sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O Presente da Águia (ii)

Escrito por Carlos Castaneda









«[Pablito] Tinha dito que nosso ser total consiste em dois segmentos perceptíveis. O primeiro é o corpo físico conhecido, que todos podemos perceber; o segundo é o corpo luminoso, um casulo que só os videntes conseguem perceber, um casulo que nos dá a aparência de ovos luminosos gigantescos. Don Juan tinha dito também que uma das metas mais importantes da feitiçaria é alcançar o casulo luminoso; uma meta que é conseguida pelo uso sofisticado do sonhar e por um empreendimento rigoroso e sistemático a que ele dava o nome de não-fazer. Definia o não-fazer como um acto pouco familiar, que envolve todo o nosso ser, ao força-lo a se tornar consciente do seu segmento luminoso.

(...) Don Juan explicou-me que o corpo sonhador é às vezes chamado de "o duplo" ou "o outro", porque é uma réplica perfeita do corpo do sonhador. É basicamente a energia de um ser luminoso, uma emanação esbranquiçada e fantasmagórica, que é projectada pela fixação da segunda atenção numa imagem tridimensional do corpo. Don Juan explicou que o corpo sonhador não é um fantasma; é tão real quanto qualquer coisa com que lidamos no mundo. Disse que a segunda atenção é inevitavelmente levada a focalizar em nosso ser total como um campo de energia, e que transforma essa energia em qualquer coisa apropriada. A coisa mais fácil é, naturalmente, a imagem do corpo físico com o qual já estamos perfeitamente familiarizados em nossa vida diária, por meio do uso da primeira atenção. O que canaliza a energia do nosso ser total a produzir qualquer coisa que esteja dentro dos limites de possibilidades é conhecido como vontade. Don Juan não sabia dizer quais eram esses limites, a não ser que em seres luminosos os parâmetros são tão amplos que é bobagem tentar estabelecer limites; dessa forma, a energia de um ser luminoso pode ser transformada, por meio da vontade, em qualquer coisa».

Carlos Castaneda («O Presente da Águia»).


«Na verdade, a realidade fisica não existiria se não houvesse intenções. A intenção activa a correlação não-local e sincronizada no cérebro. Sempre que há conhecimento ou percepção da realidade física, as diferentes regiões do cérebro mostram uma "fase e frequência a circunscreverem-se", afastando-se dos padrões luminosos de neurónios específicos em diferentes partes do cérebro. Esta é uma sincronização não-local que ocorre a uma frequência de cerca de quarenta hertz (quarenta ciclos por segundo). Esta sincronização, também chamada encadeamento, é um requisito da cognição. Sem ela, não veríamos uma pessoa como uma pessoa, uma casa como uma casa, uma árvore como tal ou um rosto numa fotografia como sendo um rosto. Talvez víssemos apenas pontos brancos e pretos, linhas dispersas, manchas de luz e escuridão. De facto, os objectos da nossa percepção registam-se apenas como sinais electromagnéticos ligados-desligados no nosso cérebro. A sincronização, organizada pela intenção, converte pontos, manchas, linhas dispersas, descargas electricas e padrões de luz e escuridão num todo, uma entidade criadora que fez um quadro do mundo como uma experiência subjectiva. O mundo não existe como quadro, mas apenas como esses fragmentos de impulsos ligados-deligados, esses pontos e manchas, esses códigos digitais de descargas eléctricas aparentemente casuais. Através da intenção, a sincronização organiza-os em experiência no cérebro - um som, uma textura, uma forma, um paladar e um cheiro. O leitor, enquanto inteligência não-local, "rotula" essa experiência, e, de repente, verifica-se a criação de um objecto material na consciência subjectiva.

O mundo é como um borrão de Rorschach, que convertemos num mundo de objectos materiais através da sincronização orquestrada pela intenção. O mundo que se lhe depara é observado e, perante o desejo ou a intenção de observar algo, o sistema nervoso existe quer como entidade dinâmica (em constante mutação), quer como um campo caótico e não-linear de actividades num estado de não-equilíbrio (actividade instável). De forma sincronizada, a intenção organiza estas actividades altamente variáveis, aparentemente caóticas e sem relação num universo não-local, num sistema altamente ordenado, auto-organizador e dinâmico, que se manifesta simultaneamente como um mundo observável e como um sistema nervoso através do qual esse mundo está a ser observado. A própria intenção não tem origem no sistema nervoso, embora seja orquestrada através dele. No entanto, a intenção é responsável por algo mais do que a cognição e a percepção. Toda a aprendizagem, recordação, raciocínio, dedução de conclusões e actividade motora são precedidos pela intenção. Ela é a base estruturadora da criação».

