quinta-feira, 20 de maio de 2010

Curso de Filosofia Portuguesa (v)

Escrito por Orlando Vitorino




Fídias



FILOSOFIA DA CIÊNCIA

1. Distinção entre pensamento e conhecimento, entre pensamento filosófico e conhecimento científico:


- Gnoseologia ou teoria do conhecimento do inteligível;
- Epistemologia ou teoria do conhecimento do sensível.


2. A primeira expressão da tese da irrealidade do mundo sensível, tese que determina a primeira formação da ciência da natureza no pensamento dos gregos:


- A ciência dos gregos: conhecimento contemplativo – não activo nem prático – dos sinais, ou aparências, do mundo inteligível no mundo sensível;

- A axiomática da ciência dos gregos como axiomática de todo o conhecimento científico. Como a geometria e o espaço euclidiano condicionam as diversas geometrias e concepções do espaço informe – demonstração de Leonardo Coimbra (Razão Experimental);

- O modelo da geometria no idealismo platónico. O modelo da biologia no realismo aristotélico;

- Comparação e respectiva interpretação da biologia aristotélica – leitura de A Geração dos Animais e de As Partes dos Animais – com a biologia moderna (exposição da actual bio-genética);

- O realismo de Aristóteles contrapondo à tese da irrealidade do mundo sensível a tese da eternidade do mundo.


3. A tese da realidade do mundo sensível aparecendo com o cristianismo (a encarnação da divindade) e tornando possível a transição do carácter contemplativo da ciência antiga ao carácter activo e prático da ciência moderna:


 Pietà, de Miguelangelo


- Primeira finalidade desta transição: o conhecimento científico da “relação de amor e caridade”, ou prestação mútua de serviços e bens, entre o homem e a natureza;

- A exposição, referida à ciência, da tese da realidade do mundo sensível por Jaurés e Leonardo Coimbra. A implicitação da tese na ecologia actual.


4. A reposição da tese da irrealidade do mundo sensível (Descartes) para fundamento da ciência moderna desviada do realismo cristão:


- A consequente concepção da natureza como mundo dos “corpos que nos rodeiam” que a ciência se destinará “a pôr ao serviço do homem”; a inerente justificação, uma vez que esse mundo é irreal, do exercício pela ciência de todas as violências e violações sobre a natureza;

- Princípios ou concepções principiais da ciência moderna: o princípio da inércia formulado por Descartes e a consequente uniformização do movimento (Galileu); a geometria analítica e a pontualização do espaço homogéneo (Descartes); a matéria como substância e princípio de individuação; a separação da alma e do corpo e o espiritualismo extreme (Descartes, Mallebranche, Berkeley); o mecanicismo: o mundo como máquina: (astronomia galilaica e física newtoniana), o homem como máquina (Descartes); a causalidade como relação do anterior ao posterior.


5. A crítica dos fundamentos da ciência moderna:


a) Antepassado remoto da crítica: Zenão de Eleia e a demonstração da indivisibilidade do tempo e do espaço;
b) A crítica da causalidade e da consequente validade das leis científicas por David Hume;
c) A resposta de Kant à crítica de David Hume: A Crítica da Razão Pura e a autorização à ciência para prosseguir caminho pelo conhecimento da realidade limitada à que é apreendida nas formas da sensitividade: o tempo e o espaço;
d) A W. Whitehead e a irrefutabilidade dos argumentos de Zenão e de Hume. Hegel, Leonardo e a refutação do kantismo.






6. O desenvolvimento da ciência moderna para além da crítica dos seus fundamentos e do seu valor de conhecimento:


a) A fixação do conhecimento científico nas suas metafísicas que deram origem à ciência moderna – irrealidade do mundo sensível, divisibilidade do tempo e do espaço, decomposição dos corpos, causalidade na relação de anterior e posterior, imagem mecanicista do homem e do mundo – mas gradual indiferença perante a metafísica e seu consequente abandono;
b) Formação da técnica como instrumento de aplicação dos conhecimentos científicos; os êxitos da técnica na dominação da natureza;
c) A indiferença da técnica para com a ciência que a formou, à qual sobrepõe os êxitos e resultados obtidos fazendo deles a sua legitimação, autonomia e saber de si: a tecnologia.


