quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O Perpétuo Socorro na filosofia da nossa vida

Escrito por Álvaro Ribeiro 





Imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima que chorou milagrosamente na cidade de Nova Orleães, Estados Unidos (1972).




«Se bem que o desenvolvimento da filosofia leonardina, em virtude do seu carácter criacionista, se realize em espiral que se torna de mais em mais coincidente com a fé eclesial, é sabido que a doença do filho Leonardo Augusto constituiu para o filósofo uma provação, decerto necessária, para que, não apenas pela assunção dialéctica, mas também pela dor vital, pudesse elevar o acto à perfeição. A doença do filho não explica por si só o que se designa por "conversão" de Leonardo, uma vez que lhe não foi necessário abrogar a obra escrita, mas determinou a melhor inteligência da necessidade da graça segundo a experiência do sofrimento. Pai e Filho liam, ora um, ora outro, o Evangelho de S. João. E declaravam promessas de amor paternal e filial, de modo que Leonardo, esse mesmo que um dia achara supérfluo peregrinar a Lourdes, prometeu peregrinar à Terra Santa, se o filho se curasse. Infelizmente faleceu antes de cumprir a promessa, a qual foi cumprida, anos mais tarde, por seu filho, que a testemunhou por escrito. Em 1935, através de um amigo do povo (um anjo, porque bom mensageiro, cujo nome nunca é demais registar: António Marques Gomes) relacionou-se com o santo Padre Cruz, o qual presidiria à cerimónia do casamento canónico do filósofo, na Capela dos Pestanas, na Rua Gonçalo Cristovão, no Porto, na manhã de 23 de Dezembro de 1935. Nesta casa se hospedava o Padre Cruz nas suas viagens ao Porto (a sua primeira imagem foi exposta na capela da casa) e por lá passou a Irmã Lúcia, quando saiu de Fátima rumo ao Vilar. Leonardo confessara-se e comungara, com sua mulher, enquanto o filho, acompanhado pela fiel criada Adelina da Costa, estava retido no leito.

No dia seguinte, 24 de Dezembro, no lar da Rua Antero de Quental, n.º 572, da cidade do Porto - o lar do casal Leonardo Coimbra! - procedeu-se à administração do sacramento do baptismo ao filho de Leonardo, nessa altura com a idade de 21 anos (nascera em 1914), com motivo de urgência, uma vez que se esperava a sua morte. O sacramento foi administrado pelo pároco de Paranhos e grande figura do clero portuense, Manuel Pereira, na presença da família e também do grande padre portuense, Adriano Moreira Pinto. E os padrinhos, o padrinho, e a madrinha. De padrinho serviu o Padre Cruz. E, de madrinha, apenas Nossa Senhora, invocada sob a celeste menção de Nossa Senhora do Rosário de Fátima. E, deste modo, Leonardo Coimbra se tornou compadre de Nossa Senhora, desta mesma, daqui, da Senhora deste lugar. Poucos dias depois, enquanto o filho reassumia uma viagem para a saúde física e espiritual, o pai, maduro para o céu, encontrava a morte num brutal acidente de estrada. E, segundo os testemunhos vivos, as suas últimas palavras foram de louvor e de súplica: "Ofereço as minhas dores a Nossa Senhora, pelas melhoras do meu filho"».

Pinharanda Gomes («Cidade Nova»).


«Certo é que o Povo Português durante vários séculos prestou culto superior à Maternidade, à Divina Maternidade, à Mãe de Deus, representando sempre, na grandiosa simbólica, da sua profunda religiosidade, a Virgem Maria na companhia de Jesus. A partir do século XIX, a iconografia oriental e mediterrânea, tão rica de colorido ardente e de figuração concreta, estiliza-se e clarifica-se para a cisão representativa das influências nórdicas, provenientes de Além-Pirenéus. Depois sucede a consequente disjunção da Sagrada Família, passando de teológicos a sociológicos os tradicionais atributos de S. José, na mentalidade impiedosa de quantos operários qualificados e não qualificados se revoltam pela engenharia contra as leis da arquitectura.

