domingo, 19 de maio de 2019

O euro-mundialismo (ii)

Escrito por Miguel Bruno Duarte











O sistema globocrático da ONU e a concertada erosão das soberanias nacionais 


Relata-nos Felix Klos, a propósito da «segunda reunião da Europa Unida, no dia 18 de Dezembro de 1946», o seguinte:

«[Churchill] falou usando a terminologia militar – fácil de acompanhar por uma audiência que acabava de atravessar meio século de guerras. Um grande exército, explicou, tem um quartel-general (a ONU). Não se pode esperar que o quartel-general lide directamente com as divisões e as brigadas (as nações individuais do mundo), pois este processo rapidamente degeneraria no caos. Todos sabiam que, dentro do exército, era preciso haver Grupos de Exércitos (como a Europa Unida), através dos quais, somente, a vontade do comando supremo (a ONU) pode ser concretizada.» (45)

Por outras palavras, o que Churchill queria efectivamente dizer é o seguinte: a estrutura central da ONU só poderia funcionar através do envolvimento de organizações regionais, à imagem dos grupos regionais já então existentes «nas Américas, na Comunidade Britânica de Nações e na irmandade de países eslavos liderados pela Rússia» (46). No fundo, uma tal concepção já, de facto, previa e augurava aquilo que estaria na origem das futuras “uniões de comércio livre” com vista a congregarem, lenta mas seguramente, todo um conjunto de vantagens, benefícios e interesses económicos aparentemente comuns, embora a médio e a longo prazo confinados à concentração autocrática do poder político segundo termos, directrizes e diktats oriundos de objectivos estratégicos puramente globais. Por conseguinte, essas “uniões de comércio livre”, já predominantes nos dias de hoje, acabariam assim por visar a gradual e concertada fusão dos diferentes países para que daí sempre resultem novas plataformas regionais que possam deveras sustentar a arquitectura centralizadora de um governo mundial com moeda única, exército único e uma tecnocracia global única.

Nesta ordem de ideias, saliente-se ainda, na actualidade, o papel do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) enquanto bloco geopolítico destinado a alterar e concentrar o poder político, económico e financeiro em termos de predominante multilateralismo na ordem das relações internacionais – que o mesmo é dizer na ordem da acção colectiva sob o controlo intergovernamental dirigido pela ONU. De resto, à implementação do comunismo no Brasil não tem sido alheio o modo como vem sendo prontamente consolidado o recente sistema de dominação mundial, cuja configuração se acentuou uma vez terminada a Segunda Guerra Mundial. Daí a vigente predominância das instituições de Bretton Woods na consolidação desse sistema, designadamente o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional enquanto entidades burocráticas integrantes do sistema das Nações Unidas com vista à administração planetária. Isso é, aliás, o que comummente se proclama por interdependência em detrimento do que até há bem pouco tempo naturalmente se designava por independência nacional – política, económica e culturalmente falando.

É um facto que nas mais diversas instituições universitárias e orgãos de comunicação social de todo o mundo, prevalece uma opinião puramente errónea quanto ao atribuído fim do comunismo, geralmente identificado com o colapso da União Soviética. No entanto, é também um facto que a esquerda mundial está hoje mais unificada e organizada do que há 70 ou 80 anos atrás, como largamente acontece no Brasil e em grande parte da América Latina. E assim, pois, se explica a existência do Foro de São Paulo como uma plataforma comum destinada à concertada implementação do comunismo no continente sul-americano, a par de um esquema revolucionário que só no Brasil, por exemplo, articula e conjuga narcotráfico, terrorismo e uma das maiores taxas de criminalidade de todo o mundo.

Nisto, em termos puramente académicos, por norma abstractos ou habitualmente falhos de veracidade, também corre, curiosamente, a seguinte imagem aparentemente explicativa do que actualmente se passa na cena internacional:

«A ONU é herdeira de uma tradição de diplomacia multilateral que tem as suas raízes no séc. XIX com as conferências diplomáticas internacionais. Estas conferências tiveram uma dupla importância: são as precursoras das modernas organizações internacionais [entenda-se as “organizações intergovernamentais” (OIGs)], enquanto fóruns multilaterais de discussão dos problemas internacionais e criaram os primeiros mecanismos diplomáticos e jurisdicionais de resolução dos conflitos.» (47)


Ora, na verdade, tudo isto somente representa um boneco de palha para entreter os agentes universitários que, na sua proverbial insciência quanto ao que fundamentalmente estivera na origem da Organização das Nações Unidas, nunca se deram ao cuidado de averiguar o sentido e a razão de ser de uma instituição que constantemente propala a existência de uma crise mundial cujas «soluções» apresentadas procuram obrigar tudo e todos à adopção arbitrária de um conjunto de metas e procedimentos previamente decididos em foros multilaterais ditos ou tidos por inteiramente legítimos, imprescindíveis e inquestionáveis. Porém, e por contrapartida, vejamos, numa sinopse, o que realmente subjaz aos desígnios de uma instituição internacionalista que preconiza a sistemática erosão dos princípios, mecanismos e instrumentos político-económicos que sempre estiveram na base imprescindível das entidades soberanas nacionais:

1. A ONU, a pretexto de debelar conflitos de natureza interna, estabelece a necessidade, quando oportuna, de intervir na esfera interna dos Estados (48), naturalmente distinta dos conflitos que na esfera externa podem ocorrer nas lutas entre Estados e, por isso, resultam eventualmente numa ameaça para a paz e a segurança internacionais (49). Uma tal intervenção na esfera interna dos Estados pode, aliás, ser realizada sob a capa de uma “intervenção humanitária” (50), por intermédio da qual se pode igualmente reforçar a ameaça ou a utilização da força por parte da ONU a pretexto de graves violações dos direitos humanos eventualmente cometidas por um qualquer Estado infractor do direito internacional. De resto, fora precisamente na esfera intervencionista da ONU, nesta como noutras matérias, que o egípcio «Boutros-Ghali afirmou que “a velha doutrina da soberania exclusiva e absoluta já não colhe e, efectivamente, nunca foi tão absoluta como foi concebida enquanto teoria. Um grande desafio intelectual do nosso tempo é repensar a questão da soberania.”» (51) Numa palavra: destruí-la.

2. A pretexto do fornecimento de assistência técnica e de serviços de aconselhamento vários, a ONU tem ainda procurado agir no âmbito da reforma das legislações nacionais a fim de aí incorporar as propaladas “normas internacionais de Direitos Humanos”. (52) A par disso, segue-se igualmente a já estafada quão repisada propaganda da «democratização», bem como a assistência eleitoral e a consequente formação de juízes e funcionários dos tribunais que levarão a cabo as reformas legislativas e constitucionais a serem implantadas a médio e longo-prazo em todas as partes do globo.

3. Com o aparecimento, nos anos 90 do século passado, da noção de “desenvolvimento humano sustentado” (53), a ONU passou então a preconizar, de uma forma ostensiva, a necessidade de doravante se operar uma transição de conceitos até há pouco relativamente vigentes, como “segurança nacional”, “integridade territorial” e “independência política”, para aquilo que mais particularmente se passou a designar por “segurança humana”. Aqui, o objectivo último é, pois, muito claro: abranger todas as esferas de actividade humana (54), de modo a melhor garantir o controlo e a vigilância do género humano em nome do “desenvolvimento sustentável” e da paz mundial. Ora, o que se segue pressupõe-no sem mais: «"Segurança humana" é um conceito holístico que abrange as várias fontes de insegurança individual, incluindo as associadas à violência tradicional e à violação dos Direitos Humanos, mas também a pobreza, as epidemias, a falta de cuidados médicos, as crises económicas, e as crises ambientais, entre outras. O conceito tem algumas características próprias e originais: (1) “segurança humana” complementa o conceito territorial de segurança do Estado, pois diz respeito mais ao indivíduo ou comunidade do que ao Estado; (2) tem como foco as pessoas e as comunidades, especialmente os civis que estejam em situação de vulnerabilidade extrema, devido a guerras ou por marginalização social e económica; (3) os perigos para a segurança das pessoas incluem ameaças e condições nem sempre vistas como tais para a segurança do Estado; (4) o campo dos actores é mais amplo, deixando de ser exclusivamente estatal; (5) o objectivo da “segurança humana” implica, não somente a protecção das pessoas, mas também o seu “empowerment”, para poderem enfrentar os problemas da sua existência; (6) o respeito dos Direitos Humanos constitui o núcleo de protecção humana; (7) os princípios democráticos são a base da segurança humana e do desenvolvimento, pois só eles permitem assegurar a participação das pessoas nas estruturas de governação.» (55)

4. Consequentemente, a agenda global da ONU tem vindo a determinar todo um rol de disposições regulamentares que visa envolver todos os indivíduos, grupos e comunidades como se estes, no seu conjunto, estivessem verdadeiramente conscientes da sua acção tida por independente no aparente domínio da satisfação das suas necessidades e interesses; a verdade, porém, é que a ONU não concebe nenhuma actividade humana, seja ela qual for, que não esteja mais directa ou indirectamente compreendida na esfera de um bem público global, no sentido, aliás, de que o que mais importa é, na mais pura retórica, «o desenvolvimento das pessoas, privilegiando a qualidade da vida humana, e não as posses materiais» (56); quer isto, entretanto, dizer que o conceito de “desenvolvimento” traçado pela ONU passa essencialmente por um quadro normativo ditado por rígidos padrões de governação (“governance”) a nível local, inter-regional e global, como que numa base de subsistência elementar assaz dependente de uma estrutura universal de “segurança social”, por contrapartida ao direito inalienável de propriedade susceptível de perpetuar a personalidade, a individualidade, a herança e a hereditariedade mediante o amor e a família portanto.








