quarta-feira, 15 de maio de 2019

O euro-mundialismo (i)

Escrito por Miguel Bruno Duarte








«Ele [Oliveira Salazar] é um grande homem servido por um povo pequeno»

Sir Walford Selby 


«Se a sua pintura for tão boa como a sua política, a Europa está perdida»

Charles Montag para Winston Churchill 


«Se se abrir essa caixa de Pandora [um Parlamento Europeu], sabe-se lá que cavalos de Troia de lá vão saltar». 

Ernie Bevin 


«O Ocidente está a ser derrotado nas Nações Unidas». 

Franco Nogueira 


«Hoje, queiram ou não, o mundo ocidental já entendeu que a política do dr. Salazar estava certa. O maior derrotado, para além da infeliz Nação Lusitana, foi o Ocidente!»




Da Europa ariano-germânica aos Estados Unidos da Europa 


A Operação Barbarossa foi o nome de código para a invasão da União Soviética pela Alemanha de Hitler, desencadeada a 22 de Junho de 1941, durante a Segunda Guerra Mundial. Nisto, o compreensível aproveitamento da entrada da Rússia na luta por parte de Winston Churchill, viria assim a ser uma mais-valia perante um intrépido inimigo que, visando, por necessidade vital, a expansão político-militar a Oriente, procurava, não obstante, implementar a unidade europeia que seria, no fundo, a unidade alemã sob os auspícios da humanidade ariana refundada numa grande força de vontade, bem como em necessários ou inevitáveis sacrifícios de sangue, a avaliar pela propaganda racista e militarista do movimento nacional-socialista. Tudo isto, portanto, desenrolar-se-ia num momento particularmente crítico quão profundamente agitado na vida dos povos, porque, quanto ao futuro propriamente dito, seria, na verdade, Oliveira Salazar quem, de facto, melhor saberia ver, em virtude de sua clarividência política, a questão decisiva em apreço, ou seja: «eu não vejo a guerra através da guerra; vejo a guerra através da paz. Quer dizer: o que me preocupa mais não é saber quem vence ou como vai vencer, mas que paz se fará, com que princípios se constituirá a futura paz. Neste campo, pode perguntar-se se o fim da guerra é a destruição da unidade alemã ou se esta unidade, acabada de realizar por Hitler, não é uma vantagem europeia.» (1)

Não fora, pois, por loucura ou mero capricho que Adolfo Hitler planeara e iniciara a sua campanha da Rússia, para, em nome da Europa, frustrar, em virtude da ofensiva relâmpago dos exércitos germânicos, o objectivo soviético de impor pelas armas a bolchevização do continente europeu. Aliás, já Oliveira Salazar, conforme ficara perfeitamente implícito nas suas citadas palavras, decerto compreendera o profundo alcance de uma tal campanha no concerto de uma futura política mundial, se bem que não perfilhasse de todo de uma eventual hegemonia alemã no Velho Continente, como, de resto, também já realmente constara por entre os círculos da diplomacia britânica, nomeadamente através de Sir Ronald, quando em solene advertência para o seu colega em Madrid, Sir Samuel Hoare, refere que «o sistema nazi é anátema para Salazar e para oitenta por cento do povo português» (2). Porém, se a vitória da Alemanha nacional-socialista não era, de modo nenhum, conveniente à mundividência multissecular do estadista português, também é certo que em nada via com bons olhos uma possível hegemonia político-militar decorrente da solidariedade russo-anglo-americana no que mais especialmente respeita à nova ordem europeia do pós-guerra.

Enfim, o próprio Churchill, perante a posterior ameaça de alargamento da Rússia soviética ao coração da Europa, pronunciara, a 5 de Março de 1946, em Westminster College, na cidade de Fulton, Missouri, nos Estados Unidos, o seu célebre discurso «O Sustentáculo da Paz», no âmbito do qual ironicamente alertara o mundo para uma «Cortina de Ferro» que entretanto caíra sobre a Europa, desde Stettin, no Báltico, até Trieste, no Adriático. E se dizemos ironicamente é porque aquela expressão já havia sido efectivamente usada, em contexto idêntico, por Joseph Goebbels, o Ministro da Propaganda da Alemanha nazi, assim como por Lutz Schwerin von Krosigk, que ocupara o cargo único de Ministro Líder do Reich. Mas é já, de resto, num outro discurso, desta feita em Zurique, em 19 de Setembro de 1946, que Winston Churchill, aludindo ao constante e irremediável perigo proveniente das nações teutónicas, delineia a premente necessidade de, perante uma Europa moral e materialmente destruída pela guerra mais abrangente da História, recriar a família europeia nos moldes de uma cidadania comum que impeça o renascer de novos perigos e futuras guerras entre estados, povos e nações do continente. E daí a ideia, aventada por Churchill, de «uma espécie de Estados Unidos da Europa» (3), que, na condição de um sistema tão forte quanto estável na garantia da paz, da segurança e da liberdade, exigiria, como ponto de partida, a construção de uma organização regional da Europa que avançaria no sentido de fortalecer os auspícios de uma agenda mundial já entretanto consignada na recém-formada Organização das Nações Unidas (1945).






Assinalando o exemplo da Suíça, Churchill deixaria ainda patente que para haver uma nova Europa, no sentido de um grupo ou movimento de defensores de uma Europa unida (4), seria necessário mostrar que a força material dos pequenos estados estaria doravante condenada a perder toda e qualquer importância no domínio da nova estrutura supranacional europeia. E nessa ordem de ideias, a primeira tarefa na ordem do dia passaria por, em vista do já temido poder e ambição da Alemanha, estabelecer as condições indispensáveis para a aproximação unificante do binómio franco-germânico, condições essas que já, aliás, previam a possibilidade de antigos estados e principados da Alemanha poderem vir a ser, entretanto, compelidos a um sistema federal e, nessa medida, mais facilmente integrados no seio dos Estados Unidos da Europa. É, ademais, com Konrad Adenauer, o primeiro chanceler da República Federal da Alemanha, que aparece o primeiro e mais acérrimo defensor, entre os democratas-cristãos, da ideia dos Estados Unidos da Europa, onde, a seu tempo, poderia vir a ser incluída uma Alemanha federal.

Convém ainda notar, com alguma destrinça, como Winston Churchill reconhecera, em várias e recorrentes advertências proferidas, a necessidade de consolidar uma ideia fundadora que pudesse reunir ao seu redor um entusiasmo tão esmagador para, por meio da educação pública em grande escala, se poder, alfim, consolidar o objectivo urgente e politicamente «realizável» de uma Europa irrevogalmente unida. Ora, sem isso, de pouco ou nada valeriam, no entender do estadista britânico, toda a sorte de projectos e talhados processos de criação de uma Constituição Europeia, bem como também os demais planos e programas detalhados de integração afim. Por conseguinte, uma nova concepção de Europa, tal qual a proposta pelos defensores do movimento pan-europeu, pressupunha, antes de mais, a existência de uma organização suficientemente poderosa para levar avante os seus desígnios políticos de domínio sócio-económico e cultural, como já, de resto, a seu modo e no particular âmbito da sua mundividência universal, pudera reconhecer Adolfo Hitler nos termos que se seguem:

«Como uma concepção do mundo nunca pode estar de acordo com uma segunda, assim também não poderá colaborar numa situação pela mesma condenada, mas, pelo contrário, sente-se no dever de combatê-la, bem como a todas as ideias adversas, preparando, assim, a derrocada das mesmas.

