sexta-feira, 29 de junho de 2012

Terrorismo em Angola (ii)

Escrito por Franco Nogueira




J. F. Kennedy e Nikita Kruschef (1961).



«Sim, começa por dizer o chefe do governo [entrevistado para a cadeia de jornais Hearst, dos Estados Unidos], são vários os Estados que se vangloriam de ajudar o terrorismo em Angola. A par destes, e por seu intermédio, actua o comunismo. "Aliás na entrevista de Viena, o Sr. Krushef disse claramente ao presidente Kennedy que o apoio às guerras subversivas era agora o método soviético, através do qual se pensava garantir o domínio mundial do comunismo". E conhece o governo português os chefes dos motins? Sabe de alguns [como Mário de Andrade, Viriato Cruz], indica Salazar, e sabe que frequentam Moscovo, Praga, Pequim, e os Estados Unidos. E especifica: "Por exemplo: sabemos de um que viajava com passaporte de um país norte-africano [Tunísia], com o nome de Joe Gilmore; às vezes dá pelo nome de Rui Ventura; e quando obtém visto para entrar nos Estados Unidos - presumivelmente sob aquele nome de Gilmore e com a nacionalidade que lhe confere o passaporte de que é portador - passa a chamar-se Holden Roberto e é apresentado em outros círculos como patriota angolano". E Nkrumah? Que pretende? Tomar Angola para si próprio? Não se está no segredo das intenções daquele estadista africano. Mas Nkrumah proclama o desejo de formar os Estados Unidos de África e, não obstante as objecções de muitos, julga-se no direito de falar em nome de toda a África: "temos aí todos os ingredientes de um novo imperialismo". 

(...) Há o perigo de um golpe comunista em Portugal? Segundo a imprensa do mundo, comenta Salazar, a conferência dos partidos comunistas há pouco efectuada em Moscovo conclui que no momento actual há perspectivas revolucionárias em Espanha, Portugal, Itália, devendo-se utilizar as plataformas anticolonialistas que são Marrocos e Angola. Como fortalecer a NATO? A crise desta, pensa Salazar, não é militar mas política, e apenas se resolve pela solidariedade, mas de nada valerá se se confinar a áreas precisas enquanto o ataque ao Ocidente e sua civilização é global e permanente. E Portugal está sempre disposto a cumprir os seus compromissos, ainda que a opinião pública tenha o direito de o estranhar quando outros membros da Aliança quebram essa solidariedade».

Franco Nogueira («Salazar», Vol. V).


«O 15 de Março (...) ultrapassou em ferocidade tudo quanto é lícito supor: homens, mulheres, crianças esquartejados, queimados e serrados vivos; filhos mortos perante os pais, mulheres mortas diante dos maridos... crianças mortas, espostejadas nos seus berços, etc, etc... Intuito de tamanha selvajaria, que acompanha a implantação do comunismo - o socialismo científico - em todo o mundo: afastar os portugueses europeus e mestiços, em especial, de Angola, pela violência, pelo medo. Na ONU sabia-se com antecedência do que iria acontecer e esperava-se uma vitória rápida e segura dos amotinados... Vê-se quem tinha a mão por baixo.

De outra parte, os terroristas foram armados, municiados, drogados e fanatizados com promessas de todo o género por estrangeiros, como sobejamente se sabe. O facto de a violência indescritível ter caído também sobre os trabalhadores bailundos é denunciador de desejo do bakongo - a tribo revoltada - vir a governar Angola... Não é nada de admirar: em África a solidariedade entre tribos não existe».

Pinheiro da Silva (pref. in «A Epopeia de Mucaba», NEOS).