5. A implementação, a nível planetário, de um quadro normativo completo por parte da ONU, com suas prioridades comuns no domínio do “desenvolvimento sustentável”, tem inclusivamente passado pela promoção efectiva de conferências, cimeiras e assembleias globais sem as quais teria sido praticamente impossível envolver ora Chefes de Estado e funcionários dos governos, ora empresas, ONGs e outros agentes fundamentais a fim de melhor centralizar recursos, dinheiro e influência na construção de um movimento mundialista fundamentalmente distópico.

6. A agenda da ONU para o controlo e a diminuição da população mundial é ainda, decerto, outro dos factores que actualmente mais controvérsia tem suscitado no âmbito do já denominado eco-desenvolvimento enquanto alegado processo de modificação da natureza em termos da sua sustentabilidade e impacto sobre as necessidades humanas. Um tal movimento tem sido, aliás, abusivamente propalado por toda a espécie de activistas, desde anarquistas, comunistas e socialistas a toda a sorte de ideólogos do espectro político dominante, a ponto mesmo de a sua bandeira em “defesa do meio ambiente” assumir uma carga ideologicamente revolucionária, ademais traduzida na luta contra o capitalismo entendido como um modelo ecologicamente predador. Ora, a ONU, firmada nas suas agências e numerosas ONGs, promove e sanciona todo este caudal subversivo em prol da chamada “economia verde”, cujas raízes, de um modo geral, remontam aos finais dos anos 60 e princípios dos anos 70 do século XX. Veja-se, a este respeito, a série de publicações que já por então imputavam o fim do mundo ao modo de produção capitalista, entre as quais se destacam: «Silent Spring (1962) de Rachel Carson; Paul Ehrlich, (The Population Bomb, 1968), Garret Hardin (Tragedy of the Commons, 1968); os relatórios do Clube de Roma, especialmente Limits of Growth (1972)». Em suma: «Estes estudos reforçaram a teoria malthusiana, que relaciona o crescimento da população com a degradação ambiental e o esgotamento dos recursos naturais. Estes estudos colocaram a questão ambiental na agenda internacional.» (57)

7. No que também respeita ao controlo e diminuição da população mundial, a ONU tem prontamente preconizado a adopção de um novo esquema global de “saúde reprodutiva”, especialmente radicado numa suposta educação e atribuição de poderes às mulheres com vista a uma redução eficaz das taxas de crescimento demográfico por via do “planeamento familiar” (58).

8. Tanto ao nível dos centros urbanos (Smart Cities) como ao nível das zonas rurais, a ONU tem igualmente apostado num plano mundial por intermédio do qual surgem amplamente definidas as directrizes políticas especialmente dirigidas aos vários governos, presidentes dos municípios e demais entidades ligadas às autarquias internacionalmente reconhecidas para o devido efeito.

9. Com vista à implementação de uma “Nova Ordem Mundial”, a ONU não se tem coibido de codificar o chamado Direito Internacional, mais particularmente delineado e projectado por orgãos mundiais tais como a Comissão de Direito Internacional (CDI) (59), o Tribunal Internacional de Justiça e a Sexta Comissão da Assembleia Geral (60) (Comissão para Assuntos Jurídicos). Deste modo, a «Assembleia Geral também pode criar comités especiais para examinar questões jurídicas específicas. De entre eles, destacam-se o Comité das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço, o Comité Especial contra o Apartheid e o Comité Especial sobre a Descolonização (“Comité dos 24”)» (61). Quer dizer: a codificação do Direito Internacional por parte da ONU não é, de facto, estranha à indispensável criação de uma superestrutura jurídica global que, em última instância, sempre legitimará o empreendimento de operações de grande envergadura para a consecução do supergoverno mundial (62). Ora, entre essas operações bem poderá estar ainda a instauração de um serviço de espionagem científica da ONU, como já aliás o preconizara o internacionalista Jacques Bergier, para quem a ideia-base de um tal projecto poderia mesmo passar pela exploração planetária do fundo dos mares e dos oceanos com vista a obter os recursos financeiros necessários ao fim visado. Vale, pois, a pena transcrever o seguinte excerto elucidativo de sua autoria:

«(...) um serviço de espionagem científica da ONU que reúna alguns dos melhores cientistas do mundo, parece-me ser a solução mais favorável. Todos os países se resignaram já à ideia de saberem que são espiados. Recentemente, a D.S.T., em França, calculava que, em 1970, quarenta mil espiões estrangeiros operavam em território francês, interessando-se, sobretudo, pelas pesquisas científicas e técnicas. A França tolera, mais ou menos, este estado de coisas, sem romper relações com um país de cada vez que prende ou expulsa espiões que trabalham para esse país. Penso muito a sério, e creio não incorrer num paradoxo, que, no dealbar do século XXI, os países se habituarão à presença, no seu território, de agentes de um serviço sem qualquer existência oficial: o Serviço Secreto das Nações Unidas.



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LÉA SEYDOUX. Ver aqui e aqui


Tal como os Estados, também as Nações Unidas disporão, no seu orçamento (que comportará, no dealbar do século XXI, enormes recursos provenientes dos oceanos), de uma parte substancial atribuída às secções secretas bem camufladas, permitindo, assim, a manutenção de um importante serviço de espionagem. Podem objectar-me que a ONU corre, desse modo, o risco de se tornar o governo oculto do mundo. A tal argumento só posso responder esclarecendo que acredito na instalação de governos ocultos, de criptocracias, que substituam quer os governos democráticos quer as ditaduras comunistas. E, em minha opinião, acho que mais vale que só reine um governo oculto no mundo, do que vários. Oficialmente, esse serviço de espionagem não existirá. Oficiosamente, uma propaganda hábil, tal como a que os ingleses souberam criar em torno dos seus serviços especiais, com mitologias como a dos Biggles ou a de James Bond, tornará populares esses guardiões da paz. Romances, filmes, emissões de televisão ser-lhes-ão consagradas (63). Esse serviço de espionagem da ONU disporá dos seus próprios aparelhos aéreos, versões aperfeiçoadas do actual S. R. 71 americano, e talvez das suas próprias estações no Espaço. Mas será sobretudo composto por homens dispostos a correrem todos os riscos. (Não quero dizer com isto que a utilização dos aviões-espiões não comporte riscos: de há vinte anos para cá, vinte e seis aviões-espiões americanos foram abatidos em diversos países e cento e oito membros das suas tripulações foram mortos ou aprisionados).

O serviço de espionagem da ONU utilizará, evidentemente, todos os meios da espionagem científica de que até agora falámos. Mas, sobretudo, esses agentes efectuarão periodicamente missões de controle em todos os países do mundo. Todo o país tecnicamente importante será automaticamente suspeito, porque poderá muito bem abrigar, voluntariamente ou contra sua vontade, um grupo extremista decidido a preparar, com o auxílio de uma das armas secretas evocadas ao longo deste volume, um Pearl Harbor que garantiria ao “vencedor” o domínio do mundo. Porque mesmo no interior de uma paz mais estável do que aquela que conhecemos, menos perturbada por guerras locais, ainda existirão tensões e preparativos secretos com vista ao domínio do mundo. O serviço de informação científica da ONU terá por tarefa impedir tais tentativas, cujas consequências poderiam revelar-se catastróficas. Deverá dispor de um pessoal muito numeroso e de um orçamento enorme. Citemos, para dar uma ordem de grandeza, as mais recentes declarações oficiais americanas, tal como se apresentavam em Maio de 1970. Tais serviços beneficiavam, na altura, de um orçamento anual de 17,5 mil milhões de francos franceses. O seu pessoal atingia os 136 000 agentes, fixos ou em missão. Convém ter tais números na cabeça, quando se tem em vista o serviço científico da ONU, serviço cuja tarefa primordial consistirá em vigiar de modo eficaz o mundo inteiro. A criação deste serviço porá, evidentemente, problemas extremamente difíceis, tão difíceis, aliás, como o de assegurar a paz no mundo.

Para o dirigir, será preciso um comité pouco numeroso, mas poderoso. Os membros desse comité, entre os quais se contarão homens dos mais influentes do mundo, no começo do próximo século, deverão ser directamente designados pelo secretário-geral das Nações Unidas ou, mais provavelmente, por uma direcção colegial. (Actualmente, o secretário-geral das Nações Unidas é um funcionário sem poderes. Se lhe fossem concedidos reais poderes, seriam, em minha opinião, demasiado importantes para permanecerem concentrados nas mãos de um só homem; seria melhor dispor, pelo menos, de uma troika). Esses homens serão responsáveis apenas perante o secretário-geral das Nações Unidas. Deverão criar, e passar a manter, um quartel-general, instalação extremamente importante, compreendendo uns vinte mil empregados permanentes, e que, no entanto, deverá permanecer ignorada pelo mundo inteiro! Problema difícil, mas não insolúvel. É bastante provável, segundo estudos publicados na URSS e nos Estados Unidos, que antes do ano 2000 possam ser construídas bases submarinas, absolutamente indetectáveis. O quartel-general e a central do serviço de espionagem científica da ONU instalar-se-iam, provavelmente, numa dessas bases.