Logo que essa campanha demolidora, cujo perigo por todos será imediatamente reconhecido, encontrando por isso resistência geral, inicia também a sua acção positiva, destinada a assegurar o êxito das novas ideias, então fazem-se necessários lutadores resolutos. Um tal movimento só levará à vitória as suas ideias se ao mesmo tempo se unirem os mais corajosos e mais eficientes elementos da sua época e do seu povo, numa organização com capacidade para a luta. Para isso é, porém, indispensável que essa organização, tomando em consideração esses elementos, escolha certas ideias e lhes dê uma forma que, de maneira precisa e incisiva, seja a apropriada para servir de dogma à nova sociedade.» (5)

Por aqui se vê, pois, que, enquanto o movimento nacional-socialista, em sua missão de afincada luta, vasta propaganda e acérrima organização nacionalista, procurara posicionar-se no intuito de, em nome do povo alemão, assegurar a respectiva alimentação e a vida espiritual da colectividade por via de um Estado étnico, já a ideia de uma união europeia do pós-guerra implicaria, por seu turno, uma nova declaração de fé segundo a qual ao princípio das nacionalidades devia suceder, com vista a um conjunto de interesses económicos unificados, um universalismo configurado na gradual federação de Estados sob a égide unitária de um governo comum. No fundo, a construção de uma Europa federada equivaleria também à ambição ideal de reger a História mediante o reforço, por meios pacíficos e suasórios, da Organização das Nações Unidas, já que a oportuna construção de uma entidade supranacional, em continente europeu, só seria particularmente possível se, a nível global, persistisse, em nome da paz mundial e da felicidade económica dos povos, o constringente apelo ao movimento federador das nações num mundo sem fronteiras sócio-culturais. Numa palavra: o euro-mundialismo.


O superestado franco-britânico 


São relativamente conhecidas as relações informais entre Winston Churchill e o conde filósofo Coudenhove-Kalergi, o fundador da União Pan-Europeia, e, nessa discreta qualidade, um dos principais inspiradores ideológicos da presente entidade supranacional europeia. Ora, tais relações podem, efectivamente, tornar-se mais compreensíveis uma vez atendidos os interesses comuns que ambos acalentavam quanto ao projecto político e económico de uma federação puramente continental. Não admira, aliás, que o próprio Churchill, num artigo de 19 de Maio de 1938, surgido em News of The World, tivesse justamente acalentado, qual paladino de uma promitente Europa federada, que os governos do Velho Continente pudessem, eventualmente, enveredar pela criação de «selos postais europeus, uma moeda única, uma união aduaneira abrangente e uma língua comum» (6).










Todavia, viria subitamente à baila, em Setembro de 1939, o Supremo Conselho de Guerra, seguido, em Dezembro do mesmo ano, pelo Comité de Coordenação Anglo-Francês sob a direcção de Jean Monnet, cujo propósito passava essencialmente pelo planeamento económico conjunto entre a França e a Inglaterra, a fim de melhor corresponder às exigências e necessidades resultantes dos novos tempos de guerra. Foi, de resto, neste mesmo contexto, que Churchill ouvira falar pela primeira vez num plano para transformar a aliança anglo-francesa numa união económica e política para, nessa medida, se criar uma cidadania comum fundamentalmente pautada por um governo partilhado. A proposta inédita, sob a forma de um memorando, fora assim transmitida a Churchill com o visado pretexto de, no lance, evitar a desintegração iminente da aliança anglo-francesa, visto que a França, cada vez mais inclinada a negociar um armistício com a Alemanha de Hitler, estava já à beira do colapso perante o avanço das divisões Panzer alemãs na Europa continental.

Entre os arquitectos da congeminação proposta, estavam mais particularmente o próprio Jean Monnet, René Pleven, o seu jovem assessor francês, e Arthur Salter, um ministro-adjunto do governo de Churchill. Pois bem: a primeira impressão do primeiro-ministro britânico a essa proposta não fora seguramente positiva, posto que, entre travar uma guerra e aceitar um documento em que os dois países doravante se comprometiam a restaurar as áreas devastadas, a fundir os seus governos num só executivo, como ainda a unirem ambos os parlamentos, vai, decerto, uma enorme distância como a que naturalmente decorre entre as dificuldades atribuladas do presente e as expectativas utópicas do futuro. Mas eis senão que, com a deterioração da resistência francesa perante a invasão alemã, Churchill considerasse, agora, equacionar a ideia da União Franco-Britânica a fim de se poder reforçar aquela resistência até ao limite do possível. E quem, por fim, o convenceria a avançar nesse sentido fora precisamente um jovem general francês, de seu nome Charles de Gaulle, já depois de este, chegado a Londres, ter estado reunido com Jean Monnet e o embaixador Charles Corbin no Hyde Park Hotel.

Deste modo, uma nova versão da declaração sobre a União Franco-Britânica surgiria, alfim, do acordo particularmente estabelecido entre De Gaulle, Monnet, Pleven e Vansittart, versão essa, aliás, que também incluía ideias que muito se pareciam com as que directamente provinham dos folhetos sobre a União Pan-Europeia do conde Coudenhove-Kalergi, como a moeda única, a união aduaneira, e outras mais. Logo, uma vez observadas as diligências quanto ao projecto final da proclamação da União Franco-Britânica, eis que tudo se disponha, ao menos na aparência, para que finalmente se operasse o deselance tão cuidadosamente esperado. Mas, antes de mais, fiquemos, entretanto, com o conteúdo do texto integral da proclamação em vista:

«Declaração de União

Neste momento tão fatídico da história do mundo moderno, os governos do Reino Unido e da República Francesa proferem esta declaração de união indissolúvel na defesa conjunta da justiça e da liberdade contra a subjugação a um sistema que reduz a humanidade a uma vida de robôs e de escravos.

Ambos os governos declaram que a França e a Grã-Bretanha não mais serão duas nações, mas uma União Franco-Britânica.

A Constituição da União contemplará a criação de orgãos conjuntos de política de defesa, externa, financeira e económica.

Todos os cidadãos de França desfrutarão imediatamente da cidadania britânica; todos os súbditos britânicos se tornarão cidadãos de França.

Ambos os países partilharão a responsabilidade pelas reparações da devastação da guerra, onde quer que estas ocorram nos seus territórios, e os recursos de ambos serão igualmente, e como um só, aplicados a esse fim.

Durante a guerra haverá apenas um Gabinete de Guerra único e todas as forças da Grã-Bretanha e da França, quer seja em terra, no mar ou no ar, serão colocadas sob sua direcção. Este governará a partir de onde melhor o consiga fazer. Os dois parlamentos serão formalmente associados. As nações do Império Britânico já estão a formar novos exércitos. A França manterá as suas forças disponíveis em terra, no mar e no ar. A União apela aos Estados Unidos que reforcem os recursos económicos dos Aliados e que coloquem o seu poderoso apoio material à disposição da causa comum.

A União concentrará toda a sua energia na luta contra o poder do inimigo, independentemente de onde a batalha possa ocorrer. E assim venceremos.» (7)

Em suma: o projecto de União Franco-Britânica redundaria, a breve trecho, num total fracasso, sobretudo devido à indiferença e à hostilidade francesas quanto a uma união que, no mínimo, despromoveria a França à categoria de uma potência menor sob o domínio britânico. Nessa conjuntura, subiria, entretanto, ao poder o Marechal Pétain, que, decerto, não se coibiria de constituir um acordo de pura conveniência estratégica quanto às negociações do armistício com o Terceiro Reich. Deste modo, sendo, na verdade, certo que a união da França e da Grã-Bretanha teria prontamente ajudado a causa aliada numa guerra potencialmente global, é não menos certo que o seu sucesso teria evoluído para uma Europa federal plenamente consolidada em torno do eixo Londres-Paris. Numa palavra: o superestado franco-britânico.

Marechal Pétain









De resto, relata-nos Felix Klos:

«Proeminentes apoiantes do movimento europeu mais tarde veriam no projecto da união franco-britânica uma fasquia mais elevada: a de aproveitar a oportunidade para a unificação da Europa. Um dos seus principais arquitectos, Jean Monnet, escreveu em 1978 que não considerava o plano dogmático: “Para mim, o plano não tinha implicações federalistas”. Contudo, em 1944, muito mais próximo do evento em si, dissera à revista Fortune: “Pensem no que teria significado se a proposta política de união tivesse sido bem-sucedida. Não teria havido maneira de voltar atrás. O curso da guerra, o rumo do mundo poderia ter sido diferente. Teríamos decerto assistido ao verdadeiro início de uma União da Europa.”» (8)

E noutro passo, adianta o autor:

«O conde Coudenhove-Kalergi, líder incontestado do movimento europeu antes da guerra, interpretou a proposta de uma União Franco-Britânica como um “generoso gesto pan-europeu” – um plano que deveria ter tido consequências a longo prazo muito mais abrangentes. Acreditava que, se Reynaud e De Gaulle tivessem conseguido persuadir a facção derrotista do Governo francês a aceitar a proposta de Churchill, o 16 de Junho se teria tornado a data de aniversário da Europa Unida: “Pois os governos exilados da Polónia, Checoslováquia, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Noruega”, explicou, “certamente teriam aderido a uma União Anglo-Francesa”. Coudenhouve-Kalergi acreditava que teria nascido uma nação europeia única no fim da guerra, com um governo, um exército, uma economia e um parlamento.