7. As mais recentes “explicações” justificativas do conhecimento científico:


- As hipóteses cómodas de Poincaré;
- As revoluções científicas de Tomaz Kuhn;
- As hipóteses infirmadas de Karl Popper;
- O novo espírito científico de G. Bachelard.


8. Defesa e crítica da ciência moderna por Leonardo Coimbra:


- Da exaltação à decepção do Kantismo: “Kant como vítima do cientismo”;

- A transição da ciência contemplativa dos gregos à ciência prática do cristianismo;

- O desvio do cristianismo: da ciência para a tecnologia, da relação de amor e caridade entre os homens e a natureza para a violação e violência do homem sobre a natureza;

- Os comentários de Leonardo a Poincaré e Whitehead.


9. A finalidade última da ciência moderna: a determinação dos elementos indivisíveis que compõem a matéria dos corpos; caminho dessa determinação desde a célula até aos quanta. A desintegração nuclear e a biogenética.


10. Significado dos movimentos ecológicos perante os êxitos da técnica e a finalidade da ciência.


FILOSOFIA, FILOLOGIA E LINGUÍSTICA

I

1. Não há pensamento sem palavra. Não há filosofia sem filologia.


2. Prioridade da semântica na filologia. A semântica e a distinção entre significado e significante na palavra. Com a distinção, atribuída a Platão, tem origem a gramática.


3. Caracterização filológica da língua:


- Pela multiplicidade e relação de significados em cada palavra;
- Pelo predomínio do verbo ou do substantivo ou do adjectivo em cada língua;
- Pela capacidade de verbalização do substantivo e do adjectivo, de substantivação e adjectivação do verbo.


4. Exemplos ilustrativos do anterior:



Martinho Heidegger



- O grego caracteriza-se pela incapacidade de substantivação do verbo (tal como o português) o que faz dele, segundo Heidegger, a língua por excelência da filosofia;

- O alemão caracteriza-se como a língua mais adequada à filosofia, segundo Hegel, pela existência de significados contraditórios em cada palavra.


5. A prioridade do significado acompanha a prioridade da etimologia. O étimo é, em geral, uma imagem e, por ela, o significado e o significante não se distinguem na palavra. O pensamento faz da imagem um conceito – por exemplo, da imagem madeira (em latim) ou bosque (em grego) faz o conceito de matéria – levando à separação do significado e do significante e dando ao significante a receptividade a outros significados.


6. A doutrina da significação expressa nas frases, a da significação expressa nas palavras e a da significação expressa nos fonemas (António Telmo).


7. A linguística moderna (e doutrinas afins: etnologia, cientismo, estruturalismo, igualitarismo) e o regresso à identidade do significado e do significante. Consequências: um mesmo pensamento substá em todas as línguas, as mais primitivas e exóticas e as mais civilizadas, e a filosofia é eliminada (“Com o novo homem a filosofia não será mais possível”, Auzias, Le Structuralisme).


8. Como é o estilo que sobretudo importa para a expressão filosófica ou conceptual. Seu carácter rigorosamente pessoal. O estilo é na língua, como o conceito no pensamento, uma formação pessoal. O exemplo do francês como língua de estilo. O estudo da estilística e da estética das línguas. A natureza discursiva da expressão filosófica.

II

1. Conhecimentos elementares do grego e do latim e do alemão com especial incidência na terminologia filosófica. Análise filológica de alguns textos.


2. Conhecimentos elementares de alemão e de francês referidos à linguagem filosófica. Leitura de alguns textos.


ÉTICA


Sócrates



1. A ética na origem da filosofia: determinação da vontade pelo pensamento. A questão de Sócrates: se é o pensamento que determina a vontade, se é a vontade que determina a acção, se viver é agir, o que mais importa é saber o que é o pensamento.