Desse grande estado-maior dependerão organizações que vigiarão o resto do mundo, isto é, os continentes, o espaço, os oceanos, talvez mesmo a Lua... Porque a possibilidade de uma base secreta instalada na Lua, ameaçando a Terra, não é necessariamente do domínio da ficção científica delirante. Para os seus parentes e para os seus colegas, os sábios-espiões e os agentes da ONU apenas serão funcionários da organização internacional que trabalham num dos seus numerosos laboratórios. Os seus relatórios serão fornecidos à central, que fará quotidianamente a síntese deles para uso do secretário-geral.» (64)

10. Entretanto, várias têm sido as conferências internacionais convocadas pelas Nações Unidas para codificar inúmeras áreas emergentes do Direito Internacional. Nesse âmbito, destacam-se sobretudo as negociações sobre o Direito do Mar, no contexto do qual se têm estabelecido os princípios gerais da exploração dos recursos naturais do mar, como os recursos vivos, os do solo e do subsolo. Assim, na origem da apropriação de “bens” que, segundo a ONU, constituem o “património comum da humanidade”, estivera, de facto, a «Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada em Montego Bay em 1982. No seu preâmbulo, encontra-se a referência explícita à resolução da Assembleia Geral da ONU 2749 (XXV) (65) que declarou solenemente que os fundos marinhos e oceânicos e o seu subsolo para além dos limites da jurisdição nacional, bem como os respectivos recursos são património comum da humanidade em geral» (66). De resto, nesse mesmo “património”, inclui-se ainda o espaço cósmico, cujo uso foi garantido a toda a humanidade (67). É o caso do Tratado Sobre os Princípios Que Regem as Actividades dos Estados na Exploração e Utilização do Espaço Exterior, Incluindo a Lua e Outros Corpos Celestes, – e conhecido como “Tratado do Espaço” (68), o Tratado do Espaço Sideral de 1967 e o Tratado da Lua de 1984.» (69)











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Outras conferências de projecção internacionalista patrocinadas pela ONU, têm sido realizadas em nome da “conservação do ambiente”. Entre estas destacam-se a Conferência de Estocolmo de 1972, que já de si constituíra um marco fundamental internacionalmente projectado em matéria de “desenvolvimento sustentável” (70), assim como a Conferência do Rio de Janeiro de 1992, na qual fora forjada a Agenda 21 (71) com vista a implementar um conjunto de estratégias a nível global, nacional e local, no sentido do controlo inter-governamental da produção e do consumo, da sobreposição de taxas e impostos mundiais que alegadamente visam garantir a manutenção do equilíbrio ecológico do planeta, enfim, tudo isso e muito mais segundo uma agenda mundialista (72) que equipara os problemas ambientais a uma questão de segurança global (73), e, nessa medida, a um compromisso alarmista de salvação do planeta por via de uma propaganda apocalíptica habilmente induzida e encenada no palco internacional (74).

11. O chamado “direito flexível”, ou “direito sem vinculatividade jurídica”, mais conhecido por soft law, tem desde logo consagrado a forma habilidosa e manifestamente enganosa empregue pela ONU no intuito de criar normas de Direito Internacional que inicialmente passam por ser apenas um conjunto de recomendações, resoluções e declarações provenientes de diversos orgãos, agências e entidades especializadas de organizações internacionais de pretenso carácter universal ou regional. Nesse contexto, encontram-se sobretudo as resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas, posto já terem dado lugar, ao longo dos anos, a um extensíssimo conjunto de convenções susceptíveis de serem aprovadas por unanimidade por uma maioria de Estados-membros que assim admitem o carácter normativo, embora não propriamente vinculativo, das mesmas. Numa palavra, tais resoluções criam, com o passar do tempo, a presunção de que existem normas constitutivas da lei internacional que representam a opinio juris communis.

Dentre os exemplos paradigmáticos dessa presunção no plano do Direito Internacional, destacam-se a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano de Estocolmo de 1972, ou a Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento de 1992. Depois, temos ainda mais recentemente o caso da Conferência Intergovernamental da ONU para o incisivo e contraproducente Pacto Global dito da Migração Segura, Ordenada e Regular (GCM), assinado por 264 países em Marrakech (Marrocos), entre 10 e 11 de Dezembro de 2018 (75). Subjacente aos princípios gerais desse Pacto Global, estão, para o efeito, objectivos que visam destruir por completo as leis e mecanismos de soberania nacional naturalmente existentes no domínio da prevenção e da luta contra a imigração ilegal, ou que simplesmente procuram abater fronteiras ou barreiras impeditivas à entrada massiva, caótica e desordenada de indivíduos não devidamente documentados, pelo que assim tais objectivos encerram todo um conjunto de regras e regulamentações transnacionais na base do que, será inclusivamente montado, a pretexto do combate aos “crimes de ódio” e de “incitação à violência”, um apertado sistema de censura, denúncia e respectiva criminalização em relação a todos aqueles que opinem, critiquem e dêem a conhecer nas redes sociais e não só, todo e qualquer tipo de abuso, violência, crime, maus tratos ou violação de cariz sexual praticada por migrantes e, eventualmente, minorada ou mitigada por líderes políticos e religiosos estrangeiros apostados em detectar supostas evidências de intolerância, racismo e xenofobia (76).

12. Entre 2005 e 2014 fora, entretanto, celebrada a Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, cujo objectivo central traduzira-se efectivamente no prosseguimento de uma política educativa tendencialmente globalizada e particularmente apostada em proporcionar, em todos os níveis da aprendizagem escolar, mudanças comportamentais mediante a arregimentação dos jovens estudantes enquanto “agentes de mudança” numa sociedade virtualmente assente na idolatria do “cidadão do mundo”.

13. Enquanto agência tecnicamente integrante do sistema das Nações Unidas, o Banco Mundial, à semelhança do Fundo Monetário Internacional, tem, a seu modo, adoptado um criterioso conjunto de programas com vista a promover entre os receptores dos seus empréstimos as designadas práticas de “boa governação”, onde se incluem os chamados direitos interdependentes civis, culturais, económicos, políticos e sociais. Ou seja: o Banco Mundial preconiza, exige e determina, por contrapartida ao auxílio financeiro prestado, toda uma política de clara ingerência nos assuntos internos dos Estados doravante endividados, pelo que assim se torna por demais evidente que uma tal agência financeira internacional tem por objectivo central a imposição de um sistema comercial e financeiro multilateral que visa encobrir, em nome da democracia e dos padrões internacionais dos Direitos Humanos, tudo o que fundamentalmente concorre para a completa e sistemática intervenção nos mais variáveis e inimagináveis aspectos da vida humana à escala planetária. Em suma: educação primária universal, direitos das mulheres, esperança de vida, literacia, progresso social, erradicação da fome e da pobreza, redução da mortalidade infantil, eis, entre outros numerosos pretextos evocados, a megalomania totalitária que sobejamente caracteriza a Organização das Nações Unidas e suas agências especializadas na conquista do domínio mundial (77).


A ONU como um cavalo de Troia no âmbito da espionagem mundial 


Já vimos até que ponto, na esteira de Jacques Bergier, se pode potencialmente saldar o alcance iniludível da ONU enquanto centro de espionagem científica à escala global. Vejamos, agora, como, segundo o extenso e fulgurante relato de Arkady N. Shevchenko, a ONU se tem constituído, desde a sua fundação, numa ampla quão efectiva coutada de espiões desde logo habilmente aproveitada por Moscovo e respectivos agentes do KGB:

1. «O orgulho de Krushchev sentiu-se ferido quando as autoridades de Nova Iorque avisaram a Missão Soviética que, devido a problemas de segurança, ele não podia viajar para fora dos limites de Manhattan. Krushchev, que tinha planeado passar o tempo livre em Glen Cove, imediatamente politizou as limitações sobre os seus movimentos. No seu primeiro discurso perante a Assembleia Geral, acusou os Estados Unidos e as autoridades americanas de não terem criado “condições favoráveis” para os representantes dos estados-membros e de restringir e pisar aos pés os seus direitos.





Nikita Krushchev


Declarou ele:

“A questão levanta-se: não será tempo de pensar na escolha de uma nova localização para a sede das Nações Unidas, uma que promova efectivamente o trabalho frutuoso desta organização internacional? Um tal lugar poderia ser, por exemplo, a Suíça ou a Áustria. Posso declarar da maneira mais responsável que se fosse considerado desejável localizar a sede das Nações Unidas na União Soviética, nós garantiríamos as condições mais favoráveis para o seu trabalho e segurança completa para os representantes de todos os estados.”

É claro que Krushchev estava apenas a representar para as galerias. Mudar a sede das Nações Unidas era a última coisa que Moscovo desejava. Nem em Moscovo, durante os preparativos para a sessão, nem no Baltika, a questão de mudar a sede da ONU tinha sido discutida. A declaração “responsável” de Krushchev da relocalização da sede da ONU para a União Soviética era particularmente irresponsável. Uma tal facilidade em Moscovo poderia tornar-se num cavalo de Troia, ateando os receios do regime por qualquer género de presença das Nações Unidas em Moscovo. Esse modo era já tão grande no momento exacto que Krushchev fazia as suas observações que o governo soviético estava a recusar a estada de um único empregado estrangeiro no modesto centro de informações da ONU, em Moscovo.

