sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Fedro ou da Beleza (ii)

Escrito por Platão




Estátua de Zeus em Olímpia



Ruínas do Templo de Zeus em Olímpia



O estádio

Conforme disse anteriormente, em virtude da essência, todas as almas humanas contemplaram a Verdade, pois, se assim não acontecesse, jamais poderiam insuflar-se num corpo humano. Mas nem todas as almas podem recordar-se daquela Verdade perante a simples contemplação das coisas deste mundo com a mesma facilidade, pois, uma vez sujeitas à queda, facilmente são impelidas à prática da injustiça, olvidando os augustos mistérios que um dia tinham contemplado. Assim, poucas são as almas a quem foi dado o dom da reminiscência, e estas, quando se apercebem de qualquer objecto semelhante ao reino superior, como que ficam perturbadas e perdem o poder do auto-domínio! Mal podem aperceber-se de si mesmas e são incapazes de se analisar.

Pois bem: nem a justiça, nem a Sabedoria, nem qualquer outra virtude das almas, tem aqui a mesma luminosidade e, ao observá-la com estes fracos orgãos, reconhecemos, nas suas imagens, o modelo que representam. Mas a Beleza era deslumbrantemente visível quando, no coro dos bem-aventurados, podíamos assistir a esse espectáculo de visão beatífica, em que uns seguiam no cortejo de Zeus e, outros, no cortejo dos outros deuses. Nesse tempo em que tudo se encontrava sob o olhar dos deuses, em que iniciados nos mistérios divinos os celebrávamos na ingenuidade da nossa pureza, isentos de todos os pecados que nos aguardavam no decurso ulterior do tempo: integridade, simplicidade, imobilidade, felicidade, eram as visões que a iniciação fazia passar em frente de nossos olhos, no seio de uma luminosidade pura e deslumbrante, justamente porque também nós éramos puros e não tínhamos contacto com este sepulcro que se chama corpo, dentro do qual nos movemos, a ele tão ligados como a ostra à sua concha... Perdoa-me por me ter alongado desta maneira, mas tudo isso resulta da reminiscência do passado, dos esplendores que jamais voltarão a repetir-se!

Quanto à Beleza - conforme já disse - ela sobressaía entre todas as ideias puras a que nos referimos. Depois que viemos para esta existência, é ainda ela que ofusca todas as coisas com o seu brilho, pois a visão é de facto o mais subtil dos nossos sentidos, embora não possa aperceber-se da Sabedoria! Que veementes amores não despertaria se nos oferecesse uma visão nítida daquelas imagens que poderíamos ver para além do céu! Somente a Beleza tem a ventura de ser mais perceptível e cativante! Quem não foi recentemente iniciado ou quem se deixou corromper não pode erguer-se à contemplação da Beleza total, apenas lhe sendo permitido conhecer o que nesta existência se chama o Belo e a que não pode adorar. Diversamente, tendo-se entregue ao prazer, procede como um quadrúpede, entrega-se ao prazer sensual e à procriação dos filhos e, uma vez familiarizado com a intemperança, deixa de ter medo de se entregar a todos os prazeres, incluindo aqueles que são contra a natureza (1). Mas, o que foi recentemente iniciado e que outrora teve o dom de contemplar muita coisa, esse, quando vislumbra um rosto divino ou qualquer outro objecto que traga a recordação da Beleza, ou um corpo formoso, esse experimenta primeiramente uma espécie de tremor e, depois, uma certa emoção, semelhante à de outrora. Nessa altura volta o olhar para o objecto belo que assim o despertou, e venera-o, como se de um deus se tratasse. Nestas circunstâncias, não fosse o receio de ser considerado como um monomaníaco, cumularia de homenagens o objecto bem-amado, como se de deus se tratasse! No momento em que o contempla, é percorrido por um estremecimento febril pois que, uma vez recebida pelos olhos a emanação da beleza, sente-se aconchegado e essa emanação dá a vitalidade às asas da sua alma. Por sua vez, o calor funde os obstáculos que impediam a expansão da vitalidade, aquilo que impedia a germinação, em virtude da sua dureza. O afluxo de alimento provoca uma entumescência, um élan de crescimento no suporte das pernas, a partir da raiz, e este ímpeto de vitalidade espalha-se por toda a alma. Com efeito, a alma estava outrora repleta de penas e eis que, agora, sente a dor própria do crescimento das asas! As impressões que sofre são exactamente como as que derivam do nascimento dos deuses: dores e irritação nas gengivas.


