quarta-feira, 16 de abril de 2014

Fátima e a Maçonaria (i)

Escrito por Len Port




Templo de Salomão


«Não é fácil traçar a história de uma organização como  a maçonaria que, no dizer do historiador maçon espanhol "Danton", "procura a sombra para poder avançar com mais rapidez". É complicado discernir a sombra. Os muitos maçons que se dedicaram a redigir essa história estão de acordo quanto à dificuldade da empresa. Identificar os marcos mais salientes da história da maçonaria é simples, mas já no que diz respeito às origens da irmandade, existe uma disparidade total entre os próprios maçons.

Dentro da maçonaria, há quem coloque o ponto de partida da Ordem no nascimento dos grémios de canteiros medievais que já se chamavam maçons; há quem o faça recuar à sobrevivência dos collegia romanos que agrupavam os construtores; há quem aponte na direcção do Egipto; outros pensam directamente na construção do Templo de Salomão, outros na Pérsia, outros na Índia... e não falta quem pense simplesmente que foi Adão o primeiro maçon e a origem da transmissão iniciática dos segredos da irmanadade. O doutor George Olivier (1782-1867) não teve pejo em escrever, nas suas Antiguidades da Franco-Maçonaria, que "a antiga tradição maçónica sustem - e eu sou inteiramente da mesma opinião - que a nossa Sociedade existia antes da criação deste globo terrestre, através dos diferentes sistemas solares".

A inteligente distinção do Grão-Mestre italiano Massimo della Campa, que separa a maçonaria instituição ou organização, por um lado, dos princípios maçónicos, por outro, simplifica a abordagem do problema histórico da maçonaria. A maior parte das dificuldades, na hora de determinar as origens da irmandade, resulta precisamente da confusão entre as duas realidades. Quando os autores maçónicos especulam sobre a génese da instituição, na realidade, estão a aventar hipóteses sobre a genealogia da doutrina maçónica: procuram as raízes dos princípios maçónicos. Neste sentido, o principal erro consiste em dar o salto lógico injustificado ao concluir que a organização maçónica também deve estar ligada com a origem intelectual. A falta de rigor histórico, somada a essa falha metodológica, propiciou que, em geral, a história maçónica ofereça um espectáculo de disparidade, desprovido de credibilidade. Em 1909, um membro do Conselho da Ordem do Grande Oriente de França e do Grande Colégio dos Ritos, Charles Bernardin, num exercício de auto-crítica carregado de ironia, escrevia que "entre as 206 obras [pretensamente históricas sobre a maçonaria, N.d.A.] que consultei e que tratam da origem da franco-maçonaria, encontrei (...) 39 opiniões diferentes" e, acto contínuo, desenvolvia a sua estatística. Realço alguns dados, extraídos das conclusões de Bernardin:

Egipto


"Vinte e oito autores atribuíram a origem da maçonaria aos pedreiros construtores do período gótico; cinco autores, aos Stuart; um, à China; um autor, ao Japão; cinco autores, aos jesuítas; sete, aos antigos rosa-cruzes; cinco, aos cruzados; doze, aos templários; um, aos albigenses; dois, à sociedade Nova Atlântida de Bacon; quatro, aos druidas; nove, à antiga Roma; dezoito, ao Egipto; seis, aos judeus; um, à ordem dos assassinos; um, aos maniqueus; dez, aos primeiros cristãos ou mesmo a Jesus Cristo; três, aos construtores do Templo de Salomão; um, aos da Torre de Babel; três, aos sobreviventes do Dilúvio Universal; para vinte autores, as origens da maçonaria perdem-se, simplesmente, na noite dos tempos, e quinze autores recuam até à Criação, sublinhando que no Paraíso terreal já existia a maçonaria".

Bernardin também cita, sem mencionar o nome, o assombroso caso de Olivier, para quem não havia dúvida que a maçonaria já existia antes da criação do mundo.

Ninguém demonstrou nunca que existe continuidade material entre algumas dessas supostas e discutíveis origens intelectuais e a maçonaria histórica, tal como a conhecemos, excepção feita para aqueles que afirmam, com razão, que a maçonaria moderna, ou especulativa, só tem continuidade material com a chamada maçonaria operativa, isto é, com os grémios de construtores da Idade Média tardia.

Pelo contrário, se se proceder à separação da história da organização maçónica da história dos princípios maçónicos, obtém-se uma maior clareza e claridade.

(...) No âmbito da maçonaria, não só se procurou o abrigo da sombra, como se tentou tirar partido propagandístico, dessa penumbra. Por um lado, como já salientava "Danton" (pseudónimo de um maçon espanhol desconhecido que elaborou uma monumental história da franco-maçonaria, nos anos 1882-83), para fazer recuar sem escrúpulos a origem da irmandade quanto mais atrás melhor; claro que a intenção era de, com isso, dotá-la de maior autoridade. Mas por outro lado, essa obscuridade em que se movimentou a maçonaria, também facilitou que se atribuísse, sem nenhuns escrúpulos, a condição de maçons a personagens extraordinárias com a mesma finalidade de engrandecer a auréola de excelência em torno da irmandade. Alec Mellor cita alguns Grão-Mestres fictícios e lendários que, por vezes, foram reivindicados pela maçonaria: Alexandre Magno; o Rei Artur; Cromwell; a Rainha Elfride de Inglaterra; Fo-Hi, imperador da China; Godofredo de Bouillon; Hugues de Payens; Jaime II de Inglaterra; Jacques de Molay; Jesus Cristo, Júlio César; Moisés; Noé; Numa; Ricardo Coração de Leão; Rómulo; O Rei Salomão; Santo Albano; São Miguel Arcanjo ou Tubam Caim.