Havia outro factor que pesava bastante contra a ideia da mudança da ONU para fora dos Estados Unidos. A actual localização permitiria a Moscovo despachar um número praticamente ilimitado de agentes do KGB sob a capa de um título nas Nações Unidas. Naturalmente, o KGB opunha-se veementemente à mudança da ONU para fora de Nova Iorque: isso significaria a liquidação de um dos seus principais centros de espionagem. Neste aspecto, Viena ou Genebra nunca poderiam ocupar o lugar de Nova Iorque.

Quando trabalhei na nossa Missão na ONU durante os anos sessenta e, mais tarde, quando fui Subsecretário-Geral na década de setenta, ouvi muitas vezes a opinião do KGB sobre este assunto. O mais leve rumor de que a sede da ONU pudesse mudar-se era logo causa de pânico.» (78)

2. «Os altos agentes de espionagem mantinham uma forte presença em Nova Iorque, particularmente no Secretariado da ONU. Yakob Malik disse-me uma vez que tinha informado Vyacheslav Molotov, em 1946, de que o Secretário-Geral, Trygve Lie, convidara a União Soviética a preencher a sua quota-parte de cidadãos soviéticos para trabalharem no Secretariado acabado de fundar. Molotov, declarou Malik, respondera depreciativamente que a URSS não desperdiçaria talento diplomático valioso na burocracia do Secretariado. A decisão de Molotov constituíra um erro que depressa foi rectificado. Eventualmente, Moscovo veio a dar-se conta de que o aparelho da ONU era um lugar único para estabelecer uma rede de espionagem. Ao contrário de Molotov, o KGB estava ansioso para fornecer pessoal sem limites para o Secretariado.

Um trabalho no Secretariado tinha uma vantagem especial. Ao contrário dos funcionários da Missão, da embaixada em Washington ou do consulado em São Francisco, os cidadãos soviéticos ligados à ONU podiam viajar livremente pelos Estados Unidos sem terem de notificar as autoridades dos Estados Unidos sobre as suas datas de viagem nem sobre os itinerários.

Era fácil distinguir os profissionais do KGB dos diplomatas e de outros funcionários. A primeira indicação era o dinheiro. O KGB tinha-o e gastava-o muito mais generosamente que os verdadeiros diplomatas. Um empregado do Ministério dos Estrangeiros teria necessidade de poupar alguns dólares do seu salário durante um ano ou mais para poder comprar um carro americano em segunda mão. Os agentes do KGB tinham dinheiro suficiente para comprarem um, assim que chegavam a Nova Iorque. Possuíam igualmente fundos para dissiparem prodigamente. Um funcionário de nível médio da Missão ou do Secretariado que seja visto regularmente a convidar indivíduos não soviéticos para rodada após rodada de bebidas está quase certamente a usar fundos do KGB. E se o generoso anfitrião ou anfitriã está bem vestido, nesse caso não há a mínima dúvida. Apenas o KGB paga à sua gente o suficiente para que ela possa comprar o melhor vestuário ocidental.


As roupas que vestem e as bebidas que pagam são despesas legítimas, porque a segunda coisa que denuncia um operacional dos serviços secretos é o esforço que faz para captar a amizade dos estrangeiros. Espera-se que os especialistas recrutadores e os recolhedores de informações regulares se encontrem com o maior número de pessoas possível fora da ONU – estudiosos, homens de negócios, jornalistas, cientistas, peritos de todos os géneros, militares, etc. Para executarem o seu trabalho, eles têm de estar em condições de passarem despercebidos num ambiente americano. Se a sua linguagem for suficientemente boa, e normalmente é, tentarão passar por Ocidentais. Os Soviéticos que fazem muitas viagens estão certamente a enviar os seus relatórios e as contas das despesas para o quartel-general de Lubyanka ou para o Ministério da Defesa. Além disso, os homens da espionagem a tempo inteiro eram facilmente reconhecíveis em conversas casuais. Se um funcionário soviético não conhecia os pormenores e a linguagem específica do campo em que supostamente estava a trabalhar, ou se mostrasse que não estava realmente a par de acontecimentos de ordem geral em volta da ONU, era seguro presumir-se que o seu verdadeiro trabalho era a espionagem. Fiquei muitas vezes surpreendido como se disfarçavam tão mal os agentes do KGB. Era quase como se não se ralassem absolutamente nada em tornar crível a sua cobertura.

Ironicamente, eu tinha-me queixado aos funcionários superiores do KGB e da Missão. A indiferença com que os agentes desempenhavam os seus supostos trabalhos na Rua Sessenta e Sete Leste ou na sede da ONU irritava-me. A sua falta de conhecimentos era culpa deles próprios. Diziam sempre que não tinham tempo para tomar conhecimento de assuntos correntes.

Quando era o supervisor teórico deles, como chefe da secção política da Missão nos anos sessenta, protestava regularmente contra o grande volume de trabalho que recaía sobre o meu pessoal verdadeiro porque os agentes do KGB destacados para trabalho político raramente o executavam.

De um total de vinte e oito homens na secção, em 1968, vinte e um eram agentes do KGB ou do GRU. Vladimir Kazakov, o futuro ajudante do General Ivanov, contava-se entre os mais correctos dentre eles. Quando insistia que ele me devia algum do seu tempo, limitava-se a responder:

- Não me distribua trabalhos específicos. Não posso ficar amarrado dessa forma. Provavelmente faltarei à maior parte das reuniões do seu pessoal. Peço-lhe desculpa, mas talvez alguns dos outros possam prestar-lhe uma ajuda maior.

Como Subsecretário-Geral, fui encontrar a situação inalterada, excepto que fui eu a tornar-me o alvo de queixas de outros. Um funcionário soviético que não executava os seus trabalhos de rotina para o Secretariado fazia os seus colegas estrangeiros ficarem fulos. Tinham de ser eles a tomar conta do trabalho não executado, mas ao contrário do pessoal condescendente soviético da Missão, eles refilavam alto e junto de mim.

Havia alguns departamentos da ONU que não se importavam nada quando os Soviéticos não se apresentavam ao trabalho. Este podia realmente ser executado e com mais facilidade se pudesse ser feito sem a participação de qualquer membro soviético do pessoal. Às vezes, estes agentes soviéticos davam parte de doente e não apareciam no escritório durante dias seguidos ou então, sem mais nem menos, levantavam-se da suas secretárias a meio do dia e desapareciam.

Eu tinha apresentado a questão aos rezidenti do KGB e aos embaixadores de várias maneiras. Com Fedorenko e Malik, ambos impotentes para alterarem os comportamentos da polícia secreta, tinha discutido a minha causa como um profissional.



Arkady Nikolayevich Shevchenko



- Com mil diabos – explodi uma vez junto de Malik – estes tipos actuam como se estivessem nas tintas. Nem sequer tentam disfarçar um bocadinho que seja aquilo que são realmente. São tão sujos que toda a gente na ONU se ri deles. Uma vez sem exemplo, Malik não ficou irritado, mas encolheu os ombros desanimadamente.

Com Bóris Solomatin, quando era ele o rezident, fiz uma abordagem diferente sem êxito igualmente. Não me competia a mim ensinar aos homens do KGB a forma como deviam proteger-se, mas tinha realmente um regulamento informal a invocar.

- Você sabe – instei uma vez com Solomatin – que há um regulamento aprovado pelo Comité Central determinando que o vosso pessoal que for destacado para trabalhar no Ministério dos Estrangeiros tem de dedicar pelo menos um terço do seu tempo aos seus trabalhos diplomáticos formais. É um bom regulamento mas que não está a ser cumprido. E está a criar mau ambiente numa quantidade de lugares. Supõe-se que devemos trabalhar juntos, mas a sua gente não está a colaborar e depois é o meu pessoal que tem de fazer o trabalho deles.

A resposta de Solomatin foi típica.

- O nosso trabalho está em primeiro lugar, Arkady Nikolayevich. É o trabalho mais importante que se faz aqui. Nós procuramos ajudá-lo, mas você tem de compreender o que se passa. A informação é a mais alta prioridade para todos nós em Nova Iorque. A ONU não interessa; o que interessa é a maneira como podemos usá-la para descobrirmos o que pretendemos. É para isso que estamos aqui.

Tal desdém era normal entre os altos funcionários do KGB quando a organização foi ganhando maior autonomia e mais peso burocrático em Moscovo com o passar dos anos. Contudo, uma vez, isso causou a ruína a um rezident em Nova Iorque. Nikolai Kulebiakin, um homem elegante e culto de cinquenta e tantos anos, quando prestou serviço em Nova Iorque resolveu falar em nome da União Soviética numa comissão especial da Assembleia Geral da ONU sobre os refugiados palestinianos, no Outono de 1968. Quando isso aconteceu, o seu discurso foi reproduzido na imprensa da União Soviética e ele mencionado como porta-voz soviético nas Nações Unidas.

