segunda-feira, 4 de junho de 2012

Homens e mulheres (ii)

Escrito por Álvaro Ribeiro




«Quando a mulher diz não, em sinal de recusa ao pedido ou ao desejo do homem, deve entender-se a negativa como expressão dilatória que significa um modo de submeter a provas o procedimento do requerente. A mulher diz não para observar e julgar o comportamento do pretendente, e só depois de ter procedido com a devida prudência, explicitará de modo menos insincero a sua meditada deliberação. Só o homem tímido, geralmente um voluntarioso sem experiência, encara como derrota o que é apenas desafio; mas ensinado ou educado saberá elevar-se até aquele plano superior em que situou, ou deseja situar, a mulher preferida. Todo este problema dialéctico é o da cortesia e das cortes de amor, onde a mulher atraiu a si o homem decaído.

(...)  Crer no brilho das aparências é próprio do esteticismo infantil, mas falar cronologicamente representa ainda imatura subjectividade que não imagina a explicação. Classificar pelo vestuário é mais ilusório do que julgar pela pessoa. Há quem se limite a olhar para o trajo, a observar saias e calças, a verificar de que lado estão as casas e de que lado estão os botões, já que nem pelo penteado nem pelo calçado é certo distinguir o homem da mulher. No rosto alheio desaparecem aqueles caracteres distintivos sobre os quais assentava a inspecção do fisiognomista, e a mesma indiferença sexual vai descendo até às mãos. Muitos se contentam com a observação dos mais aparentes caracteres anatómicos, que tanto basta para o comportamento civil, sem suspeitarem que para além da aparência cutânea, divisora dos corpos, o exame fisiológico divisará o que mais profundamente fixa a distinção entre o homem e a mulher. Raros suspeitam que no sistema nervoso há-se necessariamente reflectir-se a mesma distinção fisiológica, e por isso a muitos repugna, como se mistério fosse, admitir que para cada sexo existe uma psicologia diferenciada. No estudo da relação entre a alma, que é a forma do corpo, e o seu falar, evidenciam-se contudo as diferenças de atitude emocional. Onde, porém, cessa até para os mais instruídos a relação filosófica entre as essências e as aparências é na evasiva, mas subtil distinção entre a mentalidade masculina e a mentalidade feminina, caracterizando uma e outra pela singularidade dos processos intelectivos. Conforme for animada, assim a razão procederá na sua investigação de verdade; e se há duas espécies de almas no género humano, não há razão comum que possa ser identificada com a transcendente razão pura».

Álvaro Ribeiro («Estudos Gerais»).


«O que distingue, do ponto de vista católico, o pensamento de Álvaro Ribeiro do daqueles que o precederam é a valorização do sacramento do Matrimónio sobre o sacramento da Ordenação. A reflexão sobre as diferenças no corpo, na alma e no espírito entre o homem e a mulher está sempre presente em tudo quanto escreveu. Haverá uma linguística para o dizer masculino e outra para o dizer feminino, duas psicologias, dois ensinos... É evidente que o leitor comum (...) não pode deixar de considerar antipática esta doutrina. Álvaro Ribeiro aparece-lhe portador de um espírito retrógrado: esse leitor já não a diferença entre o macho e a fêmea; a distinção presente é entre homossexuais e heterossexuais; e, como qualquer dos dois sexos pode participar no homossexualismo ou no heterossexualismo, estes é que dividem, realmente, a humanidade em dois géneros...».

António Telmo («Filosofia e Kabbalah»).



Os escritores políticos que defendem a fórmula, aparentemente generosa, dos direitos iguais para ambos os sexos, necessariamente concluem que à mulher deve ser permitido o acesso a todas as escolas e a todas as profissões. De direito assim será, embora nunca o venha a ser de facto. Passado o momento da exaltação retórica, logo o homem reflectirá, e considerará misericordioso, se não justo, proibir que as mulheres exerçam determinadas profissões. Empregar as mulheres nos trabalhos de Marte ou de Vulcano seria atentar contra as leis da maternidade, e consequentemente, da humanidade. O princípio igualitário passa a ter excepções, as quais apelam por outras, num movimento que tende a restaurar as bases saudáveis da sociedade.

Jennifer Garner






Convém de novo proclamar a verdade de que o aspecto jurídico do casamento interessa muito mais ao sexo masculino do que ao sexo feminino, conforme se prova pelos conceitos fundamentais da legislação da família. O que se observa na abstracta ciência do direito está garantido pelos dados reais das ciências concretas. A fisiologia logo nos diz que o homem é fraco, e de uma fraqueza tal que não pode viver sem companhia feminina; o lar significa, para ele, o calor da alma da mulher, o «fuocolar» de extraordinárias virtudes e prodígios; não apraz ao homem dormir em hotéis, comer em restaurantes, perder-se no anonimato das multidões. É de observar, aliás, como os homens livres manifestam aversão pelo chamado internato, monstruosa empresa na qual a indústria hoteleira domina sobre a indústria escolar, para exploração económica das famílias ricas ou remediadas. A nosso ver, o exercício simultâneo das duas indústrias deveria ser vedado aos estabelecimentos de assistência e de educação; seria de bem público distinguir e separar tanto as duas competências como as duas funções.