«São infelizmente muitas - e criminosamente esquecidas - as histórias vividas em Toto, Negaje, Quitexe, Quibaxe, Cuimba, Mavoio, Camabatela, Nambuangongo, Nova Caipemba, Aldeia Viçosa, Vista Alegre, Bungo, Madimba e Zabala. Não se apagarão da memória de muitos - por mais que queiram certos beltranos - as faces crispadas daqueles que viram matar os filhos, que se esconderam no capim, que ouviram desesperados o choro convulsivo das crianças aterrorizadas. Não é possível esquecer os requintes de extrema maldade que levou a amputar os seios das mulheres, a suspendê-las pelas pernas e depois a atirá-las contra as paredes, até morrerem, com as cabeças esmagadas, a degolá-las ferozmente. Na memória de muitos ainda persiste o doloroso espectáculo da Fazenda de Ricardo Gaspar, a melhor do Congo, transformada num campo de mortos, de crianças degoladas, de mulheres mortas, despidas, com paus aguçados nos sexos».



«Cerca das dezassete horas uma avioneta, pilotada pelo engenheiro Pereira Caldas, sobrevoa a povoação e lança garrafa contendo mensagem que diz ter avistado grupos de terroristas armados, cerca de cinco quilómetros a caminho da povoação. Os defensores de Mucaba correm e encerram-se na Capela. Para melhor compreensão do que se passa no exterior, organizam uma patrulha, formada por duas viaturas, levando cada uma oito ocupantes. Numa vai um soldado e na outra um furriel e um soldado.

Sob o comando do furriel Demony Vieira, as viaturas marcham ao encontro do inimigo. Não tarda a dar-se o desastre. A viatura da frente cai numa cilada e sofre um violento ataque, do qual resulta a chacina de cinco ocupantes. A outra escapa por milagre. O condutor revestido de sangue frio, retira de marcha atrás e chega ileso à povoação com os sobreviventes. Agora os campos estão extremados. Nada mais há a fazer senão a defesa das suas vidas. O soldado que havia sido capturado pelos amotinados consegue fugir e apresenta-se na Capela. Entra por uma janela, em escada que lhe é lançada de dentro.

Metidos todos na Capela, estão agora de portas trancadas, posições tomadas e nervos tensos. Pelas dezassete horas e meia os sublevados iniciam o ataque, ao som de cânticos guerreiros e guinchos arrepiantes. Vozes de comando incitam: "Não tenham medo!... As balas dos brancos são como água!... Não matam!..." Trocam-se tiros entre atacantes e defensores. A luta ganha intensidade e entra pela noite dentro...».

Carlos Alves («A Epopeia de Mucaba»).


«A várias raças como até a culturas diversas deve Portugal a manutenção daquela unidade [individualismo de síntese superior e patriótica]. Mas na base está um povo para quem a terra muito significa, uma visão realista que não tolera o esbulho do que é património e custou sangue e trabalho. O último caso está na brava reacção dos colonos de Angola, avessos à intimidação pelas chacinas, mantendo-se agrupados no território, preferindo os cercos à fuga, numa atitude instintiva desprezadora de cálculos acerca do êxito dessas múltiplas resistências isoladas».

Francisco da Cunha Leão («Ensaio de Psicologia Portuguesa»).





Terrorismo em Angola






Encerram-se em Nova Iorque os debates, e de Angola chegam a Lisboa notícias trágicas. Justamente de 14 para 15 de Março de 1961, vagas de terroristas invadem o Norte de Angola. Aboletados e municiados na República do Congo, atravessam em toda a extensão a linha de fronteira e, providos de catanas e armas de fogo rudimentares, assaltam povoações e fazendas. São atacadas Sto. António do Zaire, S. Salvador do Congo, Maquela do Zombo, que se podem considerar quase raianas; mas são igualmente acometidas Ambrizete, Negaje, Mucaba, Sanza-Pombo; toda a baixa do Cassange está em alvoroço; e os terroristas estão às portas de Carmona. São claros para as autoridades os propósitos de implantar o terror. São óbvios os desígnios de se dirigirem a Luanda. Nos círculos do governo central, na alta administração, toma-se então consciência de que em Angola há uma situação de guerra, e de que no território se move guerra contra Portugal.