Também na Grã-Bretanha, parte dos apoiantes da União Franco-Britânica tinham em mente o futuro distante de uma Europa unida. Na segunda-feira, 17 de Junho, Jock Colville ficara desapontado com o colapso do plano de união, precisamente por causa da promessa que encerrava a longo prazo: “Haveria muitas dificuldades a ultrapassar, mas tínhamos perante nós a ponte para um novo mundo, os primeiros elementos de uma Federação Europeia ou até de uma Federação Mundial.”» (9)

Seja como for, a ideia de uma unificação gradual da Europa no pós-guerra, manter-se-ia deveras presente em Winston Churchill, tal como já o próprio daria perfeitamente a entender a 9 de Maio de 1948, aquando do seu discurso no famigerado Congresso da Europa, em Haia. Recordemos ainda que a base prospectiva de uma tal ideia já havia, de facto, aflorado ao espírito de Churchill em 1940, ideia essa que também incluía a perspectiva de um Conselho da Europa ao qual estaria directamente ligado um conjunto de poderes de ordem económica, judicial e até militar – o já referido exército europeu. Aliás, fora igualmente no decorrer da guerra que se manifestara uma forte oposição quanto aos desígnios antecipados de uma futura união europeia, nomeadamente por parte de Anthony Eden, bem como de diversos altos quadros do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que antes optavam pela garantia da segurança mundial do pós-guerra mediante a estreita cooperação criada no âmbito de uma organização de estados europeus ocidentais.

Ora, essa organização, opondo-se aparentemente àquela que seria a abordagem churchilliana a favor de vários conselhos regionais sob a alçada de uma autoridade mundial, já estava desde há algum tempo delineada para ser nada mais nada menos que a Organização das Nações Unidas, no pressuposto fundamental de teoricamente assegurar a cooperação das grandes potências com vista à tão propagada manutenção da paz e da segurança mundiais. No fundo, até poderia parecer, à primeira vista, estarmos perante duas concepções de organização do mundo aparentemente antagónicas, e, no entanto, a verdade é que já ambas mostravam ir ao encontro da gradual concentração do poder político, económico e militar num instrumento de dominação mundial (10), como, aliás, tão especialmente convinha à linha revolucionária do comunismo internacional propagado pela União Soviética, ou até mesmo à linha internacionalista de um plano de partilha do mundo entre Roosevelt e Estaline. Assim, não fora, pois, por acaso que a Organização das Nações Unidas, uma vez sediada em Nova Iorque, tivesse doravante sido aproveitada, qual cavalo de Tróia, como um dos principais centros de espionagem para os serviços secretos soviéticos (KGB) (11), o que não seria de todo estranho nem imprevisível, a avaliar, inclusive, pelas considerações nada inocentes de Jacques Bergier quanto à necessidade de, curiosamente, haver um serviço de espionagem científica da ONU com vista ao desarmamento mundial e ao imperativo moral de trabalhar pela paz inibidora de todas as guerras e conflitos. (12)




Um governo mundial implicaria, portanto, o inevitável apagamento da própria soberania e da independência política, económica e cultural das pátrias e nações da Europa enquanto processo ulteriormente extensível a todo o planeta. Repare-se, de resto, com base numa das célebres emissões de guerra na BBC, protagonizadas por Winston Churchill, designadamente a 21 de Março de 1943, na tónica já por então especialmente colocada numa instituição mundial «encarnando ou representando as Nações Unidas – e, um dia, mesmo todas as nações do mundo», justamente originada num Conselho da Europa enquanto instrumento inicial destinado a abarcar os estados e governos de todo o continente europeu. Daí, nas palavras do então primeiro-ministro britânico:

«Tenho a mais sincera esperança, embora dificilmente possa esperar vê-la concretizada durante o meu tempo de vida, de que atingiremos o mais abrangente grau comum possível de integração na Europa sem destruir as características individuais e as tradições das suas muitas raças ancestrais e históricas.» (13)

Curiosamente, diz-nos ainda, a este propósito, Felix Klos que «Churchill não disse que a sua sincera esperança era ver uma Europa integrada sem destruir a soberania dos seus muitos estados-nações ancestrais». (14) E mais adianta: «Isso teria sido uma contradição entre termos. Num sistema político integrado, apenas as “características individuais e tradições” dos povos europeus teriam de ser protegidos». Mas aqui chegados, caber-nos-á averbar que, isso, sim, é que seria à partida uma contradição entre termos, embora, no limite, não só apenas isso: seria igualmente uma contradição imediatamente desfeita no mundo da realidade vivida, uma vez que não se pode esperar destruir os estados-nações (15) para logo depois simplesmente se afirmar que «as "características individuais e tradições” dos povos europeus teriam de ser protegidos». Uma coisa está necessariamente ligada à outra, como facilmente se depreende do mais elementar exame do que, a todos os títulos, nos aparece como uma espécie de mera ressalva ou concessão mal engendrada.

Ademais, não restam dúvidas de que Churchill visava «algo com um significado bem mais profundo do que um sistema a curto prazo de cooperação multilateral, em que os estados-nações mantivessem o seu total mandato de poder», e que, nessa ordem de ideias, «ele aceitava implicitamente a ab-rogação parcial da soberania nacional como requisito primordial da unificação». Ora, «ab-rogação parcial da soberania nacional» é apenas mais uma contradição entre termos, o que na prática extremamente dura da arena internacional só pode significar, tal como já estamos hoje inteiramente assistindo, à erosão programada e monitorizada das soberanias nacionais, de que Portugal é só um dos exemplos mais gritantes na sequência da destruição, aquando do 25 de Abril de 1974, das estruturas vitais de uma nação até aí historicamente una, pluricontinental e plurirracial. Logo, em termos continentais europeus, das duas uma: ou temos uma constelação de nações soberanas e independentes em estreita quão oportuna e desejável cooperação entre si, ou então temos, à imagem do presente, um superestado euro-mundialista composto por uma elite global de comissários e demais profissionais burocratas instalados num sistema centralista legislativo, executivo e judicial que não contempla nem respeita limites, barreiras e fronteiras naturalmente constitutivas dos diferentes povos, culturas e civilizações.


O jogo da aliança anglo-americana 


Compreende-se, agora, como, para Winston Churchill, a solução adequada e urgente da segurança mundial no pós-guerra passava, sobretudo, pela unificação europeia estritamente baseada numa aproximação franco-germânica sob liderança britânica, e, como tal, indubitavelmente redutível ao inevitável apoio americano, até porque, a seu ver, a liberdade e a preservação das Ilhas Britânicas e da tão apregoada civilização ocidental dependiam essencialmente disso. Ora, o apoio americano viria, aliás, na forma de uma forte componente de ajuda externa, pelo que, nessa medida, fora expressamente enviado a Washington, por incumbência do governo trabalhista, o economista John Maynard Keynes a fim de negociar um acordo de crédito cujos termos pesariam desfavoravelmente na balança do Império Britânico, já que, além dos 140 milhões de dólares que a Grã-Bretanha teria de pagar por ano em juros ao longo do remanescente século XX, haveria ainda que «eliminar eventualmente o seu sistema de relações comerciais preferenciais com os domínios do Império, aceitar um sistema global de livre comércio multilateral, e tornar a sua moeda livremente convertível, o que, por fim, levou à dolorosa desvalorização da libra» (16). Em suma: «A Grã-Bretanha queria continuar a ser uma potência mundial, sem abdicar das suas possessões coloniais, embora carecesse do peso financeiro para tal, enquanto os americanos estavam ideologicamente empenhados em desmantelar o Império Britânico e detinham os recursos financeiros para forçar este seu aliado.»