Mais do que a mulher, repetimos, o homem anseia pela vida da família. O casamento é um factor de moralidade, mas por casamento entendemos mais a situação de felicidade conjugal do que o acto jurídico. Longe da protecção feminina, longe da família, o homem transforma-se de desequilibrado em degenerado, e de degenerado em deliquente. Está estatisticamente verificado que o maior número de suicídios, de homicídios e de crimes é praticado por homens que vivem fora do perfeito, autêntico e carinhoso ambiente da família (6).

É indispensável abrir os olhos para a verdade, e reconhecer a inferioridade biológica do sexo masculino. O homem saudável é dotado de maior força muscular, mensurável pelo dinamómetro, e portanto apto para os trabalhos violentos da indústria ou da guerra; poderá até, em casos raros, adquirir pela prática desportiva a imponente compleição atlética. Em tudo o mais se verifica, porém, que o homem é fisiologicamente menos resistente que a mulher. Não como comparar os dados estatísticos, dos nascimentos, da longevidade, das doenças e da mortalidade para verificar quanto o sexo feminino resiste, por defesas próprias, a vicissitudes que o homem não pode suportar (7).




A fisiologia tem as suas consequências na patologia. Erradamente se ensina, em psicologia e em ética, que existe uma relação de polaridade entre o prazer e a dor. Não é assim. Quem tiver lido Matéria e Memória saberá dizer que os dois pólos são a estesia e a anestesia. A alma humana, corruptível depois do pecado original, sofre, suporta ou padece a condição carnal. Toda a fisiologia, devidamente simplificada, nos mostra os alternados fenómenos de alimentação e de excreção num ser de natureza que não pode viver só de graça. A dor corresponde a uma dificuldade de expulsão, de excreção e de secreção. Quanto mais intensa, tanto mais susceptível de localização num orgão, ou numa célula. Toda a vida humana é excitada pela dor, com a consciência do respectivo orgão, para que atinja a anestesia que é a inconsciência da vida fisiológica. O médico, ao observar o queixoso, não lhe pergunta se tem prazer ou dor, limita-se a perguntar se o orgão dói ou não dói. A medicina procederá imediatamente a uma forma de anestesia, antes do processo da cura. Muito sensível à dor, o homem, queremos dizer o adulto, pode resistir-lhe pela vontade heróica, pela energia moral, pela representação intelectual, o que significa não ser tão favorecido como a mulher pelo poder regenerador da natureza. Não podemos aludir mais claramente ao mistério, ou sacramento, do matrimónio.

Ao aproximar-se dos vinte e um anos, o mancebo já não suporta o estado de solteiro, procura a companhia da mulher, e consequentemente dispõe-se a casar. Se for saudável, experiente e afectuoso, julgar-se-á suficientemente sábio de amor para cortejar, namorar ou seduzir a mulher. Deitará as suas vistas para aquela que lhe parecer mais formosa, porque crê que a beleza promete felicidade, conforme o dito de Stendhal; mas, por falta de educação estética, confundirá a formosura da adolescente com o esplendor do viço juvenil, mais efémero do que a bondade e a inteligência (8). Estando em condições de fazer a proposta de casamento, de fácil expressão oral, atribui essa facilidade aos seus próprios méritos de sedutor, sem ver que a mulher, ao dar o seu consentimento, não faz mais do que escolher o pai dos seus futuros filhos.

Doutrina certa é a de que a mulher olha sempre para cima, e honra assim aquele que adopta por marido. Já em rapariga preferirá conversar e conviver com rapazes mais idosos do que ela, repelindo com desdém e com ironia os seus coetâneos ou os mais novos pretendentes. Ela procurará realizar o casamento com homem de categoria social superior à sua própria família, preferirá o homem mais rico, mais educado, mais forte, enfim, aquele que melhor realize o seu ideal de superioridade. Se a iniciativa da proposta de casamento compete ao homem, também é verdade que à mulher cabe o direito de aceitá-la ou recusá-la, pelo que a consciência moral protesta contra todas as formas de violação de tal direito, defendido hoje pelas instituições políticas e religiosas. Triste figura apresenta o homem que, na ignorância da psicologia feminina, se jacta de predicados que ostenta em vão.