Reprodução a óleo em tela da Sagrada Família com o pequeno São João, de Michelangelo.



Referida a toda a humanidade, merecendo por isso o atributo de católica, a religião assume dignidade superior à da política, mas tal verdade não anula a certeza histórica de que cada povo se esforça por elaborar em acumulados pormenores uma interpretação nacional da doutrina ecuménica, para assim reivindicar uma superioridade cultural que legitime a missionação junto de outras gentes. Tal emulação nacionalista tem sido narrada na história política da Europa, e ao estudante será fácil discernir qual a nação que em determinado século conseguiu propor, impor e defender a sua hegemonia espiritual. Ignorando a História de Portugal, - não as figuras, os factos e as datas, como dizem os positivistas que só relacionam efemérides, mas as forças ocultas da nossa autonomia cultural e as causas patentes da nossa independência política, - muitos escritores viram-se perplexos para explicar os factos incontestáveis dos descobrimentos marítimos e da colonização portuguesa. Admitiram uma acção mundial sem preparação prévia de um pensamento nacional, até ao momento de deixarem inserir no quadro de um determinismo histórico, ou de um materialismo histórico, o que resultava da interpretação portuguesa do aristotelismo medieval».

Álvaro Ribeiro («Liceu Aristotélico»).


«Só com Sócrates o homem reflecte sobre a sua própria actividade de pensar, estudando sobretudo ainda a forma de universalismo implicada nas categorias morais.

O consórcio do socratismo com o pitagorismo encontra um génio em que se realiza maravilhosamente, que é Platão.

Com ele a acentuação afectiva muda claramente da imagem para a ideia, embora, e pelos motivos seguintes, a ideia seja ainda uma como imagem aristocratizada».

Leonardo Coimbra («A Rússia de Hoje e o Homem de Sempre»).





O Perpétuo Socorro na filosofia da nossa vida






Há muita gente que condena o culto das imagens. As pessoas que não compreendem esta forma de devoção argumentam com a suposta lei de que existem três graus, três planos, em todas as religiões: o feiticismo, o politeísmo e o monoteísmo. Assim, na Religião católica o culto pela imagem corresponderia ao feiticismo, o culto pelos santos ao políteísmo, e até o mistério da Santíssima Trindade nos deixaria em dúvida quanto ao carácter monoteísta do Cristianismo. Não é difícil rebater tal argumentação mediante a precisão doutrinal dos conceitos de teologia. Interessa, porém, verificar que às pessoas zeladoras do puro espiritualismo, incompatível com a condição humana, acontece o que a razão prevê sem grande dificuldade: concluem na prática pela abstenção de qualquer acto de culto.

Esta tendência mental para a eliminação das imagens, para a iconoclastia, (palavra que significa quebra de imagens, ou de ícones), afecta de tal modo a sociedade contemporânea que induz até as almas piedosas no erro de exigirem a simplicidade arquitectural e ornamento dos templos, como representação da simplicidade evangélica. O ideal seria, nesse caso, que a igreja se assemelhasse a um amplo e frio salão de conferências. A arquitectura funcional de ornamentação abstracta faria decair a liturgia até ao baixo nível de um cerimonial profano.

Há, infelizmente, quem não compreenda que a beleza das imagens é um factor simpatizante e atraente do culto religioso, mas o lamentável facto nos aponta quão grande é a ignorância da História da Arte. Onde e quando não existem imagens religiosas, as artes plásticas degeneram pelo realismo, tornam-se imitativas, excluem a imaginação.

O puro espiritualismo dos iconoclastas é incomparável com a condição humana. Vivemos a imaginar e sem imagens não pensamos, quer durante o sono, quer durante a vigília. Tal é a lição que Aristóteles nos deixou no livro de Psicologia, lição que facilmente entende quem a relacione com as verdades da revelação divina.