Deste modo, uma vez dado o quebra-cabeças resultante deste condensado jogo de forças, a grande questão centrava-se basicamente nisto: como manter o estatuto de potência global da Inglaterra de maneira a conservar os iniludíveis benefícios do Império e da Comunidade Britânica de Nações, por um lado, e a protecção atómica e financeira proveniente da aliança anglo-americana, por outro? Ora, nesta matéria, a resposta do estadista britânico era por então absolutamente clara e inequívoca: doravante, a almejada potência global da Inglaterra passaria pela participação numa união federal europeia, conquanto essa mesma participação implicasse necessariamente uma espécie de adesão de natureza bem diferente da dos estados continentais europeus, pois só assim, estando simultaneamente dentro e fora daquela união política e económica, podia a Inglaterra liderar a construção de um novo mundo do pós-guerra ao abrigo das Nações Unidas.



Alfred Milner


Escudo de Armas de Alfred Milner




Hotel Lord Milner na África do Sul









Porém, subjacente aos ditames desta nova ordem mundial, estivera, entretanto, o já histórico desenvolvimento e a consequente transição do Império britânico para a “Comunidade das Nações”, no âmbito da qual desempenhara papel de relevo Alfred Milner, o director de uma sociedade discreta de natureza oligárquica sediada em Inglaterra e promotora dos ideais anglo-saxónicos promovidos em círculos concêntricos internos: a Távola Redonda. Pode parecer, à primeira vista, que a chamada “Comunidade Britânica de Nações” significara, pura e simplesmente, uma cooperação entre os membros do sistema imperial britânico por contrapartida à sua antítese representada num projecto de federação do Império. Ora, nada poderia estar mais longe da verdade, uma vez que a Távola Redonda tivera, desde a sua origem, por objectivo a conjugação não de duas, mas de três ideias suplementares: 1. A criação de uma ideologia comum que abarcasse um desígnio mundial entre os povos e comunidades do Reino Unido, do Império e dos Estados Unidos; 2. A criação de instrumentos e práticas de cooperação entre tais povos e comunidades com vista ao estabelecimento de políticas paralelas comuns; 3. A criação de uma federação numa base anglo-americana imperial, senão mesmo numa base de governo mundial.

Por outras palavras, tais ideias não se excluíam entre si, posto que o projecto subjacente a elas subentendia um grau de realização efectiva que não cabia de todo no espaço de tempo que seria o do atribulado século XX. A estratégia a longo prazo, propriamente dita, estaria assim num sistema unitário secundado numa ideologia comum dirigida através das bolsas de estudo da fundação Cecil Rhodes, dos Grupos da Távola Redonda, dos Institutos de Relações Externas e até dos vários instrumentos de cooperação confinados às conferências de primeiros-ministros oriundos dos domínios do Império britânico. Aliás, não fora por acaso que o Grupo Milner também patrocinara uma política de apaziguamento em relação à Alemanha de Hitler, quando não mesmo cuidara do enfraquecimento da Liga das Nações, na crença de que a Inglaterra estaria então mais segura do seu destino uma vez isolada do continente europeu segundo um equilíbrio de poder particularmente fundado e suportado pelo Reino Unido, pelos domínios do Império e pelos Estados Unidos.

Uma das indubitáveis formas de sucesso para a implementação de uma ideologia comum de inspiração anglo-saxónica, passaria sobretudo pelas já referidas bolsas de estudo da fundação Cecil Rhodes, o que já de si explica a transformação da Universidade de Oxford numa espécie de universidade internacional apostada na assimilação ao modo de vida britânico de numerosos elementos não-ingleses, como indianos e até americanos, entre outros. E eis, compreensivelmente, que tais elementos mais depressa assimilariam os costumes britânicos do que as ideias propriamente ditas de fazer a política ou o jogo dos ingleses na arena internacional. E daí também o maior sucesso daquela ideologia nos Estados Unidos, ou até mesmo nos vários domínios do Império, designadamente na Índia, onde de algum modo prevaleceria a ideia britânica de liberdade em detrimento da lealdade para com o Governo de Sua Majestade.


Da União Pan-Europeia ao Movimento da Europa Unida 


Decorrido uma vez mais novo discurso de Winston Churchill, desta feita a 19 de Setembro de 1946, na Universidade de Zurique, o conde Coudenhove-Kalergi trataria de, ainda nesse mesmo dia, transmitir-lhe o seguinte: «Deus o abençoe pelo seu glorioso discurso, que promete vitória decisiva na sua segunda batalha pela Europa.» E quatro dias depois, mais diria: «O seu discurso tornou-me um dos homens mais felizes sobre a Terra – não sei como exprimir o meu sentimento de gratidão por tudo o que representou para a Europa, para o Movimento Pan-Europeu e para mim! A sua ajuda é incalculável, pelas suas tremendas consequências: agora que o senhor levantou a questão europeia, os governos já não podem ignorá-la.» (17)

Não tardaria, porém, a instalar-se um inevitável diferendo entre ambos, pois, se para Churchill, conviria, na senda do já célebre pragmatismo britânico, aproximar os povos francês e alemão na base de uma abordagem gradual que fosse a condição sine qua non para o sucesso dos Estados Unidos da Europa, já para Coudenhove-Kalergi a reconciliação daqueles povos somente avançaria na medida em que resultasse da união europeia já previamente formada e federalmente reconhecida. Daí nas palavras de Felix Klos: «Os federalistas radicais estavam a construir uma máquina; Churchill cultivava um organismo vivo. A breve trecho, esta divergência de abordagens daria lugar a um aceso conflito entre Churchill e Coudenhove-Kalergi, que viria a considerar Duncan Sandys como: um “distinto adversário [e] o meu mais perigoso opositor, decidido a suplantar-me na liderança do movimento.”» (18)

Pois bem: eis que chegara finalmente o momento de, sob a direcção britânica, se passar da retórica à acção pragmática no que particularmente toca ao emergente movimento europeu. E nisso, os ingleses eram especialmente eficazes, visto estarem bastante familiarizados no modo de operar e agir sob o domínio de grupos e círculos semi-secretos, de que um deles, autodenominado «O Foco», já havia constituído, nos tempos anteriores à guerra, um instrumento de profunda influência indirecta na luta contra o nazismo. (19) De resto, não seria por acaso que o núcleo mais íntimo do «Foco» seria, no pós-guerra, expressamente reactivado para doravante agir no sentido objectivo de um novo programa que viria a substituir a antiga influência nacional por uma vindoura influência internacional, ademais distinta da deficiente organização dos grupos pan-europeus que o conde Coudenhove-Kalergi estava criando, ou tentando criar na Suíça e na França.