Vénus


A mulher, repetimos, tem apenas a preocupação inconsciente ou consciente da maternidade, e para esse fim considera como meio o casamento. Por outras palavras: a mulher sente que o fim natural do casamento é a procriação dos filhos, e admite perfeitamente que, depois de os haver educado, o casamento se transforme ou dissolva. A mulher está longe de entender que o matrimónio tenha um fim sobrenatural. Nem sequer a dama religiosa, habituada à prece suplicante da graça e do milagre, se encontra suficientemente instruída para imaginar o que seja o fim sobrenatural do sacramento (9).

Eis porque nos parece falsa, mas própria para as ficções literárias, a doutrina segundo a qual a mulher tem por destino o amor. O que é triste é que o homem assimile essa doutrina, deixando-se iludir pela interpretação errada de um fenómeno verdadeiro. Este modelo literário, teatral e cinematográfico da mulher que se dedica principalmente a amar um só homem, quer por fatalidade de temperamento, quer por inclinação do coração, quer por razão de segurança pessoal, parece-nos a excepção aberrante que se desvia para os caminhos do adultério. A mulher fixa-se a proteger e a educar os filhos. A literatura chamada realista, seguindo a literatura chamada romântica, mostra-se inferior neste ponto à literatura clássica, porque ignorante das leis naturais e sobrenaturais (10).

Esta influência da literatura teve a sua confirmação anti-filosófica no chamado positivismo. Este, negando a introspecção e excluindo a psicologia, considera no amor um residuo ridículo do romantismo, combatido pelas novas expressões da literatura de intenção socialista. A acção do positivismo chegou ao ponto de suprimir a palavra amor do sistema pedagógico, da legislação política a até do ritual religioso.

O movimento contrário pressupõe a atenção à verdade de que em doutrina positivista, materialista ou naturalista não há lugar para a justificação da monogamia. A literatura clássica dá-nos exemplos das relações de afecto do homem para com a mulher que não correspondem ao nosso conceito de amor. Só uma civilização que reconheça a imortalidade, e portanto a espiritualidade da alma feminina, poderá difundir um conceito de amor em que a natureza se complete com a graça, ou com a arte. Assim se explica que, com conhecimento de causa, só os homens hajam escrito sobre o amor, e entre os homens os filósofos (11).

Entre o Génesis, com seu relato do amor de Adão por Eva, até ao mito de Amor e Psique, transcrito na mais bela obra de Apuleio, oscilam as interpretações dos poetas de génio, como Dante, Milton ou Pascoaes, sem que fique alterada a verdade de que o amor é de essência sobrenatural.






Amar é próprio do homem, quando iluminado pelo espírito, como prova o seu ardente culto pelo eterno feminino (12). Se assim é, cumpre-nos explicar a contradição: a verdade de que na sociedade nossa contemporânea tende a ser eliminado o amor, não só pelo ridículo que sobre ele projecta o homem indigente, mas também pela tendência que o sexo feminino manifesta para imitar o sexo masculino. Oculta-se, a nossos olhos, a causa na falta de cultura, na ausência de cultura, ou na incultura que o positivismo incutiu na nossa sociedade, quando preconizou um ensino só constituído por ciências e técnicas.

Acontece, assim, que a maioria dos homens julga ser o amor um fenómeno natural e um acto espontâneo. Desde que seja saudável, experiente e afectuoso, convencer-se-á o homem medíocre de estar em suficientes condições de ensinar à mulher o que é o amor por que ela espera. Visto, porém, que no domínio do natural e do espontâneo já a rapariga sabia muito mais do que o rapaz, visto também que a mulher sabe muito mais do que o homem, a chamada iniciação amorosa, fora do casamento ou dentro do casamento, revela-se muitas vezes uma frustração seguida de uma decepção. Os positivistas não sabem, não podem saber, o que é o amor. Seja, portanto, reconhecido ao existencialismo o mérito de procurar resolver o problema filosófico, interrogando a literatura acerca da essência do amor (13).

Compete ao homem esclarecer a alma pelo espírito. A mulher, confiando no homem, diz-lhe os seus sonhos, os seus devaneios e as suas fantasias. Fala incessantemente, mas espera que o homem esteja atento e pronto para lhe responder. Ela tem ansiedade de se libertar da terra, mas o seu pensamento não vai além das nuvens evasivas. Custa-lhe atingir a altura dos sentimentos claros e das representações distintas, e apela para a generosidade intelectual do homem. Se ele não souber aproveitar esses momentos de rapto e de assunção, com jupiterna magia de fogo, não será merecedor da dádiva da mulher, porque não completa a obra de amor com a palavra de luz.