Deepak Chopra («Os Sete Princípios da Realização Espiritual»).







4. O intento é a força que move o primeiro anel de poder

Don Juan explicou que o intento não se refere a ter uma intenção, ou a querer uma coisa ou outra, mas a uma força imponderável que faz com que tenhamos atitudes que podem ser descritas como intenção, desejo, volição e assim por diante. Definiu-o como uma condição inata, proveniente da própria pessoa, como o hábito produzido pela socialização ou uma reacção biológica, mas que é melhor representado por uma força particular, íntima, que possuímos e usamos individualmente como a chave que faz com que o primeiro anel de poder se mova de formas aceitáveis. O intento é o que dirige a primeira atenção a focalizar emanações da Águia dentro de um certo âmbito. E o intento é também o que comanda o primeiro anel de poder a interromper ou parar seu fluxo de energia.

Don Juan sugeriu que eu pensasse no intento como numa força invisível que existe no universo, desconhecida de si mesma e ainda assim agindo sobre tudo - força que cria e mantém os desnates.

Afirmou que os desnates devem ser recriados incessantemente, a fim de serem impregnados de continuidade. Para recriá-los toda a vez com o frescor necessário para formar um mundo vivo, temos de usar o intento deles toda a vez que os construímos. Por exemplo, temos de ter o intento da "montanha" em toda a sua complexidade para que seu desnate se torne completo. Disse que para um espectador, comportando-se exclusivamente com base na primeira atenção, sem a interferência do intento, a "montanha" pode parecer um desnate inteiramente diferente. Pode talvez parecer como uma "forma geométrica" ou uma "mancha amorfa de coloração". Para que o desnate "montanha" seja completa, o espectador tem de ter o intento dela, quer involuntariamente, através da força compulsória do primeiro anel de poder, quer deliberadamente, através do treinamento do guerreiro.

Ele notou três maneiras pelas quais o intento vem a nós. A primeira e mais comum é conhecida pelos videntes como "intento do primeiro anel de poder". É um intento cego que nos vem puramente ao acaso. É como se tivéssemos sido postos em seu caminho, ou como se o intento tivesse sido posto no nosso. Inevitavelmente encontramo-nos presos em suas malhas sem termos a menor ideia do que nos está acontecendo.

A segunda maneira de nos depararmos com o intento é quando ele nos vem por sua própria conta. Isso exige um grau considerável de determinação, um senso de propósito da nossa parte. Só com nossa capacidade de guerreiros nos conseguimos colocar voluntariamente no caminho do intento, acenar para ele, por assim dizer. Don Juan explicou que sua insistência em ser um guerreiro impecável nada mais era que um esforço para deixar o intento saber que ele se estava colocando no seu caminho.

Don Juan dizia que os guerreiros chamam a esse fenómeno "poder". Então, quando falam em ter poder pessoal, referem-se ao facto de o intento chegar a eles voluntariamente. O resultado disso, dizia ele, podia ser descrito como uma facilidade em encontrar novas soluções - ou a facilidade de afectar os acontecimentos ou as pessoas. É como se as possibilidades desconhecidas previamente pelos guerreiros se tornassem evidentes de repente. Assim, um guerreiro impecável nunca planeia nada com antecedência, mas seus actos são tão decisivos que parecem ter sido planeados em detalhes previamente.






A terceira maneira de encontrarmos o intento é a mais rara e a mais complexa das três; ocorre quando o intento nos permite que nos adaptemos a ele. Don Juan descrevia esse estado como o verdadeiro momento de poder - a culminação dos esforços de toda uma vida em busca da impecabilidade. Só os guerreiros supremos o atingem, e enquanto permanecem nesse estado o intento permite que eles o manipulem à vontade. É como se o intento se tivesse fundido nesses guerreiros, e ao fazer isso os tivesse transformado numa força pura e ilimitada. Os videntes chamavam a esse estado "o intento do segundo anel de poder" ou "vontade".