Em menos de quarenta e oito horas, pelos distritos do Zaire e do Uije é a devastação maldita. Plantações e casas solitárias são saqueadas e incendiadas; aldeias são arrasadas; é posto cerco a vilas e pequenas povoações, cortando-se-lhes os abastecimentos; vias e meios de comunicação ficam destruídos; e a cidade de Carmona apenas consegue resistir graças ao heroísmo dos seus habitantes, encorajados e orientados pela serenidade e espírito decidido do governador Rebocho Vaz. Mas a fúria do ataque visa sobretudo as populações. Não se faz distinção de etnias, nem de sexo, nem de idades tão-pouco. É o terror, maciço e cru. Além dos praticados na Baixa do Cassange, e contra as vilas fronteiriças, parecem ser particularmente violentos os massacres nas regiões de Nambuangongo, Quicabo e Quitexe. Como nos tempos remotos das grandes barbáries, são assassinados homens, mulheres, velhos e crianças, autoridades administrativas, agentes da ordem, brancos, negros e mestiços; ou fuzilados; ou queimados dentro de casas e cubatas; ou esquartejados, e degolados; ou cerrados vivos. São fazendeiros, comerciantes do mato, madeireiros, capatazes das plantações, habitantes de vilas e cidades, homens de profissões liberais, missionários, enfermeiros: no ímpeto do inferno, não se faz discriminação. Propagam-se as notícias, e os que ficam ainda aquém do terror que alastra procuram na fuga salvação. Amontoam-se em transportes que regurgitam muito para além das lotações, e aos milhares tentam dirigir-se a Luanda. Para trás, ficam haveres, que são o esforço de muitos anos; e comércios e indústrias, que representam gerações de tenacidade. E os itinerários não estão protegidos; há cortes de picadas; não se sabe que situação existe na próxima localidade; e nas pistas por que tomam ou nas povoações por que passam apenas encontram corpos chacinados, e ruína, e mais ruína. Grupos de fugitivos cruzam-se a esmo com outros grupos; trocam-se informações: e não pode ser mais ensanguentado o quadro que emerge. Carmona sobrevive, e Rebocho Vaz organiza um centro de resistência e acolhimento: a cidade torna-se um símbolo da resolução portuguesa de estar. Continua o pesadelo de dias excomungados mas, vencido o primeiro choque, os que sobrevivem, autoridades locais ou simples particulares, lançam mão de quanto podem, desde cajados a armas de caça, e congregam-se em bandos; e improvisam redutos que se defendem de dias a dias até serem socorridos, ou sucumbirem trucidados por vagas de terroristas que parecem drogados e se renovam sem cessar, não cuidando de quantos são abatidos. E surge Jorge Jardim, com um largo grupo, os «voluntários de Moçambique», que procuram assistir as autoridades e acorrer, por picadas e matos, aos locais de maior ameaça e que se portam com destemor que logo cria lenda. Simultaneamente, nos muceques (7) de Luanda o ambiente é de agitação, e de boca em boca passa o grito: matar branco, matar branco.



