domingo, 26 de agosto de 2012

Reencarnação (i)

Fragmento de uma conferência proferida por Rudolf Steiner








«Steiner, estudioso de Schiller e de Goethe, autor de uma Filosofia da Liberdade que tivera bom acolhimento também no meio académico, era um intelectual de prestígio quando em 1900 aceitou fazer uma série de conferências na Sociedade Teosófica de Berlim e continuou a colaborar com a sociedade nos anos seguintes. Não obstante a parcial diversidade de posições, ali adquiriu um notável prestígio, ao ponto de poder aspirar a dirigi-la e a fazer que o grupo guiado por Annie Besant não conseguisse impor o jovem hindu [Jiddu Krishnamurti]. Também, por este motivo, além da crescente divergência de posições, Steiner rompe com a sociedade em 1912.

Mas as suas ligações com a cultura ocultista continuaram. Em 1909 elaborara uma colectânea de uma série de conferências feitas em Budapeste (nascera na Hungria em 1861) com o título "O Esoterismo Rosacruciano". No livro Memória Cósmica retomava a história esotérica de origem blavatskiana. Já em 1909 se iniciara um conflito no âmbito da sociedade teosófica, porque Steiner insistia para que ela desse o seu apoio à representação das obras de Schuré (já reconhecido como admirador de Wagner e do seu círculo ocultista-racista). Dele era protagonista a actriz Maria von Sievers (que casou com o próprio Steiner). Em 1907 fora representada uma reconstituição dos mistérios eleusinos. Em 1909 uma segunda experiência teatral deveria ter lugar em Munique, durante o congresso que Steiner promovera segundo uma concepção que estava a elaborar e que definia como antroposofia em ligação com a teosofia da sociedade, cujos dirigentes não compartilharam a oportunidade da iniciativa. Vem daqui os desacordos até à ruptura de 1912.

(...) devemos a [Colin] Wilson um eficaz resumo da tese de Steiner. "O ser humano é formado por quatro 'corpos'. O físico que é animado pelo corpo etéreo, visível aos clarividentes que lhe chamam 'aura', Bergson em vez disso chama-lhe 'impulso vital', enquanto Shaw 'força vital'. Vem depois o 'corpo astral', o qual, segundo os ocultistas, pode sair do corpo físico nalgumas condições. Por cima de tudo isto há o ego, o princípio do indivíduo. O homem desenvolveu lentamente estes corpos, um a um, em longos períodos de tempo. É a única criatura na terra que possui o ego com o qual coordena os outros três corpos. Trabalhando sobre estes corpos inferiores pode criar três corpos superiores: uma consciência espiritual, um corpo espiritual, uma alma perfeita a que os hindus chamam 'atma', cuja natureza é idêntica à de Deus"».

Giorgio Galli («Hitler e o Nazismo Mágico - As Componentes Esotéricas do III Reich»).
«É também a época em que uma extraordinária personagem, Rudolf Steiner, desenvolve na Suiça uma sociedade de investigações que se baseia na ideia de que o Universo inteiro está contido no espírito humano e que esse espírito é capaz de uma actividade sem nada de comum com o que a esse respeito nos diz a psicologia oficial. De facto, certas descobertas steinerianas, na biologia (os adubos que não destroem o solo), na medicina (utilização dos metais que alteram o metabolismo) e sobretudo em pedagogia (funcionam hoje na Europa numerosas escolas steinerianas), enriqueceram consideravelmente a humanidade. Rudolf Steiner pensava que há uma forma negra e forma branca de investigação "mágica". Achava que o teosofismo e as diversas sociedades neopagãs provinham do grande mundo subterrâneo do Mal e anunciavam uma era demoníaca. Apressava-se a estabelecer, no âmago do seu próprio ensinamento, uma doutrina moral incitando os "iniciados" a só utilizarem forças benéficas. Ele pretendia criar uma sociedade de benevolentes.

Não vamos pôr a questão de saber se Steiner tinha ou não razão, se era ou não senhor da verdade. O que nos impressiona é que as primeiras equipas nazis parecem ter considerado Steiner o seu inimigo número um. Logo de início, os seus agentes dispersam por meio da violência as reuniões de steinerianos, ameaçam de morte os discípulos, obrigam-nos a fugir da Alemanha e, em 1924, na Suíça, Dornach, deitam fogo ao centro edificado por Steiner. Os arquivos ardem, Steiner já não está em condições de trabalhar e morre de desgosto um ano mais tarde».

Louis Pauwels e Jacques Bergier («O Despertar dos Mágicos»).