Arguem contra a tese aristotélica alguns autores que distinguem entre imaginação e inteligência, para afirmarem que o homem pode inteligir o que não é capaz de imaginar. Costuma dizer-se, a exemplo de Descartes, que não somos capazes de imaginar um polígono de mil lados, um quiliágono, mas entendemos perfeitamente que ele exista em geometria pela mesma razão que existe um triângulo. Este paralogismo matemático parece provar que a imaginação é limitada e que ilimitada é a inteligência mas apenas estabelece o contraste entre uma lei operativa, caminho indefinidamente aberto à vontade humana, e as condições reais do verdadeiro pensamento. Quanto a nós, a impossibilidade de imaginar um quiliágono é prova de que tal não existe, como não existem objectivamente as entidades matemáticas, o que não quer dizer que lhes neguemos a função que exercem transitoriamente na construção da ciência. Também neste particular seguimos a lição de Aristóteles.






Vivemos a imaginar, e pela imaginação subimos do visível ao invisível ou descemos do invisível ao visível, graças ao incessante relacionar da arte humana com a revelação divina, segundo a verdade prefigurada na escada de Jacob. A teoria da arte concorda com a verdade da religião. Homens, não somos puros espíritos, acompanha-nos a configuração corporal, vivemos entre imagens.

Contemplar uma imagem religiosa é o melhor exercício invisível. Os olhos admiram, prestam atenção aos pormenores diversos que a beleza harmoniza e unifica, para que a visão se transforme a pouco e pouco em intuição. As legendas, as lendas, as palavras, por muito que auxiliem a contemplar a verdade, não valem tanto como o movimento da alma, ou amor, indispensável ao progresso para a união.

A predilecção de muitos devotos pela imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro explica-se não só pela beleza artística do modelo, mais ou menos fielmente reproduzido que oferece à meditação das almas que querem crer e que querem inteligir, dos crentes e dos inteligentes, para assim dizer em termos que recordam a filosofia escolástica de Santo Anselmo. Outras imagens de Maria Santíssima são dignas de veneração nos altares e nos lares, mas não há dúvida de que para as almas de certa família espiritual, entre várias famílias espirituais, a predilecção pelo ícone oriental e seu lampadário possui um significado muito importante que tanto mais se revela e difunde quanto mais a devoção se generaliza. É qualquer coisa de análogo àquele movimento que condiciona e prepara um novo artigo de fé, proclamação de uma verdade universal em termos canónicos de novo dogma. Longe de se comparar a uma divisão entre os crentes, e divisão é o que etimologicamente lembra a palavra seita, manifesta num complexo doutrinal, um enriquecimento, uma multiplicação.






Há uma razão estética, segundo a qual cada imagem de Maria Santíssima nos impressiona tanto mais quanto mais ela nos parece representar, simbolizar, toda a vida da igreja, quer dizer, a manifestação terrestre da sabedoria divina. Se o problema apostólico do nosso tempo é o de tornar a religião amável pela superioridade ética, pela verdade evidente, será difícil encontrar na iconografia cristã alguma imagem de mais sugestivos efeitos sobre o coração dos Portugueses.

Cada devoto terá a sua palavra a dizer neste processo justificativo da sua predilecção pela imagem bizantina, e é possível que na acumulação de razões plausíveis se constitua um capital doutrinário que represente efectivamente, (quer dizer, sem transferência alegórica) a dilatação da fé, a noção que convém não confundir com o aumento social do número dos fiéis.

Não podemos, nem devemos, circunscrever a fé, e muito menos limitá-la por um poliedro como se ela fosse uma palavra. Nem todos os escritores escolásticos assim pensam, porém. Alguns tendem a chamar fideísmo à dilatação da fé, que querem fixa e imóvel até à consumação dos séculos, e preocupando-se apenas com a apologética científica e técnica, inclinando os espíritos para as doutrinas de violências que azedam e amarguram a vida civil. Ora nem todos os homens de boa vontade, que são homens de paz, podem imaginar a coexistência sem o ingrediente dinâmico e aumentativo do ser, que é o amor (1).