Quitexe












Entretanto, começam a afluir a Luanda os fugitivos: são chusmas em tropel, feridos, esfarrapados, cobertos de pó e terra encarnada, mutilados à beira da morte por míngua de cuidados, amargos com o ferrete da miséria, raivosos porque as suas vidas são de súbito uma ruína; e clamam por providências, exigem pelo menos o sangue das populações negras que ficam ao norte, e culpam de tudo as autoridades e o governo. Por governador-geral continua Álvaro da Silva Tavares, há pouco chegado: este não perde o sangue-frio, consegue suscitar à sua volta alguma acalmia. De acordo com as autoridades policiais e militares, são decididas as medidas possíveis. Em toda a província existem cerca de 2000 soldados brancos e cerca de 6000 soldados negros. É comandante militar de Angola o general Monteiro Libório. Em cooperação com os administradores, os chefes militares procuram usar aqueles escassos efectivos na abertura de itinerários, protecção de aldeias e vilas, guarda de instalações e de serviços públicos essenciais; e a Força Aérea, do comando do brigadeiro Fernando Resende, assegura comunicações e transporte de feridos graves. Mas é imensa a área, as forças não estão apetrechadas para uma actuação daquele tipo; e de momento, para mais, não sabem as autoridades se acaso não será desencadeado terrorismo em outros pontos do território, não podendo por isso deixar completamente desprotegidas outras cidades. Luanda tem, decerto, de ser protegida e defendida, seja por que preço for; mas Nova Lisboa ou Sá da Bandeira, Benguela ou Lobito, Luso ou Maçâmedes, não podem também ser abandonadas. Não se produzem alterações de ordem pública em outros pontos da província, todavia, nem se notam entre as populações indícios que inquietem as autoridades. A pouco e pouco, os meios existentes podem ser concentrados no Norte. E em Luanda, por entre dificuldades e cenas de emoção, organiza-se o acolhimento aos estropiados do Zaire e do Uije: e somam muitos milhares.

São velozes as notícias e é instantâneo o conhecimento que em toda a província há da tragédia do Norte. São divulgados os cálculos provisórios das autoridades: devem ter sido assassinados, entre elementos da população, cinco a seis mil pessoas, e abatidos dois a três mil terroristas. De lés a lés de Angola é profundo o traumatismo, e o desespero domina todos. É radical a perturbação numa vida colectiva, de brancos e de pretos, que decorria no trabalho, decerto, mas sem sobressalto de monta. E de repente está criado um clima de suspeita, de ódio entre raças: os brancos vêem em cada negro um possível terrorista, os negros vêem em cada branco um homem que se quer vingar e que agora mata sem hesitar. Deste modo, e além das atrocidades dos assaltantes, assumem gravidade o ataque preventivo e a retaliação indiscriminada de brancos sobre negros e destes sobre aqueles. Homem a homem, nas ruas, nos empregos, em toda a parte, espiam-se com rancor, e a um gesto equívoco é abatido o suposto adversário. Parece em escombros a secular igualdade racial que é timbre da política portuguesa, dir-se-ia destruído o tradicional convívio e cruzamento entre etnias. Depois, no ânimo da população de Angola, firma-se uma ideia: o governo de Lisboa abandona todos, e o território, a um destino trágico. Todos interrogam o futuro: consideram perdidos os seus bens, os seus capitais, os seus investimentos, os seus comércios e indústrias, as suas casas; consideram-se na pobreza; e além de verem interrompida a educação dos seus filhos, julgam que apenas lhes podem legar a miséria. Perante o quadro doloroso, para todos é cruel o dilema: partir ou ficar? Recomeçar a vida noutras bases e noutro local, ou ficar, resistir, lutar, agarrar-se à terra, defender bens até à morte? Para muitos e muitos, e de momento, a decisão é de ficar: nasceram ali, e pais, avós, gerações de antepassados nasceram ali: a terra é mais deles que de outros; onde não havia nada, há hoje tudo: e foram eles, e só eles, que tudo construíram com a sua iniciativa e o seu braço. E ir para onde? São já numerosos os que nunca sequer foram à Metrópole, ou que estão em Angola de meninos, ou que há largos anos não saem da província. Que fazer em Lisboa? Seria então preferível ir para a África do Sul ou para a Rodésia do Sul. Mas não: há que estar, correr todos os riscos, afrontar todos os perigos, ficar, vivos ou mortos. Mas a outros é o pânico que os possui. Esses decidem abandonar tudo, perder tudo o que não puder ser levado ou transferido, e tomar o caminho de Lisboa. E é o êxodo, aos milhares. Em aviões e barcos, disputam-se a poder de oiro os lugares (in ob. cit., pp. 215-219).






Tropas portuguesas desfilam em Luanda



(7) É conhecida por muceques uma série de aglomerados populacionais pobres que cercam Luanda em toda a sua periferia.

Continua


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