Quando, de repente, contempla a beleza de um jovem, sente um afluxo de partículas dele provenientes, de onde nasce o que se designa por onda de desejo (hímeros) e a alma encontra nisso refrigério para as suas dores, e assim nasce a alegria.

Mas, quando se encontra separada do objecto amado, sente-se fenecer. As aberturas pelas quais saem as asas começam a murchar e, logo que se fecham, interceptam o crescimento da asa.

Por sua vez, a asa, feita prisioneira no interior, juntamente com a força do desejo, começa a palpitar fortemente, fazendo pressão sobre cada uma das saídas. Assim atormentada, a alma abandona-se abulicamente à dor, ao mesmo tempo que a recordação do objecto belo a leva a deixar-se invadir pelo frenesim. A mistura destes dois sentimentos leva a alma a atormentar-se com o aspecto derrotista da sua situação, por verificar que é incapaz de a vencer. Neste delírio em que foi lançada, não pode repousar, nem de noite, nem de dia, e, impelida pela paixão, lança-se em busca dos lugares onde, segundo julga, pode encontrar a Beleza. Quando a consegue rever, e dirigir para ela a força do desejo, os poros, havia pouco obstruídos, começam a abrir-se. A alma retoma a respiração, deixa de sentir o aguilhão da dor e goza, nesse instante, a volúpia mais deliciosa. Esta é uma das coisas de que ela não pode afastar-se voluntariamente, e nada existe que possa merecer-lhe tanta atenção como o objecto amado. Nem mãe, nem irmãos, nem camaradas! Tudo isto é olvidado e a perda dos bens materiais, por culpa da sua incúria, não tem para a alma a menor importância. Os bons costumes e as boas maneiras, que a alma até aí se comprazia em praticar, são vistas com o mesmo desdém. Está disposta à escravidão, a repousar em qualquer parte, desde que seja o mais próximo possível do seu amado. Efectivamente, não contente em venerar o ser que possui a Beleza, ela encontra nele, e só nele, o remédio para a sua grande dor. Os homens, belo jovem a quem dirijo este discurso, denominam de amor este estado mas, se souberes como é chamado pelos deuses, a tua mocidade não deixará reagir-te de outro modo senão pelo riso. Creio que alguns Homéridas recitam dois versos sobre Eros, o segundo dos quais não dispõe de uma prosódia muito elegante. Eis o que esses versos dizem:


«Amor alado é o seu nome para os mortais
Mas para os imortais é Pteros, por fazer crescer as asas».


No que estes dois versos dizem tanto é permitido acreditar como não acreditar, mas eles explicam a paixão dos amantes, bem como as suas causas e efeitos. Mas prossigamos: um comparticipante do cortejo de Zeus, que se tenha deixado enredar pelo deus alado, é capaz de suportar essa provocação com a maior facilidade. Quanto aos que fazem parte do cortejo de Ares, uma vez possuídos por Eros, julgam que são vítimas da ofensa dos amados e deixam-se invadir pela raiva assassina, dispondo-se a sacrificar-se, não somente a eles mesmos, mas também aos seus amados. O mesmo se verifica em relação aos acompanhantes dos cortejos da cada um dos deuses, pois os acompanhantes procuram imitar o seu deus o melhor possível e assim procedem enquanto são vivos e, como não pode haver contaminação, assim vivem depois do primeiro nascimento, imitando o seu deus em todos os actos, seja nas relações com o objecto amado, seja nas relações com os outros homens. Cada um escolhe o amor segundo o seu carácter e como consideram o objecto escolhido uma espécie de imagem da divindade, erigem-lhe uma estátua no coração, com o fito de o adorar e de lhe prestar um culto secreto. Assim, os que se encontram na órbita de Zeus procuram amar o que tenha alma semelhante a Zeus. Procuram saber se o amado tem vocação filosófica e qualidades de chefia e, logo que chegam a uma conclusão, dispõem-se a amá-lo e tudo fazem para desenvolver no amado o amor desse deus. E se acontece que não viveram antes sob o signo deste deus, entregam-se totalmente a cultivar as suas qualidades e esforçam-se por as aperfeiçoar pelo ensino, e eles mesmos se decidem a prosseguir este aperfeiçoamento. Outros procuram descobrir o carácter de Zeus e, uma vez descoberto, entregam-se inteiramente ao seu aperfeiçoamento, pois a sua maior necessidade passa a ser a de tudo orientar no sentido desse deus. Logo que o conseguem encontrar através da reminiscência e se deixam invadir pelo deus, são tomados de um vivo entusiasmo e dedicam-se a imitar, tanto quanto lhes é possível, o carácter da divindade. E, como consideram o amado como a causa deste estado, passam a amá-lo ainda mais. Mesmo se, como as Bacantes, vão buscar o alimento a Zeus, espalham-no sobre a alma do bem-amado, tornando-o semelhante, na medida do possível, ao deus!