5. O primeiro anel de poder pode ser detido por um bloqueio funcional da capacidade de reunir desnates

Don Juan disse que a função de não-fazer é criar uma obstrução na focalização habitual da nossa primeira atenção. Os não-fazer são, nesse sentido, manobras destinadas a preparar a primeira atenção para o bloqueio funcional do primeiro anel de poder ou, em outras palavras, para a interrupção do intento.

Ele explicou que esse bloqueio funcional, que é o único método de utilizar sistematicamente a capacidade latente do primeiro anel de poder, é uma interrupção temporária que o benfeitor cria na capacidade de reunir desnates dos seus discípulos. É uma intromissão artificial; uma invasão deliberada e forçada à primeira atenção, designada para empurrá-la além do verniz superficial dos desnates familiares; uma intromissão atingida por meio da obstrução do intento do primeiro anel de poder.

Disse que para levar a cabo essa interrupção o benfeitor trata o intento como um processo, como se ele fosse um fluxo, uma corrente de energia que pode eventualmente ser cessada ou reencaminhada. Avisou repetidas vezes que se tem de reconhecer que uma interrupção dessa natureza é um choque de tal magnitude que pode forçar o primeiro anel de poder a parar completamente a qualquer hora; uma situação impossível de conceber nas nossas condições normais de vida. É impensável que possamos refazer, intelectualmente, os passos que demos ao consolidar nossa percepção, mas é viável que sob o impacto dessa interrupção possamos ser colocados numa posição perceptiva muito semelhante à de nosso começo, quando os comandos da Águia eram emanações que ainda não tínhamos impregnado de significado.

Don Juan disse que qualquer procedimento que o benfeitor possa suspender para criar essa interrupção tem de estar intimamente ligado com o seu poder pessoal; o benfeitor não utiliza nenhum processo para conduzir o intento, mas através de seu poder pessoal o move e o coloca ao alcance do aprendiz.



Carlos Castaneda em estado de consciência não-intensificada.



No meu caso, don Juan atingiu o bloqueio funcional do primeiro anel de poder por meio de um processo complexo, uma combinação de três métodos: a ingestão de plantas alucinogénias; a manipulação do corpo; e a manipulação do próprio intento.

No início apoiou-se muito na ingestão de plantas alucinogénias, aparentemente em vista da inflexibilidade do meu lado racional. O efeito delas foi tremendo, mas ainda assim retardou a interrupção que ele procurava. O facto de aquelas plantas serem alucinógenias fez com que minha razão aceitasse reunir todos os recursos disponíveis para continuar mantendo as rédeas do controle. Fiquei convencido de que podia explicar com lógica tudo o que estava sentindo, juntamente com as proezas inconcebíveis que don Juan e don Genaro costumavam realizar, para criar as interrupções, como distorções perceptivas causadas pela ingestão dos alucinogénios. Por outro lado, contudo, não havia meio possível de eu poder ter escapado ao efeito do bloqueio do primeiro anel de poder, que don Juan tinha programado atingir.

Don Juan disse que o efeito mais notável das plantas aluginogénias era o que eu interpretava, sempre que as ingeria, como uma sensação peculiar de que tudo à minha volta exalava uma extraordinária riqueza. Via cores, formas, detalhes que nunca tinha visto antes. Ele utilizou essa condição da minha habilidade elevada de perceber, e com uma série de ordens e comentários me forçou a entrar em um estado de agitação nervosa. Ele então manipulou meu corpo e me fez trocar de um lado a outro da consciência direita e esquerda, até criar visões fantasmagóricas ou cenas extremamente reais com criaturas em três dimensões que positivamente não podiam existir neste mundo.

Explicou que quando a relação direita entre o intento e os desnates que construímos é quebrada, nunca mais pode ser restaurada. Daí por diante adquirimos a capacidade de captar uma corrente que ele denominava "intento fantasma", ou intento dos desnates que não estão presentes no momento ou no lugar da interrupção, mas que tornam o intento delas acessível a nós, através de algum aspecto da memória.

Afirmou que com a suspensão do intento do primeiro anel de poder nós nos tornamos receptivos e maleáveis; um nagual pode então introduzir o intento do segundo anel de poder. Don Juan estava convencido de que as crianças se encontram em uma posição de receptividade semelhante; sendo desprovidas do intento, estão prontas a assimilar qualquer intento acessível a seus mestres.