A maçonaria moderna herdou esta mania de inventar uma história antiquíssima e repleta de membros egrégios, dos seus antepassados, os autênticos construtores medievais, cujos documentos transbordavam duma criatividade histórica exuberante. Mas se, no século XIV, essa opulência criativa era relativamente ingénua (as corporações de constutores reclamavam uma antiguidade remota para aumentar o prestígio social do grémio, e sem nenhum objectivo ideológico), a partir dos séculos XVII e XVIII, a elevação desse prestígio social transformava-se em lenda dourada para facilitar a difusão da nova doutrina maçónica... Ao dar-se conta desta realidade, o maçon Mellor mostra-se envergonhado:

"Os clérigos que, no século XIV, deram à franco-maçonaria operativa o manuscrito Regius ou o manuscrito Cooke, tinham a desculpa de serem hagiógrafos piedosos [Mellor tem um fraco conceito de hagiografia, como se vê. N.d.A.]. São menos desculpáveis as enormidades acumuladas por Anderson na parte histórica das suas Constituições. A um maçon de hoje entristece que, em pleno século XX, Ragon e Clavel [dois grandes historiadores maçons] sejam menos dignos de crédito do que São Gregório de Tours para a época merovíngia (...) Que, em plena época dos computadores, persistam as concepções oníricas em matéria de história ou de simbolismo, é um escândalo para a razão"».

José Antonio Ullate Fabo («O Segredo da Maçonaria Desvendado»).


«(...) De facto, não há mação que não deixe de perorar sobre a incompatibilidade entre a Ordem Maçónica e todo e qualquer regime ditatorial. Mas se assim é, por que razão o Grande Oriente Lusitano Unido ergueu, a 13 de Maio de 1934, uma estátua ao Marquês de Pombal no centro de Lisboa, considerando, para o efeito, tratar-se de um paladino da democracia e da tolerância religiosa? Valha-nos Deus! Como é possível tamanha falsificação da história para justificar a intolerância e o fanatismo maçónico contra todas as congregações religiosas, e, para além delas, contra a Igreja Católica?


Na verdade, o Marquês de Pombal expulsou os jesuítas a pontapé com vista a estatizar quer a sociedade civil quer a religiosa (12 de Janeiro de 1759); mandou, numa atmosfera de terror, tortura e interrogatório contumaz, encerrar todos os colégios e escolas sob orientação inaciana (1758); determinou o suplício, em Belém (13 de Janeiro de 1759), dos marqueses de Távora e de Alorna, do duque de Aveiro e seu criado, como ainda dos condes de Atouguia, de Óbidos e da Ribeira Grande; pôs em prática um plano sistemático de destruição da Nobreza, para a substituir por uma burguesia social e utilitária – caso dos Sobrais e dos Braamcamp; ordenou abolir e desterrar de "todas as escolas" a filosofia escolástica, acusando os jesuítas de serem criptosequazes da seita de Mafamede ou Mafoma; deu Aristóteles como abominável filósofo, além de corruptor da fé a esquecer nas lições de Coimbra; fez da Universidade o que ela é hoje: uma instituição sob as directrizes ideológicas do poder estatal e seus agentes infiltrados em todos os sectores públicos e privados da sociedade portuguesa; fomentou e concedeu privilégios a companhias monopolistas, como a Companhia do Grão Pará e Maranhão (1755), a Companhia Geral da Agricultura dos Vinhos do Alto Douro (1756), ou ainda, no mesmo ano, a Companhia da Pesca e da Baleia, mais a Companhia de Pernambuco e Paraíba (1759); liquidou, a par da ruína dos particulares, a estrutura financeira da administração pública, etc.

Em suma: a Maçonaria não é o que diz ou aparenta ser, tal como a estátua do maior tirano da história portuguesa comprova a todo o esclarecido transeunte que não se deixe embalar e enrolar pelos políticos, jornalistas e professores universitários da República maçónica triunfante».

Miguel Bruno Duarte («O véu levantado»).


«A obra da Revolução portuguesa é devida à Maçonaria exclusivamente».

Machado Santos


«(...) não foi por acaso que Machado Santos "sustentou, a propósito da proclamação da República Portuguesa, que "a Maçonaria tinha sido a verdadeira mãe das revoluções, porque os principais elementos do Carbonarismo estavam nela filiados". Com base numa tal relação, adianta Pinharanda Gomes:

"A Carbonária, introduzida [em 1822 ou 1823] pelo general italiano Pepe, surgiu como braço armado da Maçonaria, e as suas figuras de estilo são judaicas. Mantendo o estado de inocente e de tolerante, a Maçonaria utilizava a Carbonária como arma repressiva e coactiva. A Maçonaria nada fazia de mal; mas nada fazia para evitar o mal. Tinha as mãos lavadas, mesmo depois de as sujar.






A Carbonária – prossegue Pinharanda Gomes – apresentou um aspecto peculiar: os iniciados repartiam-se em quatro graus: rachadores, aspirantes, mestre e mestre sublime, numa estrutura paralela da maçónica. A unidade logística é constituída pelo Canteiro, composto por quatro rachadores, que apenas conhecem os três restantes, e um chefe. Quatro canteiros formam uma choça (tabernáculo?), quatro choças formam uma venda ou botica, e todas as vendas do país dependem da Venda Alta, ou Conselho da Ordem. A direcção suprema da Ordem é cometida à loja mística Jovem Portugal, cujos membros, os carbonários desconheciam. A botica fez a República, e ora se duvida que boticas e que boticários eram esses de que alguma novelística do século XIX se socorre, para descrever centros locais de cavaqueio – se a botica boticária, se a botica carbonária"».

Miguel Bruno Duarte («O véu levantado»).


«O seu interesse [do Bispo do Porto D. António Ferreira Gomes] pela associação entre a rosa e a cruz é insofismável, expresso finalmente na sua própria sepultura... a sensibilidade, a disposição de espírito e a relativa adesão aos rosacrucianos e, por esta via, ao ideário da maçonaria parecem indesmentíveis».


António Teixeira Fernandes («Igreja e Estado. À volta do contraditório Bispo do Porto»).


«Este livro [Minhas Memórias de Salazar] nasceu da revolta que me causou a revoada de infâmias disparada em Portugal e no estrangeiro acerca de Salazar após a revolução de 25 de Abril de 1974.