Ver aqui




Por outro lado, também os «católicos sentiam-se, sem dúvida, atraídos pela concepção histórica e espiritual de Churchill da Europa como representando, essencialmente, a Cristandade, o bloco de poder geopolítico católico da era medieval e de inícios da modernidade que cobria a maior parte da geografia europeia. Das fileiras dos democratas-cristãos emergiriam eventualmente os homens hoje considerados os fundadores da União Europeia: Konrad Adenauer, da Alemanha, Robert Schuman, da França, e Alcide de Gasperi, da Itália. Embora todos tivessem longas histórias pessoais de apoio à ideia da unidade europeia, nenhum deles teria sido capaz de fazer algo de significativo para a sua concretização se Churchill não tivesse lançado a campanha em Zurique». (20)

Aliás, tudo isto não obstante o que, em determinada ocasião, fora pessoalmente dito por Winston Churchill ao conde Coudenhove-Kalergi:

«Pode ter a certeza de que um homem como eu, a quem a vida agraciou com sucesso em abundância, não tem qualquer interesse em usar o movimento da Europa Unida para promover ambições pessoais. O senhor criou este movimento. Ele poderia, portanto, ser conduzido sem o meu auxílio – mas dificilmente sem o seu! Pode ficar descansado que eu lidarei sempre consigo de forma justa.» (21)

Entretanto, procurara ainda Winston Churchill trazer para a causa internacional da solução europeia comum o general De Gaulle. Resultado: sem a total satisfação de todas as exigências francesas hasteadas por De Gaulle não seria possível estabelecer uma parceria franco-britânica no coração da Europa. De Paris, relataria assim Duncan Sandys:

«Ele [De Gaulle] disse que a referência feita no discurso de Zurique do Sr. Churchill a uma parceria franco-germânica tinha sido mal recebida em França. A Alemanha, enquanto Estado, já não existia. Todos os franceses se opunham violentamente à recriação de qualquer tipo de Reich unificado, centralizado, e nutriam fortes suspeitas quanto à política dos Governos americano e britânico. A menos que fossem tomadas medidas para evitar uma ressurreição do poder alemão, havia o perigo de que a Europa Unida se viesse a transformar em nada mais do que uma Alemanha alargada. Ele sublinhou que, para se conquistar o apoio francês em prol de uma união europeia, a França teria de entrar como parceira fundadora a par da Grã-Bretanha.» (22)

Certo é, porém, que os trabalhos preparatórios para discutir e formular a ideia dos Estados Unidos da Europa haviam sido, entretanto, iniciados a 3 de Dezembro de 1946, entre Churchill e o seu círculo restrito de simpatizantes e colaboradores, entre eles Leo Amery, Duncan Sandys e Robert Boothby. Com vista a cooptação de figuras do meio cultural e académico, Churchill abordaria ainda, inclusive, o «famoso matemático e filósofo Bertrand Russell, para que se juntasse ao Comité da Europa Unida ou ao que um dos seus secretários particulares então ainda designava por “grupo provisório dos Estados Unidos da Europa”. Russel aceitou imediatamente». (23)

A Declaração de Princípios do Comité da Europa Unida viria finalmente a lume a 16 de Janeiro de 1947. Nessa declaração, subscrita por 22 membros, «afirmava-se:

1. A erradicação definitiva da guerra só pode ser assegurada através da eventual criação de um sistema de governo mundial;

2. O objectivo deve ser unir todos os povos da Europa;

3. A Grã-Bretanha é parte integrante da Europa e deve estar preparada para dar o seu pleno contributo para a unidade europeia.» (24)

No lance, não demorariam a vir os magnatas financeiros e os conglomerados de primeira linha britânicos para financiar a campanha da Europa Unida, tais como os Rothschilds, a General Electric, a Lever Brothers, a Austin Motors, a Ford Motors, a Rolls-Royce, a Monsanto Chemicals, entre outros. Do outro lado do Atlântico, viria ainda ajuda financeira considerável, segundo Felix Klos:

«Em Julho de 1948, Sandys e Beddington-Behrens viajaram até aos Estados Unidos para expandir a base de apoio financeiro do movimento e para se encontrarem com os líderes do Comité Americano por uma Europa Unida. John Foster Dulles, especialista republicano de política externa e, mais tarde, secretário de Estado do presidente Eisenhower, e o irmão, Allen Welsh Dulles, o primeiro director civil da CIA, tinham registado o Comité Americano como uma instituição filantrópica e constituído o respectivo executivo. Qualquer assistência financeira que o grupo americano decidisse dar, dissera Sandys a Churchill antes de partir para a América, seria “inteiramente dedicado à campanha internacional do continente”.

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Duncan Sandys



Os irmãos Rockefeller. Ver aqui






Ao regressar a Londres, Beddington-Behrens comunicou a Churchill que se tinham reunido com os irmãos Dulles, que “falaram nos mais veementes termos acerca da necessidade de uma Europa Unida”. A família Rockefeller prometeu ajuda financeira e sugeriu que a causa, se devidamente organizada, necessitaria talvez de cerca de 25 milhões de dólares. Entre 1948 e 1960, o Comité Americano acabou por apoiar o movimento europeu com cerca de três milhões de dólares – o equivalente a quase 30 milhões em 2015. E em tudo isto, Churchill desempenhou um papel central. Depois de estabelecer os primeiros contactos transatlânticos, viajou para Nova Iorque com Boothby, em Março de 1949, para solicitar pessoalmente financiamento para o movimento. Três meses mais tarde, o movimento europeu recebeu um cheque do Comité Americano na ordem dos 25.000 dólares (um quarto de milhão, à cotação actual).» (25)

Entretanto, a ideia de realizar o Congresso da Europa surgiria em finais de Agosto de 1947, mais particularmente entre Duncan Sandys e o polaco Joseph Retinger. A conferência destinar-se-ia, pois, a suplantar os grupos, movimentos e organizações de cunho federalista, uma vez não serem suficientemente poderosos para influenciar, de modo eficaz e decisivo, os principais líderes políticos europeus e demais círculos governamentais do Velho Continente. Contudo, os federalistas belgas e alemães, que haviam até aí constituído uma considerável força de pressão para a unidade europeia, não seriam simplesmente descartados na prossecução da ambiciosa campanha em curso, mas, sim, internacionalmente coordenados em prol de uma Europa Unida.

Para isso, Winston Churchill, enquanto figura de proa e principal força motriz do Congresso de Haia, teria de necessariamente partir, numa base suprapartidária, de um colectivo de personalidades dos vários estados e nações europeias, incluindo os socialistas em Londres do Partido Trabalhista, além dos renomados socialistas do continente, como Léon Blum, Paul Ramadier e Paul-Henri Spaak. Além do mais, o plano de Churchill em prol de uma Europa Unida evoluía sobretudo em consonância com a política da já denominada Guerra Fria, e, portanto, com a necessidade de defender a Europa Ocidental contra a ameaça soviética, entretanto operada com o golpe comunista na Checoslováquia, a 23 de Fevereiro de 1948. De resto, fora também nesta linha que o estadista britânico oportunamente salientara, desta feita ao socialista francês Léon Blum, como «o seu apelo à unidade europeia motivara o apoio americano sob a forma do Plano Marshall: «Não consigo sentir que as minhas iniciativas tenham sido prejudiciais [...]. Deve estar recordado de que o sr. Marshall [o secretário de Estado dos EUA], na sua conferência de imprensa de 12 de Junho de 1947, revelou que fora a minha defesa dos Estados Unidos da Europa que influenciara o desenvolvimento, por ele, da ideia de que os europeus deviam operar a sua própria recuperação económica e que os Estados Unidos deviam prestar ajuda financeira». (26)

Aclarando, Churchill fora, pois, aquando do Congresso de Haia, deveras peremptório: «É impossível separar a economia e a defesa da estrutura política geral». (27) Ou seja: doravante teria de haver uma fusão ou quando muito um exercício de poderes soberanos dispostos a sacrificar, de alguma forma, a sua autonomia em vista de um desígnio superior comum: a unidade europeia. Daí nos termos do estadista britânico:

«Diz-se, com verdade, que isto implica algum sacrifício ou junção de soberanias nacionais. Mas também é possível e não menos agradável, ver isto como a assunção gradual, por todas as nações envolvidas, daquela soberania mais vasta que é a única capaz de proteger os seus diversos e distintos costumes e características e as suas tradições nacionais, todas as quais, sob sistemas totalitários, sejam nazis, fascistas ou comunistas, seguramente seriam apagadas para sempre». (28)

Consequentemente, ele pugnava, em última instância, por «ver uma forma de governo mundial em que o “Conselho da Europa, incluindo a Grã-Bretanha ligada ao seu Império e à Commonwealth", fosse um importante pilar de suporte». (29) No fundo, isso mesmo já subentendia o premeditado processo de entrega do poder e da liderança a assembleias e organizações internacionais por parte dos vários governos europeus enquanto orgãos legítimos de soberania e independência política. Aliás, Churchill sabia muito bem que o projecto de construção de uma administração planetária não só teria que necessariamente envolver o maior número de grupos, coligações e entidades governamentais, como ainda constituir um empreendimento a ser gradualmente concretizado, sem pressas nem precipitações, até porque inevitáveis obstáculos, delongas e dificuldades sobreviriam quanto à instauração de centros de decisão regionais sob a dependência de uma autoridade mundial indiscutível.