Depois de um período de ingestão contínua de plantas alucinogénias, don Juan cortou totalmente o uso delas. Atingiu, no entanto, novas e maiores interrupções em mim ao manipular meu corpo e me fazer mudar os estados de consciência, combinando tudo isso com manobras do intento. Através de uma combinação de comandos mesmerizadores, ele criava uma corrente de intento fantasma e eu era levado a sentir os desnates familiares como coisas inconcebíveis, que só eu estava presenciando, sem a concordância de qualquer outra pessoa da terra. Ele chamou esse conceito de "vislumbrar a imensidão da Águia".







Don Juan explicou que a concordância que temos um com o outro sobre a existência de nossos desnates, além de ser uma combinação, é também um elo de associação. Esse elo é baseado no carácter compulsório do primeiro anel de poder. Exigindo uma concordância nossa em relação à construção fiel dos desnates, o primeiro anel de poder cria em nós não só a certeza de que esses desnates são objectos como também nos dá a certeza de que são absolutamente homogéneos entre os membros da nossa espécie. Esse elo de associação não precisa ser reiterado. Uma vez convencidos de sua existência, ele se torna uma base de apoio para nós durante toda a nossa vida.

Don Juan guiou-me magistralmente através de inúmeras interrupções do intento, até que fiquei convencido, como observador, que meu corpo mostrava o efeito do bloqueio funcional do primeiro anel de poder. Ele disse que podia ver uma capacidade invulgar na minha concha luminosa, em volta da região das omoplatas. Descreveu-a como uma pequena cavidade rugosa que se formava exactamente como se a concha luminosa fosse uma capa de músculos sendo contraída por um nervo.

Para mim, o efeito do bloqueio funcional do primeiro anel de poder era conseguir apagar a certeza que eu tinha na minha vida toda de que o que meus sentidos percebiam era "real". Entrei tranquilamente num estado de silêncio interior. Don Juan disse que o que dá aos guerreiros essa extrema incerteza que seu benfeitor sentiu no fim da vida, essa resignação à derrota que ele próprio estava sentindo, é o facto de que um vislumbre da imensidão da Águia nos deixa sem esperança. A esperança é o resultado de nossa familiaridade com nossos desnates e a ideia de que podemos controlá-los. Em tais momentos só o caminho dos guerreiros nos pode fazer perseverar em nosso esforço de descobrir o que a Águia ocultou de nós, mas sem esperança de jamais compreender o que descobrimos.


6. A segunda atenção

Don Juan explicou que o exame do outro eu devia começar com a aceitação de que essa força do primeiro anel de poder que nos cerca é uma verdadeira fronteira física e concreta. Os videntes as descreveram como parede de névoa, uma barreira que pode ser sistematicamente  levada à nossa consciência por meio do bloqueio do primeiro anel de poder; e então pode ser penetrada através do treinamento do guerreiro.

Ao penetrar na parede de névoa, entra-se num extenso estado intermediário. A tarefa dos guerreiros consiste em atravessá-la até alcançar outra linha divisória, que eles têm de penetrar a fim de entrarem propriamente no outro eu da segunda atenção.


Don Juan disse que ambas as linhas divisórias são perfeitamente distinguíveis. Quando os guerreiros penetram na parede de névoa sentem que seus corpos estão sendo torcidos, ou sentem um intenso tremor dentro da cavidade de seus corpos, basicamente à direita do estômago ou pelo meio do corpo, da direita para a esquerda. Quando penetram na segunda linha sentem um estado agudo na parte superior do corpo, como o som de um pequeno galho seco sendo partido em dois.

As duas linhas que cercam as duas atenções e as selam individualmente são conhecidas pelos videntes como linhas paralelas. Selam as duas atenções porque se estendem até o infinito, nunca permitindo seu cruzamento, a não ser que sejam perfuradas.

