sexta-feira, 4 de março de 2011

Categorias de Aristóteles (iv)

Escrito por Aristóteles






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43. Das quantidades, umas são discretas, outras são contínuas; umas constam de partes, que têm certa situação entre si; e outras, cujas partes não são susceptíveis de situação entre si.

44. É quantidade discreta qualquer número, qualquer discurso; e, contínua, a linha, a superfície, o corpo e, além destas, o lugar, e o tempo.

Porque as partes do número não têm termo nenhum comum, em que as partes do mesmo número se encontrem. Por exemplo, cinco, considerado como parte de dez, não tem um termo comum em que se encontre com os outros cinco, mas são quantidades discretas. Do mesmo modo, três e sete não se encontram em nenhum termo comum. E em geral é impossível assinar um termo comum, em que se encontrem as partes de qualquer número, mas sempre são discretas. De modo que o número é uma das quantidades discretas. Do mesmo modo o discurso. Ser o discurso quantidade é evidente, porque se mede por sílabas longas e breves. Eu falo do discurso pronunciado, mas não há termo nenhum comum, em que as partes do discurso concorram, pois que as sílabas não se encontram em nenhum termo comum, mas antes ficam discretas entre si. Porém a linha, essa, é contínua e pode-se tomar um termo comum, em que se vem a encontrar as partes de que ela consta, que é o ponto; e da superfície é-o a linha, pois que as partes de um plano se encontram em algum termo comum, em que as partes concorrem, que é a superfície ou a linha. Outro tanto acontece ao tempo e ao lugar, porquanto o tempo presente pega com o passado, e com o futuro. Por outra parte, o lugar também é do número das quantidades contínuas, porque as partes de qualquer corpo ocupam algum lugar e elas concorrem em um termo comum, logo também as partes do lugar, que ocupam as do corpo, hão-de concorrer em o mesmo termo comum, em que as partes do corpo concorrem. Do que se segue, que o lugar é uma quantidade contínua, por isso que as partes, de que ele se compõe, concorrem em um termo comum. Além disso há umas qualidades que admitem situação, e outras, cujas partes não são susceptíveis dela. Exemplo: as partes da linha têm uma situação respectiva entre si, porque cada uma delas jaz em um lugar; e se pode achar e demonstrar aonde ela jaz no plano, e quais sejam de entre as outras partes, aquelas com que ela concorre no plano. Do mesmo modo as partes do plano têm uma determinada situação entre si, porque também se pode assinar onde jaz cada uma delas, e quais das outras partes são aquelas, com que cada uma concorre. E o mesmo é o respeito dos sólidos e do espaço.

Mas quanto aos números, não é possível mostrar que as partes, de que cada qual deles se compõe, tenham certa situação respectiva, nem quais sejam as que se encontram com esta ou com aquela. Outro tanto se pode dizer do tempo, por isso que nenhuma das partes dele fica subsistindo, e como poderia admitir situação aquilo que não subsiste? Mais depressa se poderia dizer que tem uma certa ordem, pois que um é primeiro em tempo, e outro é posterior. E o mesmo é dos números, porque também um se conta primeiro do que dois, e dois do que três. De modo que se pode dizer que têm uma certa ordem, mas não se pode admitir que tenham entre si nenhuma situação. Assim também com as palavras, de que nenhuma parte fica subsistindo mas, uma vez pronunciadas, se não podem tornar a tomar, por onde não são susceptíveis de situação, pela simples razão de não serem subsistentes. De tudo o que se segue, que umas coisas constam de partes, que têm entre si uma certa situação, e outras, cujas partes não são susceptíveis de situação respectiva.




45. Absolutamente falando, só estas, que temos nomeado é que são quantidades. Todas as outras são o são acidentalmente.

Porque é em consideração às primeiras, que nós chamamos quantidades a todas as outras. Por exemplo, dizemos da brancura que é muita, atendendo a haver muita superfície branca. E de uma acção dizemos ser extensa, atendendo a ser muito o tempo que ela durou. E é deste modo que se diz ter sido o movimento muito. Porém, nenhuma destas coisas é em si mesma uma certa quantidade, porque se alguém houver de dizer em que sentido atribui o quantitativo a uma acção, há-de determiná-lo pelo tempo da sua duração, como de um ano, ou outra coisa semelhante. E falando da brancura, como quantidade, há-de determiná-la pela superfície, porque quanto maior for a superfície, tanto maior é a brancura. Assim que absolutamente falando só são quantidades aquelas que acabamos de enumerar; de todas as outras, nenhuma o é por si mesma, mas só por acidente.