Não houve jornalista da esquerda (e os que o não eram calaram-se...) que não aproveitasse para denegrir Salazar falando sem conhecimento de causa mas repetindo invariavelmente os lugares-comuns postos a correr sobre ele na base da falsidade e da calúnia. O homem barrara durante quarenta anos o avanço do comunismo, não se conformara com abandonar as províncias do Ultramar português ao primeiro empurrão dos que as queriam transformar (como depois sucedeu) em trampolins de assalto ao chamado "Mundo ocidental", persistitu em sobrepor os interesses reais do povo que governava ao culto das abstracções ideológicas que vão infelicitando a Humanidade... Daí as iras, os ódios, os histerismos, as perfídias, os insultos que a sua figura e a sua acção provocaram em certos meios cada vez mais preponderantes na opinião que se publica.



Na crise de carácter em que soçobrou a sociedade portuguesa após o 25 de Abril de 1974 viu-se um espectáculo que, embora falho de ineditismo na História, não deixou de ser espantoso. Amigos da véspera apressaram-se a negar relações com os vencidos explicando a gaguejar que os contactos havidos tinham ocorrido mau grado deles, sem simpatia pelos chefes nem adesão às suas ideias. Discípulos fidelíssimos de outrora recusaram com vigor quaisquer vinculações aos que diziam antes serem seus mestres. Pessoas favorecidas por Salazar (que as houve e em grande número) clamaram contra a memória do benfeitor, declarando que tinha menosprezado méritos e serviços concedendo-lhes menos do que pretendiam, vítimas assim de tratamento injusto... Ninguém se atreveu - no ambiente das "mais amplas liberdades" em que toda a tolerância pelas ideias contrárias desapareceu - a arriscar uma palavra de tímida justiça no meio da torrente de odiosas mentiras jorrada sobre a memória do grande homem. Até para criticar os desmandos do presente era preciso começar por injuriar o passado. E ao verem o leão, não já moribundo, mas morto e bem morto, acorreram de toda a parte asnos, alguns que dantes orneavam de gozo ao receberem um complacente olhar dele, para despedirem seu par de coices bem puxado no inerte cadáver abandonado.

Fui amigo de Salazar e seu colaborador durante muitos anos. Num convívio tão demorado, com períodos de estreita colaboração, tivemos por vezes naturalíssimas divergências que não oculto, mas que por ele foram sempre aceites com tolerância e que mesmo quando o meu feitio assomadiço dos tempos da juventude lhe davam feição conflituosa nunca o levaram a atitudes radicais. O exemplo das nossas relações parece-me bem demonstrativo da personalidade de Salazar e por isso julgo útil dá-lo a conhecer sem ocultar aspectos que numa apologia talvez devessem ser silenciados. Porque o meu intento é revelar o homem tal como foi ou eu o vi e que, como todas as fraquezas inerentes à condição humana, é muito melhor do que surge na imagem deformada pelo ódio vesgo dos inimigos ou que a falta de informação das novas gerações e dos estrangeiros construiu sobre os lugares-comuns de uma campanha adversa.

Procuro também mostrar o estadista no seu tempo, inserido nas circunstâncias históricas a que teve de fazer face e rodeado pelos homens que com ele colaboraram e que seguiram, melhor ou pior, o seu pensamento e a sua acção ou para qualquer destas contribuíram.


Oliveira Salazar e Óscar Carmona



Nesse pensamento e nessa acção houve traços essenciais de doutrina e posições condicionadas pelas conjunturas em que tinham de se definir. Estas têm de ser avaliadas historicamente em função dos acontecimentos e oportunidades em que foram adoptadas. Mas aquilo a que chamei "pensamento essencial" constitui matéria de Filosofia Política e a sua validade não depende do tempo nem dos lugares. Os homens de hoje fariam bem em meditá-lo.

Porque começa a ser tempo de conhecer e de tentar compreender Salazar e a sua época antes de julgá-los. Por esse mundo criou-se a lenda do "ditador Salazar". E ao acoimar-se o governante português de ditador, logo aos olhos de muita gente com o cérebro lavado por uma propaganda insistente surge a imagem do tirano, indiferente às leis, absorvente de todos os poderes, espezinhador de todos os direitos, dispondo com arbítrio e arrogância de tudo e de todos numa constante afirmação de posso, quero e mando.

Assim se criou ao seu governo a reputação de um regime sinistro, sufocando o País onde as pessoas viviam oprimidas nos seus anseios, vigiadas nos seus passos, ameaçadas nos seus actos, amordaçadas na expressão dos seus sentimentos e opiniões, sujeitas a prisão por dá cá aquela palha com o risco de serem torturadas por uma polícia cruel.

Como era diferente a realidade! Poucos períodos da histórica política portuguesa decorreram sob tão grande preocupação da legalidade por parte dos governantes como os da vigência da Constituição de 1933. A experiência anterior demonstrara a tendência dos portugueses para confundirem liberdade com anarquia e a facilidade com que a vontade da maioria era manipulada por pequenos grupos e facções partidárias. Em 1926 existia um profundo e vigoroso anseio nacional de modificação das instituições e dos costumes governativos. E aceitava-se como verdade apodíctica que seria necessário limitar o exercício de algumas liberdades públicas interessando directamente a poucos para garantir a plenitude do gozo das outras que a generalidade das pessoas queria possuir e até aí não tinha. Porque destas dependia a segurança individual, a possibilidade do trabalho fecundo, o progresso real do País, a efectiva convivência cívica, a almejada paz social. E tudo isto Salazar garantiu durante quase meio século, com serenidade e com prudência, à sombra das leis e com o regular funcionamento das instituições, usando embora da autoridade.

Guerra Civil de Espanha (1936-1939).




Teria havido abusos da parte dos agentes da autoridade? Decerto que sim. Não conheço, porém, país ou regime que, no decorrer dos quarenta anos cobertos pelo governo de Salazar, anos de guerras quentes e frias, de revoluções, revoltas, conspirações e subversões, possa gabar-se de não ter conhecido abusos, e grandes, da autoridade ou da liberdade. Sim, também desmandos de liberdade, com avultada conta de vítimas e sequelas trágicas, como os da República espanhola - para não falar nas violências cometidas após a libertação de França ou com a queda do fascismo na Itália. O que se instaurou foi uma jurisprudência que perdoa e aplaude tudo quanto se passa desde que favoreça o que se julga ser a marcha progressista da História e condena em altos gritos, rasgando as vestes imaculadas da humanidade ofendida, aquilo que seja considerado ao arrepio do que convém.