Entre as duas linhas há uma área de consciência específica, que os videntes chamam de limbo ou mundo entre as linhas paralelas. É um espaço real entre dois enormes âmbitos de emanações da Águia, emanações essas que estão dentro das possibilidades humanas de consciência. Um é o âmbito que forma o eu da vida diária, e o outro é o que forma o outro eu. Como o limbo é uma área de transição, os dois âmbitos de emanações se sobrepõem lá. A fraccão do âmbito com o qual estamos familiarizados, que se estende sobre aquela área, prende uma porção do primeiro anel de poder; sua capacidade de construir desnates nos força a perceber uma quantidade deles no limbo que são quase iguais aos da nossa existência diária, só que parecendo bizarros, insólitos e torcidos. Assim, o limbo tem características que não mudam arbitrariamente cada vez que se entra nele. Há no limbo aspectos físicos que se assemelham aos desnates da nossa vida diária.

Don Juan afirmou que a sensação de peso que se sente no limbo é devida à carga crescente colocada na nossa primeira atenção. Na área logo atrás da parede de névoa, ainda nos podemos comportar como nós mesmos; é como se estivéssemos num mundo grotesco porém ainda reconhecível. À medida que nos aprofundamos para longe da parede de névoa, torna-se progressivamente mais difícil reconhecer seus aspectos ou comportar-se em termos que nos são familiares.

Explicou que a parede de névoa se podia parecer com qualquer coisa, mas que os videntes optaram pela definição que consome menos energia: visualizar esse limite como uma parede de névoa não envolve esforço algum.

O que existe além da linha divisória é conhecido pelos videntes como o outro eu, ou o mundo paralelo; e o acto de penetrar através de ambos os limites é conhecido como "cruzar as linhas paralelas".

Don Juan achava que eu captaria esses conceitos com mais firmeza se ele me descrevesse cada esfera de consciência como uma tendência específica de percepção. Disse que na esfera da consciência da vida diária estamos indissoluvelmente emaranhados nas tendências perceptivas da primeira atenção. Do momento em que o primeiro anel de poder começa a construir os desnates, o modo de construí-los se torna nossa tendência normal de percepção. Romper a força que ata a tendência perceptiva da primeira atenção é quebrar a primeira linha divisória. Nossa tendência perceptiva normal então passa para a área intermediária entre as linhas paralelas. Continua-se a construir desnates quase normais por algum tempo. Mas quando se aproxima do que os videntes chamam de segunda linha divisória, a tendência perceptiva da primeira atenção começa a diminuir, perdendo a força. Don Juan disse que essa transição é marcada por uma súbita incapacidade de lembrar ou de perceber, através do auto-exame, o que se está fazendo.








Quando a segunda linha divisória é alcançada, a segunda atenção começa a agir sobre os guerreiros que estão fazendo a viagem. Se são inexperientes, sua consciência fica vazia. Don Juan afirmou que isso acontece porque eles se aproximam de um espectro das emanações da Águia que ainda não tem uma tendência perceptiva sistematizada para eles. Minhas experiências com a Gorda e a mulher nagual além da parede de névoa foram um exemplo dessa incapacidade. Viajei para o outro eu, mas não pude dar conta do que tinha feito, simplesmente porque minha segunda atenção ainda não tinha sido formulada e não me permitiu lidar com coisa alguma que tinha percebido.

Don Juan explicou que se começa a activar o segundo anel de poder forçando a segunda atenção a acordar de seu estupor. O bloqueio funcional do primeiro anel de poder realiza isso. Então a tarefa do mestre é recriar a condição que iniciou o primeiro anel de poder, a condição de saturação do intento. O primeiro anel de poder foi colocado em movimento pela força do intento, que nos foi dada por quem quer que nos tenha ensinado os desnates. Como meu mestre, ele estava-me dando então um novo intento que iria criar um novo meio perceptivo.

Don Juan disse que se leva toda uma vida de disciplina incessante, que os videntes chamam de intento inflexível, para preparar o segundo anel de poder a construir desnates vindos do outro âmbito das emanações da Águia. Aperfeiçoar a tendência perceptiva do eu paralelo é uma proeza de valor incomparável que poucos guerreiros realizam. Silvio Manuel era um desses poucos.

Don Juan aconselhou-me a não tentar deliberadamente aperfeiçoar isso. Se viesse a acontecer, seria um processo natural que se desenvolveria sem grande esforço de minha parte. Explicou que a razão dessa indiferença reside na consideração prática de que aperfeiçoar essa tendência faz com que se torne mais difícil rompê-la, pois a meta que os guerreiros almejam é a capacidade na liberdade final da terceira atenção (in ob. cit., pp. 354-365).


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