46. Além disso, à quantidade nada é contrário.

Porque das quantidades determinadas é evidente que não têm contrário, pois nada o pode ser à qualidade de ter dois ou três côvados, ou a uma superfície, ou a qualquer outra coisa semelhante a estas. Excepto se porventura alguém disser que muito é contrário de pouco e grande de pequeno. Porém, estas expressões não designam quantidades, mas sim relações, porquanto nada é por si mesmo grande nem pequeno, mas somente enquanto se refere a outra alguma coisa. É assim que um monte pode ser pequeno, e grande um grão de painço, por ser este maior que as outras coisas do mesmo género, e aquele, menor. Há, pois, nisto uma comparação porque a não a haver, nunca um monte poderia ser pequeno, nem grande um grão de painço. Outro exemplo: é assim que dizemos haver muita gente em uma Aldeia, e pouca em Atenas, posto que o número desta exceda muitas vezes ao daquela; dizemos haver em casa muita gente, e pouca no teatro, bem que neste haja muitas vezes mais gente que em casa.

Além disso, ter dois ou três côvados, etc., são expressões de quantidade determinadas, mas ser grande ou pequeno não são expressões de quantidades determinadas, porém sim de relações. Porque grande e pequeno se referem a alguma outra coisa, e logo é evidente que o que designam são relações. Mas quer as ponham entre as quantidades, quer as não ponham, não se pode assinar nada que lhes seja contrário, porque como é que se pode assinar o contrário de uma coisa, que se não considera em si mesma, porém só com relação a outra? Além de que, se grande e pequeno são contrários, acontecerá que uma mesma coisa admitirá ao mesmo tempo dois contrários; e será uma mesma coisa contrária a si mesma, pois que acontece que uma mesma coisa é ao mesmo tempo grande e pequena, grande a respeito de um objecto, e pequena a respeito de outro, e assim a mesma coisa é ao mesmo tempo grande e pequena e, portanto, viria a admitir dois contrários. Mas nada pode admitir dois contrários, à excepção das essências, porque essas parecem poderem admitir contrários. Porém, ninguém pode estar ao mesmo tempo são e doente, ser ao mesmo tempo preto e branco, e assim de outras coisas, que nenhuma admite contrários. E aconteceria que uma coisa seria contrária a si mesma, porque se pequeno é contrário ao grande, como uma mesma coisa pode ser ao mesmo tempo grande e pequena, viria a ser contrária a si mesma. Ora é do número dos impossíveis que uma coisa seja contrária a si mesma, logo, pequeno não é contrário a grande, nem muito a pouco. De modo que, ainda quando alguém dissesse que estas expressões não pertencem às de relação, mas às de quantidade, nem por isso lhes poderia descobrir contrário.


Escola de Aristóteles


Mais depressa poderia parecer que o lugar, considerado como quantidade, é susceptível de contrários, porque se chama superior o que é contrário ao inferior, referindo-se o inferior a um ponto médio e, determinado o ponto médio, por ser a sua distância aos pontos cardeais do Mundo maior que a dos extremos. E em geral chamam-se contrários entre si as coisas, que sendo de um mesmo género são, entre as suas congéneres, as que mais distam entre si.

47. Nem tão pouco a quantidade determinada é susceptível de mais nem de menos.

Por exemplo, o ter dois côvados, porquanto isto não admite mais nem menos. O mesmo sucede com os números, por exemplo: três não é mais cinco do que cinco, nem mais três do que cinco, e o mesmo é de cinco a respeito de três; nem um determinado tempo é mais tempo do que outro tempo. Em geral, nenhuma das que dissemos serem quantidades, é susceptível de mais ou de menos. Logo as quantidades determinadas não são susceptíveis de mais ou de menos.

48. O que é principalmente particular às quantidades, é o dizerem-se iguais ou desiguais.

Porque cada uma das coisas referidas se diz igual ou desigual. O mesmo é de um número ou de um determinado tempo, que também se dizem iguais ou desiguais, e assim também das outras coisas acima mencionadas, das quais todas se diz serem iguais ou desiguais. De tudo o mais porém, que não é quantidade, não tem muito lugar o ser igual ou desigual, como por exemplo: uma afeição não se pode dizer com muito acerto, que é igual ou desigual, mas sim semelhante ou dissemelhante; nem de uma coisa branca se diria bem, ser igual ou desigual em cor, mas antes semelhante ou dissemelhante. De modo que parece ser sobretudo propriedade das quantidades o dizerem-se iguais ou desiguais (ob. cit., pp. 43 e 68-75).


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