«O budismo toma como facto definitivo a existência do mundo material onde vivem seres conscientes; afirma que tudo está sujeito à lei de causas e efeitos e que não há nada que não esteja mudando constantemente, ainda que imperceptivelmente. Não há lugar nenhum que escape a esta lei e por conseguinte não há céu nem inferno no sentido vulgar. Há mundos onde vivem anjos cujas existências são mais ou menos materiais conforme as suas vidas prévias foram mais ou menos santas, mas estes anjos morrem e os mundos que eles habitam passam. Há lugares de torturas onde as más acções dos homens e dos anjos geram seres infelizes, mas quando estiver esgotado o poder activo do mal que os produziu, estes desaparecerão, como os mundos que habitam, como o Cosmos. A terra, o céu e o inferno tendem sempre à mudança, numa série de revoluções ou de ciclos cujo princípio é desconhecido e não se pode conhecer. Os homens e os deuses não fazem excepção a esta lei universal de composição e dissolução; a unidade de forças que constitui um ser consciente tem mais tarde ou mais cedo de se dissolver e só por ignorância ou ilusão é que um ser sonha uma existência independente e separável».

A. P. Sinnett («Budismo Esotérico»).







«Da possibilidade de aceitar plenamente a cisão, ou o que infinitamente separa o ser de si e da sua verdade, queda enfim dependente não só o pensamento do homem e o ser do homem para si mas, enquanto para ele são, todo o divino, todo o angélico ou demoníaco, tudo quanto apreendemos como imediação e imediato, ou na mediação cósmica da razão mais ampla e mais profunda».

José Marinho («Teoria do Ser e da Verdade»).




Primeira Conferência, Hamburgo, 16 de Maio de 1910 


(...) Para reconhecermos o carma no indivíduo, suponhamos que, aos vinte e cinco anos, uma pessoa é atingida por um golpe cruel do destino. Vive deste modo uma grande dor. Se as nossas observações forem conduzidas de tal maneira que nos contentamos em verificar que o destino cruel atingiu essa vida, encheu-a de dor e sofrimento, se não suplantarmos a simples observação, nunca chegaremos ao conhecimento da relação cármica. Contudo, se formos mais longe e observarmos a vida dessa pessoa aos cinquenta anos, e se tiver sido profundamente atingida aos vinte e cinco anos, talvez possamos retirar daí algo que poderia ser formulado do seguinte modo: o homem que é alvo da nossa observação tornou-se diligente e activo, dotado de todo o tipo de capacidades face à existência; analisemos agora o curso da sua vida. Descobriremos que, aos vinte anos, ele não valia nada, não queria fazer absolutamente nada; aos vinte e cinco anos, foi então atingido por esse rude golpe do destino. Sem essa infelicidade, podemos dizer, teria continuado um inútil. Assim, o cruel golpe do destino foi a causa daquilo com que nos deparamos na presença de um quinquagenário capaz e activo.

Um facto deste género prova que nos desviamos do caminho se virmos o rude golpe do destino sofrido aos vinte e cinco anos como um simples efeito. Porque se nos questionarmos sobre qual terá sido a sua causa, vemos que não podemos limitar-nos à simples observação. Mas não consideremos uma infelicidade deste género como um efeito; não vejamos nela o resultado de fenómenos que a antecederam; coloquemo-la, pelo contrário, na origem dos acontecimentos que se seguiram e encaremo-la como uma causa. Teremos, pois, de reconhecer que podemos modificar por completo o juízo que advém do nosso sentimento e das nossas impressões relativamente a esse golpe do destino. Se virmos nisso apenas um efeito, talvez nos sintamos tristes ao ver esse homem ser assim atingido. Se, pelo contrário, o considerarmos como causa do que se lhe seguiu, talvez possamos regozijar-nos com isso, porque, podemos afirmar, foi graças a esse seu destino que essa pessoa se tornou válida.






Deste modo, vemos modificar-se uma parte essencial dos nossos sentimentos ao considerarmos um acontecimento da vida como uma consequência ou uma causa. Não é portanto indiferente ver-se em tudo o que pode acontecer na vida de um homem como um simples efeito ou uma causa. Claro que, se a nossa observação se situar no momento em que o doloroso acontecimento acaba de ocorrer, ainda não nos é possível percepcionar aí nenhum efeito imediato. Mas, se a observação de casos deste género nos permitir formar uma ideia da lei do carma, esta pode então mostrar-nos que, se um acontecimento actual nos parecer doloroso, é porque nos aparece unicamente como o efeito daquilo que o antecedeu.

Mas também podemos considerar este acontecimento como um ponto de partida, pressentindo então que dele provêm efeitos que esclarecem a questão com uma luz completamente diferente! A lei cármica pode deste modo tornar-se fonte de consolação. Esta consolação não existiria se persistísssemos no hábito de considerar o acontecimento como um fim e não como o início de uma série de manifestações.