Socorro perpétuo. Estas duas palavras incitam e excitam a nossa imaginação; incitam e excitam porque parecem incompatíveis na mesma fórmula, já que todo o socorro se nos afigura transitivo e transitório, já que a perpetuidade tende a ser confundida com a eternidade. A expressão não deixa de ter analogia com o motor imóvel de Aristóteles, pelo que é lícito interrogar-nos sobre a cultura filosófica do artista plástico, autor ou mediador da imagem. As diferentes tradições deixam campo aberto à variedade das conjecturas.



Leonardo Coimbra



Na relação da metafísica para a física, já Leonardo Coimbra usava muitas vezes a palavra socorro nos tropos da sua admirável eloquência. «O mecanismo é, pois, o socorro de Deus levado ao Nada», escreveu o ilustre professor a páginas 268 do livro O Pensamento Filosófico de Antero de Quental; e em um artigo de A Águia, (Janeiro de 1923) afirmou também: «A mecânica é o socorro de Deus mandado ao Nada». Leonardo Coimbra professava então a epistemologia francesa, predominantemente cartesiana, na qual os números aritméticos e as figuras geométricas adquirem um primado ideal que não corresponde à realidade. Todos sabemos, e os artistas plásticos mais do que ninguém, que no mundo das imagens que nos é dado pela Natureza não existem aquelas linhas perfeitas nem os números que as medem: todos sabemos igualmente que as entidades matemáticas nos auxiliam a construir perfeitamente os objectos da civilização que o homem foi a pouco e pouco fabricando, depois de expulso do Paraíso Terrestre. A filosofia cartesiana não explica nem resolve o problema do erro e o problema do mal, conforme demonstrou Sampaio Bruno no livro intitulado A Ideia de Deus; não explica nem resolve por metodologicamente se afastar da revelação e dos mistérios da fé. Mais tarde, quando pensava já em regressar à prática dos sacramentos da Igreja Católica, Leonardo Coimbra viu e ensinou os seus discípulos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto que o cartesianismo está na origem dos impedimentos à compreensão da vida religiosa, e que conviria, portanto, actualizar a cosmologia de Aristóteles.

Socorro perpétuo. Estas duas palavras colidem como as da expressão pecado original. No entanto, a verdade que em teologia católica se exprime pelo pecado original surge inevitavelmente quando se aprofundam as outras doutrinas filosóficas e religiosas. Os pensadores sinceros confessam, por fim, que algo de inexplicável existe na persistência do erro e do mal através de todas as vicissitudes históricas. Nem as utopias coerentes e consequentes eliminam a verdade de que para realizá-las são indispensáveis esforços sobre-humanos, quer dizer, que o homem não se pode salvar a si próprio. Tanto a história como a política nos obrigam a reconhecer que, em adequada ou inadequada linguagem, o homem clama por Deus.

É, certamente, de muito difícil interpretação a doutrina cristã do pecado original. Tão difícil é que para a maioria dos crentes ela oferece apenas um conteúdo ético e jurídico, como se o pecado original tivesse semelhança com um delito a expiar por motivos morais. A palavra pecado assume aqui um significado mortal, mas a nossa imaginação tem de ir para além da morte de que estavam isentos os primeiros pecadores. Sem elemento transcendente, a doutrina do pecado original parece a crentes e descrentes uma historieta edificante, uma lenda ou um mito no significado pejorativo destas palavras. Ora, a verdade é que a doutrina do pecado original não se resume num convite ao baptismo e à penitência. A apologética tem de incitar e excitar a imaginação dos fiéis, porque estes, enquanto não reconhecerem que Adão e Eva perderam a bondade, ou os bons atributos, de que gozam antes de transgredirem a justiça divina, nunca poderá compreender o verdadeiro significado da redenção de Cristo.