Ruínas do Templo de Hera em Olímpia


Os que se integram no cortejo de Hera, esses, procuram alguém com qualidades régias e, logo que o encontram, todos procedem como se reis fossem; os que seguiram Apolo, bem como aos outros deuses, regulam a sua conduta consoante os casos e procuram que os seus amados se adaptem à sua natureza. Quando conseguiram alcançar o seu objectivo pela limitação do seu próprio deus, persuadem os amantes e levam-nos a proceder em obediência a esse deus, tanto no aspecto da actividade espiritual, como no aspecto do comportamento social. Da capacidade de cada um depende o não terem inveja do amado nem mesquinhas malquerenças. Pelo contrário, tudo fazem para tornar os seus amados semelhantes aos deuses, e deste desejo se encontram animados os verdadeiros amantes. Podemos então concluir: se conseguem levar o amado a participar do seu interesse, essa vitória é, simultaneamente, uma iniciação. O amado que se deixar subjugar por um amante possesso desse delírio entrega-se a uma paixão deveras nobre, que será uma fonte de felicidade. Assim se deixa seduzir o que foi seduzido.

Lembremos que, no princípio da narração deste mito, dividi a alma em três partes, duas correspondentes aos corcéis e, uma terceira, correspondente ao cocheiro. Devemos continuar a ter esta divisão em mente. Disse que um dos corcéis era de boa raça e outro de má raça. Mas agora importa que procuremos saber em que consiste a bondade de um e a maldade de outro. Pois bem!

O primeiro, de melhor aspecto, tem um corpo harmonioso e bem lançado, pescoço altivo, focinho arrebitado, pêlo branco, olhos negros, desejo de uma glória que faça boa companhia à moderação e sobriedade. Como é amigo da opinião certa, para ser conduzido, não precisa de ser esporeado, pois basta, para o fazer brotar, uma palavra de comando, ou de encorajamento. Por sua vez, o segundo, é torto e disforme. Foi criado não sabemos como, tem o pescoço baixo, a nuca amarrada, o focinho achatado, a cor negra, os olhos cinzentos, uma compleição sanguínea. Amigo da soberba e da lascívia, as orelhas muito peludas, não obedece a ordens e a muito custo obedece, depois de castigado com açoite.

O cocheiro, se encontra um objecto digno de ser amado, esse encontro aquece-lhe a alma, enche-a de calor, de pruridos de desejo. O cavalo obediente obedece ao cocheiro enquanto o outro não obedece, nem ao freio nem ao castigo, e move-se, à força, entre obstáculos, embaraçando tanto o cocheiro como o outro corcel, e levando-os para onde ele quer, para o desejo e para a lascívia!

Finalmente, ambos os corcéis acabam por se sentir indignados perante a consciência que lhes diz o que é abominável e contrário aos bons costumes, e assim acabam por se deixar conduzir, sem qualquer espécie de relutância, decidindo proceder de acordo com o convite que lhes foi dirigido.