A publicidade, porém, foi causa da sua queda. Um antigo companheiro de escola, da sua Odessa natal, escreveu às autoridades de Moscovo a perguntar se o N. P. Kulebiakin que representava a URSS em Nova Iorque era o mesmo que tinha conseguido arranjar um atestado médico falso sobre a sua incapacidade que o isentara do serviço militar na Segunda Guerra Mundial e que também tinha forjado o seu diploma universitário. Uma investigação revelou quem era realmente Kulebiakin – um fugitivo da tropa e uma fraude académica. Chamado a Moscovo, foi expulso do Partido e do KGB pelos seus chefes embaraçados, despojado das medalhas, sendo-lhe negada qualquer pensão. Após um apelo e um pedido de perdão, as medalhas foram-lhe devolvidas, uma parte da pensão a que tinha direito foi-lhe atribuída e deram-lhe um trabalho em part-time no KGB nos programas de treino. Contudo, o episódio, tanto quanto eu sabia, não conseguira ensinar um pouco de humildade aos seus companheiros do KGB.

Pelo contrário, o KGB não respeitava ninguém. Pensavam em mim e nos outros diplomatas como simples instrumentos de que eles se serviam. Não podia provar isso, mas suspeitei que se serviam ocasionalmente do meu carro como cobertura para os seus trabalhos. Era verdade que o meu motorista só muito raramente me aparecia noutro carro que não fosse a viatura oficial que me estava atribuída, mas ele fazia essas mudanças sem aviso, dando uma desculpa vaga que soava a falso de que o meu automóvel tinha necessidade de uma reparação qualquer. Eu sabia que o KGB “pedia emprestados” regularmente carros dos diplomatas para os seus agentes. Uma vez, em 1968, fiz uma cena tão furiosa, acusando-os de comprometerem o meu estatuto legal que penso que, depois disso, deixaram o meu carro em paz. Mas nunca tive a certeza.

Cidade de Nova Iorque (1932).


Anos 1960























Times Square 1970








Selo Oficial de Nova Iorque




Mapa panorâmico de Manhattan (1886).







Os espiões soviéticos também costumam pedir aos diplomatas da ONU, incluindo não-Soviéticos, para lhes darem boleia desde a garagem das Nações Unidas até outras partes da cidade. Viajando em carros de outras pessoas, podem despistar agentes americanos que os tenham sob vigilância e desaparecerem nas ruas cheias de gente de Manhattan sem serem observados. Eu ficava sempre mal disposto quando um dos agentes do KGB canhestramente me pedia uma boleia – “se vai lá para cima em direcção da Missão, Arkady Nikolaevich” – mas não podia realmente recusar o pedido ou protestar quando o meu passageiro pedia para o deixar em qualquer parte antes de chegarmos à Rua Sessenta e Sete.

Eu tinha um perfeito sentido do foco em que incidiam os relatórios políticos do KGB e uma visão lateral dos esforços extensivos que os seus agentes faziam para recrutarem ou cooptarem não-Soviéticos como informadores ou agentes eventuais. Se bem que tivesse de fornecer lugares no meu próprio departamento da ONU para um determinado número de homens do KGB e do GRU – nove de um total de doze soviéticos, assim como um Checo, um Húngaro, um Alemão Oriental e um Búlgaro sob a minha supervisão eram profissionais dos serviços de espionagem ou colaboradores do KGB e do GRU – não estava certo da natureza exacta das suas tarefas de espionagem.

A sua colheita rotineira de informações políticas era orquestrada numa série de questões telegrafadas diariamente de Moscovo para o rezident e transmitidas por ele aos seus subordinados numa reunião matinal do pessoal. Os falsos diplomatas podiam ser vistos mais tarde a abordarem pessoas nos corredores da ONU, seguindo artigo por artigo a lista de coisas que tinham na mão. Era transparente – e raramente parecia conseguir-se a informação, pelo menos de fontes da ONU – que os agentes da Missão também não conseguiam obtê-la.

O problema de todo este esforço, vim a reconhecê-lo eventualmente, era marcar pontos junto dos chefes apresentando informações (e muitos rumores) em quantidade. Isso habilitava o KGB a ultrapassar a relativamente menor quantidade de informações fornecidas pelo Ministério dos Estrangeiros e pelos serviços de informação militares, justificando assim as despesas de manutenção de uma vasta rede de além-Atlântico. Era um jogo burocrático de homens que podia muito bem ter impressionado alguns dos homens menos sofisticados dos altos comandos. Mas não tinha esse efeito em Andrei Gromyko. Não muito tempo depois de ter começado a trabalhar como conselheiro, principiei a estudar os telegramas com relatórios políticos do KGB vindos de Nova Iorque para ficar com uma ideia sobre a sua qualidade [Estes telegramas, uma única cópia de cada um, eram apenas entregues no gabinete de Gromyko. O acesso a eles era restrito aos conselheiros de Gromyko e chefes de departamento]. Era frequentemente fraca. Nomes e categorias de diplomatas e funcionários da ONU eram por vezes incorrectos. Era óbvia a falta de compreensão dos problemas políticos. Fontes do Partido Comunista dos Estados Unidos eram citadas como analistas com autoridade sobre os desenvolvimentos políticos americanos. O contingente do KGB em Washington, trabalhando em estreita colaboração com o embaixador Dobrynin, fazia um trabalho notavelmente melhor. Quando mencionei as minhas observações a outro ajudante de Gromyko, fiquei a saber que a produção do KGB era menos que universalmente respeitada nos círculos de Moscovo definidores da política.

- Não se preocupe com isso, Arkady – disse o meu colega. – Andrei Andreyevich não presta grande atenção à maior parte dessa porcaria.

Solomatin mantinha ligações íntimas com o rezident em Washington, coronel Dmitri Yakushkin, que mais tarde foi promovido a major-general. Tecnicamente, nenhum dos dois era superior e, até um certo ponto, competiam um com o outro. No entanto, procuravam coordenar as suas operações o melhor que lhes era possível. Parecia-me, porém, que o rezident em Nova Iorque era mais independente e, num certo sentido, mais alto na hierarquia do KGB; tinha muito mais pessoal em Nova Iorque do que o seu colega em Washington. Além disso, o anonimato oferecido pelo tamanho da cidade de Nova Iorque tornava-a uma melhor base para operações de espionagem do que Washington. Um factor adicional era que Dobrynin, ao contrário do representante na ONU, era um político de alta categoria e membro do Comité Central e não simplesmente um embaixador. Como tal, exercia um determinado grau de controlo sobre o KGB em Washington que o embaixador em Nova Iorque não podia exercer.



Andrei Gromyko (13 de Outubro de 1962).







Mikhail Gorbachev, Andrei Gromyko e Nicolai Ryzhkov (Praça Vermelha, 1988).


De qualquer modo, os relatórios políticos não constituíam a missão primária do KGB em Nova Iorque. A espionagem, quer os esforços tradicionais para obter segredos militares quer a nova e cada vez mais importante tarefa de recolher conhecimentos técnicos científico-industriais, era o seu trabalho vital. Várias vezes por ano o KGB mandava para os seus postos no estrangeiro uma lista de equipamento a obter ou áreas de pesquisa científica a investigar. O documento, geralmente tão técnico e complicado nas suas descrições de brocas para exploração de petróleo ou de compressores, de partes de computadores e de aparelhos microelectrónicos, que me deixava frustrado bem como a outros diplomatas, estendia-se por mais de cem páginas.

Os agentes do KGB recebiam directivas mais frequentes e mais específicas. Um espião veterano na Missão era Alexei Kulak, cujo disfarce diplomático tinha sido há muito tempo descoberto pelo FBI. Era também uma das pessoas do KGB cuja companhia me dava prazer – arguto, autêntico perito em ciência e tecnologia, que era a sua especialidade na espionagem, e invulgarmente franco a conversar sobre um vasto leque de assuntos.

Kulak andava à caça de conhecimentos avançados dos Americanos nos campos da electrónica, da bioquímica, da física e de outros segredos industriais e de defesa. Entre a minha ida para Moscovo, em 1970, e o meu regresso a Nova Iorque, três anos mais tarde, tinha observado o crescimento neste género de actividade. A espionagem tecnológica tinha-se multiplicado e o mesmo havia acontecido com o pessoal que se dedicava a ela.

Só em Glen Cove a escalada era gritante. Quando tinha vindo a primeira vez para os Estados Unidos, em 1958, havia três ou quatro técnicos de comunicações do KGB com a sua aparelhagem que compartilhavam os alojamentos da criadagem no sótão. Em 1973, os especialistas na intercepção dos sinais de rádio eram pelo menos uma dúzia que havia tomado para si todo o piso. O seu equipamento ocupava tanto espaço, de facto, que uma ou duas estufas enormes que não estavam a ser utilizadas foram reservadas para o arrumar. Estes alojamentos eram interditos ao outro pessoal.

Os telhados de Glen Cove, o edifício de apartamentos em Riverdale e a Missão estavam eriçados de antenas para escutarem as conversas americanas e também para transmitirem mensagens para Moscovo. E a explosão electrónica era apenas uma parte do crescimento do KGB.