Transfiguração, de Rafael Sanzio (Museu do Vaticano).




Não basta permanecer na edificação moral para fazer boa apologética. Urge demonstrar que a moral depende da religião, e principalmente do conjunto das verdades reveladas. O Cristianismo é o alimento e a medicina que pode restituir ao homem decaído os atributos gloriosos de que gozavam plenamente os nossos progenitores.

No livro admirável que tem por título A Alegria, A Dor e a Graça, escrito em plena época de terror positivista, já o filósofo cristão que foi Leonardo Coimbra acentuava estas verdades. Fácil é reconhecer, debaixo de uma simbólica literária, que tal obra abre pela inequívoca referência à Eucaristia e fecha aludindo à mediação de Maria Santíssima. Vale a pena a consultar esses  textos.

Supomos, aliás ser de tradição portuguesa o explicar o mistério da encarnação pelo mistério da redenção ainda que doutrinas diferentes hajam obtido predomínio escolar e popular. Meditar os mistérios é actividade própria dos místicos, actividade difícil que necessita da graça divina. Sabemos, porém, que há graus de misticidade. O mistério da encarnação, possível, previsto e anunciado desde a eternidade, beneficia de imagens mais acessíveis aos crentes. O mistério da Paixão desenvolve-se em representações plásticas e dramáticas que facilmente comovem as almas piedosas. Não assim o mistério da redenção, quando falte o ensino de que o medicamento e o alimento de Cristo valem para restituir ao homem decaído as condições adâmicas, nos termos anunciados pelos Evangelistas e pelos Apóstolos.

O redentorismo é uma doutrina difícil, exactamente por ser uma doutrina superior ao messianismo. Muitos dos nossos poetas que escrevem acerca da vida de Jesus demonstram não ter perfeitamente apreendido a essência do elemento redentor. Nas artes plásticas também falta muitas vezes o símbolo da redenção. Julgamos, todavia, o redentorismo estar na tradição portuguesa, quando aprofundamos os dados recolhidos por folcloristas e etnógrafos. Só a dificuldade de imaginar - de contemplar o invisível -, nos impedirá de prestar as provas desta afirmação: - para o povo português, Cristo redime tudo quanto é natural e humano. Houve, em tempos, um grande movimento cultural em torno das ideias de palingenesia e de saudade do estado adâmico: - foi o movimento dirigido pelo poeta Teixeira de Pascoaes, movimento que significativamente se intitulou de «Renascença Portuguesa». Muito discutida foi a delimitação entre ortodoxia e heterodoxia nas obras dos escritores renascentistas, porque muito difícil é em exegese dizer onde cessa a letra para começar o espírito. A tradição continuou, porém. O melhor ensino dos três melhores professores da Faculdade de Letras da Universidade do Porto valeu exactamente pela fidelidade àquela tradição.

Socorro perpétuo. Todo o problema se concentra agora na imitação de Cristo. Cada homem encarna para redimir. A explicação cristã do nascimento ou do Natal, apresenta uma dignidade incomparável à dos outros cultos religiosos. Agora sabemos que somos criados à imagem e semelhança de Deus, para colaborar na obra de redenção de toda a humanidade. Assim se resolve o problema da liberdade e do destino do homem. Este saber vale mais do que qualquer preceito moral. A teologia do matrimonio, que também é teologia da encarnação, aprofunda-se pela leitura do Génesis, dos Evangelhos e das Epístolas de S. Paulo, e à luz redentorista ilumina como nunca a doutrina ou disciplina da Igreja Católica.

Criação de Eva, de Miguel Ângelo (Capela Sistina).


A criação de Eva explica-se pela finalidade de aperfeiçoar a bondade de Adão entendendo por bondade o conceito bíblico, várias vezes referido. Textos evangélicos concorrem para mostrar quanto o matrimónio vale na doutrina sacramental de Cristo. Mais conhecidos e divulgados são os trechos da Epístola aos Efésios.