Ei-los no entanto perante o amado! Ambos observam esta aparição ofuscante: é o bem-amado! À sua vista, a lembrança chama o cocheiro para a suprema realidade da Beleza: volta a contemplá-la, acompanhada da Sabedoria, no seu pedestal sagrado! Ao contemplá-la, sente um misto de temor e de amor e refreia a marcha do coche. Com tal violência o faz, que ambos os cavalos acabam por cair: um, o bom, sem retraimento e de boa vontade; o outro, o mau, terrivelmente contrafeito. Ao mesmo tempo que ambos se afastam do amado, um deles acossado pela vergonha e pelo arrependimento, banha de suor toda a alma; enquanto o outro, uma vez passada a dor causada pelo freio e pela queda, faz um enorme esforço de respiração, encoleriza-se e luta contra o cocheiro e contra a sua parelha, por uma questão de indolência, de pusilanimidade, pois desertara do acordo, traindo o compromisso que em comum tinham assumido.






E novamente o cocheiro os obriga a aproximarem-se, apesar das recusas sucessivas, não lhes concedendo descanso por muito tempo, pois, a breves intervalos, os faz lembrar do amado por eles menosprezado.

Finalmente, após estas tentativas, quando se aproximam, o mau corcel precipita-se para a frente, levanta a cauda, morde o freio e puxa-o para o seu objectivo de maneira despudorada. Neste ínterim, o cocheiro, ainda mais impressionado do que anteriormente, logo tenta fugir, e, como maior esforço e violência, puxa o cavalo mau para trás, fazendo pressão no freio, provocando-lhe dores e feridas, de onde escorre sangue. Obrigando-o a ir a terra, obriga-o ao sofrimento. Depois de assim ter sido submetido aos castigos sucessivos, o mau cavalo acaba por renunciar à tendência má. A partir de então torna-se humilde, obedecendo ao cocheiro e, sempre que contempla o belo, quase morre de medo! Só a partir deste momento a alma do amante segue, com discrição e pudor, o amado!

Também o jovem que se vê honrado como um deus pelo amante não pode aceitar este facto como se de comédia se tratasse. Pelo contrário, deseja encarar o facto a sério e sente a necessidade de amar o seu devoto servo.

Suponhamos que, antes disso, os seus amigos e outras pessoas denegriram diante dele este sentimento, dizendo-lhe que é vergonhosa a mantença de relações com um amante e que, por esse motivo, se deve afastar! No caso de se afastar do amante, com o andar dos tempos, a idade e a necessidade de amar e de se sentir retribuído, leva-lo-ão a reaproximar-se do amante. O destino não determinou que um malvado ame a um malvado ou que um homem virtuoso ame a um outro igualmente virtuoso. Quando o amado aceita o amante, que se entreteve com a sua ternura e a sua convivência, compreende que o afecto de todos os outros reunido, seja dos amigos, seja dos familiares, não pode ser comparado ao amor daquele que ama inspirado pelo amor divino. Perseverando neste comportamento, encontram o convívio que procuram, seja nos ginásios, seja em qualquer outro local de encontro, e assim nasce essa emanação a que já me referi, essa a que Zeus, ao amar Ganímedes, chamou de onda de desejo. Esse desejo corre abundantemente para a alma do amante mas, enquanto uma parte se perde nele, outra, uma vez o amante repleto dela em plenitude, transvasa. Do mesmo modo que o sopro ou um som reflectido por um corpo sólido e resistente, também as emanações da Beleza, entrando pelos olhos, através dos quais se reflectem, atingem a alma. Quando, seguindo o caminho natural que leva à alma, aí chega, enche totalmente a alma e as aberturas das asas que, recebendo nova vitalidade, ganha nova plumagem e, por sua vez, a alma do amado fica também cheia de amor!

Assim ama o que ama: sem saber o que ama! Nem sabe, nem pode dizer o que se passou consigo. Tal como um doente de oftalmia, que desconhece a causa da moléstia, embora a sinta, assim também o amado não se dá conta de que se viu mesmo no espelho do amante! Quando este se encontra presente, termina a sua dor e, logo que se ausenta, imediatamente mergulha no sofrimento. Quando o amado está longe, também se sente invadido pela tristeza, pois o reflexo do amor se encontra no seu peito. Todavia, o nome que ele dá a este sentimento, segundo julgo, não é o de amor, mas sim o de amizade. A sua ambição, análoga à do outro, embora menos dominadora, é ver, tocar, beijar, deitar-se a seu lado. A partir daí, há muitas possibilidades de, em tais condições, as coisas não levarem muito tempo a acontecer! Uma vez que partilham da mesma cama, o corcel indisciplinado tem muita coisas a dizer ao cocheiro: como prémio de tantos sofrimentos, apenas solicita um instante de prazer!