Assinatura do estatuto do Conselho da Europa (Londres, 5 de Maio de 1949).



Primeira sessão do Comité de Ministros do Conselho da Europa (Agosto de 1949).



1.ª sessão da Assembleia Consultiva


Palácio da Europa, em Estrasburgo







Entretanto, «o Conselho da Europa foi criado no dia 5 de Maio de 1949, com dois orgãos principais: uma Assembleia de deputados puramente deliberativa, não executiva, e um Comité de Ministros executivo. A Assembleia Consultiva, produto da campanha de Churchill, reunir-se-ia para debates durante cerca de um mês por ano, num recinto público, na cidade de Estrasburgo. O Comité de Ministros, produto da vontade de Bevin, juntar-se-ia sempre que necessário para tomar decisões com base na regra da unanimidade. Era mais do que lógico que Estrasburgo se tornasse a cidade-sede do Conselho da Europa. A sua posição geográfica, no centro da Europa Ocidental, tinha forte carga emocional: até 1949, franceses e alemães haviam lutado por três vezes no espaço de um século pelo domínio da Alsácia-Lorena, a região no Nordeste de França de que Estrasburgo é a capital e maior-cidade.

Todas as resoluções adoptadas na Assembleia teriam de passar pelo Comité de Ministros para acordo final e aprovação. Isto significava que, na prática, o Governo britânico mantinha a opção de bloquear qualquer política tendente a uma maior unificação da Europa que fosse contra os seus interesses. Não obstante esta fórmula de compromisso, Grã-Bretanha, França, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Itália, Irlanda, Noruega, Dinamarca e Suécia deram o passo histórico de criar a primeira instituição política europeia. Os 87 membros de um embrionário Parlamento Europeu viriam a reunir-se pela primeira vez em sessão plenária em Agosto de 1949, para chegarem a acordo quanto às dificuldades que rodeavam o progressivo desmantelamento das barreiras nacionais». (30)

Ora, numa primeira instância, tudo prosseguia no já delineado sentido de se poder consolidar um instrumento de governo comum europeu, para, então, numa última instância, fundar-se uma nova ordem mundial. A isto se propunham, indubitavelmente, os federalistas radicais desejosos de uma entrega imediata da soberania de cada uma das nações europeias, assim como os socialistas e muitos dos conservadores britânicos reunidos em Estrasburgo. Enfim, nas suas linhas gerais, tudo era retoricamente alimentado e preconizado em nome de uma nova entidade supranacional dita democrática, livre e progressista sem a qual não seria supostamente possível a restauração da prosperidade e a preservação da paz.

«Isto é esplêndido. Isto é muito divertido» (31), diria, no ínterim, Winston Churchill. Mas, apesar de tudo, o Movimento da Europa Unida acharia ainda necessário proceder a consideráveis alterações no Conselho da Europa, na medida em que, a seu ver, progredia lentamente em função de se tratar de uma instituição puramente colaborativa, e, portanto, demasiadamente controlada por um Comité de Ministros que «estava ainda tão estreitamente ligado aos interesses nacionais que era quase impossível quaisquer decisões europeias autónomas em Estrasburgo». Em suma: «Tudo estava dependente dos governos nacionais». (32)

Urgia, por conseguinte, criar, no âmbito do Conselho da Europa, uma autoridade política europeia que tivesse, de facto, verdadeiro poder, o que, para o efeito, só seria efectivamente possível através da imprescindível fusão de poderes e estruturas nacionais soberanas em prol de uma plataforma política e económica comum. Como princípio norteador desse processo estaria, então, um instrumento de decisão aparentemente democrático, embora na realidade apto a ditar e regulamentar nos meandros dos bastidores toda a política comum dos chamados “direitos humanos” e das relações externas e demais assuntos de ordem economicista. Assim, com «o Comité de Ministros funcionando como uma espécie de governo embrionário e a Assembleia como um parlamento embrionário, a Autoridade Política supervisionaria e criaria instituições “funcionais” que lidassem com o vasto leque de áreas da integração europeia». (33)

O ministro francês dos Negócios Estrangeiros abre as negociações intergovernamentais para a implementação do Plano Schuman (20 de Junho de 1950).


Lançamento, a 19 de Março de 1951, do Plano Schuman para a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA).


Nisto, os Estados-membros do Conselho da Europa ficariam progressivamente sob a alçada da denominada integração europeia através de novas instituições entretanto criadas ou na iminência de serem criadas com vista a uma futura organização federal. Mas, enquanto vai não vai, tudo seria oportunamente regido em termos de gradual expansão e aprofundamento, numa Europa, como já então se costumava dizer, a várias velocidades, dando assim a ideia de uma solução aparentemente livre e flexível. Contudo, encalhada a criação de uma autoridade política europeia devido ao recuo e à eventual hostilidade dos ministros, «os franceses começaram a propor a criação de autoridades “funcionais” independentes, como o Plano Schuman e o Plano Pleven, com o objectivo explícito de concretizar, a curto prazo, uma federação da Europa Ocidental». (34)

Ora, Churchill, por contrapartida, continuava a bater na tecla de uma carta vinculativa dos direitos humanos para o continente europeu. Logo, a sua ideia passava pelo seguinte: a criação de um tribunal europeu supranacional sob o pretexto de se combater um eventual ou emergente sistema totalitário, nomeadamente o de cariz soviético, para, dessa forma, poderem ser teoricamente garantidos os direitos básicos e invioláveis dos cidadãos, a ponto mesmo de um qualquer estado do continente, uma vez acusado, poder ter que responder perante uma instância internacional especificamente destinada para um tal efeito. De resto, a adesão ao Conselho da Europa teria que necessariamente implicar que um país aceitasse automaticamente a jurisdição de um tribunal internacional dos direitos humanos à escala regional, até porque, a nível global, já havia sido entretanto estabelecido um precedente não menos sensível mediante a Declaração dos Direitos Humanos da ONU.

Nesta matéria, não há, pois, dúvida nenhuma quanto ao facto de um tribunal europeu poder vir a constituir um sério obstáculo para os interesses nacionais de cada um dos países do Velho Continente, como, aliás, se deram imediatamente conta os elementos mais pragmáticos do Governo de Sua Majestade. E, no entanto, acabaria por ser assinada a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em Roma, em Outubro de 1950. «O ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Robert Schuman, classificou-a como “o primeiro resultado concreto alcançado em Estrasburgo”. O Governo britânico ficou tão satisfeito que até aplicou a Convenção nas suas colónias, embora só 50 anos mais tarde “O Novo Trabalhismo” [New Labour] viesse a introduzir a Lei dos Direitos Humanos, incorporando a Convenção na legislação inglesa». (35)


O Exército Europeu 


Por outro lado, já então teria ocorrido, na Assembleia de Estrasburgo, numa manhã de sexta-feira, 11 de Agosto de 1950, outro discurso de Churchill, agora sobre a necessidade de se criar um «Exército europeu sob a direcção de um comando unificado». E a justificação, claro está, assentava na não menos imperiosa necessidade de se construir um sistema de defesa europeu hermético que «impediria uma invasão comunista e daria ao Ocidente melhores hipóteses de estabelecer um acordo de paz pós-guerra com os soviéticos, assente sobre a força, e não sobre a fragilidade» (36). Além do mais, Churchill leria ainda «à Assembleia a moção acabada de ser incluída na lista de documentos que seriam submetidos a votação, fazendo um apelo à “criação imediata de um exército europeu unificado, sujeito ao devido controlo democrático europeu e agindo em plena cooperação com os Estados Unidos e o Canadá”». (37) Em suma: a resolução, «com o esmagador apoio francês e alemão», seria «aprovada com 89 votos a favor, cinco contra e 27 abstenções».