2. Os filósofos antigos, os gregos, marginalizavam, até ignorarem, a vontade: o pensamento é operativo. Ética e filosofia são o mesmo.


3. Na abertura da modernidade, Santo Agostinho introduz a vontade na filosofia, mas afirmando a prioridade do pensamento sobre a vontade a qual apenas confirma, pelos actos, a veracidade ou falsidade do pensamento.


4. Gradual atribuição à vontade da realidade do pensamento: só na vontade o pensamento é real. A grande revolução: Duns Escoto afirma a prioridade absoluta da vontade sobre o pensamento.


5. Situada na ética, a filosofia passa a seguir dois percursos: o que continua a afirmar a prioridade do pensamento e a que passa a afirmar a prioridade da vontade. O primeiro, fiel aos mais antigos filósofos, sobretudo Platão, fortalecido pela ontologia de Santo Anselmo e desenvolvido pelo cartesianismo identifica pensamento e ser. O segundo, partindo de Duns Escoto e culminando no idealismo alemão, identifica o ser e a vontade.


6. Com a prioridade da vontade, a moral contrapõe-se à ética. Razões por que, em geral, se não distinguem.


7. Distinção entre ética e moral:


a) A ética refere-se à existência pessoal; a moral refere-se à existência colectiva;
b) A felicidade como finalidade da ética; o bem comum como a finalidade da moral;
c) A ética privilegia as virtudes intelectuais; a moral privilegia as virtudes naturais;
d) A ética privilegia o direito natural; a moral privilegia o direito positivo;
e) A ética implica a afirmação da personalidade; a moral guarda a tradição e os costumes;
f) A razão indispensável na fundamentação da ética; a religião indispensável na fundamentação da moral;
g) A ética forma a teoria dos valores; a moral promove a prática dos valores.


8. Complementaridade da ética e da moral:


a) A teoria dos valores (ética) perde sentido sem a prática dos valores (moral);
b) Sem a razão (ética), a religião está sempre em risco de se ver combatida e substituída (pela política, pelo Estado, pela economia e análogos) na fundamentação e garantia da moral;
c) A mais viável afirmação da personalidade (ética) radica e enriquece-se na tradição e no costume (moral), como o individual no social;
d) Sem a efectivação no direito positivo (que a moral privilegia), o direito natural (privilegiado pela ética) não passa de abstracção e é eliminado;
e) As virtudes intelectuais são formadas pela educação (ética) como desenvolvimento das virtudes naturais (moral) em que encontram concordância, condição e raiz e são diferentes de pessoa para pessoa;
f) A felicidade de cada um (ética) não é possível e inseparável da existência social (moral).


9. O Dever e o Bem:



Manuel Kant



a) O dever entendido como obediência ao mandamento de origem transcendente, fundando a moral na religião;
b) O dever entendido como cumprimento de um imperativo universal (racionalismo kantiano) fundando a moral na razão;
c) O dever entendido como sujeição à lei do Estado ou ao direito.


10. O dever justificado como realização do Bem:


a) O Bem definido pela religião;
b) O Bem definido pela filosofia;
c) O Bem definido pelo Estado.


11. Porque não pode haver ética sem moral nem moral sem ética:


a) Comentário à distinção hegelina entre Moralitat e Sittlichkeit;
b) A personalidade é o sujeito da ética, a consciência o sujeito da moral; porque não há consciência sem personalidade, separadas a moral e a ética, deixa de haver sujeito de uma e outra, deixa de haver uma e outra;
c) A responsabilidade e a liberdade são o conteúdo da ética. A sentimentalidade e a solidariedade são o conteúdo da moral. Separadas a moral e a ética, o conteúdo da primeira dissolve-se numa abstracção evanescente porque não há liberdade sem o sentimento de ser livre, nem responsabilidade sem relação solidária com o outro (a sociedade, a natureza, o mundo). O conteúdo da moral coisifica-se na indiferença ou hipocrisia de rituais vazios e de palavras vãs.


12. Tendências e formas actuais da absorção da ética na moral: doutrinas igualitaristas, existencialismo ateu, etnologia moderna, estruturalismo.


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