«A doutrina tradicional ensina que Adão foi criado directamente por Deus e formado de um elemento subtil que o texto bíblico designa por uma palavra susceptível de várias traduções. A criação do homem é, pois, um mistério, quer dizer, algo de essencialmente evasivo a qualquer modo da nossa representação intelectual. Descrever a criação do homem em termos de comparação grosseira com os fenómenos naturais, digamos, com fenómenos físicos e até mecânicos, equivale a demonstrar ignorância da transcendência e a pretender afirmar impiedade.
A queda, sim, é susceptível de representação figurativa e intelecção mecânica. Ela significa o conceito de perversão, ou de razão pervertida, sem a mediação do qual não podemos opor-nos ao pessimismo que resulta da observação das desordens naturais. Ainda que a infracção seja expressa em termos de pecado, quer dizer, em termos literários de moralidade, para entendimento das pessoas que não vão além das fábulas simplistas, certo é que só a partir desse acontecimento sobrenatural nos é lícito falar de história.
A história natural, ou história da Natureza, não contradiz a prioridade da vida originária sobre a matéria derivada, e permite reconstruir a ciência biológica pelos conceitos de geração, regeneração e criação. Entre os animais, é observável a criação de orgãos adequados aos fins da espécie, segundo uma causa teleológica que foi reconhecida pelo próprio Lamarck, e a medicina pressupõe a crença no poder regenerador da Natureza. Energetismo, evolucionismo e criacionismo não são doutrinas opostas, mas complementares, conforme Henrique Bergson demonstrou no livro intitulado Evolução Criadora.
Para admitir a noção de criação é indispensável haver reflectido sobre a noção de síntese, que é o aparecimento de novas qualidades, e sobre a noção de número, que é a relação lógica entre a continuidade e a descontinuidade, o infinito e o finito. O problema consiste, então, em saber qual é real e qual é aparente, se a continuidade se a descontinuidade, para estabelecer a correlação. Negar o número, conjecturar que ao fim de certo tempo, ou no fim do tempo, a efectividade do múltiplo se anula na eternidade do uno, equivale a considerar ilusória a maravilha da criação.
A relação entre a continuidade e a descontinuidade é-nos sensível no ritmo, e distinguimos os ritmos uns dos outros pela quantificação. A verdade da vida humana é a descontinuidade, não só no ritmo, como também na metamorfose. Só o homem que evolui está em condições de entender o preceito divino da descontinuidade e de admitir sem dúvida o milagre da criação».
Álvaro Ribeiro («A Razão Animada»).
«O pecado original é um pecado da imaginação ou, se preferirdes por ser mais claro, um pecado de magia. Álvaro Ribeiro insurge-se contra as explicações do pecado original que nele vêem a relação carnal entre o homem e a mulher. Já Adão tinha conhecido Eva quando se deu o pecado de que temos notícia pelo Génesis.
Há uma degeneração na carne que serviu de carro ou de veículo ao amor de Adão por Eva quando ele a conheceu. Os cinco sentidos ou sensos, como prefere dizer Álvaro Ribeiro, puras irradiações do sentido interno, o sensorium communis dos escolásticos, pelo pecado original emergiram na carne e a imaginação passou a confundir-se com a sensação. Com efeito, sem a imaginação não seríamos capazes de reconhecer uma rosa. Sem a imaginação nunca a sensação seria percepção».
António Telmo («Teoria da Imaginação em Álvaro Ribeiro»).
«Os saltos criativos dados pela mente não-local têm sido confirmados pela ciência. Hiatos no registo fóssil deixado ao longo da evolução sugerem saltos criativos da imaginação na própria Natureza, uma hipótese conhecida como equilíbrio interrompido. Por exemplo, existem antigos fósseis de anfíbios e antigos fósseis de pássaros, mas não se encontram registos de uma criatura de ligação entre os anfíbios e os pássaros. Isto sugere um salto quântico da imaginação, onde os anfíbios queriam aprender a voar e os pássaros se manifestaram como um resultado dessa intenção. Os cientistas acreditam que os primatas evoluíram para os humanos, mas não há registos fósseis da fase intermédia, do "elo em falta". Primeiro, existiram apenas primatas, e depois, de repente, apareceram os seres humanos: E entretanto? Nada».
