inculcando a prática de pretensos actos delituosos pelos detidos;

27. Elementos civis por vezes armados e pertencentes a organizações partidárias (PCP e UDP), prenderam ou colaboraram na prisão de numerosas pessoas;























Moca de Rio Maior



28. Muitas prisões foram anunciadas, em termos vexatórios, pela rádio, televisão, imprensa e, até, jornais de parede elaborados por organizações partidárias;

29. Forças militares procederam a capturas, consentindo que fossem acompanhadas por elementos civis;

30. Várias vezes os militares que procederam às capturas envergavam traje civil e faziam-se deslocar em viaturas particulares (algumas apreendidas a presos), o que dificultava a sua identificação;

31. Houve, por parte de elementos militares que procederam a capturas, a recusa na sua identificação;

32. Diversas prisões foram efectuadas com despropositado aparato bélico, com intencional publicidade e consentindo insultos, ameaças e enxovalhos aos presos;

33. Casos houve em que militares e civis invadiram casas, efectuaram buscas e prenderam pessoas que nelas residiam, com subtracção de valores ou objectos, algumas vezes de noite;

34. Houve prisões e interrogatórios de militares por outros militares de patente inferior, registou-se o caso de um oficial-general que foi preso por um aspirante e o de outro que foi transferido de prisão com uma escolta de cabo;

35. Em períodos de crise política foram presas pessoas, algumas por mais de uma vez, pelo facto de terem estado ligadas a organizações do antigo regime ou por serem considerados presumíveis opositores à nova ordem política instaurada no 25 de Abril;

36. Não foi dada qualquer satisfação moral aos detidos, alguns por engano ou denúncia caluniosa, quando libertados sem organização de processos nem inculpação, apesar da publicidade feita quando da sua captura;

37. Os períodos de duração preventiva variaram em função do mesmo arbítrio com que a prisão foi ordenada ou consentida, chegando a atingir mais de um ano;

38. Verificou-se uma detenção pelo período de 17 meses, determinada por meras «razões de Estado» sendo o preso libertado sem qualquer explicação pessoal ou pública;

39. Elementos da PIDE/DGS encontram-se presos há mais de 2 anos, sem julgamento até hoje;

40. Os períodos de incomunicabilidade e isolamento também dependeram do arbítrio das entidades militares, tendo alguns detidos sofrido períodos desse regime que chegaram a atingir 5 meses, com a consequente privação de exercício físico ao ar livre;

41. Durante o período de incomunicabilidade ou isolamento, os detidos foram, em regra, impedidos de contactar com advogado ou defensor;

42. A admissão dos detidos, especialmente no Forte Militar de Caxias e a revista a que foram submetidos a pretexto do regulamento prisional, foram feitas em termos vexatórios e humilhantes, sem o mínimo recato e com total desrespeito pelo natural pudor das pessoas;

43. Também em alguns estabelecimentos prisionais se desrespeitaram regras mínimas de hierarquia e ética militares;







44. Houve casos de graves deficiências de assistência médica, registando-se em dois deles a morte dos detidos e noutros o agravamento das doenças;

45. Houve deficiente assistência religiosa e, em alguns casos, os detidos foram impedidos de assistir a actos de culto da sua confissão;

46. No Forte Militar de Alcoentre verificou-se privação de correspondência, de artigos de higiene e de recepção de encomendas que chegou a atingir um período de 5 meses, tendo sido encontradas centenas de cartas não expedidas, com os selos postais retirados;

47. No mesmo estabelecimento prisional foi efectuada uma busca geral a todas as celas, durante a qual foram retirados vários objectos de uso pessoal, alguns de valor apreciável, que na sua maior parte não foram restituídos aos presos;

48. Verificou-se supressão arbitrária de visitas a presos, abrangendo os mais próximos familiares;

49. Constatou-se o caso de um preso de delito comum exercer vigilância sobre detidos por motivos políticos;

50. Alguns comandantes de estabelecimentos prisionais militares não deram despacho às petições dos presos e não visitaram, como lhes competia, os mesmos;

51. Outras entidades responsáveis, mesmo a alto nível, não deram despacho nem regular andamento às reclamações, exposições ou protestos que lhe foram dirigidos;

52. Essas mesmas entidades, conhecedoras dos critérios de detenção, de manutenção das prisões e da demora na resolução de tais eventos, também não tomaram medidas adequadas e oportunas para fazer terminar as situações de ilegalidade;

53. As instalações prisionais não eram adequadas ao regime de incomunicabilidade ou isolamento imposto ao detido; no Regimento de Polícia Militar chegaram a permanecer, em autêntica promiscuidade, sessenta detidos em espaço apenas suficiente para o máximo de oito;

54. Muitos detidos sofreram para além das consequências morais e de saúde, graves prejuízos materiais e profissionais, apesar de, na sua maioria, terem sido libertados sem qualquer incriminação;

55. O Regimento de Artilharia de Leiria interveio na pretensa resolução de um conflito laboral, tendo pressionado a assinatura de um documento no qual a entidade patronal se obrigava ao pagamento de alguns milhares de contos, a título de indemnização revolucionária;

56. A Comissão tem plena consciência de que apenas se queixou um reduzido número de pessoas, o que veio a limitar grandemente o âmbito das averiguações.

De harmonia com as conclusões alcançadas, a Comissão propõe:

1. A remessa de todos os processos e documentos compilados ao Serviço de Polícia Judiciária Militar afim de que:

a) Quanto à matéria crime, sejam investigados e/ou instruídos os processos respectivos, remetendo-se às autoridades comuns fotocópias da matéria que não estiver na alçada do foro militar;

b) Quanto à matéria disciplinar, sejam extraídas fotocópias e enviadas aos serviços competentes dos três ramos das Forças Armadas.

2. Que, oportunamente, seja dado conhecimento público dos resultados finais daqueles processos.






NOTA FINAL

Independentemente das medidas a adoptar com vista à punição dos responsáveis e à reforma da legislação ainda não efectuada, a Comissão pensa que o presente relatório ficará sempre como denúncia de práticas condenáveis, atropelos às leis, desvios a um Estado Democrático em que o respeito e a garantia dos direitos e liberdades fundamentais é pedra basilar. E será um aviso para o futuro, para que os responsáveis deste País não esqueçam providenciar no sentido de banir, de uma vez para sempre, a repetição de actos arbitrários que não passam, no fundo, de conduta totalitária, mesmo quando envolvida em roupagens diferentes. Assim se terá contribuído para consolidar as instituições portuguesas, a caminho de um verdadeiro Estado de Direito.


Henrique Alves Calado (Presidente) - Brigadeiro
José Júlio Galamba de Castro - Ten. Cor. Art.
Rogério Francisco Tavares Simões - Cap. Frag.
Manuel José Alvarenga de Sousa Santos - Ten. Cor. Pil. Av.
António Gomes Lourenço Martins - Juiz de Direito
Ângelo Vidal de Almeida Ribeiro - Advogado
José de Carvalho Rodrigues Pereira - Advogado
Francisco de Sousa Tavares - Advogado


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