O GRU também tinha alargado as suas operações. O GRU (Glavnoye Razvedivatelnoye Upravleniye) – o principal directório de informações do Ministério da Defesa – não é um ramo subsidiário do KGB. É uma organização separada e poderosa que possui as suas próprias forças especiais de muitos milhares para a recolha de informações, sabotagem e actividades terroristas. Os homens do GRU orgulhavam-se de agentes lendários como Richard Sorge, que avisou antecipadamente Estaline da iminente invasão germânica em 1941, e dos espiões atómicos do pós-guerra nos Estados Unidos. O interesse principal da rede do GRU nos Estados Unidos e na Europa Ocidental reside, evidentemente, nas armas e na indústria militar. Aqui, o GRU e o KGB metem-se muitas vezes no caminho um do outro; são rivais ao mesmo tempo que parceiros.» (79)

3. «Eu sabia, evidentemente, que a ONU era uma coutada para espiões de muitos países. De vez em quando encontrava-me com outras pessoas de outros países que não pareciam ser diplomatas autênticos. Operacionais do KGB indicavam muitas vezes um indivíduo ou outro como sendo agente deste ou daquele país. Eu nunca tinha a certeza da verdade. Raramente conhecia, a não ser de vista, aqueles que eram identificados e o KGB via agentes inimigos reais ou imaginários em cada canto. No entanto, durante os meus anos na ONU, a União Soviética tinha o maior contingente e a penetração mais profunda na organização. Mais ainda, os agentes do KGB e do GRU (e os do bloco soviético) eram apanhados e expulsos dos Estados Unidos com muito mais frequência do que os agentes da espionagem de outros países.

Constituía para mim um prazer perverso fazer vibrar a mania da espionagem de Iuri Shcherbakov. Costumava levantar-lhe as suspeitas, sugerindo-lhe que ele devia ser muito mais duro na filtragem das pessoas convidadas para recepções e festas na Missão.

- Há tantos espiões por aí - dizia-lhe. - Porque havemos de os convidar para a Missão?

Ele acenava com a cabeça entusiasticamente e ia a correr para o embaixador Malik a fim de o aconselhar a pôr menos estrangeiros na lista de convidados para a próxima vez.






Muito mais sinistros que Shcherbakov e os da sua espécie eram os assassinos e terroristas sombrios do KGB, cuja especialidade eram os mokrie dela (assuntos molhados), do chamado Departamento V, o Departamento de Acção Executiva do KGB. Quando era estudante pós-graduado, tinha suposto ingenuamente que os assassínios, os raptos e as sabotagens políticas perpetradas contra sectores civis do Ocidente, haviam sido há muito abandonados pela URSS depois da época Estaline-Béria. Estava enganado. Conheci alguns desses operacionais quando estive pela primeira vez em Nova Iorque como diplomata no início da carreira.

Conheci um desses homens que acabou por ser expulso dos Estados Unidos depois de ter feito duas comissões de serviço na Missão. Atarracado, musculoso e loiro, parecia a encarnação de um estereótipo da Gestapo. Gostava de se gabar sugestivamente sobre os pequenos casos que tinha “arrumado”. Não fazia o mínimo esforço para disfarçar os seus interesses. Um domingo, ao almoço, nas Paliçadas de Nova Jérsia, no Outono de 1965, não conseguiu evitar falar no grande blackout de Nova Iorque.

- Todas aquelas torres brilhantes – disse ele, apontando para a linha do céu de Manhattan – parecem tão altas, tão fortes, mas não passam de castelos de cartas. Algumas explosões nos lugares exactos e do svidaniya (adeus). Só agora estamos a começar a dar-nos conta de quão vulnerável é realmente este país. – Deu um estalo com os lábios depois de ter engolido um pedaço de lagosta e sorriu à volta da mesa. Ninguém fez comentários. Muitos de nós sabíamos que até mesmo outro pessoal do KGB tinha medo deste homem. Alguns deles avisaram-me para me manter o mais longe possível.

Outro agente que chegou a Nova Iorque, nos anos sessenta, para trabalhar na Missão era a antítese do primeiro no estilo, apesar de o não ser nas operações. Era um homem que procurava apagar-se, amigável, calmo e discreto. E era uma excelente companhia. Foi só algum tempo depois que vim a saber por intermédio de amigos que ele pertencia ao departamento dos “assuntos molhados” do KGB. Mais tarde ainda, tomei conhecimento de que tinha sido ele que supervisionara o treino de muitos assassinos e sabotadores “adormecidos” ou potenciais, incluindo Anton Sabotka [não o seu verdadeiro nome] no Canadá.

Sabotka tinha sido treinado durante alguns anos na Checoslováquia e em Moscovo para efectuar acções de sabotagem na indústria canadiana e possivelmente para assassinar quando isso lhe fosse ordenado pelo KGB. O esforço fracassou neste caso, por causa da repugnância do próprio Sabotka pela filosofia e métodos do KGB e por causa do conhecimento que os Canadianos tinham das suas actividades.

Tive curiosidade em conhecer a razão por que tais agentes do KGB eram frequentemente vistos na companhia de “conselheiros médicos” na Missão. Ao contrário do médico da Missão, que exercia realmente a medicina, estes funcionários não. O seu trabalho era adquirirem todas as informações possíveis sobre os serviços médicos americanos e sobre os progressos da medicina nos EUA. Alguns deles eram epidemiologistas. Um dos agentes tinha falado com deleite sobre a possibilidade de demolição do sistema de energia eléctrica de Nova Iorque. Talvez que estivesse a fazer planos de natureza ainda mais sinistra com especialistas de venenos e epidemias.

Uma política de violência, intimidação e morte tinha sido um método histórico do Kremlin para aquietar a oposição, desde o assassínio de Leão Trotsky e do dirigente ucraniano Stefan Bandera até aos atentados contra as vidas de figuras políticas estrangeiras como Dag Hammarskjold e Anwar Sadat. As ligações soviéticas com os grupos de guerrilha são tão conhecidas que a espingarda-metralhadora Kalashnikov se tornou o símbolo do terrorismo internacional. A URSS continua a treinar terroristas quer dentro quer fora das suas fronteiras a fim de subverter nações estáveis e particularmente a alimentar a intranquilidade, infelizmente tão vulgar no Terceiro Mundo.




Mikhail Kalashnikov






No Terceiro Mundo, assim como na ONU, o KGB colabora com os serviços de espionagem dos países do bloco soviético. Os mais íntimos dos Soviéticos são os Búlgaros, os Cubanos e os Alemães Orientais. O serviço Secreto búlgaro era o mais obediente servo de Moscovo nas operações terroristas e havia penetrado largamente no Sul da Europa e no Médio Oriente. Os Búlgaros tinham influência sobre os Árabes e os Turcos. Vim um exemplo disto quando o recrutamento pelo KGB de um diplomata turco em Nova Iorque foi realizado com a ajuda búlgara.» (80)


Notas:

(45) Felix Klos, op. cit., pp. 170-171.

(46) Idem, p. 174.

(47) Maria do Céu Pinto, O Papel da ONU na Criação de uma Nova Ordem Mundial, Prefácio, 2010, p. 25.

(48) Na terminologia empregue pela ONU, existem, pois, os Estados prevaricadores susceptíveis de serem acusados de má governação, entre os quais se contam os Estados fora-da-lei (“rogue states”) e os Estados falhados (“failed states”). (cf. Maria do Céu Pinto, O Papel da ONU na Criação da Nova Ordem Mundial, p. 33).

(49) Os trechos que doravante se seguem mostram à saciedade que, não obstante a Carta das Nações Unidas impedir a intervenção da ONU em questões directamente ligadas à jurisdição interna dos Estados, tudo decorre e se opera no sentido contrário ao preconizado por essa mesma Carta, quanto mais não seja na base do expediente maquiavélico de proteger os direitos humanos que não olham, ou não podem olhar a distinções alegadamente rígidas e até dadas como ultrapassadas pelo espírito do tempo, entre elas as questões de ordem nacional e internacional: «A Carta das Nações Unidas impede a ONU de intervir em questões que são da jurisdição interna dos Estados (artigo 2.º §7): “nada na presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em sociedades que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado, ou obrigará os membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta...” Contudo, com o passar do tempo, a distinção rígida entre questões internas e internacionais, diluiu-se porque os Direitos Humanos são cada vez mais ameaçados e os conflitos internos têm cada vez dimensões mais vastas e consequências internacionais. Grande parte da comunidade internacional defende que os argumentos jurídicos sobre a soberania inviolável dos Estados não devem ser desculpa para isentar a acção irresponsável e criminosa dos governantes. Essa posição tem, de forma ainda incipiente, justificado a acção da ONU.»; «A carta diz que a organização não pode intervir em assuntos que são essencialmente da alçada nacional de cada país. Tal provisão reflecte a regra clássica da não-intervenção nos assuntos internos dos Estados. É um dos aspectos mais contestados e debatidos da Carta porque o seu sentido não é claro [?]. Além disso, a própria organização contrariou, em algumas circunstâncias, este princípio. Já nos anos 20, o Tribunal Permanente de Justiça Internacional afirmou que a linha divisória entre jurisdição interna e internacional era mutável, dependendo da natureza das relações internacionais. A ONU tem vindo a estender a sua intervenção internacional, roçando assim a esfera interna dos Estados, ao envolver-se em questões de Direitos Humanos, desenvolvimento, regimes autoritários ou racistas.» (in Maria do Céu Pinto, op. cit., pp. 32 e 108).