Deepak Chopra («Os Sete Princípios da Realização Espiritual»).
«Don Ruan ficava admirado com a capacidade dos seres humanos de instituir ordem ao caos da percepção. Afirmava que cada um de nós, a nosso próprio modo, é um mago magistral, e nossa magia consiste em impregnar de racionalidade os vestígios que nossa primeira atenção aprendeu a construir. Nossa percepção em termos de desnates provém dos comandos da Águia, mas a percepção desses comandos como objectos provém do nosso poder, nosso dom mágico. Nosso erro, por outro lado, é que sempre acabamos sendo unilaterais ao esquecermos que nossos desnates são reais apenas no sentido de que os percebemos como reais, em virtude do poder que temos de fazer isso. Don Juan chamava a isso um erro de julgamento, que destrói em nós a riqueza de nossas origens misteriosas».
«O mundo, como é, não tem nenhuma existência.
Por exemplo, a ideia de Espaço faz Espaço; não é o Espaço que faz a ideia; não é porque há Espaço que temos a ideia dele, é porque temos a ideia de Espaço que o Espaço existe».
Fernando Pessoa («Textos Filosóficos», II).
«Existe uma essência fundamental da nossa existência terrestre material através de cuja condensação toda a matéria nasce. E à pergunta: "Qual é essa matéria fundamental da nossa existência terrestre?" a ciência do espírito responde: "Toda a matéria existente na terra é luz condensada!" Não existe nada no campo da existência terrestre que seja uma coisa diferente da luz condensada sob que forma for.
(...) Para onde quer que dirijam a vossa mão e onde quer que sintam uma matéria, vocês têm em toda a parte luz condensada, comprimida. Na sua essência, a matéria é luz».
No domínio físico, também estamos constantemente a trocar energia e informação. Imagine que está na rua e capta o cheiro do fumo de um cigarro vindo de alguém que caminha a um quarteirão de distância. Isto significa que o leitor está a inalar o hálito dessa pessoa, que passa a cerca de cem metros de si. O cheiro é apenas um rasto, que o informa de que está a inalar o hálito de uma qualquer pessoa. Se esse rasto não existisse, se o transeunte não estivesse a fumar, o leitor continuaria a inalar o seu hálito sem o saber por não ser alertado pelo fumo do cigarro. E o que é o hálito? É o dióxido de carbono e o oxigénio provenientes do metabolismo de cada célula desse corpo estranho. É isso que o leitor está a inalar, tal como outras pessoas inalam o seu hálito. Deste modo, todos nós fazemos constantes trocas de pequenas porções de nós mesmos - moléculas físicas e mensuráveis provenientes dos nossos corpos.
A um nível mais profundo, não existem de facto limites entre nós próprios e tudo o resto que existe no mundo. Quando tocamos num objecto, sentimo-lo sólido, como se houvesse uma fronteira distinta entre ele e nós. Os físicos diriam que experimentamos essa fronteira como sendo sólida, porque tudo é composto por átomos, e a solidez é a sensação que temos de átomos a chocarem com outros átomos. No entanto, pense no que é um átomo. Um átomo tem um pequeno núcleo com uma enorme nuvem de electrões a girar à sua volta. Não existe nenhuma concha exterior rígida, apenas uma nuvem de electrões. Para o visualizar, imagine um amendoim no centro de um estádio de futebol. O amendoim representa o núcleo, e o estádio representa o tamanho da nuvem de electrões que o circunda. Quando tocamos num objecto, percepcionamos a sua solidez quando as nuvens dos electrões se encontram. Esta é a nossa interpretação da solidez, tendo em atenção a sensibilidade (ou a relativa insensibilidade) dos nossos sentidos. Os nossos olhos estão programados para ver objectos tridimensionais e sólidos. As nossas terminações nervosas estão programadas para sentir os objectos como sendo tridimensionais e sólidos. Porém, na realidade do domínio quântico, a solidez não existe. Existirá solidez quando duas nuvens se encontram? Não. Elas fundem-se e separam-se. Algo semelhante acontece sempre que o leitor toca noutro objecto. Os vossos corpos energéticos (e as respectivas nuvens de electrões) encontram-se, pequenas porções fundem-se, e depois separam-se. Apesar de o leitor se percepcionar como um todo, perdeu um pouco do seu campo energético para o objecto, e, em contrapartida, adquiriu também um pouco do campo energético dele. A cada encontro, nós trocamos informação e energia, e ficamos um pouco «alterados». Também por isto podemos ver de que forma estamos ligados a tudo o resto que existe no mundo físico. Todos partilhamos constantemente porções dos nossos campos energéticos. Desse modo, a este nível quântico, ao nível das nossas mentes e de nós «próprios», estamos todos interligados. Todos estamos correlacionados uns com os outros.