Já depois do tão ambicionado resultado, Churchill diria, inclusivamente, ao presidente americano Harry S. Truman algo que vale a pena transcrever: «O fim das desavenças entre a França e a Alemanha, por meio daquilo que, na verdade, é um acto sublime da parte dos líderes franceses e uma bela manifestação da confiança da Alemanha Ocidental na nossa e na vossa boa-fé e benevolência, é, penso eu, um imenso passo em frente na direcção daquele tipo de mundo pelo qual eu e o senhor temos vindo a lutar.» (38) Ora, o que poderia, na verdade, querer isto dizer senão que, da parte de Churchill, se esperava assim atrair o envolvimento dos americanos na defesa da Europa contra os soviéticos? E quem diz dos americanos diz necessariamente da NATO, uma vez que o estadista inglês achava que o surgimento do exército europeu só poderia, de facto, emergir desde que permanecesse sob a alçada de uma força do «Super-Exército do Pacto Atlântico». (39)












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Ainda neste sentido, Churchill mostrar-se-ia, decerto, um gradualista na construção da nova Europa, até porque desde logo evitara abordar directamente os objectivos políticos do Plano Pleven, os quais implicavam usar o exército europeu para a criação imediata de uma política externa comum, e, nesse pressuposto, para a rápida organização de uma federação europeia. Daí, aliás, a proposta do Governo francês para a criação de uma Comunidade Europeia de Defesa, especialmente concebida com vista a um sistema de controlos federais que tão logo permitissem avançar na união europeia. Aclarando, Churchill, a certa altura, chegara mesmo a afirmar «sem quaisquer rodeios que o Plano Pleven era fundamentalmente diferente do que ele tivera em mente ao propor inicialmente, em Estrasburgo, a criação de um exército europeu. O estadista criticou severamente os planos franceses, insistindo com vigor nalguns dos seus temas favoritos: “Um exército precisa de ter espírito e tradição. O Exército Europeu, tal como actualmente planeado, só podia ser ‘uma amálgama lamacenta’. Passados vários anos, poderia desenvolver um esprit de corps, mas o tempo escasseia e nós ficaríamos apenas com uma força deficiente e ineficaz”». (40)

No mais, «a Comunidade de Defesa acabaria por desabar durante o processo de ratificação na Assembleia Nacional Francesa, em 1954, tal como os conservadores de Estrasburgo haviam esperado, porque os sucessivos governos britânicos foram rejeitando os elementos constitucionais do plano final e recusaram participar como membro pleno. Para ratificarem o plano, os deputados franceses à Assembleia Nacional precisavam de mais garantias inglesas do que aquelas que os britânicos estavam dispostos a oferecer. Sem a Grã-Bretanha não poderia haver um exército europeu nos moldes de Pleven». (41)


O Plano Schuman 


Baptizado com o nome do ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Robert Schuman, o plano em questão visara sobretudo a criação de uma Alta Autoridade supranacional que tivesse por principal objectivo o desenvolvimento económico comum como primeiro passo da federação europeia. Inspirado pelo euro-mundialista Jean Monnet, um tal plano significava, de resto, a transferência da iniciativa e da liderança de uma união europeia da esfera britânica para a esfera dos continentais. Daí, por conseguinte, a proposta de uma produção franco-germânica do carvão e do aço, se bem que igualmente aberta à participação de outros países europeus, o que finalmente viria a suceder com o Tratado de Paris de 18 de Abril de 1951, posto que, nessa medida, à França e à Alemanha se uniriam a Itália, a Bélgica, a Holanda e o Luxemburgo.

Como se vê, a Grã-Bretanha não aderira, visto ser demasiadamente evidente o risco envolvido para a sua independência política:

«A integração sectorial dos mercados e recursos do carvão e do aço na Europa Ocidental continha em si a promessa de tornar a guerra materialmente impossível, modernizar a produção, expandir as exportações e aumentar o nível de vida e dos salários dos trabalhadores. Aos países convidados a participar era, portanto, pedido que considerassem a ideia económica da integração das indústrias básicas europeias, mas primeiro que tudo era-lhes pedido que considerassem a ideia política da fusão de parte da sua soberania nacional numa Alta Autoridade “supranacional” e independente.» (42)

No entanto, esta entidade supranacional já havia, de certo modo, sido amplamente discutida no âmbito do Movimento Europeu quanto à necessidade de se criar um mercado comum europeu e uma união aduaneira que, como é óbvio, não podia dispensar o controlo internacionalizado das indústrias do carvão, ferro e aço da Grã-Bretanha e da Europa Ocidental. Logo, embora «seguramente não tão entusiastas do princípio da supranacionalidade quanto alguns europeus continentais, os Conservadores de Estrasburgo aceitaram desde cedo a necessidade de, até certo ponto, conjugarem soberanias. Enquanto tal, Churchill havia dito acerca da sua ideia de união política, em 1948: “Diz-se, com verdade, que isto envolve algum sacrifício e a fusão de soberanias nacionais”. Em 1949, quase com o mesmo discurso, Boothby declara-se a favor da “fusão ou conjugação de soberanias – não tanto a cedência, mas antes o exercício conjunto, por comum acordo, de certos poderes de soberania específicos”. A estrutura que Boothby tinha em mente para alcançar uma “união ou federação de estados livres” era do tipo de desenvolver “autoridades funcionais”. Ele esperava que essas autoridades funcionais fossem colocadas sob a alçada de um Conselho da Europa reforçado.













Correspondentemente, num memorando de Setembro de 1949, Sandys primeiro propusera que se criasse a partir do Conselho da Europa uma Autoridade Política Europeia, que supervisionaria as “autoridades funcionais” mencionadas por Boothby. Maxwell Fyfe, ao discutir a Convenção dos Direitos do homem proposta, alegara que o princípio da supranacionalidade era benévolo e familiar, por ser já inerente às Nações Unidas. E Macmillan escrevera acerca das metas britânicas em Estrasburgo: “Embora quase todos fôssemos avessos ao conceito federal que alguns extremistas promoviam entusiasticamente, aceitámos que uma sincera parceria na tarefa comum de reconstruir a Europa tem de implicar alguma cedência de soberania e a criação de uma qualquer forma de organização política”. Nada disto equivalia a uma aceitação inquestionável da supranacionalidade, nem, claramente, a um apoio à adesão a uma união federal rígida. As declarações sobre a fusão de soberanias apontavam era na direcção de um compromisso geral em conjugar o poder numa estrutura europeia onde os interesses britânicos seriam servidos e onde estaríam instauradas adequadas salvaguardas. Os discípulos de Churchill pareciam ter um melhor entendimento do que ele próprio de como tudo isto poderia funcionar, oferecendo planos mais detalhados do que o seu líder.

Quando Schuman anunciou o seu plano para um fundo comum do carvão e do aço, Churchill ficou numa posição difícil. Para manter a liderança da campanha europeia precisava simultaneamente de insistir na participação britânica nas negociações e de alertar para o facto de que uma organização como a que Schuman propunha devia ser controlada no Conselho da Europa.

