Não pode ser uniforme o ensino primário para crianças, adolescentes e adultos. O ensino uniforme seria talvez menos dispendioso para os serviços públicos do que o ensino poliforme; não seria, afinal, menos económico. De aqui se infere que seria perder tempo o ensinar a leitura mediante livros redigidos para crianças a homens que se exprimem já com vocabulário muito variado e que manifestam curiosidades muitos superiores às da puerícia na ordem da cultura. A gradação do léxico, da sintaxe, das formas estilísticas e, consequentemente, dos modos de expressão do raciocínio é um delicado problema que se apresenta a quem elabore livros escolares que verdadeiramente auxiliem e facilitem a nobre missão do professor. Como é sabido, em toda a didáctica há três momentos: o jogo, a arte e o trabalho. Para a criança o principal é o jogo, para o adolescente o principal é a arte, para o adulto o principal é o trabalho. Importa que não confunda os termos desta gradação o escritor especializado em literatura didáctica.
Se considerarmos as diferenças que existem entre a adolescência e a adulta idade, muito mais nos convenceremos de que seria um erro ministrar o mesmo tipo de ensino a adolescentes e adultos. A adolescência tem os seus problemas que inevitavelmente condicionam o aprendizato das ciências e das artes. A adolescência é uma idade de crise, de amargura e até de sofrimento, para o homem que ainda não está perfeitamente enquadrado numa profissão e que ainda não constituiu família. Não pode o adolescente ver o mundo com a já tranquila sabedoria do mancebo que prestou provas de serviço militar, entrou numa carreira profissional e encontra no lar a felicidade da vida conjugal. O adolescente e o adulto não são dotados do mesmo tipo de curiosidade, nem da mesma inteligência, nem da mesma imaginação. O professor sabe que para assegurar o êxito do seu ensino tem de falar de maneira diversa a um e a outro; convém que o professor não encontre grande dificuldade em adaptar aos vários tipos de alunos os livros que lhe forem aconselhados pelos serviços públicos.
Entende-se muito bem que os livros de leitura para as crianças sejam principalmente livros de ciências da Natureza, porque a inteligência dos fenómenos naturais e a imaginação das maravilhas, dos prodígios e dos milagres é indispensável a quem se encontra de há poucos anos num mundo que lhe parece estranho. Ao adolescente, porém, o problema que inquieta é o da sua própria existência, o do seu próprio ser. Se não lhe for ministrado um ensino humanista, - o ensino das ciências do Homem, - da inquietação resultará uma crise ética e religiosa. A antropologia é a ciência a partir da qual se desenvolve a série dos assuntos mais interessantes para a educação artística dos adolescentes e científica dos adultos.
Dizemos antropologia, e não psicologia, para nos conformarmos com uma correcta nomenclatura filosófica. A psicologia estuda os espíritos puros e as relações que eles exercem entre si, visto que as ciências psíquicas se completam pelas ciências metafísicas, se não pelo espiritismo. A antropologia é o estudo concreto do composto humano, ciência que enuncia o problema que mais interessa ao adolescente: determinar a razão de existência do corpo do homem. A verdadeira actividade desportiva responde, praticamente, a esse problema, sem esgotar a solução que só poderá ser dada perante a morte.
A intuição feminina é, neste ponto como em outros, muito mais precoce do que a inteligência masculina. Antes da adolescêcia, já a rapariga se exercita para a maternidade quando em seus brinquedos se aplica a lavar, a vestir e a alimentar a boneca. Se uma pedagogia errada não a distraísse do pressentimento do seu destino, atraindo-a para estudos violentos, a mulher nunca desistiria de corresponder à sua vocação natural e sobrenatural de educadora de infância.
Vemos, assim, o papel que o ensino da anatomia, da fisiologia, da ginástica e da higiene desempenha num sistema de educação que pretenda satisfazer a curiosidade dos adolescentes. Tais assuntos devem aparecer nos livros didácticos para estimularem e facilitarem a leitura de opúsculos de divulgação, mas convém não deixar de advertir o educando de que o corpo humano possui uma dignidade ética e religiosa que cada qual respeita em si e nos outros, para garantia da liberdade e da vida moral.
A partir da antropologia, repetimos, se desenvolve a série dos assuntos mais importantes para a educação de adolescentes e adultos. O mancebo que conhece o valor dos seu corpo, que não majora nem minora esse valor, toma assim consciência de que não é só um ser natural mas também um ser cultural; interpreta a finalidade do casamento e a vida de família com mais perfeita inteligência, imaginação e emoção; vê na palavra, e na arte literária, um meio de que foi dotado para realizar uma função superior à dos animais tanto na sociedade nacional como na comunidade religiosa.
O adolescente que não tiver de algum modo estudado as ciências do Homem, e as artes que a essas ciências correspondem, nunca se sentirá perfeitamente educado para entrar na idade adulta. Fácil será inferir as consequências morais deste erro de pedagogia, porque a observação nos faculta diariamente exemplos, que parecem inexplicáveis, de inadaptação humana ao ambiente familiar, profissional e social. A antropologia filosófica é a ciência em relação à qual se ordena todo o sistema de educação, e até de reeducação, dos adolescentes (in A Campanha, 15 de Dez. de 1953, pp. 9-10).
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