Se não fosse o largo consenso em que se fundava o regime da Constituição de 1933, acaso teria sido possível mantê-lo durante quase meio século num pequeno País do extremo ocidente europeu, constantemente aberto à devassa indiscreta de todo o mundo e sujeito à influência das crises exteriores?

Quando após o 25 de Abril o atrevimento comunista quis impor-se ao País, o povo português soube repelir energicamente o totalitarismo marxista, mostrando com clareza que sabia o que queria. E era o mesmo povo que por diversas formas, incluindo o sufrágio livremente exercido, apoiara antes o regime cujo governo concebia a política como instrumento ao serviço do bem-estar da colectividade e não como jogo de egoísmos malabaristas em que, à sombra de bandeiras ideológicas alistadas em conluios internacionais, os partidos joguem aos dados as ambições de poderio.

Trata-se de um passado próximo. Mas que importa recordar, explicar, revivendo factos, ressuscitando personalidades, rectificando versões falsas ou tendenciosas. Porque esse passado está esquecido por muitos, é ignorado pela gente nova e está desfigurado, deturpado e vilipendiado pelo ódio de alguns».

Marcello Caetano («Minhas Memórias de Salazar»).





«Continuamos a gramar com uma das maiores falsificações jamais empreendidas em toda a história portuguesa, no âmbito da qual se procuram omitir os mais variados e hediondos crimes, traições e depredações perpetradas em nome da liberdade e do socialismo revolucionário. Referimo-nos, obviamente, ao 25 de Abril de 1974, na sequência do qual o povo português ficou definitivamente amordaçado por poderes e organizações internacionais apostadas na instauração da Nova Ordem Mundial. A campanha, já um tanto desesperada, recebe o apoio incondicional de escolas, fundações, universidades e de quase todos os meios de comunicação de massas em que se perpetua a enormidade vil e falaciosa de que devemos aos "capitães de Abril" a suposta liberdade e a nominal democracia que não vemos em lado nenhum.

Querem-nos, pois, fazer crer que a revolução comunista de 74 nem sequer chegou ao ponto de derramar sangue, salvo um ou outro episódio esporádico. E perante esta manobra de desinformação sustentada por praticamente toda a classe jornalística, política e universitária, fazem vista grossa das centenas de milhares de mortos em Angola, Moçambique e na Guiné Portuguesa, de que - verdade se diga - os tais capitães são tão criminosamente responsáveis que só um Tribunal de Guerra poderia ter feito justiça perante a barbárie e a selvajaria para as quais tão zelosamente contribuíram. Aliás, não há nada como ler a seguinte passagem sobre o primeiro êxodo na Província Ultramarina de Angola:

"Desde 4 de Fevereiro de 1961, a guerra em Angola causara 3 423 mortos - menos de metade dos quais em combate e, entre estes, a maioria por rebentamento de minas. Mas entre Maio e Agosto de 1974, morreram mais soldados portugueses do que durante todo o ano de 1973" (in Alexandra Marques, Segredos da Descolonização de Angola, D. Quixote, p. 49).

Ou pior ainda:

"(...) À Rádio Voz do Zaire [o] conselheiro da Revolução [Vítor Alves] referiu que 'o número de vítimas provocado desde Março pela violência em Angola já era superior ao causado pela guerra colonial naquela ex-colónia'. Ferreira de Macedo falara em 2.000 a 3.000 mortos, mas ter morrido durante três meses mais gente do que em 14 anos de guerra colonial era um termo de comparação pouco lisonjeiro para os nacionalistas" (ibidem, p. 320).

Segue-se ainda outro passo referente a Luanda:

"(...) Depois dos seus domínios serem invadidos por indivíduos armados à procura de armas, de serem despejados à força das suas casas, de serem ameaçados, agredidos ou mortos, no dia seguinte (1 de Maio de 1975) centenas de brancos protestaram junto ao Palácio, exigindo meios para deixar Angola. A multidão insultou a tropa por não os proteger: Derrubaram o gradeamento e os portões mas foram travados na porta pelo PM. [...] Queriam ir embora de Angola e gritavam: 'Estamos a ser mortos. Estão a violar as nossas mulheres'" (ibidem, p. 303).




Por fim, fiquemos com mais este passo de contornos dantescos e apocalípticos entre os demais:

"(...) Malange tornara-se um imenso cemitério a céu aberto: 'Milhares de pessoas mortas, na sua maioria africanos, que estavam ainda insepultas quando se abandonou a cidade. O Batalhão apenas conseguiu enterrar numa vala comum com cerca de 100 metros, cobrir de cal viva ou queimar no local onde se encontravam, umas escassas centenas de mortos'" (ibidem, p. 388).

De resto, e a par da impunidade relativa a todos os agentes criminosos implicados no 25 de Abril de 1974, o subterfúgio ardiloso mas rotundamente perverso e idiota tem passado pelo seguinte: a culpa é toda do ditador que não soube negociar, entregar ou vender a tempo o Ultramar Português. Pois claro: se Salazar, perante uma ofensiva mundial com vista a expulsar os Portugueses de África, enveredasse por um tal caminho, seria então fácil - e com razão - dizer que todo e qualquer descalabro tinha sido responsabilidade sua. Mas como o não fez, ou como, no seu zelo pelas populações de Além-Mar, quis salvaguardar a segurança, a prosperidade e a vida dessas mesmas populações - e com elas Portugal -, passa a ser retroactivamente culpado pelo acto de quem realmente se comprometeu numa escalada de violência - mais que prevista e antecipada -, conducente à total destruição do que fora património nacional adquirido com muito sacrifício ao longo de inúmeras gerações. 

Entretanto, a verdade continua a não ter pressa. Mas, como tudo na vida, virá sempre ao de cima. É apenas uma questão de tempo».

Miguel Bruno Duarte


«(...) O fascismo foi um movimento de raiz socialista - Mussolini é homem da segunda Internacional Operária - que preconiza a revolução política e social no quadro da Nação, aproveitando, para empolgar o povo e lhe dar consciência da existência de interesses colectivos superiores aos interesse individuais, a força moral do patriotismo que levara os homens ao combate na guerra mundial sob as cores das respectivas bandeiras.