Assim, é apenas na nossa consciência que os nossos sentidos limitados criam um mundo sólido a partir da energia pura e da informação. No entanto, e se conseguíssemos ver o interior do domínio quântico, se tivéssemos «olhos quânticos»?. No domínio quântico, veríamos que tudo o que pensamos como sendo sólido no mundo físico está na verdade a entrar e a sair de um vazio infinito, tremeluzindo à velocidade da luz. À semelhança da sequência fotograma-espaço de um filme, o universo é um fenómeno alternado [descontínuo]. A continuidade e a solidez do mundo existem apenas na imaginação, alimentada pelos sentidos, que não conseguem discernir as ondas de energia e informação que caracterizam o nível quântico da existência. Na verdade, todos nós, tremeluzindo, estamos e saímos constantemente da existência. Se conseguíssemos sintonizar correctamente os nossos sentidos, podíamos ver de facto os hiatos das nossas existências. Nós estamos aqui, e depois já não estamos, e depois voltamos a estar. O sentido de continuidade é sustentado apenas pelas nossas memórias.
Existe uma analogia que ilustra bem este aspecto. Os cientistas sabem que um caracol demora cerca de três segundos a registar a luz. Então, imagine que um caracol estava a olhar para mim, e que eu saí da sala, assaltei um banco e voltei em três segundos. Para o caracol, eu nunca abandonei a sala. Eu podia levá-lo a tribunal, porque me daria um álibi perfeito. Para o caracol, o tempo que eu estive fora da sala recairia num daqueles espaços entre os fotogramas da existência tremeluzente. A sua sensação de continuidade, presumindo que os caracóis a têm, simplesmente não registaria esse espaço.
Deste modo, a experiência sensorial de todos os seres vivos é uma construção perceptiva puramente artificial criada pela imaginação. Existe uma história zen segundo a qual dois monges estão a olhar para uma bandeira que esvoaça ao vento. O primeiro diz: «A bandeira está a esvoaçar». O segundo contesta: «Não, é o vento que se desloca». O mestre de ambos aproxima-se e eles questionam-no. «Quem tem razão? Eu afirmo que a bandeira se mexe e ele diz que é o vento que se desloca». O mestre replica: «Ambos estais errados. Só a consciência se movimenta». À medida que a consciência se desloca, imagina o mundo a existir.
Desta forma, a mente é um campo de energia e informação. Cada ideia também é energia e informação. Ao percepcionar o caldo energético, o leitor imaginou o seu corpo físico e todo o mundo físico a existirem como entidades físicas distintas. Contudo, de onde veio a mente responsável por essa imaginação?
Nível 3: o domínio não-local
O terceiro nível da existência consiste na inteligência ou consciência. Ele pode ser denominado domínio virtual, domínio espiritual, campo do potencial, ser universal ou a inteligência não-local. É aqui que a informação e a energia emergem de um mar de possibilidades. O nível da natureza mais básico e fundamental não é material; nem tão pouco é um caldo de energia e informação, mas antes potencial puro. Este nível da realidade não-local actua para lá do alcance do espaço e do tempo, que muito simplesmente não existem a este nível. Designamo-lo não-local por não poder ser confinado a uma localidade, não está «em» nós nem «por aí». Está simplesmente.