Para nós é portanto importante aprendermos a observar cuidadosamente a vida e a distinguir o que, nas coisas, corresponde a efeitos e a causas. Se realizarmos tais observações de forma verdadeiramente profunda, em toda a vida humana individual aparecer-nos-ão resultados que se expõem com uma certa regularidade e outros que nos parecem irregulares. É assim que aquele que observa a vida humana - e cujo olhar alcança mais longe do que a ponta do nariz - descobre nela relações notáveis. Infelizmente, hoje em dia, observamos os acontecimentos relativos apenas a períodos muito curtos, apenas de alguns anos; e não estamos habituados a estabelecer uma relação entre o que se passa ao cabo de um grande número de anos e aquilo que pôde apresentar-se anteriormente como causa. É por isso que, hoje em dia, muito poucas pessoas sabem relacionar o início e o fim da vida, ainda que esta relação seja extraordinariamente instrutiva.

Suponhamos que educámos uma criança durante os sete primeiros anos da sua existência e que não procedemos como habitualmente, que não partimos da crença segundo a qual, se alguém deve tornar-se um homem capaz na vida, deve ser desta ou daquela maneira, por forma a corresponder exactamente à nossa ideia do que deve ser um homem capaz. Porque, neste caso, teríamos desejado inculcar na criança, tanto quanto possível, tudo o que, na nossa opinião, deve justamente fazer dele um homem honesto. Se, no entanto, soubermos que se pode ser um homem de bem de muitas maneiras e que de modo nenhum é necessário fazermos a representação de como virá a sê-lo, segundo as suas próprias disposições naturais, aquele que ainda não passa de uma criança, podemos então dizer: Qualquer que seja a minha concepção de um homem capaz, é preciso que o homem que esta criança vai ser chamada a tornar-se resulte das melhores disposições que tenham sido retiradas dele - sendo talvez este o enigma que está por resolver! - E, a partir daí, poderemos dizer: Que importam todos esses princípios ou outros aos quais eu possa aderir; a criança deve, por si própria, sentir a necessidade de fazer uma ou outra coisa! Se eu quiser desenvolvê-la de acordo com as suas disposições individuais, tenho de tentar cultivar as necessidades que existem na sua natureza, resgatá-las para que antes de mais a criança sinta necessidade de agir de acordo com a sua própria necessidade. Vemos assim que existem dois métodos completamente distintos de actuar em relação à criança durante os sete primeiros anos da sua vida.






Se observarmos a sequência dessa vida, decorrerá um longo período sem que se manifeste claramente o efeito daquilo que incutimos na criança ao longo dos primeiros anos. A observação da vida mostra-nos, de facto, que os efeitos essenciais daquilo que foi depositado como um embrião no espírito infantil só se manifesta, de facto, em último caso, ou seja, no declínio da vida. Até ao fim da vida, o homem pode permanecer muito activo em termos espirituais, apesar de na sua infância ter sido educado a ter em conta a sua vida interior, aquilo que vive nele. Se nos abrirmos às forças interiores que existem nele, e que ajudámos a desenvolver, veremos surgirem os frutos disso na velhice sob a forma de uma vida espiritual rica. Pelo contrário, no caso de uma alma empedernida e empobrecida, e também consequentemente - porque, vê-lo-emos mais adiante, uma alma empedernida também actua sobre o corpo - nas fragilidades da idade, aparecem os erros que cometemos durante a infância. Eis aqui uma manifestação de certa forma regular da vida humana, da Lei de Causa e Efeito comum a todos os homens.

Poderíamos verificar relações semelhantes nos períodos mais próximos do meio da vida...

O modo como tratámos uma criança entre os sete e os catorze anos repercute-se nos efeitos que tem ao longo do penúltimo período da vida. Vemos pois as causas e os efeitos desenrolarem-se de forma cíclica, bem como em círculo. As causas mais antigas são aquelas cujos efeitos são os mais tardios. Mas não existe apenas este tipo de causas nem de efeitos na vida do indivíduo. Há um outro encadeamento que ocorre em linha recta a par daquele que é cíclico.

O exemplo da influência que podem exercer os treze anos sobre os vinte e três mostrou-nos que a relação de causa e efeito que é provocada na vida humana leva a que as experiências vividas pelo indivíduo sejam seguidas de efeitos que recaem sobre ele. Foi assim que o carma se cumpriu numa vida individual, mas não conseguiremos explicar a vida humana, se procurarmos as relações de causa e efeito apenas no seio dessa mesma vida. Em que se baseia a ideia que acaba de ser aflorada e como desenvolvê-la é o que as conferências que se seguem irão mostrar. Recordemos apenas que a ciência do espírito apresenta a vida compreendida entre o nascimento e a morte como a repetição das vidas humanas anteriores.