Benito Mussolini e Adolf Hitler


Para fazer face ao comunismo tal como se revelara na Rússia só um movimento animado de ideal igualmente forte e sedutor e que soubesse usar as mesmas armas dos bolchevistas. Só um Estado que, como o destinado a realizar a ditadura do proletariado, permitisse a concentração de poderes, a autoridade, o vigor necessários para pôr em prática uma ditadura nacional. Na ideia de Nação estão reunidas solidariamente as classes, que é preciso fazer colaborar na realização de tarefas superiores a interesses particulares, unindo-as na mesma missão de, cada qual a seu modo mas com idêntico propósito, servir à colectividade nacional.

A Rússia comunista vê, pois, erguer-se na Europa, sobre as ruínas da guerra, a Itália fascista: duas experiências de Estado totalitário com muitos pontos formais de contacto, mas animadas de espírito diferente.

O após-guerra e a crise económica facilitaram a difusão do comunismo nos vários países europeus: mas em todos eles os antigos combatentes e a juventude se sentem seduzidos pelo fascismo, que além de uma filosofia e de uma ideologia, soube criar todo um ambiente sedutor das imaginações: a milícia, a farda, os hinos, o espírito de luta, a camaradagem dos grupos, o sabor da aventura, a renúncia da mentalidade burguesa.

(...) Neste panorama de experiências, procurando aplicar fórmulas mais válidas para fazer frente aos problemas novos ou de dimensões ampliadas que o século XX começou a revelar no governo das Nações, surge o Estado Novo Português. Nem comunista, nem fascista. Procurando o equilíbrio entre o que o passado tivesse de aproveitável e as exigências imperiosas do futuro... Buscando uma vez mais e tendo presentes as circunstâncias dos tempos, conciliar "a liberdade possível com a autoridade necessária". Como eu dizia em 1934: "tudo o que o liberalismo teve de verdadeiramente bom e humano, nós o salvaremos!" Era o nosso desejo e a nossa esperança.






O Estado-Novo de Salazar com a sua básica preocupação de ordem nas finanças e de administrar o País como uma boa dona de casa, parecia pouco atractivo para as mentes juvenis. Onde nos outros países aparecia o ditador fardado e de botas altas, a comandar o seu povo com acenos de impetuosa energia, estava em Portugal, segundo a imagem célebre do sociólogo brasileiro, um homem calmo, de pantufas, sentado em alto mocho e dobrado sobre a escrivaninha na atitude clássica do guarda-livros escriturando incansável e meticulosamente as contas do Estado. À oratória inflamada dos comícios dos outros, correspondia a lição serena do nosso mestre-escola. As exaltações pagãs da força e do êxito eram em Portugal substituídas pelo culto do esforço útil, pelo incitamento ao trabalho, por apelos à razão, por invocações da moral e pela preocupação de justiça.

O surto fascista não deixou, porém, de impressionar a juventude portuguesa. Os novos que tinham acolhido alvoroçadamente a ideia de uma Revolução Nacional não se satisfaziam com aquela moderada ditadura administrativa.

Aproveitando a impaciência juvenil surgiu então o movimento chamado "Nacional Sindicalismo". Podia considerar-se uma derivante do Integralismo Lusitano que no seu programa dava ênfase à organização sindical e ao papel que ela devia desempenhar no Estado Monárquico. E foi um dos mais jovens membros da Junta Central do Integralismo, o Dr. Francisco Rolão Preto, quem tomou o comando da nova força revolucionária.

(...) Teve a esperança de desempenhar um papel político na Ditadura Militar, que se desvaneceu com a queda de Gomes da Costa. E foi dos que não levaram a bem o sucesso de Salazar e discordaram dos seus métodos serenos e reflectidos.

General Gomes da Costa e suas tropas desfilam vitoriosos em Lisboa (6 de Junho de 1926).


Ao despontar entre a juventude, com impressionante espontaneidade, o Nacional-Sindicalismo, logo aproveitou a onda e ei-lo de camisa verde, com cinturão e talabarte, armado em condottiere a fazer discursos inflamados com muita demagogia à mistura.

Não há dúvida de que nos anos de 1932 e 1933 o Nacional-Sindicalismo se propagou como um rastilho a arder, sobretudo entre a mocidade das universidades e dos liceus. A sua doutrina e o estilo que preconizava tinham vibração revolucionária e eram traduzidos em slogans de fácil expansão, como aquele que ficou célebre: "É preciso que os ricos sejam menos ricos para que os pobres fiquem menos pobres".

Muitos espíritos perturbados pelo comunismo e por outras ideologias então dominantes na República Espanhola encontram nesse movimento um sucedâneo que satisfaz as suas ansiedades e inquietações. Multiplicam-se concentrações, comícios, desfiles marciais. E muitos dos mais dedicados amigos de Salazar não resistem ao fascínio dessa nova corrente que tem as simpatias juvenis e se manifesta numa imprensa viva e combativa onde alguns estudantes de talento terçam as primeiras armas do jornalismo em que mais tarde se iriam revelar mestres: foi o caso de António Lepierre Tinoco, o futuro fundador do Diário Popular.

Sendo como era o Nacional-Sindicalismo a facção mais dinâmica de entre as que apoiavam a nova ordem de coisas e contando como contava com numerosas simpatias entre os tenentes que a defendiam, tudo parecia indicar que a Ditadura portuguesa, em 1933, iria adoptar rumo semelhante ao Fascismo Italiano.

Salazar, porém, permanece sereno e firme. Considera o movimento um desvio ideológico. Não transige com ele. Indiferente ao procedimento e às opiniões dos amigos que vão na corrente, Salazar recusa-se a aceitar a legitimidade do Nacional-Sindicalismo, até mesmo sob a sua chefia, como lhe foi oferecido. E em face da sua atitude o movimento começa a desagregar-se, cinde-se e acabará por se extinguir, deixando em muitos dos seus sequazes um rasto de mágoa e ressentimento, enquanto outros vieram a ser fiéis colaboradores do regime.