Convém, efectivamente, atribuir significação teológica à atitude moral da mulher portuguesa que não reconhece como válido senão o matrimónio cristão e que repudia inteiramente o divórcio. Tão admirável o apego às belas imagens da liturgia, como admirável a dedicação conjugal até à morte, ou até ao fim do mundo. O divórcio não está na separação sentenciada pelo juiz, o divórcio está e manifesta-se em sintomas individuais e sociais como os impedimentos à coabitação (casa própria para casamento), e à comum educação dos filhos no lar.

O futuro do catolicismo em Portugal muito depende da teologia do matrimónio, visto já não ser dos indivíduos, considerados estatisticamente, mas das famílias e das unidades familiares que esperamos a renovação da vida religiosa. À medida que formos esquecendo o princípio místico da relação de Cristo com a Igreja e do simbolismo que essa relação projecta na vida conjugal, a chamada igualdade dos sexos tende a cortar todos os nós e a quebrar todas as articulações que garantem a verdadeira estrutura da família. A doutrina do divórcio é solidária da doutrina da igualdade dos sexos. O engano da opinião pública resulta de só exprimirem doutrina as escritoras feministas, quando as mulheres portuguesas, em inegável maioria, preferem o matrimónio cristão e, consequentemente, o respectivo processo de redenção da humanidade.

A predilecção pela imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro explica-se pela razão de que nessa obra de arte está patente a divina maternidade na perfeição dos seus atributos. Não é já a Mãe que amamenta o filho, mas a mãe que o educou e preparou para o seu destino redentor e messiânico. Não é já a maternidade biológica, ainda com sabor pagão, mas a maternidade espiritual, em seu pleno significado educativo. Exemplo admirável, proposto à contemplação das adolescentes, que aspiram a cumprir o seu destino natural e sobrenatural, mas exemplo também admirável para os adolescentes na época em que com maior preferência perdem a fé, apenas porque ninguém lhes oferece tão adequada imagem da imitação de Cristo. A reflexão nos convence de que a muitas mulheres e a muitos homens, repugna imaginar, em termos comparáveis à paixão de Cristo, a redenção a efectuar nas condições da sociedade contemporânea. Ora a imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, se bem que contenha os elementos simbólicos do sofrimento humano, deixa indeterminado e livre o exercício fecundo da imaginação.



Nossa Senhora do Perpétuo Socorro




Tem sido, aliás, concedida grande liberdade aos devotos da imagem bizantina e, consequentemente, aos estudiosos da patrística grega. Abonamos esta afirmação com a carta de R. P. Superior dos Redentoristas de Paris ao P. E. Bertaud, autor de uma curiosa interpretação esotérica, publicada em 1947 no livro intitulado Études de Symbolisme dans le culte de la Vierge. A leitura dos estudos incluídos nesta obra, além de robustecer as nossas convicções, incitou-nos e excitou-nos a progredir na via especulativa de adequação do pensamento à realidade. Quiséramos nós que todos os devotos aplicassem a sua esclarecida inteligência a exprimir em termos de cultura filosófica e religiosa os frutos da sua imaginação. A variedade unificar-se-ia tão regularmente como os Reis Magos concorreram e convergiram para o mesmo presépio, guiados pela estrela simbólica da fé. Assim se constituiria a base doutrinal para o reconhecimento universal de que Maria Santíssima é, certamente, co-redentora da Humanidade (in Miriam, Ano II, n.º 11, 1955, pp. 504-510).


(1) Para evitar o perigo de serem mal interpretadas estas frases do Autor, tenham em conta as noções expostas nas páginas 483-485 da Revista Miriam do mês de Outubro. - Quando a Igreja define uma verdade como dogma de fé, não inventa essa verdade, simplesmente faz explícita uma verdade contida já nas Sagradas Escrituras ou afirma-nos que foi transmitida pelos Apóstolos e conservada na tradição. (Nota da redacção da Miriam).


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