(50) Sobre o alegado “direito de intervenção” ou o direito de “ingerência humanitária”, leia-se o seguinte: «Em 1992, Boutros-Ghali apresentou à CDH [Comissão de Direitos Humanos], em Genebra, um relatório sobre [o problema dos deslocados internos]. A Comissão autorizou, com relutância, o Secretário-Geral a nomear um representante para estudar as implicações legais e práticas da protecção das IDP [Resolução 1992/73]. Boutros-Ghali nomeou um Representante para as Pessoas Deslocadas, o diplomata sudanês, Francis M. Deng. No estudo por ele produzido, Deng defendeu a necessidade de reconciliar os imperativos da soberania com a intervenção internacional. O conceito encontrado foi a “soberania como responsabilidade”, isto é, aos atributos tradicionais do Estado acrescentou um quarto: o respeito por um standard mínimo de Direitos Humanos. Alguns interpretam aquele conceito como o “direito de intervenção” ou o direito de “ingerência humanitária”, uma concepção que Boutros-Ghali nunca perfilhou. Já Kofi Annan aproximou-se mais desse conceito, embora numa versão mais soft e menos polémica: a “responsabilidade de proteger”. Para as Nações Unidas, sob o comando de Kofi Annan, o objectivo era criar uma base que libertasse a ONU da submissão à soberania nacional como única fonte de legitimidade para a acção internacional. Os trabalhos da Comissão Internacional sobre a Intervenção e a Soberania do Estado reiteraram esta interpretação.» (in Maria do Céu Pinto, op. cit., p. 184).

(51) Boutros-Ghali, “Empowering the United Nations”, Foreign Affairs, vol. 72, n.º 5, Inverno 1992-93, pp. 98-99.




















(52) A pretensa defesa dos «direitos humanos» por uma Organização internacionalista que tanto tem promovido os piores tiranos e torturadores na qualidade de “protectores” ou “fiscalizadores” daqueles mesmos direitos à escala mundial, é algo que não pode deixar qualquer dúvida quanto à instrumentalização do mal por uma Organização que até formalmente se dispõe a reunir grupos de trabalho destinados a examinarem os desaparecimentos forçados, as detenções arbitrárias, a discriminação, a tortura e situações afins. Sudão, Zimbabué, Paquistão, Líbia, Cuba e Arábia Saudita são, pois, alguns dos membros eleitos na já pretérita Comissão dos Direitos Humanos, actualmente substituída pelo não menos politizado Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Nesta linha puramente cosmética, atentemos no essencial: «A National Review descreveu a Comissão [dos Direitos Humanos] como um orgão que “dá cobertura diplomática a alguns dos piores tiranos do planeta.” O jornalista Mark Steyn retratou a Comissão como “um fórum de discussão inútil dominado por déspotas africanos” e o seu trabalho como “uma eterna cerimónia de entrega de prémios aos torturadores do mundo.” Um relatório da Stanley Foundation falava do “sucesso dos governos que violam os direitos humanos em usar o lugar na Comissão para evitar as pressões para melhorar as suas práticas, é seguramente um dos jogos mais cínicos da política internacional” e definiu-a como “disfuncional” e “um mercado negro no seio da organização.” A Amnistia Internacional acusou o orgão de usar de “dois pesos e duas medidas” e que “a pertença ao orgão é frequentemente usada para proteger os membros da Comissão da fiscalização dos direitos humanos, em vez de proteger e promover os direitos humanos.” O Grupo de Alto Nível concluiu que “a capacidade da Comissão... é cada vez mais minada pela erosão da sua credibilidade e profissionalismo. Em particular, alguns Estados procuram ser eleitos para a Comissão não para defender os direitos humanos, mas sim para se protegerem de críticas ou para criticarem outros. A Comissão perde, assim, cada vez mais credibilidade e a reputação de todo o sistema das Nações Unidas sofre com isso.”» (in Maria do Céu Pinto, op. cit., pp. 179-180).

(53) «O conceito de desenvolvimento humano e desenvolvimento sustentável fundiram-se para dar lugar a “desenvolvimento humano sustentado”, o qual acabou por evoluir para “segurança humana”.» (in Maria do Céu Pinto, op. cit., p. 211).

(54) Questões políticas, sociais e económicas, saúde, “alimentação adequada”, meio ambiente, controlo e diminuição da população, promoção do aborto, infância, escolaridade, cultura, “questões de género”, capacitação (“empowerment”) das mulheres, direitos humanos, pobreza, integração social e criação de emprego, dispositivos militares, “boa governança”, “novos modelos de desenvolvimento humano”, enfim, tudo isto e muito mais é, portanto, o que a Organização das Nações Unidas pretende administrar e supervisionar a uma escala planetária nunca antes vista.

(55) Maria do Céu Pinto, op. cit., pp. 205-206. Do que aqui, pois, se trata é da transferência de centros de decisão nacionais para centros de decisão internacionais. Daí, por conseguinte, a submersão dos estados-nações em ordens ou governos regionais de cuja interligação resultará a sobreposição retalhada de regimes multilaterais com vista ao totalitarismo globalista. Em suma: da existência de diferentes Estados nacionais passar-se-á para a existência de um superestado mundial alicerçado em tribunais e burocracias transnacionais que estarão, ao fim e ao cabo, na base coerciva e panóptica dos regimes de regulamentação supranacional.

(56) Maria do Céu Pinto, op. cit., p. 208.

(57) Maria do Céu Pinto, op. cit., p. 213.

(58) O “planeamento familiar” surge aqui como um “direito humano fundamental”, onde o aborto aparece como uma prática consequentemente legítima, ou, mais particularmente, como um “direito humano”. É, nessa mesma medida, a “cultura da morte” juridicamente institucionalizada à escala planetária, em nome dos “serviços de saúde reprodutiva”. É caso, pois, para dizer que, nesta matéria, o próprio George Orwell não poderia ter dito melhor em termos ou princípios da novilíngua.

De resto, estamos hoje a assistir a uma escalada sem precedentes no que concerne à dita “eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres”, nomeadamente no capítulo da denominada “violência doméstica”. Se bem que esta forma de violência exista e deva ser prevenida tanto quanto possível na ordem das relações sociais mais próximas ou distantes, a verdade é que se tem construído uma fortíssima campanha internacional, particularmente oriunda da ONU, com vista a alterar toda a estrutura principial da civilização ocidental fundamentalmente baseada na célula originária de toda a organização social propriamente dita: a família. Ora, que melhor forma poderia então haver para atacar a perpetuação do núcleo familiar senão através de movimentos feministas de inspiração revolucionária para activar a intriga e a desinteligência amorosa entre homem e mulher, no intuito de desconstruir e, portanto, comprometer as naturais relações no domínio sempre diferenciador e assaz particular do lar? Querem, pois, que acreditemos piamente que a Organização das Nações Unidas está, sem mais, profundamente preocupada com o papel da mulher na sociedade? E que está, ademais, perplexa e apreensiva com a lenta e quiçá demorada implementação da “igualdade de género”? Não há aqui nada de suspeito, ou minimamente estranho nesta campanha? Mas, então, que coisa será esta da sexualização das crianças a ser empreendida nos seus primeiros anos de vida, a começar logo nos infantários e na escola primária? E que razão haverá para que crianças de tenra idade já estejam a ser alvo da também chamada “ideologia de género”, e, portanto, constantemente sujeitas à agenda sexual da designada comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgéneros)? No fundo, tudo se resume à destruição sistemática da família enquanto associação natural já oportunamente definida por Aristoteles, para tal se fazendo crer que os conceitos naturais de pai, mãe, menino ou menina são apenas construções sociais preconceituosas que é preciso desconstruir quanto antes a fim de se poder alcançar a sociedade multicultural perfeita, onde o homem se «transformará» em mulher, a mulher em homem, o menino em menina, a menina em menino, enfim, tudo isso e o consequente rol de aberrações que agora nos querem impor mediante os enviesados termos de uma agenda global política, jurídica e sancionalmente bem determinada. Tudo somado, uma coisa é certa: a legalização da pedofilia nunca esteve tão perto de vir a ser uma monstruosa realidade. É, pois, uma questão de tempo, oportunamente avaliada, já depois de plenamente conquistados todos os demais “direitos” à imagem e semelhança da intocável quão criminosa Organização das Nações Unidas.





















Ver aqui e aqui

(59) As convenções, no âmbito do Direito Internacional, representam, sem dúvida nenhuma, uma forma suasiva de impor um conjunto infindável de leis internacionais que se vão impondo lenta e gradualmente por subtil oposição e até em manifesto detrimento das leis nacionais que regem os diferentes Estados. A extensão e o alcance de tais convenções é, pois, claramente indesmentível, a avaliar pelo que só a título de exemplo se segue: «A CDI [Comissão de Direito Internacional] foi responsável pela elaboração da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas; a Convenção de Viena sobre Relações Consulares; a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados; a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, a Convenção sobre Eliminação da Apatridia, sobre Processo Arbitral, sobre o Tribunal Penal Internacional, sobre o Direito do Mar, sobre a Sucessão de Estados, sobre Usos de Rios Internacionais, entre outras. Nem todos os trabalhos da Comissão são aprovados de forma a tornar-se tratados, mas constituem, apesar de tudo, inspiração para a doutrina e jurisprudência internacionais.» (in Maria do Céu Pinto, op. cit., p. 257).