Legião Portuguesa





(...) Salazar, efectivamente, resistiu  sempre a aceitar o totalitarismo de Estado: toda a Constituição de 1933, onde se proclama a limitação da soberania pela Moral e pelo Direito, está cheia das afirmações dos direitos, não só individuais como da família, das corporações morais, culturais e económicas, das próprias instituições locais. E se transigiu com certas manifestações exteriores do estilo fascista foi num ambiente internacional em que sob um signo ou outro, elas eram práticas correntes. Ao lado, na República Espanhola, os comícios da frente popular, como já também sucedia na França, mostravam multidões erguendo os braços com os punhos cerrados e não admira por isso que os das frentes nacionais lhes opusessem a saudação romana com as mãos abertas e estendidas. A guerra civil no país irmão encheu de angústia os portugueses com as notícias das barbaridades cometidas e a tensão criada pela marcha das operações em que de ambos os lados os homens de batiam com fé e valentia mas com crueldade. A proximidade do perigo desperta as vontades e cria a preocupação da resistência: surge, como fruto de uma ansiedade geral após a tentativa de sublevação nos barcos de guerra, a Legião Portuguesa que arregimenta os anticomunistas dispostos a colaborar com o Estado na defesa do regime. Mas a Legião nunca teve o carácter de tropa de um partido e, desde o início, enquadrada por oficiais das Forças Armadas, ficou vinculada ao Estado, como organização de defesa civil e força de segunda linha de que as autoridades militares podiam dispor.

A guerra mundial virá acentuar este carácter e dar às formações legionárias maior relevo e importância na preparação da população civil contra qualquer ataque de surpresa, por terra ou pelo ar. E ao mesmo tempo ligou-as ainda mais às Forças Armadas».

Marcello Caetano («Minhas Memórias de Salazar»).





Fátima e a Maçonaria (i)



«A escolha que temos não é entre mais revolução e mais ou menos conservadorismo reaccionário, mas sim entre prosseguir na organização do processo de mudança tendente a produzir uma nova ordem mundial, ou sofrer um total e talvez irreparável colapso».

H. G. Wells



A ideia de um Anticristo, uma entidade que se assemelha a Cristo, mas que é de facto o seu oposto, foi dada na Bíblia e tem sido muitas vezes referida pelos mais diversos comentadores nos tempos modernos. «Roma perderá a sua fé e tornar-se-á o trono do Anticristo», disse Nossa Senhora de La Salette às duas crianças que viram uma aparição da Virgem Maria, numa pastagem perto de Grenoble, em 1846. Os Adventistas do Sétimo Dia e vários ramos da Igreja luterana defendem que o Anticristo reside no Vaticano. Deputado europeu e líder da Igreja Presbiteriana Livre do Ulster, Ian Paisley ficou famoso por denunciar João Paulo II como o anticristo em Estrasburgo. Mas a denúncia mais forte, mais atendida e mais duradoura veio de dentro da própria Igreja Católica, especialmente do movimento sedevacantista.

O sedevacantismo é um movimento fragmentado, feito de muitos pequenos grupos. O número total de pessoas que se auto-qualificam sedevacantistas é de talvez uns duzentos mil. Vivem sobretudo nos Estados Unidos, Canadá, Brasil, Reino Unido, Austrália, França e Itália. Embora a sua mensagem seja extremista, os sedevacantistas não vão geralmente para a luta nos púlpitos. São católicos tradicionais devotos que acreditam no papado e na infalibilidade do Papa, mas estão profundamente convictos da ideia teológica segundo a qual o actual Papa, como os quatro que o antecederam, não devem ser reconhecidos como membros legítimos da Igreja, muito menos sucessores de S. Pedro.

Aria Daniele, um piloto de aviões reformado, natural do Brasil, que viveu em Aljustrel, Fátima, a partir de 1988, articulou de forma erudita a visão sedevacantista da perspectiva de Fátima. Considera os acontecimentos de Fátima em 1917 os mais maravilhosos e mal-entendidos da era moderna do Cristianismo. «Quando o mundo entrou no catastrófico período das duas guerras e da atroz carnificina do comunismo, cobrando dezenas de milhões de vítimas, Deus todo-Poderoso na Sua misericórdia realizou um grande milagre e ofereceu-se para realizar a conversão de um poderoso império de forma a poupar a humanidade do processo de auto-destruição». Escreveu Daniele numa obra intitulada Entre Fátima e o Abismo.





«A oferta de ajuda divina foi resposta às orações da Igreja pedidas pelo Papa Bento XV, o Vigário de Cristo, que carrega a responsabilidade de garantir a fé católica, que é na sua essência uma fé na intervenção divina na Terra. Ainda assim, esta oferta foi recusada. Hoje, passado esse período de violência catastrófica, vivemos no meio de uma imundície moral e religiosa causada pelo trágico desprezo do mundo pela Fé; uma fé que está ela mesma ameaçada de aniquilação às mãos dos inimigos materialistas e modernistas. O Segredo de Fátima, como profecia da paz e da salvação para os nossos tempos, é um apelo constante a esta fé e um alerta daquilo que podemos esperar em consequência de uma cegueira espiritual que recusa o seu único remédio: a conversão às regras e ao amor de Deus», escreveu Daniele.

Da sua casa em Aljustrel em 2009, Daniele resumia assim os seus pensamentos sobre o estado da Igreja Católica no pós-Concílio Vaticano II: «Em todo o mundo, a fé Católica tornou-se a mais odiada e atacada de todas as religiões. É desprezada por aqueles que ocuparam a antes sagrada Cidade do Vaticano. O Vaticano tornou-se porta-voz de um falso ecumenismo determinado em obliterar a Verdade revelada de Jesus Cristo. Tais heresias são propostas por pastores que vendem uma nova religião sob o disfarce do catolicismo. Não admira que nos nossos tempos, o mundo, contaminado pelos fumos do sincretismo, esteja profundamente confuso por uma avassaladora degradação mental e moral».