No dia 15 de Maio, depois de uma reunião presidida por Churchill, o seu Movimento da Europa Unida emitiu um comunicado de imprensa aplaudindo o Plano Schuman. Contudo, em vez de aceitar calorosamente todas as particularidades do plano, exortava, mais genericamente, o Governo a anunciar de imediato que estava preparado para “desempenhar o seu pleno papel, juntamente com os governos dos outros países europeus, no desenvolver de métodos para a concretização prática das propostas formuladas pelo Sr. Schuman”. Havia desvantagens evidentes para a Grã-Bretanha em aderir ao Plano Schuman: implicaria uma cedência parcial de soberania nacional e produziria efeitos desconhecidos sobre a economia britânica. A indústria do aço britânica ainda continuava a ser a mais forte da Europa, produzindo esta matéria-prima mais barata do que qualquer outro país. Além do mais, uma perda de soberania nestas áreas específicas provavelmente minaria os compromissos e as responsabilidades imperiais. Por outro lado, uma remodelação das indústrias pesadas europeias sem que a Grã-Bretanha estivesse sequer presente à mesa das negociações era um perigo claro e iminente para os interesses britânicos na Europa e dentro do seu país.» (43)

Em suma: se os europeus continentais procuravam criar uma união federal com base num determinado processo constitucional, a Grã-Bretanha procurava, ao invés, formas economicamente funcionais de ficar estreitamente associada a uma integração europeia que não tolhesse de todo o cumprimento dos seus interesses globais no ambito do mundo anglófono e da Comunidade Britânica de Nações. Aliás, seria nesse sentido que o próprio Churchill sugerira ao então Governo trabalhista a participação em negociações que não seguissem cegamente os objectivos franceses na implementação de uma união federal, mas antes perseguissem uma fusão das indústrias pesadas, ainda que a despeito da diminuição categórica das soberanias nacionais nela implicadas. Porém, tudo isso resultara em vão, pois, entretanto, «a moção de Churchill para enviar o Governo a Paris foi reprovado por 309 votos contra 296, reflectindo bem o equilíbrio do poder no Parlamento, naquela época. O primeiro-ministro Atlee ficou satisfeito com o resultado e escreveu ao irmão, dizendo: “Acho que o WSC [Churchill] fez figura de parvo por causa do Plano Schuman. Ele tem tendência para mergulhar de cabeça sem tomar em consideração as consequências. É generalizadamente considerado que nos saímos melhor no debate.» (44)


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Notas: 

(1) Franco Nogueira, Salazar, III, As grandes crises (1936-1945), Livraria Civilização Editora, 1983, p. 327.

(2) Idem, ibidem, p. 323.

(3) A propósito desta ideia, diz-nos Félix Klos, no livro intitulado Unir a Europa. A última batalha de Churchill (Clube do Autor, 2018, pp. 385-386): «Possivelmente, a primeira vez que Churchill foi confrontado com ideias relacionadas com uma espécie de Estados Unidos da Europa foi em 1904, quando lhe foi enviado um trabalho de sete páginas – intitulado “Estados Unidos da Europa” e escrito por um oficial do Exército alemão – que argumentava que “o bem-estar económico da Europa estava a ser exaurido pela enorme proliferação da despesa militar com vários exércitos e marinhas separados” e sugeria a criação de “uma aliança defensiva entre a Grã-Bretanha e a França, que trataria de pôr a primeira a assumir a provisão do grosso dos meios da Marinha e a última a maior parte do Exército.», A. Packwood, “Winston Churchill and the United States of Europe, 1904-1948”, Comillas Journal of International Relations, III/VII (set.-dez. 2016), p. 2; CAC, CHAR 2/18/36, Sr. Jameson de Leadenhall House a WSC, 12 de Outubro de 1904».

(4) Daí, neste contexto, o denominado europatriotismo.

(5) Adolf Hitler, Meín Kampf (A Minha Luta), E-Primatur, 2016, p. 430.

(6) Felix Klos, op. cit., p. 51.

(7) Felix Klos, op. cit., pp. 67-68.

(8) Idem, p. 72. O livro de Felix Klos encontra-se vulgarmente traduzido de acordo com as normas do chamado “acordo ortográfico” em curso. Nas transcrições aqui empreendidas, tais normas foram inteiramente ignoradas em virtude da justa consideração que devemos ao precauto leitor da língua portuguesa.

(9) Idem, pp. 73-74.

(10) Note-se, aliás, nas palavras de Felix Klos, as antecipadas objecções de Churchill a futuras críticas expressamente lançadas contra a criação dos Estados Unidos da Europa, objecções essas que decorriam no contexto de uma nota a que o estadista britânico intitulara de “Pensamentos matinais”: «Os conselhos regionais que o primeiro-ministro [W. Churchill] propunha continuariam a estar subordinados ao tipo de organização mundial que Eden e o Ministério dos Negócios Estrangeiros desejavam ver criada. Os Estados Unidos da América teriam uma ligação muito próxima com o Conselho da Europa.» (in Felix Klos, op. cit., p. 85). Além disso, no que também respeita ao discurso de Churchill, proferido a 9 de Maio de 1946, perante os Estados Gerais holandeses, na capital política, Haia, diz-nos ainda Felix Klos: «(...) Churchill prestava homenagem ao ideal do “Mundo Uno” da Organização das Nações Unidas para justificar uma exposição da sua defesa de reforçar e criar uma série de “associações especiais” – um retorno à sua concepção da altura da guerra de estabelecer vários conselhos regionais para apoiar a estrutura global. Ao invés de enfraquecer a estrutura das Nações Unidas, Churchill acreditava que associações especiais do tipo da Comunidade Britânica de Nações ou criadas pelos laços fraternais entre os povos de língua inglesa, na verdade, tornariam a ONU “indivisível e invencível.”» (in op. cit., pp. 111-112).

(11) Cf. Arkady N. Shevchenko, Ruptura com Moscovo, Edição «Livros do Brasil», 1985, p. 143.

(12) Cf. Jacques Bergier, A Espionagem Científica, Edição «Livros do Brasil», pp. 227-255.







(13) Felix Klos, op. cit., pp. 86-87.

(14) Idem, p. 87.

(15) Churchill, efectivamente, faz antes uso da expressão «raças ancestrais e históricas» em vez de «estados-nações ancestrais».

(16) Cf. Felix Klos, op. cit., p. 134

(17) Cf. Felix Klos, op. cit., pp. 144-145.

(18) Idem, p 145.

(19) Idem, p. 154.

(20) Idem, p. 159.

(21) Idem, pp. 162-163.

(22) Idem, p. 167.

(23) Idem, p. 169.

(24) Idem, p. 177.

(25) Idem, pp. 182-183. Por outro lado, na sequência da inauguração pública oficial do Movimento da Europa Unida celebrado no Royal Albert Hall, a 14 de Maio de 1947, adianta ainda Felix Klos: «O discurso [de Churchill] foi suficientemente poderoso, em combinação com o inicial trabalho de base levado a cabo pelo conde Coudenhove-Kalergi nos EUA, para convencer o congressista e o senador americanos Boggs e Fulbright a apresentarem uma resolução no Congresso dos Estados Unidos. Com a aprovação unânime da imprensa americana, o documento declarava: “Que o Congresso, pela presente [declaração], apoia a criação dos Estados Unidos da Europa no quadro das Nações Unidas”». (Idem, pp. 195-196).

(26) Idem, p. 210.

(27) Idem, p. 226.

(28) Idem, p. 226.

(29) Idem, p. 228.

(30) Idem, pp. 242-243.

(31) Idem, p. 249.

(32) Idem, p. 258.

(33) Idem, p. 259.

(34) Idem, p. 260.

(35) Idem, p. 263.

(36) Idem, p. 276.

(37) Idem, p. 276.

(38) Idem, p. 277.

(39) Idem, p. 284.







(40) Idem, p. 286. A perspectiva de Churchill sobre o exército europeu transparece, aliás, nestas suas palavras: «À medida que as coisas se foram desenvolvendo, a minha ideia sempre foi como se segue: há o exército da NATO; dentro do exército da NATO há o Exército Europeu; e, dentro do Exército Europeu, há o Exército Alemão». E mais adianta Felix Klos: «A Grã-Bretanha e todos os restantes, incluindo a Alemanha, contribuiriam com divisões dos seus exércitos nacionais para lutarem no Exército Europeu. Ao invés de se aceitar a ideia federalista de Pleven, de fundir forças armadas ao nível dos escalões mais baixos, afundando as forças de combate nacionais numa identidade europeia não-existente, Churchill queria usar os efeitos benignos do espírito nacional numa força internacional. “As características nacionais devem ser preservadas até ao escalão da divisão”, escreveu ele. “[Com] esta base e dentro destes limites, o orgulho nacional pode ser levado a promover e a servir a força internacional”». (Ibidem, p. 328). E daí, por conseguinte, esta sua reticência: «Ele [o exército europeu] não vai combater se lhe retirarem todos os vestígios de nacionalismo». (Ibidem, p. 330).

(41) Idem, p. 287.

(42) Idem, p. 288.

(43) Idem, pp. 293-296.

(44) Idem, p. 303.

Continua


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