Rudolf Steiner com o modelo do Goetheanum.


O primeiro Goetheanum, Sede da Sociedade Antroposófica.
















O segundo Goetheanum







Ora, se tentarmos ver o que caracteriza esta vida compreendida entre o nascimento e a morte, podemos afirmar que é o facto de uma única e mesma consciência - pelo menos naquilo que ela tem de essencial - se estender por toda a duração da vida. Se vocês se lembrassem dos períodos decorridos na vossa vida, direis: «Existe, no entanto, um momento que não coincide com o do meu nascimento, mas que lhe é um pouco posterior, sendo aí que começam as minhas lembranças». É o que dirão todos aqueles que não são iniciados; que, por conseguinte, a sua consciência não recua ainda mais. Esse momento em que começa a lembrança representa no fundo alguma coisa de muito particular em todo o tempo que separa o nascimento da morte. (...) se não tivermos isso em conta, podemos afirmar que a vida entre o nascimento e a morte se caracteriza pelo facto de uma mesma consciência se estender a todo esse tempo.

Mesmo que, na vida comum, o homem não tenha o hábito de procurar nos períodos anteriores da sua vida as causas para uma coisa que lhe acontece numa idade avançada, poderá no entanto fazê-lo, tornando-se suficientemente atento a todas as coisas e buscando o seu significado. Poderá fazê-lo através da consciência de que dispõe enquanto consciência da lembrança. Se, com o auxílio desta faculdade da lembrança, o homem tentar viver interiormente a relação cármica entre os acontecimentos anteriores e posteriores, chegará ao seguinte resultado.

Dirá, por exemplo: «Apercebo-me que certos acontecimentos da minha vida não teriam lugar se isto ou aquilo não se tivesse passado num período anterior da minha biografia». Talvez ele diga: «É preciso que sofra as consequências da educação que recebi». Esta simples descoberta da relação entre já não o mal que tenha feito, mas os males que lhe tenham sido causados, e os acontecimentos posteriores, ser-lhe-á então muito útil. Ele encontrará mais facilmente o modo de reparar os danos de que foi vítima. O conhecimento das relações deste género entre as causas e os efeitos relativos a períodos biográficos diferentes que abarcam a nossa consciência comum pode ser-nos muito útil para a nossa vida. Mais ainda, se adquirirmos este conhecimento, talvez possamos fazer outra coisa. Sem dúvida que se um idoso olha para trás à procura das causas para acontecimentos ocorridos ao longo dos seus oitenta anos, causas essas que ele deverá procurar na sua mais tenra idade, é possível que tenha muita dificuldade em encontrar os meios para remediar aquilo que lhe foi feito, e toda a inclinação sobre isso não lhe servirá de muito. Mas se ele se instruir mais cedo sobre essas coisas e se analisar as faltas que foram cometidas em relação a si, por exemplo, se, desde os quarenta anos, procurar remediá-lo, terá seguramente ainda tempo para encontrar alguns remédios.









Vemos portanto que devemos retirar ensinamentos não só do carma mais imediato, mas também do carma, em geral, e da relação interna de necessidade que ele representa. Isso pode ser um apoio para a nossa vida.

O que faz então uma pessoa que, aos quarenta anos, tenta evitar os efeitos negativos de danos que, quando tinha doze anos, lhe foram causados ou que ele próprio causou? Tentará reparar o mal que fez ou de que foi alvo bem como prevenir por todos os meios o efeito daí decorrente. Ele substituirá mesmo de alguma maneira, através de um outro efeito, aquele que devia ter-se manifestado se não tivesse intervindo. O conhecimento do que se passou quando tinha doze anos leva-lo-á a uma determinada acção aos quarenta. Ele não a teria praticado se não tivesse reconhecido o que lhe aconteceu aos doze anos. O que fez então este homem graças à retrospectiva da sua vida de outros tempos? Conscientemente, ele fez seguir a uma causa um efeito específico. Pretendeu obter o efeito que agora levava a que se produzisse. Isto mostra-nos o modo como a vontade pode intervir no desenvolvimento das sequências cármicas e, através de uma verdadeira criação, substituir os efeitos cármicos que, sem ela, teriam intervindo. Se considerarmos esta relação que, efectivamente de modo consciente, a nossa consciência estabelece entre uma causa e um efeito na biografia, podemos dizer que, para o homem cujo caso apresentámos, o carma ou a necessidade cármica penetrou na sua consciência; ele próprio provocou de alguma maneira um efeito cármico (in Reencarnação, Planeta Editora, 2008, pp. 23-30).





Continua


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