Deve-se notar que o desmantelamento da Igreja Católica começou em força no início dos anos 60. Tanto os ensinamentos da Igreja como as mensagens de Fátima foram classificados como fora de moda e supérfluas face às necessidades do mundo moderno. Prevaleceu a ideia de que a Igreja Católica deve pôr-se a par do "progresso" da nova ordem mundial ou desaparecer». Os itálicos são de Daniele.

A sua opinião é partilhada por muitos católicos que não se qualificam de sedevacantistas ou parte de qualquer movimento, mas discordam fortemente dos desenvolvimentos no seio da Igreja introduzidos pelo Vaticano II. Dão a Maçonaria como raiz da mentira sobre o Terceiro Segredo. A causa da potencial calamidade que o mundo e a Igreja Católica pode sofrer foi apelidada de «revolução maçónica».







Deixando para já de parte as teorias da conspiração, vejamos o que é factualmente bem conhecido acerca da Maçonaria. A Irmandade, como se tornou conhecida, esteve sempre mergulhada em segredo e ofuscação, impossibilitando ou dificultando muito a separação dos factos da fantasia. Mesmo as suas origens estão envoltas em mistério. É provavelmente um movimento muito antigo. Existem registos na Escócia pelo menos do século XVI, mas os historiadores da Maçonaria concordam, geralmente, que a instituição moderna pode ser encontrada com precisão a partir de 24 de Junho de 1717. Era dia de S. João. Membros das quatro lojas de Londres encontraram-se na cervejaria Goose And Gridiron, junto à Catedral de S. Paulo. Concordaram unir-se numa Grande Loja, a primeira do mundo. A partir desta decisão histórica, as Grandes Lojas proliferaram, na Irlanda em 1725 e em França em 1733, no mesmo ano em que a Maçonaria pôs pé pela primeira vez nos Estados Unidos, onde é hoje numericamente a mais forte do mundo. Actualmente, a fraternidade de cerca de cinco milhões de membros está espalhada por muitas lojas locais, cada uma com a sua agenda própria, mas partilhando os princípios das Grandes Lojas nacionais, estatais ou regionais. A actual Maçonaria cresceu a partir da Idade das Luzes quando a liberdade de raciocinar através da filosofia e da ciência foi promovida como preferível à fé irracional e ao dogma religioso. Atraídos em muitos casos pela promessa de um conhecimento secreto e muita promoção pessoal, os maçons partilhavam um sentimento de camaradagem, alta rectidão moral e caridade. Era uma boa desculpa para os homens se reunirem, a comer, beber e falar. Revestiam a sua fraternidade em alegorias e símbolos associados ao trabalho dos pedreiros que construíram o templo do Rei Salomão.

Tudo isto, juntamente com rituais clandestinos, palavras-passe furtivas e gestos sub-reptícios ajudaram a ligar os iniciados, mas semearam a desconfiança entre os de fora. A única qualificação para membro, muito incompreendida pelos não-membros, era a crença num Criador ou Ser Supremo. A natureza ou filiação religiosa desta divindade única não importa. A Irmandade acolhia pessoas de todas as raças e credos. O «Grande Arquitecto do Universo» da Maçonaria representava o todo-Poderoso, independentemente da escolha pessoal de cada membro.

Em 1877, os franceses deixaram cair a obrigação de que os membros acreditassem num Ser Supremo. Assim, permitiram que os ateus aderissem ao Grande Oriente de França (GOdF). Esta separação radical da norma estabelecida entre os anglófanos espalhou-se a outros países europeus, incluindo Portugal.

A Maçonaria Continental ou Latina separou-se, portanto, das Grandes Lojas anglófonas. O cisma mantém-se nos nossos dias.







Os mercadores britânicos em Lisboa, provavelmente protestantes, criaram a primeira loja em Portugal no ano de 1727. Oito anos depois, já uma segunda loja tinha sido criada com diferente tipo de membros, que incluía mercadores irlandeses, mercenários estrangeiros do exército português, marinheiros, médicos e um padre dominicano. Esta segunda loja dissolveu-se em 1738 quando o Papa Clemente XII lançou uma proclamação proibindo os católicos de pertencerem a lojas ou tomarem parte nas suas actividades. «Ordenamos aos fiéis que se abstenham de ter relações com tais sociedades... de forma a evitar a excomunhão, que será o castigo imposto àqueles que não cumprirem esta nossa ordem. Ninguém, excepto às portas da morte, pode ser absolvido deste pecado senão por nós ou pelo então Pontífice de Roma», declarava a Bula Papal de Clemente In Eminent Apostolatur Speculatae. Dava também ordem aos agentes da Inquisição para perseguirem os maçons.

John Coustos, um suíço naturalizado britânico, criou uma terceira loja em Lisboa em 1741. Tinha sido iniciado numa loja em Londres em 1730 e mais tarde graduou-se em Grão-Mestre numa loja em Paris. Em Lisboa, trabalhava como lapidador de diamantes. Diz-se que o seu êxito financeiro levou a mulher de outro lapidador a denunciar Coustos à Inquisição. O suíço, juntamente com outros maçons, foi preso e brutalmente torturado em 1744. A igreja de um convento serviu de cenário ao seu julgamento.

Acusado de ser protestante, um herege e de ofender os católicos montando uma loja maçon, Coustos enfrentava a pena de morte. Esta foi comutada em cinco anos de trabalhos forçados nas galés, na condição de ele não revelar a brutalidade que sofreu na prisão. Lord Charles Compton, embaixador de Inglaterra em Portugal à época, intercedeu. Uma carta pessoal do rei Jorge II de Inglaterra ao rei D. João de Portugal conseguiu clemência para o condenado. Coustos partiu para a Inglaterra a bordo de um navio muito apropriadamente chamado The Diamond, O Diamante. Ignorando o seu compromisso com o tribunal da Inquisição, escreveu um livro acerca das suas experiências nas mãos dos carrascos. Entretanto, três dos seus co-réus foram mesmo para as galés.

A Maçonaria, a Igreja Anglicana e a família real britânica tiveram sempre boas relações entre si.