Quanto ao corcel do amado nada diz, mas, ao sentir algo que não compreende, lança os seus braços ao pescoço do amante, beija-o, persuadido de que assim melhor mostrará o seu afecto a quem lhe quer tanto bem e, sempre que ambos se deitam lado a a lado, não consegue recusar nenhum favor ao amante, sempre que este lho pede.

Por outro lado, o companheiro de jugo, que é bom, junta-se ao cocheiro e ambos resistem, porque isso mesmo lhe impõem o pudor e a razão.

Admitamos que a melhor parte da alma é, por conseguinte, a ordenada e a vitoriosa, que ama a harmonia e a filosofia. Será feliz e plena de harmonia a existência que tiverem na terra, pois escravizaram a sua própria alma, a indócil e desvergonhada, para poderem viver em concórdia e com regra. Assim, quando chegarem ao termo da vida, ei-las levantando voo pelas suas próprias asas, libertas das três fases deste duro certame verdadeiramente olímpico, o maior bem que a sabedoria humana ou a loucura divina podem proporcionar a um ser humano! Admitamos, todavia, que, pelo contrário, se dedicam a uma vida grosseira, que substituíram o amor da sabedoria pelo amor das honras: pode acontecer que ambos os corcéis se deixem dominar pela embriaguez ou, num momento de abandono, se tornem indisciplinados e venham a escolher a conduta que, aos olhos das multidões, representa a felicidade. Uma vez satisfeitos, voltarão a gozar dos mesmos prazeres, mas isso já não será tão frequente, pois que raramente esses prazeres são aprovados pela totalidade da alma. Embora amigos, se-lo-ão menos que os precedentes. Viverão um para o outro, mas a sua afeição não os ligará da mesma forma que liga os que se amam verdadeiramente e, ao cessar o delírio, continuam a pensar que se encontram unidos por profundos compromissos. No final da vida, será sem asas, embora tenham feito algum esforço para as conseguir, que sairão dos corpos que habitaram. Aliás, a lei divina não permite aos que iniciaram juntos a viagem celeste, que venham a precipitar-se nas trevas. Pelo contrário, promulga que, tendo passado uma existência luminosa, sejam muito felizes e façam juntos esta viagem porque, em virtude do amor, ambos recebem asas quando chegar o tempo de as receberem.

Eis as coisas que te oferecerá, meu rapaz, o que souber amar apaixonadamente! A iniciação amorosa feita por quem não ama, por quem apenas possui a sabedoria humana, entregando-se a regras de economia mortal, filhando na alma amiga um sentimento mesquinho, que a multidão louva como se fosse uma virtude, só gera na alma do amado a sabedoria do escravo, a qual o fará vaguear, pela terra, durante nove mil anos.

Eis de que maneira, Amor, recebeste a mais bela, a mais excelsa das palinódias que sou capaz de te oferecer, em sinal de expiação dos meus pecados! Se o meu discurso parecer "de uma eloquência maravilhosa, muito especialmente pelo vocabulário", isso fica a dever-se a Fedro, que a tanto me obrigou. Perdoa-me, pois, o meu primeiro discurso e sê indulgente para com este que acabo de proferir. Não enfraqueças, não me retires esta parte de amar com que me distinguiste, e faz por me lembrar sempre para que eu louve, de cada vez melhor, a Beleza. Se outrora, tanto Fedro como eu próprio te ultrajámos com os nossos discursos, acusa Lísias, o verdadeiro pai desse discurso, e indu-lo a dedicar-se à filosofia, tal como fizeste com seu irmão Polemarco, a fim de que o seu amante, aqui presente, se liberte da triste situação em que ora se encontra, entre dois ímpios, para que possa consagrar incondicionalmente a sua vida ao amor, o qual de todo em todo se inspira na Filosofia!» (in ob. cit., pp. 64-69).






(1) Platão condena, não apenas a pederastia, mas também todas as espécies de relações amorosas antinaturais.


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