Desistindo de ensinar a arte de amar, decai o homem aos olhos da sua companheira que lhe foi dada por Deus. Está neste erro a fraqueza, a demissão, a humilhação do sexo masculino, com todas as consequências morais, ou imorais, de dissolução das sociedades civilizadas. O homem europeu parece já não saber vencer a crise da adolescência: sofre a fixação das categorias mentais pueris e continua a pensar como um andrógino quando segue os estudos comuns a rapazes e raparigas. Tal acontece em consequência de adaptar o meio escolar ao fim profissional, que ignora sexo e carácter, para ver apenas a progressiva maquinização.






Todos verificamos o que está acontecendo, na dificuldade que o homem encontra para seduzir, conquistar e dominar a mulher depois do casamento. Esta arte é mais difícil do que aquela que costuma ser ensinada aos adolescentes, os quais acreditam que por meio da lisonja, da fraude ou da violência conquistam a mulher solteira. Mas é também da arte que depende a felicidade masculina e, consequentemente, a estabilidade moral da sociedade e a conservação das respectivas instituições. O homem que não atinge a felicidade conjugal tirará vingança a exercer o seu instinto agressivo contra os contemporâneos, usando quer de expressões sublimadas que tantas vezes surgem no jornalismo, na política e na guerra, quer de expressões irracionais que tocam as raias do crime.

É indispensável, antes de mais, que o homem conheça a lógica feminina. A bem dizer, não há lógica feminina, porque a mulher não se interessa pelos processos racionais de indagação da verdade. A verdade é pela mulher recebida da palavra do pai, do professor ou do sacerdote. Diremos, portanto, que compete ao homem conhecer a retórica feminina, porque a mulher é exímia na arte de persuadir, convencer e vencer pela palavra, acompanhada do elemento patético ou patológico, quer dizer, da expressão das emoções, dos sentimentos e das paixões.

Nunca devemos esquecer a lição dos fisiologistas que nos dizem que na mulher o campo visual periférico é muito mais amplo do que no homem, graças à mobilidade dos músculos dos olhos que lhe permite uma visão lateral. Além disso, na mulher a fisiognomia é quase que um dado instintivo. É capaz de ver, de descrever e de dizer os sintomas da emoção, do sentimento e da paixão do homem, além dos sintomas da doença e da dor. Usando da sua inteligência, ela descobrirá a causa oculta desse estado afectivo, por uma simpatia de essência divinatória. Simplesmente, incorre muitas vezes no erro de querer obrigar o homem a confessar o que ela sabe ou pressente, usando de perguntas irritantes que abrem caminho paras as dissensões e as zangas. É que o estado de quezília revoga, dissolve ou anula as camadas mais superficiais de uma educação errada, feita à custa de hábitos, exercícios e repetições de retórica. A civilidade estremece e desaparece, para dar vez ao instinto agressivo.

A retórica do instinto agressivo presta-se a uma análise estilística que abre intervalos de luz na psicologia profunda, tanto do homem como da mulher. Veremos que ela vai a pouco e pouco perdendo o seu modo feroz que tem por limite grosseiro o homicídio, que incide no corpo. Deixa de ser a palavra que mata, fere ou humilha para ser a palavra que tortura a alma e o espírito, por modos subtis. Mas ainda aqui são diferentes o comportamento do homem e o da mulher.

A mulher realiza pela zanga uma experimentação caracterológica, porque é nesse momento de contrariedade que o ente humano mais claramente revela o seu próprio ser, normalmente encoberto pelos efeitos da educação e pelas conveniências sociais. Quando está em oposição ao homem, a mulher não desenvolve um encadeamento de raciocínios explicativos e justificativos, mas procede directamente, a golpes imediatos. Ela actua com os seus extraordinários dons de atriz, porque sabe o efeito das suas palavras sobre a mentalidade rígida do homem que a escuta. Este recurso ao espectacular é uma caraacterística do procedimento feminino que se manifesta nos fenómenos patológicos e até inconscientes do que tem sido estudado sob o nome de histerismo (in ob. cit., pp. 125-133).


Notas:

(6) Émile Durkheim, Le Suicide - Étude sociologique, Paris, 1893.

(7) Ashley Montagu, The Natural Superiority of Women, London, 1954.

(8) Stendhal, De L'Amour, Paris, 1822.




(9) Vladimiro Soloviev, A Verdade do Amor, Tradução de Álvaro Ribeiro, Lisboa, 1958.

(10) Honoré de Balzac, Physiologie du Mariage, 1824-1830.

(11) Henri Bergson, Les Deux Sources de la Morale et de la Religion, Paris, 1932, p. 38.

(12) Denis de Rougement, L'Amour et l'Occident, Paris, 1939.

(13) Jean Guitton, Ensaio sobre o Amor Humano, Tradução de Costa Maia, Braga, 1957.

Continua


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