Um período semelhante de bom clima existiu em Portugal na década de 60 do século XVIII. O crescimento da Maçonaria neste período, particularmente entre o exército, a aristocracia e os intelectuais, coincidiu com a expulsão dos imensamente ricos jesuítas que controlavam o ensino católico. O poderoso Marquês de Pombal conduzia o país, mas depois da sua queda em desgraça os maçons foram de novo calados. A actividade maçónica era vista com muita desconfiança pelos monarcas absolutos, bem como pela Igreja Católica devido às suas preocupações com as ideias liberais e actividades subversivas. A Maçonaria em Portugal sobreviveu, mas apenas sob um estrito véu de secretismo.






Ao contrário da Maçonaria no Reino Unido e nos Estados Unidos onde a discussão política sempre foi oficialmente proibida nas lojas, o ramo continental envolveu-se determinadamente, ainda que de forma clandestina, na política. A Grande Loja de Inglaterra retirou o seu reconhecimento às lojas portuguesas quando estas alinharam com o Grande Oriente de França. Em 1877, no mesmo ano em que a Maçonaria Continental retirou a Bíblia das lojas e passou a admitir ateus, Pio IX disse a peregrinos portugueses: «Vocês têm um inimigo terrível e poderoso. É a impetuosa Maçonaria que pretende destruir entre vós todos os vestígios do catolicismo». O Papa Leão XIII lançou este alerta contra a Maçonaria em 1884: «A seita declara abertamente que, em segredo entre eles, têm há muito vindo a conspirar para que o sagrado poder dos pontífices seja abolido e que o próprio Pontificado, fundado no direito divino, seja por fim destruído».

A Maçonaria em Portugal fez o seu grande regresso nos primeiros anos do século XX. Historiadores como Oliveira Marques e o Grão-Mestre A. M. Gonçalves reconheceram que houve um envolvimento considerável dos maçons na revolução que derrubou a monarquia em 1910. Os católicos tradicionalistas vão mais longe e chamam «Revolução maçónica» ao golpe que trouxe a «República maçónica» com o seu governo feito de «todos os principais maçons». É provavelmente mais rigoroso do ponto de vista histórico dizer-se que o derrube da monarquia e subsequente ataque às instituições da Igreja Católica foram obra de ardentes republicanos ligados a uma sociedade secreta paramilitar, com quarenta mil membros, conhecida por carbonária. Ambos os grupos incluíam, sem dúvida, e eram grandemente apoiados por maçons.

Ser membro da fraternidade era agora vantajoso para quem pretendia fazer carreira nas armas ou na diplomacia. O primeiro-ministro, o ministro do Interior e o ministro da Justiça nos primeiros governos da República eram todos eles maçons. O número de membros das lojas duplicou para quatro mil entre 1910 e 1926 e a proporção de ministros maçónicos no goverrno manteve-se nos cinquenta por cento durante toda a Primeira República.

A Maçonaria em Portugal estava assim no auge da sua força política nos anos que rodeiam a criação e ulterior desenvolvimento do culto de Fátima.

As dissenções internas em breve criaram divisões na mais antiga obediência maçónica em Portugal, o Grande Oriente Lusitano Unido, que coincidiam com as divisões crescentes que destruiriam o movimento republicano, O tumulto em que viviam abriu caminho fácil ao golpe de estado de 1926 que conduziu à ditadura de Salazar. No clima de repressão que o fascismo do «Estado Novo» instalou, a Maçonaria voltou a tornar-se um alvo prioritário. A Irmandade foi obrigada a regressar, de novo, à clandestinidade. Um grande grupo de maçons portugueses escolheu o exílio.

José Cabral é o primeiro da esquerda nesta foto de 24 de Outubro de 1936. Oliveira Salazar está ao centro.


Depois de meio século na clandestinidade, a história de altos e baixos da Maçonaria portuguesa voltou a iniciar uma fase de subida com a revolução anti-ditatorial que devolveu a democracia ao país em Abril de 1974. Segundo as últimas contas havia sete «Obediências» distintas, ou ramos, sendo o maior o Grande Oriente Lusitano com mil e cem membros e a Grande Loja Legal de Portugal com novecentos membros. Havia até um ramo para as mulheres, com a Grande Loja Feminina de Portugal, com trezentos membros e um ramo misto, o Direito Humano, com duzentos.

Historicamente, os maçons portugueses viam a Igreja Católica juntamente com as monarquias absolutas como opressores, como os pilares que se erguiam no caminho para a meta tão querida do liberalismo de espírito aberto. Pela sua parte, a Igreja Católica tinha boas razões para estar vigilante face à Maçonaria e aos seus objectivos anticatólicos na Europa Continental, se não também na Grã-Bretanha. Isso explica por que, desde 1738 até há muito pouco tempo, o Vaticano proibiu inequivocamente os católicos de aderirem à Irmandade. Vários papas fizeram ecos das palavras de Clemente XII e condenaram a Maçonaria antes de Leão XIII se focar no problema na sua encíclica Humanum Genus, de 1884. Em resposta às afirmações da Maçonaria de que o movimento era mal compreendido e injustamente condenado, Leão XIII urgia os bispos a «arrancar a máscara» e denunciar a Maçonaria como uma «praga fatal».

No seu longo e vigoroso ataque, Leão XIII escrevia: «Como forma conveniente de encobrimento, assumem as personagens de homens de letras e académicos associados no propósito do ensino. Falam do seu zelo por um refinamento da cultura e no seu amor aos pobres; e declaram que o seu único desejo é melhorar as condições de vida das massas e partilhar com o maior número possível de pessoas todos os benefícios da vida civil. Mais, para serem alistados, é necessário que os candidatos prometam e se empenhem em obedecer estritamente aos seus líderes e mestres com a mais rigorosa submissão e fidelidade, e para estarem prontos a executar os seus deveres à mais pequena expressão da sua vontade; ou, se desobedientes, submeter-se às mais drásticas punições e à própria morte. De facto, quem for considerado de traição às actividades da seita ou de resistir às ordens dadas, recebe castigo certo e com tanta audácia e habilidade que o assassino muitas vezes escapa à detecção e castigo pelo crime» (in O Fenómeno de Fátima, Guerra e Paz, 2010, pp. 217-224).



Arcanjo S. Miguel calcando o Demónio



Continua


Nenhum comentário:

Postar um comentário