A inteligência do domínio espiritual é o que organiza o «caldo energético» em quantidades reconhecíveis. É isso que liga as partículas quânticas em átomos, estes em moléculas e estas em estruturas. É a força organizadora que está por trás de todas as coisas. Este pode ser um conceito um pouco difícil de dominar. Uma maneira relativamente simples de pensar neste domínio virtual é reconhecer a natureza dupla dos nossos próprios pensamentos. Enquanto o leitor lê estas palavras, os seus olhos vêem a impressão a negro na página e a sua mente traduz essa impressão em simbolos- letras e palavras - tentando depois inferir o seu significado. No entanto, distancie-se um pouco e pergunte: «Quem é que está a ler?»; «Qual é a consciência que está subjacente aos meus pensamentos?». Mantenha a noção de dualidade destes processos interiores. A sua mente está ocupada a descodificar, a analisar e a traduzir. Então, quem é que está a ler? Com este pequeno desvio da atenção, o leitor pode aperceber-se da existência de uma presença dentro de si, uma força que está sempre a realizar experiências. É a alma, ou a inteligência não-local, e as suas experiências têm lugar no nível virtual.
Do mesmo modo que a informação e a energia forjam o mundo físico, este domínio não-local («sem localidade») cria e instrumenta a actividade da informação e da energia. Segundo o autor de best-sellers e precursor metafísico, Larry Dossey, M. D., os acontecimentos não-locais têm três qualidades importantes que os distinguem dos acontecimentos que estão confinados ao mundo físico - eles são correlativos, e esta correlação é não-mediada, não-mitigada e imediata. Analisemos resumidamente o que ele queria dizer com isto.
O comportamento de dois ou mais acontecimentos subatómicos não está interligado por acaso, significando isto que «um acontecimento não é a causa de outro acontecimento, contudo, o comportamento de um está imediatamente correlacionado ou coordenado com outro». Por outras palavras, eles parecem dançar ao som da mesma música, ainda que não comuniquem uns com os outros no sentido convencional. Este é o significado de não-mediada.
A correlação entre estes acontecimentos não-locais também é não-mitigada, o que significa que a força da correlação permanece inalterada com a distância no espaço e no tempo. Por exemplo, se o leitor e eu estivéssemos na beira de dois passeios com a estrada a separar-nos. A essa distância muito maior, a minha voz soar-lhe-ia muito mais fraca, se me conseguisse ouvir sequer. Se o leitor estivesse no domínio não-local, eu seria ouvido claramente, independentemente de estar na rua mesmo ao seu lado, no outro lado da rua, a um quilómetro e meio de distância ou até mesmo noutro continente.
Terceiro, imediata significa que não é necessário qualquer tempo de deslocação para os acontecimentos não-locais. Todos estamos familiarizados com o facto de a luz e o som se deslocarem a velocidades diferentes, razão pela qual vemos o relâmpago à distância antes de ouvirmos o ribombar do trovão. Com os acontecimentos não-locais, este retardamento temporal não existe, porque as correlações não-locais não se regem pelas leis da física clássica. Não existe nenhum sinal, não existe nenhuma luz, nem nenhum som. Não existe nenhuma «coisa» que tenha de se descolar. As correlações entre os acontecimentos que ocorrem ao nível não-local ou virtual dão-se instantaneamente, sem causa e sem qualquer enfraquecimento pelo tempo ou pela distância.
A inteligência não-local está em todo o lado ao mesmo tempo e pode provocar múltiplos efeitos em simultâneo em vários locais. É a partir deste domínio virtual que tudo no mundo é organizado e sincronizado. Esta é, então, a fonte das coincidências, tão importantes para o sincrodestino. Quando o leitor aprender a partir deste nível, poderá realizar espontaneamente todos os seus desejos. Poderá originar milagres (in ob. cit., pp. 30-35).
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