(60) «A Assembleia Geral contribuiu também para a elaboração do Direito internacional com a aprovação de textos de numerosas convenções. A Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio foi adoptada em 1948, na sequência de apenas dois anos de trabalho preparatório. De entre muitos, destacam-se os seguintes: a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965); o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o Pacto internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (1966); a Convenção Internacional sobre Supressão e Punição de Crime de Apartheid (1973); a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979) e a Convenção sobre os Direitos das Crianças de 1989.» (in Maria do Céu Pinto, op. cit., p. 257).

(61) Maria do Céu Pinto, op. cit., p. 256. «Para administrar e vigiar a execução da Resolução 1514 (XV), a Assembleia criou, em 1961, o Comité Especial da Descolonização ou Comité dos Dezassete [Resolução A/1654 (XVI) de 27 de Novembro de 1961], alargado para vinte e quatro membros em 1962: o chamado Comité dos Vinte e Quatro [Resolução A/1810 (XVII) de 17 de Dezembro de 1962]. Este examinava os obstáculos, que, em determinado território, se opunham à descolonização e recebia e analisava as petições que lhe eram enviadas. A ONU retirou assim a questão das colónias da jurisdição exclusiva dos Estados coloniais e transformou o processo num fim central na organização.» (in Maria do Céu Pinto, op. cit., p. 266).

(62) Estas operações têm estado cada vez mais ligadas a um “consenso” globalmente forjado por Estados-membros da ONU, no que especialmente toca à entretanto consignada “responsabilidade de proteger” eventuais populações ameaçadas «de genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica ou crimes contra a humanidade» (cf. Maria do Céu Pinto, op. cit., p. 114). Ou seja: a declarada “responsabilidade de proteger” não só implica o emprego e a concomitante pressão de meios diplomáticos e designadamente humanitários de índole colectiva aplicados a Estados que não cumpram os deveres impostos pela comunidade internacional, como ainda o emprego da força com base na alegada «protecção de civis em casos – e exclusivamente – de uma manifesta incapacidade, voluntária ou involuntária, de um Estado em pôr cobro a situações extremas no seu território, como genocídio, violações repetidas e em larga escala dos Direitos Humanos e crimes contra a Humanidade» (cf. Maria do Céu Pinto, op. cit., p. 115). Ou, melhor dito ainda: o Direito Internacional, na sua conveniente ou suposta evolução, passou a ditar a erosão do princípio de não-ingerência no âmbito da soberania de cada Estado em particular, em nome, claro está, da protecção de todo e qualquer civil ou “cidadão do mundo”. Em suma: se a Carta das Nações Unidas já previra o uso da força como último recurso para manter a paz, coibir ou derrotar o agressor, a partir de agora vale sobretudo a ampliação daqueles poderes institucionais com vista à aplicação de medidas coercitivas para fins outros que não os propriamente relativos à paz e à segurança internacionais, pondo assim em causa, numa escala perigosíssima e sem precedentes na esfera global, a igualdade e a inviolabilidade soberana dos Estados em que parece justamente basear-se a Carta supramencionada.

(63) Será preciso dizer que estou em vias de rodar para a Televisão francesa uma série de treze filmes, a cores, sobre as aventuras de um agente especial da ONU chamado Jacques Prudence?

(64) Jacques Bergier, A Espionagem Científica, Edição «Livros do Brasil», pp. 236-239. Quando o autor, no largo trecho supracitado, nos diz que a ONU terá por tarefa prioritária impedir a iniciativa de grupos extremistas com vista ao domínio mundial, é caso para perguntar quem então nos garantiria que uma tal organização não pudesse albergar em si, como na realidade alberga, indivíduos ou grupos extremistas apostados na conquista mundial? E uma vez consolidado o regime jurídico universal, de que necessidade teria ainda a ONU de tão simplesmente se constituir como o governo oculto do mundo? Dispensada toda e qualquer criptocracia, bastar-lhe-ia tão-só manter, em termos puramente orwellianos, o Ministério Universal da Propaganda para assim prosseguir no domínio mundial em nome da liberdade e da defesa do bem comum.

(65) De 17 de Dezembro de 1970.

(66) Maria do Céu Pinto, op. cit., p. 269.




 "Per Mare, Per Terras, Per Constellatum"



(67) Tratado Sobre os Princípios Reguladores das Actividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, Inclusive a Lua e Demais Corpos Celestes, aprovado pela AG em 19 de Dezembro de 1966; Resolução da AG 1962 (XVIII) “Declaração dos Princípios Jurídicos Reguladores das Actividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico”, de 13 de Dezembro de 1963, a qual declara o espaço cósmico como património comum da humanidade no seu artigo I. No artigo III, estabelece o princípio de que a exploração e uso do espaço cósmico deverá realizar-se em conformidade com o Direito Internacional, a Carta das Nações Unidas, com a finalidade de manter a paz e a segurança internacionais e de favorecer a cooperação e compreensão internacionais.

(68) Aprovado em 1966 e vigente desde 1967.

(69) Maria do Céu Pinto, op. cit., p. 269.

(70) Que o mesmo é dizer em matéria de “controlo da população mundial”.

(71) A Agenda 21 deu já entretanto lugar à Agenda 2030, constituída por 17 objectivos de “desenvolvimento sustentável” fixados numa cimeira da ONU, ocorrida em Nova Iorque (EUA), de 25 a 27 de Setembro de 2015. Esta agenda tem como particular propósito a criação de um modelo global de alegada justiça social, racial e ambiental, pese embora conduzido segundo medidas que visam coagir governos, empresas e ONGs a aderir a um movimento transnacional de contornos anti-humanos e anti-energéticos. Deste modo, proclamando a conservação e gestão dos oceanos, o acesso equitativo à educação e aos serviços de saúde, ou até à criação de emprego e à erradicação de todas as formas de discriminação e de violência com base no género, a verdade, por mais incrível que pareça, é que uma tal agenda, confinada que está a uma série draconiana de regras provenientes da tecnocracia mundialmente dominante, contém em si objectivos ocultos que virão a ser, a seu tempo, gradualmente manifestos sob a forma da terraformação enquanto processo de alteração química da atmosfera, envenenamento dos rios, dos oceanos, das colheitas e dos solos com vista à infertilidade e ao suicídio em massa. (Consulte-se, neste particular, Dane Wigington, GeoEngineering. A Chronicle of Indictement. Exposing The Global Climate Engineering Cover-Up). No fundo, trata-se, em termos complementares, de um estádio mais particularmente avançado no processo que gravemente atenta contra a vida mediante a perversão e desorientação disseminados pelo movimento LGBTQ, assim como pelo recurso à prática do aborto sob a fachada dos “direitos sexuais e reprodutivos”.

(72) «A identificação do elemento ambiental encontra-se numa série de compromissos internacionais atinentes à área de meio ambiente, entre os quais se destacam a Conferência de Estocolmo de 1972; a Carta Mundial sobre a Natureza de 1982; a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982; a Convenção de Viena de 1985 para a Protecção da Camada de Ozono; o Protocolo de Montreal de 1987 sobre Substâncias que Empobrecem a Camada de Ozono; a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; a Convenção das Nações Unidas sobre Biodiversidade (1992), a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas.» (in Maria do Céu Pinto, op. cit., p. 268).

(73) Para este efeito, invocam-se geralmente os efeitos transfronteiriços da poluição como prova da internacionalidade do direito ambiental, ou seja: os Estados nacionais são, na esfera perversa e enganosa da retórica globalista, inteiramente incapazes de atender às necessidades humanas e ambientais presentes e futuras.

(74) É precisamente no contexto fatalista do extremismo ecológico que normalmente se situam quer a Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (CQNUAC), quer o Acordo de Paris de 2015, na forma de um instrumento de pilhagem internacional para assim consolidar a superestrutura burocrática da ONU mediante recursos financeiros e tecnológicos infindáveis.

(75) Entre os países que se recusaram a assinar um tal pacto, contam-se os seguintes: Áustria, EUA, Japão, Coreia do Sul, Rússia, China, Dinamarca, Austrália, Croácia, Lituânia, Bulgária, República Checa, Hungria, Polónia, Israel, Estónia, Suíça, Eslováquia e Itália.

(76) Trata-se, em muitos casos, de uma política de impunidade implementada em países como a Suécia, a Bélgica, a França, a Alemanha, o Reino Unido, entre outros mais, que tem visivelmente contribuído para a não integração civilizada de muitos migrantes que usam e abusam de condições privilegiadas a nível social, económico e financeiro disponibilizadas pelos “países de acolhimento”, e nenhum benefício, portanto, trazem senão para efeitos de procriação interracial, como, aliás, tem sido esse o objectivo último de Bruxelas e das Nações Unidas no âmbito do supergoverno mundial.

(77) Todo este processo tem, aliás, decorrido sob a designação da cooperação a nível mundial. Eis, pois, a novilíngua no seu melhor.

(78) Arkady N. Shevchenko, Ruptura com Moscovo, Edição “Livros do Brasil”, 1985, pp. 142-143.

(79) Ibidem, pp. 313-320.

(80) Ibidem, pp. 326-328.







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